Editorial
Editorial
Em 2006 pudemos evocar diversas efemérides significativas no campo da educação,
desde o vigésimo aniversário da Lei de Bases do Sistema Educativo, ao
centenário da cátedra de Ciências da Educação e Sociologia na Sorbonne,
atribuída a Émile Durkheim em 1906, aos cem anos do nascimento de Rómulo de
Carvalho/António Gedeão e ao vigésimo aniversário da sua obra História do
Ensino em Portugal. Evocaram-se igualmente os vinte anos da adesão de Portugal
à então CEE. São, por isso, múltiplos os marcos que povoam a memória deste
nosso tempo. Destas datas, duas merecem particular menção: 1986, a da Lei de
Bases do Sistema Educativo (LBSE) e 1906, a do nascimento de Rómulo de
Carvalho, aquele professor de física que assinou cerca de duas dezenas de
textos de Pedagogia e Didáctica; que desenvolveu investigação em História da
Educação e História da Ciência; que publicou diversos livros de divulgação
científica. Este professor-investigadorpoeta-pedagogo-escritor poderá ser
proveitosamente revisitado por nós neste tempo em que o conhecimento e a
reflexão, que complexificam visões das realidades, se tornaram incómodos para
uma acção cujo sentido ameaça tantas vezes esgotar-se na vertigem de um
activismo de mudanças anunciadas.
Relativamente à LBSE, vale aqui recordar a dimensão em que nessa Lei se
consagra a escola básica para todos, expressão que, no nosso país, designou a
escola de massas, modelo comum e plural partilhado pela Europa, Estados Unidos
e outros países ocidentalizadosdesde meados do século XX. Entre nós, no
entanto, a sua construção foi tão tardia que veio acompanhada de um nome novo,
com ressonâncias ao que, por essa altura, foi o início da longa caminhada das
Nações Unidas para alcançar a meta, ainda hoje longínqua, de educação para
todosproclamada na Declaração de Jomtien em 1990. Pelo nosso lado, quase já
esquecemos que os nove anos de escolaridade básica apenas se tornaram
obrigatórios para as crianças que iniciaram o ensino básico em 1987 aqueles
que contam agora 26 anos. Tão jovem é ainda a primeira geração que, por
desígnio de um projecto societal e vontade política, percorreu nove anos de
escolaridade Concluídos em 1996, ontem, apenas. Contudo, embora se tenha
cumprido como instrumento essencial tornando dificilmente reversível o que
dessa forma foi consagrado, a LBSE é, ainda hoje, a promessa imperfeitamente
realizada do direito à educação sustentado num sistema público universal.
Por isso, discutir estes 20 anos mesmo que, hoje, a LBSE se revele um
insuficiente quadro jurídico-político regulador e gerador de políticas e
práticas para o sistema educativo; mesmo que, hoje, aquelas transbordem
largamente, e por vezes indevida e ilegitimamente, os contornos permitidos pelo
documento ordenador , traz de volta à mesa das preocupações a ordem dos
projectos e das políticas para o país e para a educação (ou para o nosso país
na União Europeia, desta vez tomando cuidado para que a imaginação do centronão
tolde o olhar que há-de ver-nos entre a Europa, o Atlântico e África). E essa
discussão de projectos políticos societais para a educação, hoje, precisa do
melhor conhecimento que pudermos construir sobre a educação e o sistema
educativo, a não ser que a opção seja agir com base na ignorância.
Procurando responder ao seu projecto editorial a Revista Portuguesa de
Educaçãotem assumido de forma inequívoca a missão de contribuir paraaquele
desígnio; assim, neste último número de 2006, percorremos umconjunto de
temáticas e problemáticas que remetem para algumas questõesclássicas e ainda em
discussão nos campos da investigação e da acção emeducação.
"Quando a educação fixa os lugares dos sujeitos" poderia ser uma
evocação do ponto de partida de Teresa Esteban para o percurso argumentativo
que propõe. Aí a atenção desloca-se para a sala de aula como mundo de
(des)ordem onde o parêntesis indica qual o centro e a margem oficialmente
requeridos para esse universo onde os conceitos, as palavras, as relações e
acções se dirigem ao posicionamento dos sujeitos para que nenhuma diferença
possa ainda restar incomensurável. Questionando por que a visão da diversidade
pode destituir o Outroda espessura da sua diferença, a autora firma alguns
desafios e pontos de apoio para interrogar os nossos saberes e fazeres
científico-sociais, profissionais e institucionais. Procurando também
interpelar a construção do conhecimento e a sua inscrição no contexto das
práticas, Domingos Fernandes sublinha a centralidade da investigação para uma
teoria da avaliação formativa orientadora das práticas e percorre contextos,
actores e processos envolvidos em realidades educativas cuja elucidação requer
ainda atenção e estudos persistentes.
A formação de professores é uma preocupação transversal aos artigos assinados
por Álvaro Leitão & Isabel Alarcão e Sandra Magalhães & Celina
Tenreiro-Vieira. Através de interrogações e propostas diferenciadas, com
possíveis pontes para o diálogo, os autores procuram delinear modelos e
percursos de formação que confrontem tensões associadas à articulação teoria-
prática e superem impasses quanto ao lugar da formação na construção do
pensamento crítico e reflexivo.
Os modelos de estilos de aprendizagem e um conjunto de recursos de hipermedia
são mobilizados para um estudo desenvolvido por Nídia Kuri, António Silva &
Márcia Pereira para discutirem metodologias de ensino em disciplinas e cursos
de nível superior. A apresentação dos processos explorados e avaliados permite
analisar e confrontar as opções tomadas e os resultados em presença. Também
centrado na sala de aula, o texto de Luzia Bastos descreve modalidades de
interacção e discute implicações de modos diversos de organização das
actividades de ensino-aprendizagem, ao nível da comunicação e do
desenvolvimento de competências verbais orais.
O estudo de Isabel Freire, Ana Veiga Simão & Ana Ferreira apresenta um
questionário para a observação de comportamentos de violência entre pares na
escola portuguesa. A análise de dados relativos a um caso estudado revela
certas similitudes, mas também pistas de investigação relativas a algumas
divergências encontradas face a outros estudos.
Interrogar a educação pelo prisma da ética favorece questionamentos que a
diferença, de múltiplos modos, coloca no âmago da relação educativa. Carlos
Maia propõe um itinerário de reflexão, ancorado no conto Maio moço de Miguel
Torga, procurando explicitar e elucidar alternativas e opções filosóficas e
pedagógicas em torno de valores e fins de desenvolvimento humano em jogo no
processo educativo.
Este número da Revista Portuguesa de Educaçãoque agora entregamos nas mãos dos
leitores procura também, no particular labor que é o seu, interpelar o projecto
societal que conhecemos como escola para todose que há duas décadas uma Lei
acolheu; o objecto multifacetado e a pluralidade de olhares que a seguir se
oferecem tentam ser, na sua difícil construção, um testemunho deste campo
científico e social no exacto tempo de 2006.
Fátima Antunes
Centro de Investigação em Educação
Instituto de Educação
Universidade do Minho - Campus de Gualtar
4710 Braga - Portugal
rpe@iep.uminho.pt