Editorial
Editorial
O vigésimo aniversário da Revista Portuguesa de Educação e o actual momento de
mudança no ensino superior, incluindo o português, convidam a perguntas que, em
tempo de manifesta escassez de respostas, abram espaços de discussão e ensaios
de opções. Quando reflectimos sobre o papel da edição científica periódica,
alguns tópicos impõem-se-nos com uma força inapelável: Em que sentidos se pode
falar de 'projectos editoriais', designadamente no campo dos estudos
educacionais? Que interfaces podem aqueles manter com as comunidades académico-
científicas e profissionais a que se referenciam? Qual o papel da edição
periódica na elaboração dos acordos-em-processo que sustentam as práticas de
investigação e edição científicas no campo educacional? Pode falar-se de uma
'esfera pública' actuante neste universo? Se sim, que contornos, práticas e
relações de poder a configuram? Que regras, critérios, procedimentos e
mecanismos de controlo sustentam e legitimam a 'arbitragem científica' como
instituição-charneira da edição e da investigação? Que impactos e interacções
decorrem das exigências e processos de internacionalização? A indispensável
reflexividade do campo em que nos situamos implica analisar estruturas e
instituições, projectos e práticas editoriais, bem como os sentidos e
motivações que os seus protagonistas neles investem.
A relativa lassidão das fronteiras do domínio dos estudos educacionais não
significa que não sejam aí reconhecíveis polarizações e cruzamentos em torno de
áreas e disciplinas científicas, eixos temáticos e metodológicos, bem como
comunidades de referência e prática académicas. Este número da RPE continua a
testemunhar, pelos textos que oferece, aquela pluralidade exigente e
manifestamente credora do rigor teórico e da abrangência do olhar. Saberes de
fronteira, eis onde se constrói a identidade de muito do nosso conhecimento:
fronteiras onde se cruzam, confrontam e comunicam patrimónios e paradigmas
teóricos, problemáticas e práticas de pesquisa.
Madalena Fontoura discute políticas públicas de educação com uma abordagem que
procura traçar nexos de sentido para os últimos trinta anos da relação entre o
Estado, a sociedade civil e o mercado. O debate sobre a governabilidade, os
conceitos e práticas de governança, o lugar axial dos instrumentos de acção
política proporciona uma leitura e uma construção argumentativa em torno de
medidas de política educativa desenvolvidas ao longo das últimas décadas.
O artigo de Daniela Silva discute dinâmicas de poder e influência nos contextos
de acção organizacional. Adoptando uma focalização micropolítica, a Autora
procura apreender configurações e confrontos de interesses, posicionamentos dos
actores e as suas possibilidades de acção no quadro de um dos órgãos centrais
dos Agrupamentos de Escolas.
Explorando os factores envolvidos nas escolhas de cursos e instituições por
estudantes do ensino superior agrário português, Isabel Ribeiro mostra como
diversas associações de variáveis podem determinar condições ou segmentos de
populações específicos. Assim, segundo a autora, factores pessoais, de
desempenho e académicos, contextuais ou socioeconómicos podem conjugar-se de
modos distintos na construção de escolhas educacionais.
A circulação de discursos e saberes no campo educacional é objecto do texto de
Cristina Gouvêa. Aqui, para o estudo da emergência da categoria aluno e da
"construção histórica do protagonismo desse actor na cena escolar",
através do que refere como a "polifonia de discursos sobre este sujeito
social", a Autora considera, como eixos de análise, os autores, os espaços
de difusão e os tópicos das produções discursivas.
Ângela Pinheiro, Carolina da Cunha e Patrícia Lúcio apresentam um estudo que
investiga os processos utilizados por crianças na aquisição da leitura.
Explorando dados de investigação, as Autoras concluem que os leitores
iniciantes parecem usar uma estratégia predominantemente fonológica que tende a
diminuir com o avanço da escolarização em favor da leitura lexical.
Magda Damiani discute actividades didácticas alternativas às que utilizam os
textos apenas como fontes de informações. Apoiando-se na Psicologia Sócio-
Histórica, a Autora defende "a possibilidade de os textos atuarem como
mediadores de atividades de pensamento" concorrendo para estimular
"sistematicamente o duvidar epistemológico entre os estudantes". Por
fim, o artigo de Maria José Cunha discute a questão da animação educativa no
desenvolvimento pessoal e social de futuros formadores. Fundamentando a
inclusão da oficina de expressão dramática e teatro na formação inicial de
educadores de infância e professores do 1º ciclo, a Autora apresenta a
metodologia, a planificação, implementação e avaliação da acção, discutindo os
dados proporcionados pelo estudo.
Quando a Revista Portuguesa de Educação completa vinte anos de participação nos
campos académico-científicos do mundo lusófono e ibero-americano, as
interrogações sobre as regras, as lógicas, os interesses e as implicações que
aqueles actualizam e mobilizam impõem-se como correlato do projecto editorial
que se vem protagonizando. Eis um debate e uma propositura que colocam
interpelações e desafios a confrontar num futuro previsivelmente muito próximo.
Fátima Antunes
Centro de Investigação em Educação
Instituto de Educação
Universidade do Minho - Campus de Gualtar
4710 Braga - Portugal
rpe@iep.uminho.pt