Julgamentos de justiça em contexto escolar e comportamentos desviantes na
adolescência
Julgamentos de justiça em contexto escolar e comportamentos desviantes na
adolescência
Cristina Sanches (*), Maria Gouveia-Pereira (*)
Unidade de Investigação em Psicologia Cognitiva da Educação e do
Desenvolvimento, ISPA - Instituto Universitário
ABSTRACT
Research in the justice field, namely in the field of the Relational Model of
Authority (Tyler & Lind, 1992) have showed that the more people perceive
authorities as fair, the more they legitimate those authorities and adopt pro-
active behaviours towards the group. In this research our hypothesis is that
adolescents' perceptions of injustice about school authority are related
with deviant behaviors in adolescence. We also analyze the mediation of the
evaluation of institutional authorities in the relationship between justice
perceptions and deviant behavior.
Participants were 331 adolescents, aged between 12 and 18 years old.
Results showed that as the adolescents' justice judgments about teachers
increase (in what regards the procedures used and the relationship's
quality), their involvement in deviant acts decreases. This relationship was
mediated by the evaluation of institutional authority and it was significant
even after controlling the effect of age and gender.
These results indicate that adolescents' perception of their relationship
with school authorities is a key factor for understanding deviance, and that
judgments about procedural and relational justice have an important role in the
development of that relationship.
Key-words: Adolescence, Deviant behaviours, Justice of judgments.
INTRODUÇÃO
Na sociedade portuguesa, a delinquência juvenil tem vindo a tornar-se um
problema muito grave e com consequências preocupantes. Do nosso ponto de vista,
este fenómeno terá tendência a aumentar, uma vez que emerge sobretudo nos
bairros problemáticos e em famílias com enormes carências, quer do ponto de
vista sócio-económico quer do ponto vista emocional. Ora, a vivência de grandes
dificuldades económicas, do aumento do desemprego, do trabalho precário e
evidentemente da pobreza, potencializa a exclusão social e a emergência de
comportamentos de desvio por parte dos adolescentes.
Esta exclusão pode acontecer em diferentes contextos sociais e relacionais do
indivíduo, nomeadamente na escola e na comunidade. Sabemos que estes factores
não são os únicos responsáveis da delinquência, e que este fenómeno resulta de
uma combinação de factores, nomeadamente de factores sociais, relacionais e
individuais (Goldestein, 1990). Sabemos também que, muitas vezes, prevalece um
destes factores que acaba por desencadear a teia complexa da delinquência.
Após uma revisão de diferentes perspectivas teóricas constatamos que a
complexidade deste fenómeno começa desde logo com a enorme variedade de
terminologias utilizadas. Diversas teorias e estudos empíricos provenientes de
diferentes áreas utilizam uma definição pouco clara acerca do que entendem por
delinquência. Frequentemente, o mesmo tipo de comportamento é denominado, quase
de uma forma indiscriminada, como desviante, transgressivo, anti-social ou
delinquente, isto para mencionar apenas os termos mais utilizados. Importa
então definir o que entendemos por comportamentos desviantes e comportamentos
de delinquência. Os comportamentos desviantes podem ser considerados
comportamentos de desvio às normas e expectativas sociais, sem que haja
necessariamente uma infracção legal, como é o caso da delinquência.
Além disso, determinados comportamentos delituosos ocorrem ocasionalmente, como
por exemplo roubos, actos de desordem pública, escolar e familiar, enquanto
outros fazem parte da experimentação e emergem sobretudo no período da
adolescência intermédia (Gouveia-Pereira, 2009). Na perspectiva de Silbereisen,
Noack, e Reitzle (1987), alguns dos comportamentos anti-normativos podem ser
vistos como uma tentativa dos adolescentes ultrapassarem as dificuldades
desenvolvimentais típicas da adolescência, não chegando a condutas de
delinquência crónica. Assim, nem sempre é fácil definir de forma clara a
normalidade ou o desvio das condutas juvenis.
A nossa abordagem adopta o conceito de comportamento desviante, uma vez que é
um conceito suficientemente abrangente para nos permitir incluir não só
comportamentos que constituem violações das normas legais (e.g., usar armas,
vender droga, conduzir sem carta de condução, roubar alguma coisa numa loja),
mas também comportamentos que, apesar de não serem puníveis legalmente, violam
as normas sociais e são considerados inaceitáveis em determinadas idades (e.g.,
fumar cigarros, beber álcool), ou em contextos específicos tais como a escola
(e.g., copiar nos testes, andar à luta com colegas, "baldar-se" às
aulas) ou a família (e.g., desobedecer ou mentir aos pais).
Acrescida à dificuldade de definição do termo desvio juvenil existem na
literatura diversas conceptualizações teóricas, vindas de diferentes áreas das
ciências sociais e humanas (e.g., psicologia e sociologia) que têm como
objectivo explicar as causas que levam um adolescente a transgredir ou a não
cumprir as normas sociais. Umas centram as suas explicações em factores de
natureza sociopsicológica (Gottfredson, 2001; Paterson & Yorger, 2002;
Rutter, 1983), outras colocam o seu enfoque em factores individuais
(Farrington, Biron, & LeBlanc, 1982). Face a um fenómeno tão complexo e
multifactorial como é o desvio cada uma das teorias, naturalmente, contribuirá
apenas em parte para a compreensão dos motivos que levam um adolescente a ser
desviante ou conformista. Contudo, na literatura, existe alguma unanimidade
acerca das causas mais relevantes para a emergência de comportamentos
desviantes, que se prendem com factores ligados à família, à escola e ao grupo
de amigos (Goldestein, 1990). Porém, o peso relativo de cada uma destas
entidades socializadoras na explicação dos comportamentos desviantes dependerá
da idade dos sujeitos analisados. Por exemplo, a contribuição do factor
familiar na delinquência pode diminuir à medida que o indivíduo vai crescendo e
se vai envolvendo na escola e no grupo de amigos (Harris, 1995, 1998), passando
a socialização secundária a ter um efeito determinante.
Este trabalho analisa o fenómeno do desvio juvenil a partir da perspectiva
iniciada por Emler e Reicher (1995) e que inspirou os nossos trabalhos iniciais
(Gouveia Pereira, 2009; Gouveia-Pereira & Sanches, submetido). Nesses
trabalhos temos vindo a articular dois tipos de modelos teóricos: os
julgamentos de justiça, nomeadamente o modelo relacional da autoridade (Tyler
& Lind, 1992) e os trabalhos sobre a delinquência desenvolvidos por Emler e
Reicher (1995, 2005). Pensamos que a articulação entre estes dois tipos de
trabalhos contribui para uma melhor compreensão acerca do papel que os
julgamentos de justiça podem desempenhar ao nível do desvio juvenil. Assim,
neste trabalho pretendemos analisar o impacto que a percepção da relação dos
adolescentes com as instituições socializadoras (e.g., a escola) e com as
figuras de autoridade (polícia, juízes/tribunais e leis) tem na ocorrência dos
comportamentos desviantes.
De seguida, iremos dar conta da relação entre as atitudes dos adolescentes face
à escola e às autoridades institucionais e o desvio.
RELAÇÃO ENTRE A AUTORIDADE INSTITUCIONAL A ESCOLA E O DESVIO
Emler e Reicher (1995) sugerem que o fenómeno do desvio e da delinquência está
relacionado com uma cisão na relação dos adolescentes com a autoridade
institucional, manifestando-se através de comportamentos de não aceitação das
normas e regras que o sistema social e respectivas autoridades pretendem
implementar. Os autores em 2005 defendem que quando os adolescentes
percepcionam as autoridades institucionais como parciais e tendenciosas nas
suas acções e incapazes de os proteger e de defender os seus interesses surgem
sentimentos de exclusão e alienação que podem facilitar o caminho para a
delinquência.
Alguns estudos empíricos têm demonstrado que a atitude negativa acerca da
autoridade institucional por parte dos adolescentes está fortemente relacionada
com o não cumprimento das regras e o envolvimento em actos de delinquência
(e.g., Emler & Reicher, 1987, 1995; Hirschi, 1969; Hoge, Andrews, &
Leischeid, 1996; Levy, 2001; Loeber, 1996; Reicher & Emler, 1985; Tarry
& Emler, 2007).
Essas investigações sugerem que a atitude negativa por parte dos adolescentes
relativamente às autoridades pode ganhar expressão de diferentes formas,
nomeadamente a recusa dos procedimentos e da protecção disponibilizados pelo
sistema institucional (Emler & Reicher, 1995), procurando fazer justiça
pelas próprias mãos, envolvendo-se assim em acções que desafiam a autoridade
(e.g., a propriedade privada é posta em causa através de roubos), e expressando
comportamentos de rejeição através de ataques directos a símbolos da ordem
institucional (e.g., actos de vandalismo), bem como através do desafio directo
dos seus representantes (e.g., professores e polícias).
Este conjunto de expressões negativas para com as autoridades parece significar
que os adolescentes não confiam nas autoridades e, para além disso, se percebem
que os modelos socializadores falham para com eles, também eles sentem que
podem falhar no cumprimento das regras e normas sociais.
Um outro conjunto de estudos empíricos mostrou, também, que a atitude face à
autoridade escolar está relacionada com a atitude dos adolescentes face à
autoridade institucional, particularmente face à polícia e face às leis (Emler
& Reicher, 1987; Emler, Ohana, & Dickinson, 1990; Reicher & Emler,
1985; Rigby & Rump, 1979, 1981). Mais especificamente, Gouveia-Pereira e
Pires (1999), Palmonari, Rubini, e Casoni (1999) e Rubini e Palmonari (1995)
mostraram que os resultados escolares, a adaptação às regras e o bem estar
escolar estão fortemente relacionados com as atitudes face à autoridade
institucional. Assim, quanto mais os adolescentes percepcionam as suas
experiências escolares em geral como positivas, mais positivas são as suas
atitudes face à autoridade institucional (polícias e leis).
Mais recentemente, outro conjunto de estudos mostrou que as atitudes face às
autoridades escolares dependem da qualidade da interacção com os professores
(Ochoa, López, & Emler, 2007). Especificamente, interacções negativas entre
os estudantes e os professores influenciam não só o desenvolvimento de atitudes
negativa face à autoridade escolar, como também o envolvimento em
comportamentos violentos e agressivos em contexto escolar (Estévez, Musitu,
& Herrero, 2005; López, Pérez, Ochoa, & Ruiz, 2008; Murray &
Murray, 2004; Ochoa et al., 2007), em particular no caso dos rapazes (López et
al., 2008).
Este conjunto de estudos mostra que a relação entre a adaptação às regras
escolares e o bem-estar escolar está relacionado com a atitude face à
autoridade institucional e mostra, igualmente, que a atitude face à autoridade
institucional está relacionada com os actos de delinquência.
A literatura acerca das percepções de justiça, sugere-nos que os julgamentos de
justiça acerca da autoridade são determinantes na legitimação dessas mesmas
autoridades e nos comportamentos positivos face ao grupo. Neste trabalho,
contrariamente, partimos do pressuposto de que os julgamentos de injustiça
acerca da autoridade escolar (professor) são um factor crítico na ocorrência de
comportamentos desviantes na adolescência. Esta hipótese tanto quanto sabemos
nunca foi testada.
No sentido de tornar mais claro o nosso trabalho, no ponto seguinte iremos
centrar-nos na literatura acerca dos julgamentos de justiça e a sua relação com
a avaliação das autoridades.
JULGAMENTOS DE JUSTIÇA E RELAÇÃO COM AS AUTORIDADES E O DESVIO
Diversas áreas científicas, tais como a filosofia, a política, a sociologia, a
economia e a psicologia, entre outras, têm prestado uma atenção particular ao
papel que as experiências de (in)justiça têm na vida do indivíduo. Em
particular, a psicologia social tem vindo a demonstrar que a experiência de
situações de justiça ou injustiça influencia fortemente as reacções das pessoas
(ver Brokner & Wendenfeld, 1996; Lind & Tyler, 1988; Tyler & Lind,
1992; Van den Bos & Lind, 2001), bem como o grau de legitimação das
autoridades em diferentes contextos (Gouveia-Pereira, 2008; Tyler, 1997).
Tyler e Lind (1992), ao proporem o modelo relacional de autoridade nos grupos,
evidenciam a importância das dimensões de justiça relacional na legitimação da
autoridade. Partindo dos pressupostos da Teoria da Identidade Social (Tajfel
& Turner, 1986) e da Autocategorização (Turner, 1987), os quais sugerem que
os indivíduos usam a informação que retiram dos seus grupos de pertença para
construírem a sua identidade social, o modelo de Tyler e Lind (1992) propõe que
a forma como os indivíduos são tratados pela autoridade fornece-lhes informação
sobre o seu valor no grupo e sobre o estatuto do grupo, contribuindo assim para
a definição da sua identidade.
Especificamente, o modelo relacional de autoridade nos grupos propõe que quanto
maior a percepção de que a decisão de uma autoridade é orientada por princípios
relacionais de neutralidade (a autoridade usa procedimentos iguais com todos os
indivíduos), confiança (autoridade é honesta e preocupa-se com as necessidades
das pessoas) e reconhecimento de status(a autoridade trata os indivíduos com
respeito e dignidade), mais essa decisão é percebida como justa, e
consequentemente mais bem aceite, favorecendo assim a legitimação da
autoridade. Segundo este modelo, somente essa legitimação pode assegurar a
aceitação e o cumprimento voluntários das decisões dessa autoridade.
Assim, este modelo, contrapondo-se ao modelo instrumental da justiça, indica
que os indivíduos aceitam e cumprem voluntariamente as decisões das
autoridades, mesmo quando estas decisões não são do seu interesse imediato,
preferindo manter no longo prazo um relacionamento positivo com o grupo em que
estão inseridos e com as autoridades desse grupo. Deste modo, os julgamentos de
justiça não se baseiam apenas em julgamentos de justiça distributiva, ou seja
aspectos instrumentais (e.g., favorabilidade dos resultados e distribuição dos
recursos) (Adams, 1965; Berkowitz & Walster, 1976), mas baseiam-se
sobretudo em aspectos relacionais da justiça procedimental (e.g., neutralidade
relativamente a todas as pessoas por parte das autoridades; confiar nas
autoridades).
Estas hipóteses têm recebido apoio empírico em muitos contextos institucionais
(ver Tyler, 1997; Tyler, Degoey, & Smith, 1996) e em diferentes contextos
nacionais e culturais (e.g., Lind, Tyler & Huo, 1997; Sousa & Vala,
2002; Tyler, 1997; Tyler & Caine, 1981; Tyler, Lind, Ohbuchi, Sugawara,
& Huo, 1998). Contudo, estes estudos nunca tinham sido conduzidos com
adolescentes e em contextos diferentes da escola, o que é o caso do nosso
estudo.
Assim, no sentido de colmatar esta lacuna analisámos as percepções de
(in)justiça dos adolescentes acerca das autoridades em contexto escolar e extra
escolar (Gouveia-Pereira, Vala, Palmonari, & Rubini, 2003), testando a
hipótese de que os julgamentos de justiça acerca dos professores, nomeadamente
os julgamentos de justiça procedimentais e relacionais eram um factor crítico
na legitimação da autoridade escolar e institucional (polícias, leis e
tribunais). Os resultados deram suporte a esta hipótese, evidenciando que os
julgamentos de justiça são cruciais na legitimação das autoridades,
nomeadamente da autoridade escolar. Assim, quanto mais os adolescentes
percepcionaram os professores como justos mais os legitimaram e aceitaram
voluntariamente as suas propostas e decisões. Neste mesmo estudo verificou-se
que a legitimação da autoridade escolar é uma variável mediadora da relação
entre os julgamentos de justiça e a avaliação da autoridade institucional. Os
resultados sugerem que um tratamento justo por parte dos professores tem
implicações que ultrapassam a esfera escolar, afectando também a avaliação que
os adolescentes fazem das autoridades institucionais (polícia, leis e
tribunais). Assim, a percepção de justiça relativamente à autoridade escolar
nas dimensões procedimentais e relacionais, promove a internalização de
representações positivas acerca de outras autoridades extra-escolares (legal e
judicial).
Num estudo subsequente, Gouveia-Pereira e Sanches (submetido) testaram a
hipótese de que os julgamentos de justiça acerca do comportamento dos
professores são igualmente determinantes na ocorrência de comportamentos
desviantes. As autoras partiram da hipótese de que os julgamentos de justiça
acerca da autoridade escolar não desempenham apenas um papel importante no
legitimação das autoridades, como atrás se referiu, mas podem desempenhar
igualmente um papel de relevo na ocorrência de actos desviantes na
adolescência.
As experiências de justiça e injustiça que os adolescentes vivenciam na relação
com os professores são um factor importante para um maior ou menor envolvimento
em comportamentos de desvio. De acordo com o modelo relacional da autoridade
(Tyler & Lind, 1992) se os adolescentes sentem que a autoridade escolar não
é justa nos procedimentos e na distribuição dos recursos, esse facto leva a que
não tenham confiança nessas autoridades e não estejam disponíveis para as
legitimar. Por sua vez, esses sentimentos de injustiça e a falta de confiança
relativamente à autoridade escolar podem ser transferidos para as autoridades
institucionais, como mostrou o estudo de (Gouveia-Pereira et al., 2003), e como
tal, os adolescentes reagem com comportamentos de confronto e de afastamento ao
que lhes é pedido por essas autoridades, podendo acontecer o que Emler e
Reicher (2005) sugerem - um corte com as autoridades.
Participaram no estudo 390 adolescentes, com idades compreendidas entre os 14 e
os 17 anos, com sucesso e insucesso escolar e a frequentar seis escolas
públicas na área de Lisboa. Verificou-se que os julgamentos de justiça,
especialmente os aspectos relacionais da justiça procedimental tiveram um forte
impacto negativo na ocorrência de comportamentos desviantes, quer nos
comportamentos ilícitos quer nos comportamentos de experimentação
(comportamentos de desvio relativamente às normas sociais). Torna-se assim
claro a relevância que os julgamentos de justiça acerca da autoridade escolar
têm na ocorrência dos comportamentos desviantes na adolescência.
Neste estudo procuramos testar a hipótese de que existe um efeito de mediação
da variável avaliação da autoridade institucional na relação entre os
julgamentos de justiça acerca dos professores, especialmente os aspectos
relacionais da justiça procedimental, e os comportamentos desviantes.
Dado que a evidência empírica mostra que as variáveis idade e género são
importantes no envolvimento em comportamentos desviantes na adolescência (Emler
& Reicher, 1995; Gottfredson & Hirschi, 1990; Hirschi, 1969; Junger-
Tas, Ribeaud, & Cruyff, 2004; Moffitt, 1993; Moffitt, Caspi, Rutter, &
Silva, 2001; Smith & McVie, 2003), neste trabalho iremos controlar o efeito
destas duas variáveis, introduzindo-as como co-variantes nas análises de
mediação.
MÉTODO
Participantes
Os participantes deste estudo foram 331 adolescentes, com idades compreendidas
entre os 12 e os 18 anos (M=15.5; DP=1.97), sendo 62.5% do sexo masculino e
37.5% do sexo feminino. Os dados foram recolhidos em 27 turmas de três escolas
localizadas na área da Grande Lisboa e os participantes frequentavam o 2º e 3º
ciclos do ensino básico.
Instrumentos
Julgamentos de justiça acerca dos professores
Esta escala foi desenvolvida por Gouveia-Pereira (2004) e é constituída por 16
itens que medem as três dimensões de justiça mencionadas na literatura: justiça
distributiva(e.g., "em geral, os meus professores reconhecem o meu
esforço"), justiça procedimental(e.g., "os meus professores ouvem
as minhas opiniões antes de tomar as decisões acerca de mim próprio") e
justiça relacional(e.g., "os meus professores tratam-me com respeito e
consideração"). As respostas eram dadas numa escala de 5 pontos
(1=Discordo completamente; 5=Concordo completamente). Uma Análise Factorial por
Componentes Principais (PCFA), revelou dois factores (KMO=0.91) que explicam
48.9% da variância total (39.8% o primeiro factor e 9.1% o segundo factor). O
primeiro factor agregou 4 itens relativos à justiça procedimental e 7 itens
pertencentes à justiça relacional (α=.84; M=3.63; DP=.68). O segundo factor
agregou 5 itens relativos à justiça distributiva (α=.83; M=3.75; DP=.78). Os
itens da justiça procedimental e relacional têm sido agregados no mesmo factor
em algumas pesquisas (ex. Folger, 1996; Gouveia-Pereira et al., 2003; Sousa
& Vala, 2002; Vermunt, Van der Kloote & Van der Meer, 1993), indicando
que as pessoas não distinguem de forma clara estas duas dimensões da justiça.
Avaliação da autoridade institucional
Esta escala foi desenvolvida por Gouveia-Pereira (2004), sendo constituida por
19 itens para medir três tipos de autoridade institucional: polícia(e.g.,
"às vezes os polícias multam as pessoas injustamente"), leis(e.g.,
"as leis protegem os direitos de todos os cidadãos") e os juízes/
tribunais(e.g., "os tribunais existem para que a sociedade seja melhor
para todos").As respostas eram dadas numa escala de 5 pontos (1=Discordo
completamente; 5=Concordo completamente).
Pesquisas prévias indicaram que a avaliação que os adolescentes fazem destas
autoridades estão positivamente correlacionadas (Gouveia-Pereira et al., 2003;
Reicher & Emler, 1985; Rigby, Schofield, & Slee, 1987). Assim,
construiu-se uma variável conjunta com os três tipos de autoridade designada
por avaliação da autoridade institucional(α=.67; M=3.06; DP=.54).
Comportamentos de desvio
Esta escala foi desenvolvida por Gouveia-Pereira e Carita (2005) e é
constituída por 41 itens que medem a frequência de comportamentos desviantes
que ocorreram nos dois últimos anos em contexto escolar, familiar ou público.
De um modo geral, os itens remetiam para comportamentos de vandalismo,
comportamentos aditivos, agressões físicas ou verbais, comportamentos
disruptivos na escola, roubos e desobediência a regras e a figuras de
autoridade. As respostas eram dadas numa escala de 6 pontos (0=nunca; 5=muitas
vezes).
Realizou-se uma Análise Factorial por Componentes Principais, da qual emergiu
uma estrutura factorial pouco inteligível. Assim, optámos por agregar os itens
desta medida em dois factores, tal como a estrutura factorial resultante do
estudo de Gouveia-Pereira e Sanches (submetido).
O primeiro factor, que denominámos comportamentos ilícitos(α=.94; M=.58;
DP=.77), inclui 24 itens que remetem para comportamentos que violam normas
legais, tais como roubos (e.g., "roubei ou tentei roubar alguma coisa
barata numa loja" - ex: revistas, doces, meias, canetas, etc.), uso
de armas (e.g., "usei algum tipo de arma - ex: navalha,
'naifa', etc. - quando andei à luta com alguém"),
condução de veículos sem carta de condução, comportamentos violentos (e.g.,
"bati ou atirei objectos a um professor ou a outro adulto na escola, numa
altura em que estava zangado/chateado") e vandalismo (e.g.,
"estraguei ou destruí bens públicos ou privados"
- ex: cabines telefónicas, parquímetros, sinais de trânsito, máquinas de
cigarros, furar pneus de carros ou motas, partir espelhos ou janelas, etc.). O
segundo factor, que denominámos comportamentos de experimentação(α=.86; M=1.43;
DP=.97) inclui 13 itens que remetem para comportamentos como por exemplo
"Faltei às aulas porque não me apetecia ir, para ficar com colegas meus,
ou para ir dar uma volta", "Fumei cigarros", "Bebi
bebidas alcoólicas" ou "Saí à noite sem autorização dos meus
pais". Quatro items não se agregaram de forma significativa em nenhum dos
dois factores.
Procedimento
Foram seleccionadas três escolas de acordo com a disponibilidade e aceitação
demonstrada pelas respectivas direcções para participar no estudo. Os
directores foram informados acerca dos objectivos do estudo e, em coordenação
com os directores de cada turma, identificaram os momentos lectivos em que
seria mais adequada a administração dos questionários.
Os directores de turma ficaram responsáveis por distribuir pelos alunos os
pedidos de autorização aos pais, que incluíam uma descrição muito breve do
estudo, a garantia de que o questionário era anónimo e que todos os dados
recolhidos seriam absolutamente confidenciais. Com o acordo dos directores de
cada escola, optámos pelo consentimento passivo, ou seja, era solicitado aos
pais que assinassem e devolvessem os pedidos de autorização no caso de não
autorizarem que o seu filho participasse no estudo.
Os participantes foram informados que: (1) o questionário era anónimo, (2) as
suas respostas eram totalmente confidenciais, garantido-lhes que não seriam
mostradas a ninguém da escola nem aos pais, (3) poderiam fazer todas as
perguntas que desejassem depois de terem respondido ao questionário e (4) a sua
participação era voluntária. Todas as medidas foram administradas no mesmo dia,
durante um tempo lectivo que foi especificamente cedido para o preenchimento do
questionário, mas na presença exclusiva do investigador. Os participantes
demoraram aproximadamente 30 minutos a preencher o questionário.
RESULTADOS
Correlações entre as variáveis do estudo
Com o objectivo de analisar a relação entre as diversas variáveis em estudo
realizámos análises de correlação de Pearson, excepto para as variáveis idade e
género (correlações de Spearman) (ver Tabela 1).
Observando a Tabela 1 verifica-se uma correlação positiva significativa entre
as percepções de justiça relativas aos professores e a avaliação que os
adolescentes fazem das autoridades institucionais, bem como uma associação
negativa e significativa entre as percepções de justiça e as duas dimensões dos
comportamentos de desvio. Verificamos também que as correlações entre os
julgamentos de justiça e os comportamentos de desvio são mais fortes no caso
dos aspectos relacionais da justiça procedimental do que no caso da justiça
distributiva. Além disto, e de acordo com a literatura, a avaliação das
autoridades institucionais encontra-se negativa e significativamente associada
aos comportamentos de desvio. A idade não revelou uma associação significativa
com as percepções de justiça, mas está negativamente associada à avaliação das
autoridades institucionais e positivamente associada às duas dimensões dos
comportamentos desviantes. Para responder à nossa hipótese realizamos um
conjunto de análises que passaremos a descrever.
TABELA 1
Correlações de Pearson e Spearman entre variáveis1 2 3 4
Análises de mediação
Para analisar o efeito mediador da avaliação das autoridades institucionais na
relação entre as percepções de justiça acerca dos professores e os
comportamentos de desvio dos adolescentes, foram estimadas três equações de
regressão tal como sugerem Baron e Kenny (1986): (1) a variável mediadora foi
regredida sobre a variável independente; (2) a variável dependente foi
regredida sobre a variável independente; (3) a variável dependente foi
regredida simultaneamente sobre as variáveis mediadora e independente. De
acordo com Baron e Kenny (1986), para que haja mediação é necessário satisfazer
quatro condições: (a) na primeira equação de regressão a variável independente
tem de ter um efeito significativo sobre a variável mediadora;
(b) na segunda equação de regressão a variável independente tem de ter um
efeito significativo sobre a variável dependente; (c) na terceira equação de
regressão a variável mediadora tem de ter um efeito significativo sobre a
variável dependente e, simultaneamente, (d) o efeito da variável independente
sobre a variável dependente tem de ser mais baixo na terceira equação de
regressão do que na segunda.
Tal como atrás referimos, para garantir que os efeitos de mediação analisados
não eram explicados por terceiras causas nomeadamente a idade e/ou o género,
estas duas variáveis foram introduzidas como co-variantes nas equações de
regressão que predizem os comportamentos desviantes, de modo a que o seu efeito
fosse controlado.
Ao analisar os resultados, a primeira equação de regressão evidenciou que a
justiça distributiva não teve um efeito significativo sobre a avaliação das
autoridades institucionais. Uma vez que a primeira condição para a mediação não
foi satisfeita, esta variável não foi incluída nas equações de regressão
posteriores.
Observamos igualmente (Figuras 1 e 2) que na primeira equação de regressão a
justiça relacional/procedimental teve um impacto positivo significativo sobre a
avaliação das autoridades institucionais (β=.48, p<.001). Relativamente aos
resultados, da segunda equação de regressão, verificámos que, mesmo controlando
o efeito da idade e do género, a justiça relacional/procedimental teve um
impacto negativo significativo sobre os comportamentos ilícitos (β=-.35,
p<.001) e sobre os comportamentos de experimentação (β=-.39, p<.001).
Na terceira equação de regressão, os resultados mostram que a variável
mediadora (avaliação das autoridades institucionais) teve um impacto negativo
significativo sobre os comportamentos ilícitos (β=-.29, p<.001) e sobre os
comportamentos de experimentação (β=-.20, p<.01). Além disso, a introdução
desta variável em simultâneo com a justiça relacional/procedimental fez
diminuir o seu impacto nas duas dimensões de comportamentos desviantes:
comportamentos ilícitos (β=-.22, p<.001) e comportamentos de experimentação
(β=-.29, p<.001). Assim, podemos afirmar que, as quatro condições para a
mediação foram satisfeitas.
O teste zde Sobel permitiu-nos verificar se a diminuição do impacto da justiça
relacional/ /procedimental sobre os comportamentos desviantes da segunda para a
terceira equação de regressão era significativa. Os resultados do teste de
Sobel mostram que essa mediação é significativa, quer no caso dos
comportamentos ilícitos (z=-4.30, p<.001), quer no caso dos comportamentos de
experimentação (z=-3.23, p<.01). Assim, os resultados indicam a existência de
um efeito de mediação parcial uma vez que na terceira equação de regressão o
impacto dos julgamentos de justiça sobre o desvio não deixou de ser
significativo, tendo apenas diminuído.
Tendo em conta estes resultados, podemos afirmar que a relação entre os
julgamentos de justiça relacional/procedimental acerca dos professores e os
comportamentos de desvio dos adolescentes é parcialmente mediada pela avaliação
que os adolescentes fazem das autoridades institucionais e que este efeito de
mediação é significativo mesmo controlando os efeitos das variáveis idade e
género.
FIGURA 1
Análises de mediação para os comportamentos ilícitos
FIGURA 2
Análises de mediação para os comportamentos de experimentação
DISCUSSÃO
Com este trabalho pretendemos, por um lado, compreender melhor quais as
variáveis que podem contribuir para a ocorrência dos comportamentos desviantes
na adolescência, e por outro lado, pretendemos alargar e potencializar o modelo
relacional da justiça a outros campos da psicologia.
Assim, e de forma geral, os nossos resultados confirmam a nossa hipótese de
que, quanto mais os adolescentes percepcionam os seus professores como justos
ao nível dos procedimentos que utilizam e da qualidade das relações inter-
pessoais que estabelecem, mais positivamente avaliam também outros tipos de
autoridade institucional extra-escolar, nomeadamente a polícia, as leis, os
juízes e os tribunais. Por sua vez, quanto mais positiva é a avaliação das
autoridades institucionais, menor é o envolvimento dos adolescentes em
comportamentos desviantes, sejam eles ilícitos ou comportamentos de
experimentação, mesmo quando controlados os efeitos das variáveis idade e
género.
Especificamente, os nossos resultados reforçam o Modelo Relacional da
Autoridade proposto por Tyler e Lind (1992), uma vez que também neste contexto
(escolar) e com esta população (adolescentes) são os julgamentos acerca dos
aspectos relacionais dos procedimentos usados pela autoridade escolar
(professor) que contribuem para a ocorrência de dois tipos de desvio: uma
dimensão constituída por comportamentos graves e ilícitos e uma outra dimensão
de comportamentos considerados menos graves e que podem ser considerados
comportamentos de experimentação típicos no grupo etário analisado. Os aspectos
distributivos da justiça, embora estejam relacionados com a ocorrência do
desvio, como aliás se pode ver na Tabela das correlações, nas análises de
mediação não se revelaram estatisticamente significativos. Estes resultados
sugerem que não são os julgamentos instrumentais da justiça, isto é, a justiça
dos resultados que influenciam a ocorrência do desvio, mas são antes os
julgamentos de justiça acerca dos procedimentos utilizados e a qualidade da
relação que os professores estabelecem com os adolescentes que levam a uma
menor ocorrência deste tipo de comportamentos.
Efectivamente, outros estudos têm demonstrado que são sobretudo os aspectos
relacionais da justiça, que conduzem à legitimação das autoridades, isto é, que
levam a que as pessoas aceitem voluntariamente as decisões e propostas dessas
autoridades, em diversos contextos: legal, familiar, escolar, organizacional e
político (Gouveia-Pereira et al., 2003; Gouveia-Pereira, 2008; Sousa &
Vala, 2002; Tyler, 1990, 1997; Vala & Marinho, 2003); que mais contribuem
para os comportamentos pró-activos face aos grupos aos quais pertencem (Tyler
& Blader, 2000; Tyler et al., 1996) e para os comportamentos de cidadania
no contexto escolar (Gouveia-Pereira, Marçal, & Carita, 2006; Carita,
Gouveia-Pereira, & Brites, 2006). Este conjunto de estudos mostra de forma
clara a relevância que os julgamentos de justiça têm nos comportamentos
positivos das pessoas face à autoridade e aos grupos aos quais pertencem.
Os resultados deste estudo reforçam os já encontrados por Gouveia-Pereira
(2009) e por Gouveia-Pereira e Sanches (submetido). Ou seja, o facto de os
adolescentes percepcionarem os professores como autoridades justas acerca dos
processos aplicados e da qualidade da relação estabelecida leva a uma
diminuição da ocorrência de comportamentos ilícitos (ex.: uso de armas brancas,
roubos, vandalismo, bater e insultar professores, etc.), mas também a uma
diminuição de comportamentos que podem ser considerados menos graves (ex.:
faltar às aulas, arranjar problemas com os colegas da escola, sair à noite sem
autorização dos pais, etc.). Assim, os resultados indicam que os julgamentos de
justiça relacional/procedimental acerca das autoridades não promovem apenas
comportamentos pró-sociais face ao grupo, mas conduzem igualmente à prevenção
de comportamentos desviantes na adolescência. Deste modo, é provável que a
percepção da autoridade escolar como injusta por parte dos adolescentes possa
levar à sua exclusão social (Emler & Reicher, 2005), começando pela sua
auto-exclusão.
Embora como vimos, existam alguns estudos que evidenciam que o tipo de
interacção entre os professores e estudantes está relacionado com os
comportamentos agressivos e violentos no contexto da escola (Estévez et al.,
2005; López et al., 2008; Murray & Murray, 2004; Ochoa et al., 2007), os
resultados do nosso estudo evidenciam que não é apenas relevante a qualidade da
interacção professor-aluno, mas são também os processos utilizados pelos
professores que determinam a ocorrência do desvio. Além disso, evidenciam ainda
que os julgamentos de justiça acerca dos professores têm consequências, quer
nos comportamentos desviantes que ocorrem dentro do contexto escolar, quer nos
comportamentos que ocorrem no contexto extra-escolar, uma vez que os conteúdos
das duas dimensões de desvio aqui analisadas remetem para ambos os contextos.
Apesar da análise do efeito da idade e do género não ser o objectivo deste
estudo, é importante referir que diversos estudos sugerem uma forte relação
entre o grupo etário e o género e a ocorrência do desvio, nomeadamente que essa
relação atinge o ponto mais elevado na adolescência média (14-16 anos) e que os
rapazes se envolvem mais neste tipo de comportamentos do que as raparigas
(Emler & Reicher, 1995; Fagan & Tyler, 2005; Farrington, 2002;
Gottfredson & Hirschi, 1990; Junger-Tas, Ribeaud, & Cruyff, 2004;
Moffitt, 1993; Moffitt, Caspi, Rutter, & Silva, 2001; Smith & McVie,
2003). Os nossos resultados indicam que a idade é um preditor positivo
significativo dos comportamentos de desvio na adolescência, sugerindo que à
medida que a idade dos adolescentes aumenta, o seu envolvimento quer em
comportamentos ilícitos quer em comportamentos de experimentação também
aumenta. Por sua vez, a variável género mostrou-se um preditor significativo
dos comportamentos ilícitos mas não dos comportamentos de experimentação. No
nosso entender, esta constatação poderá significar que, provavelmente, quer os
rapazes quer as raparigas realizam os comportamentos de experimentação, isto é,
são comportamentos comuns à maioria dos adolescentes, e portanto, ao ser
analisado em conjunto com a dimensão dos julgamentos de justiça, o género acaba
por não se apresentar significativo neste tipo de comportamentos. Ao contrário,
relativamente à dimensão comportamentos ilícitos, o género apresenta-se
estatisticamente significativo, podendo ser interpretado de acordo com a
literatura, ou seja, os rapazes comentem com mais frequência do que as
raparigas este tipo de comportamentos.
Apesar desta evidência, a robustez do modelo por nós proposto é reforçada pelo
facto da mediação não ser explicada por terceiras causas - nomeadamente a
idade ou o género - uma vez que observamos que a mediação é
estatisticamente significativa mesmo quando o efeito destas duas variáveis é
controlado.
Assim os nossos resultados permitem-nos referir que os aspectos relacionais da
justiça procedimental acerca da autoridade escolar (professor) podem ser
considerados como um factor estruturante do desenvolvimento normativo na
adolescência e ajudar na interiorização do cumprimento das regras sociais.
No nosso entender, uma possível hipótese explicativa para a importância dos
julgamentos de justiça acerca da autoridade escolar no desvio é o facto de a
qualidade da relação entre a autoridade escolar e os adolescentes influenciar a
forma como estes se vêem, ou seja a construção da sua identidade. Um dos
argumentos-chave dos modelos de justiça mobilizados neste estudo (Lind &
Tyler, 1988; Tyler & Lind, 1992) é precisamente que os julgamentos de
justiça procedimental e relacional são determinantes em termos identitários, na
medida em as pessoas usam o feedback que recebem dos grupos e das autoridades
grupais para construir e manter a sua identidade. Ou seja, a qualidade da
relação estabelecida e os procedimentos utilizados, são aspectos da experiência
interpessoal que comunicam às pessoas que elas são membros valorizados naquele
grupo (Tyler & Blader, 2003), transmitindo-lhes desse modo informações
identitárias positivas. Seguindo esta ordem de ideias, parece-nos plausível
pensar que os julgamentos relacionais e procedimentais de justiça acerca da
autoridade escolar possam estar relacionados com os comportamentos de desvio,
por intermédio do seu impacto na identidade dos adolescentes.
De facto, a adolescência é um período crítico para a construção da identidade,
e nesse período o sentimento de que se é valorizado e socialmente aceite
adquire uma importância particular. Ora, a escola tem impacto nas diversas
esferas da vida de um adolescente, nomeadamente na construção de uma identidade
positiva ou negativa, que deverá estar dependente, quer dos resultados
escolares obtidos quer do sentimento de que se é um membro valorizado não só
pelos pares mas também pelos professores. No sentido desta nossa hipótese, o
estudo de Carroll, Houghton, Hattie, e Durkin (1999), mostra que, quando os
adolescentes não se sentem valorizados e aceites na escola têm uma maior
probabilidade de procurarem este reconhecimento social através de outros meios,
nomeadamente associando-se a outros que partilhem os mesmos sentimentos e
procurando uma reputação social baseada na rebelião e na indisciplina. Também
Emler e Reicher (1995) sugerem que a forma como os adolescentes se relacionam
com as autoridades institucionais e a opção por uma via normativa ou anti-
normativa determina a identidade desses mesmos adolescentes. Contudo, esta
ideia necessita ainda de ser testada.
Uma das limitações do nosso estudo é ser correlacional e como tal, é necessário
ter alguma cautela no tipo de conclusões que retiramos a partir dos resultados
obtidos, uma vez que como refere Holmbeck (1997), as relações entre as
variáveis independente, mediadora e dependente podem não ser necessariamente
causais.
Pensamos, no entanto, que este estudo contribuiu para tornar mais clara a
relevância dos julgamentos de justiça relativamente à autoridade escolar, bem
como da avaliação das autoridades institucionais na ocorrência de actos de
desvio na adolescência. Além disso, os nossos resultados mostram igualmente a
robustez do modelo, por nós aqui proposto, permitindo uma visão mais coerente e
integrada dos resultados em vez de uma dispersão de dados tantas vezes
encontrada neste tipo de estudos.