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EuPTHUHu0871-91872010000200005

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variedadeEu
ano2010
fonteScielo

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A dinâmica do saber em local de trabalho: o caso de uma equipa técnica de educação e formação de adultos

Introdução O trabalho, como local de conhecimento e saber, é uma questão discutida muito tempo. Tais discussões têm-se centrado nos saberes e conhecimentos possuídos e usados pelos profissionais em geral (Schön, 1992; Caria, 2005), ou por algum tipo particular de trabalhadores, como os professores (Braga, 2001), os educadores ou técnicos de educação de adultos (Usher & Bryant, 1992; Loureiro, 2009), entre outros.

Convém esclarecer que o autor deste texto defende a diferença entre conhecimento abstracto e saber. Muito brevemente, o primeiro faz alusão ao conjunto de significações que é descontextualizado, formal e se enuncia num plano abstracto e geral com base na escrita. O segundo é situado, informal, constrói-se na e pela interacção social, o que permite aos actores desenvolverem uma competência adaptada às situações e problemas quotidianos do contexto e lhes permite também poderem ser reconhecidos como autónomos e capazes de partilhar com os outros os seus saberes (Caria, 2003a).

No âmbito desta problemática surgem algumas questões pertinentes: de que é composto o saber dos profissionais? Qual é a relação que os práticos têm com o conhecimento abstracto? Como na prática se misturam, ou podem misturar, conhecimento e saber? Enfim, como gerem os práticos os conhecimentos e os saberes quando actuam? O presente texto procura responder a algumas dessas questões partindo de uma discussão teórica acerca da base do saber profissional e da sua dinâmica em contexto de trabalho. Além disso, apresenta alguns resultados, obtidos com base num estudo etnográfico de uma equipa técnica de educação de adultos de uma associação do norte de Portugal, referentes ao dinamismo que o saber assume nesse local.

A equipa técnica estudada era constituída por 6 membros, 5 dos quais do sexo feminino, com idades entre os 25 e os 45 anos. Todos eles eram licenciados na área das Ciências Humanas e Sociais: 2 em Educação (pré-especialização em Recursos Humanos e Gestão da Formação), 2 em Sociologia das Organizações, 1 em Sociologia e outro em Ensino da Filosofia.

Estes técnicos são responsáveis pelas actividades de educação e formação de adultos da associação e as suas funções assentam no diagnóstico, planeamento, concepção, organização/promoção, acompanhamento e avaliação das acções realizadas. Foram eles a unidade de análise. A principal técnica de recolha de informação foi a observação não participante da sua actividade, os dados foram organizados num diário de campo e interpretados através da análise de conteúdo.

1. O conhecimento e o saber em contexto de trabalho Nesta secção realiza-se uma reflexão teórica sobre a base do saber profissional e sobre o seu aspecto dinâmico.

1.1. A base do saber profissional Parece existir uma certa concordância quanto à diferença do carácter do saber de sector para sector profissional, o que depende daquilo que se constitui como o centro de gravidade desse saber. sectores onde a base do saber assenta no que se designou por conhecimento abstracto, ocorrendo o contacto e a aquisição desse conhecimento a partir de formações iniciais organizadas. outros sectores em que a base do saber depende dos saberes contextuais e experienciais dos actores. Assim, no primeiro caso, assume maior relevo o conhecimento científico e os saberes são mais codificados, estruturados, explícitos e partilhados colectivamente; no segundo caso os saberes são essencialmente tácitos, não codificados e assumem sobretudo uma forma individual. Mas, quer num caso quer no outro, os saberes vindos da acção são relevantes.

Existem diversos estudos comparativos que procuram mostrar a variação do saber tendo em conta o tipo de profissão. Entre as comparações mais frequentes estão as que analisam as diferenças e também as semelhanças entre os professores e outras profissões, como os médicos, os engenheiros, ou os advogados.

Um desses estudos foi realizado pela OCDE (2000), que comparou o saber dos professores com o dos médicos e engenheiros. Conclui-se que o saber dos docentes é essencialmente tácito, assente nas suas experiências individuais, não se apoiando num corpo científico nem num conjunto de resultados de investigações que ajudem as suas práticas, o que faz com que exista uma ausência de vocabulário técnico e que a sua linguagem seja muito simples do ponto de vista conceptual, e que a sua acção seja mais orientada pelo impulso e pelo sentimento que pela racionalização da mesma. Trata-se de um saber muito rico do ponto de vista do saber-fazer pessoal e tácito, mas muito pobre do ponto de vista do saber partilhado e codificado. O saber dos médicos, assenta no conhecimento científico, organiza-se numa formação inicial e contínua que combina a instrução teórica com a formação prática, é mais codificado e partilhado colectivamente. O saber dos engenheiros é fruto de uma articulação entre o conhecimento transmitido nas universidades (codificado, explícito) e o saber adquirido nas empresas (saber-fazer), trata-se, portanto, de um modelo interactivo de construção do seu saber, é um saber constituído por conhecimento científico e tecnológico e por saber-fazer.

Seja como for, o que é importante assinalar é que em todas as profissões, ou pelo menos nas apelidadas de técnico-intelectuais (Caria, 2005), e no exercício prático das mesmas, estão presente, em grau diferente, a ciência, a técnica e a arte (Schön, 1992), o saber focal (Tochon, 1996). Portanto, o saber profissional é feito de várias dimensões, como mostram vários estudos (Caria, 2005; Loureiro, 2009). Os práticos quando actuam fazem uso dos seus saberes e mantêm uma relação prático-contextual com o conhecimento abstracto que mobilizam para agir, podendo, ou não, combinar este conhecimento com aqueles saberes. Neste exercício ganha relevo a atitude reflexiva dos actores e a competência entendida como a mobilização de recursos vários, entre os quais podem estar os saberes e o conhecimento abstracto, para se agir (Le Boterf, 2001).

Defende-se, desta forma, que quando mobilização de conhecimento abstracto para se agir ela não será, a maior parte das vezes, apenas aplicativa, mesmo no caso de rotina, ou seja, a relação do profissional com um conceito ou com um procedimento formal será essencialmente prática. Defende-se, ainda, que quando uma articulação entre os saberes contextuais e o conhecimento abstracto mobilizado para a acção, este passará a fazer parte do saber do profissional, ou seja, sempre que ocorre esta interpenetração o conhecimento torna-se saber, passando a fazer parte do reportório do profissional.

1.2. A dinâmica do saber profissional Estes últimos aspectos remetem para a dinâmica do saber profissional. Dá-se especial atenção, neste espaço, ao trabalho como local de uso de saberes e conhecimentos; como local de construção e reconstrução do saber e, portanto, de enriquecimento do reportório existente; e como local de transferências de saberes de vária ordem.

Antes de se avançar mais na questão da dinâmica do saber profissional, convém esclarecer que apesar do conceito de trabalho poder ser objecto de vários tipos de abordagens teóricas e reflexivas, como por exemplo quando se estuda a questão da inserção no mundo do trabalho dos diplomados (Marques, 2006, 2009; Martins, Arroteia e Gonçalves, 2002), ou quando se investiga, desde longa data, a história do trabalho e da divisão do trabalho (Durkheim, 1989, 1991) e das profissões (Gonçalves, 2009), neste artigo ele é analisado na sua dimensão espacio-temporal, ou seja, na sua dimensão contextual, situacional.

Os práticos na sua actuação vão mobilizando e gerindo os seus saberes e o conhecimento de acordo com as situações com que se deparam. Ao contrário do modelo da racionalidade técnica, que concebe a prática profissional como um exercício de aplicação na prática do conhecimento teórico e procedimental, defende-se aqui que o exercício profissional pode ir muito para além desse mecanicismo.

É verdade que situações em que os profissionais fazem um uso reprodutor do conhecimento. Estas são as situações da rotina profissional (Schön, 1992). Mas mesmo nestes casos esse uso do conhecimento abstracto não é, a maior parte das vezes, totalmente reprodutor, porque cada contexto de actuação e os seus profissionais farão usos próprios desses princípios teóricos e procedimentais.

Portanto, não se trata apenas de uma mera transposição da teoria para a prática (Usher & Bryant, 1992). A teoria não se aplica sempre de forma mecânica, trata-se mais de um processo de relação com o conhecimento desenvolvido pelos actores (Beillerot, 1998).

Desta forma, é possível falar-se em recontextualização do conhecimento abstracto nas situações de rotina profissional e também em situações de incerteza. Ou seja, os técnicos-intelectuais podem "mobilizar, reorganizar e actualizar em novos contextos (em síntese, recontextualizar) conhecimentos- informações abstractos (geralmente referidos na bibliografia como teorias ou saberes teóricos)" (Caria, 2003a:13). E podem fazê-lo: através do sentido interpretativo e justificativo do saber, ou seja, através do uso do conhecimento abstracto com a finalidade de "interpretar e/ou explicar as situações-problema" e de legitimar a sua actividade; e através do sentido "técnico-estratégico" do saber, isto é, através do uso do conhecimento abstracto que lhes permite o uso variado de recursos disponíveis para agir (Caria, 2003b: 11).

Esta visão permite passar da abordagem dualista da relação entre a teoria e a prática, em que a primeira se sobrepõe e comanda a segunda, para uma visão integradora dessa relação (Usher & Bryant, 1992). Permite passar da concepção da racionalidade técnica instrumental para a concepção da epistemologia da prática profissional reflexiva (Schön, 1992) que possibilita os usos recontextualizadores do conhecimento abstracto.

Para além das situações de rotina, os profissionais deparam-se com as zonas indeterminadas da prática. Nestes casos o conhecimento abstracto e o seu uso aplicativo por si são insuficientes. Nestas situações os práticos fazem uso da arte, que é um tipo de saber assente na improvisação, na criatividade do prático, que a partir do desenvolvimento de um processo de reflexão na acção põe em causa os seus saberes fundados sobre as regras, as teorias e todo o conjunto de outros saberes provenientes da sua prática. Ou seja, reestrutura os seus saberes e experimenta novas acções para tentar ultrapassar os problemas, comportando-se como um investigador (Schön, 1992). Portanto, ao contrário do que possa pensar-se, essa arte não surge do nada, ela assenta nos saberes anteriores.

A resposta ao inesperado não ocorre pela reflexão na acção. Pode dar-se também pela reflexão sobre a acção realizada, ou seja, o prático reflecte sobre o que fez procurando descobrir o que do seu saber falhou. Pode dar-se ainda pela reflexão sobre a reflexão na reflexão anteriormente realizada, processo que permite ao prático modelar a acção futura (Schön, 1992). Neste caso estaremos próximos daquilo que Cornu (2003) designa por saber conjecturar.

Assim, em situações complexas os profissionais farão uso dos seus saberes de forma dinâmica, reorganizando-os. Saberes e reflexão interpenetram-se num processo de reconstrução do saber existente. Nesse processo os práticos têm, por vezes, necessidade de procurar conhecimentos teóricos e processuais para darem conta da nova situação.

Desta forma, os profissionais na sua actuação, da qual fazem parte as situações de rotina e as complexas, gerem vários tipos de saberes e conhecimentos. Põem em prática o seu saber accionável (Argyris, 2003), o seu saber em uso, que é composto por conhecimento teórico, processual, saber-fazer e saber prático (Malglaive, 1995). Eles gerem conhecimento formal, declarativo, explícito e saber informal, tácito, numa relação que deve ser de complementaridade e fusão (Sallis & Jones, 2002).

Ou seja, os práticos no desenrolar da sua actividade desenvolvem um exercício reflexivo de mestiçagem entre diferentes tipos de saberes e conhecimentos.

Estes, uma vez postos em prática passarão a fazer parte do seu saber, pois o seu uso será mais recontextualizador do que reprodutor. É que "trabalhar não consiste nunca em uma pura execução de normas antecedentes mas exige por parte dos operadores uma mobilização da inteligência, de invenção, de tomada de decisão, seja para tornar as regras aplicáveis apesar da singularidade das situações, seja para remediar a sua falta ou a sua inadequação" (Jobert, 2001:230). Este procedimento estará presente diversas vezes no uso do conhecimento abstracto realizado por parte dos profissionais, por isso ele é, nestes casos, recontextualizador e não reprodutor, e ao sê-lo torna possível a tal integração desse conhecimento no saber profissional.

Estes elementos do uso do saber profissional remetem para outros aspectos da dinâmica desse saber em local de trabalho: a construção, a reconstrução do saber em contexto de trabalho e os processos de circulação e transferência do saber.

Vários autores referem-se à prática profissional como fonte de produção de saber. Braga (2001) concebe os professores como construtores do seu saber.

Mialaret (1996), tendo também por referência o campo escolar, afirma que toda a actividade, excepto a que se refere aos automatismos, produz saber. Cornu (2003:19), aludindo à prática do trabalho em geral, fala-nos da experiência, distinguindo dois sentidos do termo: "a experiência como memória dos actos de trabalho", que é um elemento essencial na análise do reportório dos práticos, "e a experiência-experimentação como base da construção de conhecimentos teórico-práticos". Para este autor, a prática "é fonte de experimentação, logo, produtora de enunciados reutilizáveis" (idem:20).

Portanto, é este segundo sentido do termo que leva para o campo da produção de saberes em local de trabalho.

Tendo em conta esta última reflexão, pode-se distinguir entre saber-reportório, ou saber constituído, e saber em construção, podendo este processo, que assenta na experimentação, na reflexão dos actores e também na negociação de significado, partir, ou não, do saber-reportório. Mas ele acabará por contribuir para a reconstrução do saber existente, logo, para o enriquecimento do saber constituído dos profissionais.

De forma mais específica, pode dizer-se que a experimentação é um processo de produção e reconstrução do saber comum à prática profissional. Ela pode ocorrer em diversas situações, embora o processo seja mais intenso nas complexas. É nas alturas em que os trabalhadores têm que enfrentar resistências da realidade que "produzem eles mesmos saberes próprios" (Jobert, 2001:230). Quando o reportório profissional não chega para dar conta da situação, inicia-se um processo de busca de soluções que pode levar à articulação entre prática e teoria, constituindo-se, desta forma, um novo saber que contribui para o enriquecimento do saber existente (Mialaret, 1996).

Outros autores distinguem dois tipos de situação que podem levar à experimentação: zonas da prática rotineira que deixam de funcionar como o previsto, recorrendo nestas alturas o profissional ao seu reportório de saber para experimentar outra forma de fazer para que a situação volte a funcionar; e zonas da prática complexas, nas quais o profissional recorre a saberes para além dos seus, iniciando-se assim um processo de investigação que pode criar um saber novo. Quando da experimentação surge uma prática positiva, a base dos saberes pessoais do prático enriquece (OCDE, 2000).

De forma geral, a experimentação, que pode ter vários graus de profundidade, leva, ou pode levar: a uma revisão, avaliação e reorganização do saber adquirido; a uma produção de uma nova prática e de um novo saber a ser integrado no conjunto de saberes individuais ou colectivos; e a uma busca que exija a integração de conhecimento abstracto na prática, o que passará por um exercício de recontextualização.

Na construção e reconstrução do saber assume evidente relevo a reflexão dos profissionais, processo claramente associado ao mecanismo da experimentação.

Schön (1992), como vimos antes, aponta a reflexão na acção, que surge nas tais zonas indeterminadas da prática, como o processo através do qual os práticos põem em causa o seu saber adquirido e experimentam novas práticas e produzem novos saberes. Esta é uma perspectiva de construção situada do saber profissional, assente sobre um reportório que se constrói e reconstrói, nomeadamente através do recurso às metáforas generativas de que nos fala o autor. Essa reflexão parte do reportório existente e cria um novo saber que, por sua vez, vai ser inserido no reportório. Trata-se de um movimento circular do saber que parte do reportório existente e a ele volta, reconstruindo-o.

A construção e reconstrução do saber têm uma dimensão colectiva muito significativa no mundo do trabalho de hoje. A construção do saber profissional corresponde cada vez mais a um fenómeno interactivo que ocorre no seio das organizações. É neste sentido que se pode falar de um saber-fazer colectivo das organizações, do qual fazem parte códigos comuns de comunicação, formas semelhantes de saber e fazer e métodos comuns de resolução de problemas. É neste sentido também que se fala da memória organizacional, que se refere ao conjunto dos saberes experienciais colectivos, que envolvem um processo triplo: a sua aquisição, o seu armazenamento e a sua utilização (Bolivar, 1997). Este aspecto não diminui o espaço da acção e saberes individuais dos actores que fazem parte de uma organização. Os saberes colectivos e os saberes individuais coabitam e enriquecem-se uns aos outros no seio de uma organização.

Sallis & Jones (2002) salientam a importância que assume a interacção entre saber tácito e explícito no processo de criação de saber nas organizações. Para eles a conversão do saber tácito em explícito é uma das principais fontes de produção de saber, assumindo relevo neste processo de transformação o recurso a metáforas e analogias que os membros da equipa de trabalho fazem para conseguirem exteriorizar o saber tácito que possuem e, dessa forma, tornar possível que tal saber passe do plano tácito/individual para o plano explícito/ colectivo. Este processo conta de uma das formas possíveis de circulação, transferência e colectivização do saber. Na base destes procedimentos estão as gramáticas da experiência, ou seja, a explicitação, a verbalização reflectida da experiência e dos saberes dos profissionais (Tochon, 1996).

Ainda de acordo com Sallis & Jones (2002), quando nas organizações este processo de criação/transformação do saber acontece, podemos falar de comunidades de saber. Estas caracterizam-se por interpretar e transformar a informação que lhes chega, são repositórios de saber tácito que desenvolvem e convertem em saber explícito, assumem a forma de uma inteligência colectiva, são criadoras de saber, assumindo um enorme relevo em todo este processo de criação e transformação do saber os mecanismos de comunicação que os membros dessa comunidade desenvolvem.

Estas perspectivas ajudam a pensar os contextos de trabalho como locais de saber colectivo, constituídos por um saber-reportório comum que se constrói, reconstrói, partilha e usa na prática profissional. Mas isto não é sinónimo de homogeneidade, nem de desvalorização dos saberes individuais de cada membro de um local de trabalho. Pode-se afirmar, também, que nas abordagens mencionadas está presente a concepção do trabalhador como alguém que mantém uma relação activa com o conhecimento e o saber. Esta perspectiva permite pensar os trabalhadores como construtores de saber, que com ele se relacionam de forma diferente no tempo, ou seja, a pertinência desse relacionamento não é sempre igual, apresenta rupturas, não é homogéneo.

Pelo referido, terá ficado claro que os locais de trabalho são locais de transferências e circulação de saber. Quando se fala de transferências somos remetidos para a ideia de mobilização desses recursos adquiridos em determinada situação para outra situação diferente (Perrenoud, 2001). Frenay (1996) distingue dois tipos de transferências: as transferência de baixa gama, automáticas que assentam na memorização; e as transferências de alta gama, que exigem um nível consciente de abstracção.

Uma das formas de transferência mais enunciada é a que se refere às que se realizam entre os conhecimentos adquiridos no contexto formativo e outros contextos diferentes, como os do mundo do trabalho. Este tipo de alusão (da formação para o trabalho) remete, precisamente, para uma das formas de mobilização do conhecimento que os profissionais realizam. Trata-se da mobilização de conhecimento abstracto, que pode ser adquirido por diferentes modalidades e em diferentes contextos, para o contexto de trabalho e que pressupõe, em princípio, um trabalho de recontextualização por parte dos actores (Tochon, 1996; Caria, 2005; Loureiro, 2009).

As transferências no mundo do trabalho ocorrem também entre pares (Wenger, 2001). Este é um processo complexo e difícil de trocas de saberes entre actores, que implica a explicitação do saber implícito de uns membros relativamente a outros, que por sua vez têm que os integrar no seu saber para que possam fazer uso deles (Sallis & Jones, 2002).

Pode-se ainda referir as transferências dos saberes realizadas pelos profissionais entre situações diferentes dentro do mesmo contexto de trabalho: sempre que um actor recorre ao seu reportório de saber para encarar uma situação nova, estaremos perante um caso destes (Schön, 1992). Nestes casos poderá falar-se, pelo menos em algumas situações, de um exercício de explicitação do saber implícito por parte do indivíduo que realiza essa mobilização do seu saber. É possível falar-se também de transferências de saberes entre contextos de trabalho diferentes, realizados por um indivíduo que vai usando o saber adquirido anteriormente nas situações com que se depara no seu novo contexto de trabalho (Loureiro, 2009). Todas estas formas de transferências dão conta da complexidade da circulação e colectivização do saber profissional.

2. Elementos dinâmicos do saber de uma equipa de educação de adultos Nesta secção apresentam-se os resultados obtidos em relação a alguns dos aspectos do saber no local de trabalho observado. Mais precisamente, abordam-se três questões ligadas à sua dinâmica: a construção e a reconstrução do saber; os diferentes tipos de transferências de saber, sua circulação e colectivização; e a dimensão temporal do saber.

2.1. A construção e a reconstrução do saber Para além dos usos em si, a dinâmica do saber manifesta-se pela sua construção e reconstrução. Para esse processo contribuem as diferentes fontes de saber da equipa técnica. Identificaram-se fontes internas e externas de saber. Das primeiras fazem parte o saber colectivo da equipa, que se manifesta na interacção entre os seus membros. também o saber interno que resulta da acção de cada técnico. ainda o saber que resulta de outros actores daquele local de trabalho, em particular o saber que o pessoal administrativo transmite, por vezes, aos técnicos.

As fontes externas de saber dizem respeito a todo um conjunto de actores externos que colaboram com a equipa técnica e que com isso vão introduzindo naquele contexto saberes novos. É o caso dos formadores que "introduzem" instrumentos de trabalho oriundos de outras organizações com as quais também colaboram, ou partilham com a equipa técnica formas diferentes de fazer actividades similares, também com base no que é feito noutros locais. Caso a equipa técnica conclua que tais instrumentos ou tais formas diferentes de fazer enriquecem o saber local adopta esses contributos.

ainda colaboradores, alguns dos quais pertencentes a instituições do ensino superior, que têm realizando estudos de caracterização geral da zona de actuação da equipa técnica, de caracterização do trabalho feito pela associação de desenvolvimento local em causa, cujos resultados vão sendo utilizados em algumas das actividades que a equipa realiza.

As diversas parcerias em que participam, quer as de âmbito local (Câmaras, Centro de Emprego, entre outras), as de âmbito nacional (como, por exemplo, a Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local) e até algumas de âmbito internacional, são fontes de diversos tipos de informações e de trocas de experiências, algumas das quais vão sendo adoptadas e adaptadas pela equipa técnica. Os técnicos de outras associações de desenvolvimento local com actividades similares, com os quais partilham experiências são também outra das fontes externas de saber. E, por fim, identificou-se como fonte externa de saber o conhecimento abstracto que é recontextualizado no local de trabalho, seja pelas procuras individuais que cada técnico faz, seja pela participação em diversos tipos de eventos de educação não formal.

Em toda a dinâmica de construção e reconstrução do saber, sobretudo no que toca à introdução de modificações nas práticas, assume um papel fundamental o experimentar, o reflectir. É através destes mecanismos que se efectuam as tais adaptações e alterações da acção, procurando ver se dessa nova forma de fazer resulta uma melhoria da actividade. Na base deste procedimento está, muitas vezes, a detecção de uma anomalia ocorrida na acção, a partir da qual se introduzem as alterações experimentais/reflexivas nessa mesma acção.

Esta forma de actuar, o experimentar e processos reflexivos inerentes, é um mecanismo de criação de saber (OCDE, 2000). Este processo não é apenas cumulativo e feito em linha recta, faz-se também de retornos a partes do fazer e saber anteriores, é um processo complexo e multidimensional. A conversa tida com uma das técnicas (os nomes são fictícios), a propósito de um instrumento de trabalho usado para realizarem o Reconhecimento e Validação de Competências (RVC) dos formandos dos cursos de Educação e Formação de Adultos (EFA), é um exemplo que remete para esse caminho.

episódio - O Reconhecimento e Validação de Competências Consultei um dossier de um curso EFA, reparei num dos instrumentos do processo de RVC que não havia visto antes. Perguntei à Joana, a responsável pelo curso em questão, o que era aquele instrumento.

Investigador ' Joana, estou aqui a ver este dossier do teu curso de Geriatria e está aqui um material de RVC que não vi nos outros cursos. Este que tem o titulo "reflexão final".

Joana ' Bom, isso foi feito numa das sessões colectivas ( ) onde estiveram presentes todos os formadores das áreas da educação de base. ( ) Isso foi introduzido (...) porque se pretendia avaliar questões ligadas com a oralidade (...). Foi uma forma de tentar obter mais informação que ajudasse no RVC ( ) procurou-se tirar algumas dúvidas que os formadores tinham em relação aos formandos.

Investigador ' Ah, está bem. E quem fez esse instrumento? Joana ' Fui eu. Algumas questões foram tiradas dos instrumentos de RVC que , outras fui eu que formulei. Depois mostrei à Sílvia e ao Jaime que me deram sugestões e foi assim que construí esse instrumento. Eu construí este instrumento porque primeiro os formadores não participavam nas sessões colectivas, mas como vimos que a forma como estávamos a fazer o RVC era insuficiente resolvemos que os formadores passariam a participar e por isso criou-se esta ficha. Nesse curso e nos deste ano fizemos o RVC de forma diferente. Antes fazíamos todo o RVC e no fim aplicávamos testes, mas os formandos ficavam constrangidos. Então resolvemos fazer de forma diferente para ver se resultava melhor e não aplicámos os testes e fizemos, nesta sessão colectiva, esse debate com todos os formadores de forma a completarem a informação que tinham. Portanto, tentamos desta forma e penso que resultou melhor.

Investigador ' Então vocês viram que...

Joana ' Foi, ficavam aflitos. E outra diferença, é que os formadores nos RVC anteriores estavam presentes na aplicação dos testes. Mas isso era insuficiente e, portanto, passaram a estar presentes nas sessões colectivas, porque dessa forma se consegue fazer a avaliação de muitas competências.

Investigador ' Então, as diferenças relativamente aos anos anteriores foram a presença dos formadores e a não aplicação dos testes? Joana ' Sim. Quer dizer, os formadores, no projecto-piloto, no início, estiveram presentes em sessões colectivas e no fim aplicou-se uma prova aos formandos, onde eles também estiveram presentes. Depois, nos RVC seguintes eles apenas estiveram presentes na altura da aplicação dos testes e agora passaram a estar presentes em sessões colectivas de forma individual e nessa última sessão colectiva estiveram todos, onde fizeram também o acompanhamento individual dos formandos. O processo foi este, a razão foi experimentar para ver se resultava melhor...

Muitas destas alterações, muito deste sentido procedimental do saber (Caria, 2003b) e seus processos reflexivos, são postos em prática com base no reportório de saber colectivo da equipa. Ou seja, é a partir do saber colectivo constituído, que as alterações e adaptações se fazem, que o processo de construção e reconstrução do saber se efectua. Mas essa não é a única forma de pôr em prática esta dimensão do saber, e com isso desenrolar o processo em causa. Foram identificadas mais duas formas: (1) a alteração do procedimento com base na criatividade de um ou mais do que um dos técnicos, sem que haja recurso ao reportório colectivo; (2) a alteração do procedimento feita a partir da introdução e adaptação de formas de fazer e/ou de instrumentos de trabalho exteriores àquele local. Também ocorre a construção ou reconstrução do saber a partir do recurso combinado de duas ou até de três fontes do saber em construção. Por exemplo, a transformação de um instrumento de trabalho existente (uma ficha de avaliação dos formandos) realizada com base na combinação da criatividade de um dos técnicos com a procura de fontes externas de saber (conhecimento abstracto) que o ajudaram a efectuar a tal modificação, é um desses casos.

Estas transformações podem dizer respeito a alterações dos procedimentos, ou seja, das formas de realizar determinada acção no seu todo, como, por exemplo, as alterações que tem sofrido a realização do RVC dos formandos. A construção e a reconstrução do saber podem referir-se também a instrumentos de trabalho de determinada acção, sem que isso afecte a realização dos procedimentos como um todo. Normalmente, ambos os tipos de modificação (no procedimento ou num instrumento) andam associados.

Nos casos relativos aos instrumentos de trabalho, quer eles impliquem ou não a modificação da forma de concretização da acção na sua generalidade, detectaram- se três tipos de situações: (1) a criação de raiz de um instrumento de trabalho (por exemplo, uma grelha de auto-avaliação dos formandos); (2) a transformação de instrumentos de trabalho existentes com vista a uma utilização igual ou similar, podendo ou não o instrumento em causa ter sido originalmente criado pelos técnicos (por exemplo, as adaptações realizadas nos registos de pré- inscrição dos formandos); (3) e a criação/transformação de instrumentos de trabalho, ou seja, a criação parcial de um instrumento realizada com base na transformação de um outro existente e que era usado para fins diferentes dos do novo instrumento (por exemplo, a criação parcial de uma entrevista de selecção de formandos feita com base em entrevistas de diagnóstico de necessidades e de caracterização geral das populações alvo da entidade).

Estas alterações nas formas de fazer levam, diversas vezes, a que seja necessário efectuar um processo de renegociação da linguagem colectiva, ou seja, do saber categorial colectivo (Loureiro, 2009). Portanto, sempre que a linguagem colectiva é "abalada" por algum motivo, nomeadamente o que se refere a algum novo procedimento ou instrumento de realização, assiste-se a um processo de renegociação dessa linguagem e dos respectivos saberes e, dessa forma, realimenta-se o saber colectivo da comunidade de saber que a equipa técnica constitui. A conversa seguinte ilustra esta situação.

episódio - As grelhas Investigador ' Cristina, vocês usam muitas siglas e certos termos para falarem uns com os outros.

Cristina ' É, é verdade. Nós falamos muito por siglas, é mais fácil, facilita- nos, sabemos do que estamos a falar ( ) o SA  é o Sistema Aprendizagem (...).

Investigador ' Pois, e também termos, palavras que resumem certos procedimentos.

Cristina ' Sim, também. Por exemplo, ontem eu estava a falar nas grelhas, lembra-se? Com a Sílvia? Investigador ' Sim, sim.

Cristina ' Pronto, eu disse grelhas e ela perguntou, "mas que grelhas?". E isto porquê? Porque eu ainda uso o termo grelhas para me referir aos instrumentos da planificação dos temas de vida que era os termos que usávamos antes. Ela, como veio mais tarde, usa os termos novos vindos da Direcção Geral, por exemplo, construção curricular (...).

Investigador ' Pois, acho que quando falaste nas grelhas ela pensou nas grelhas de análise do RVC.

Cristina ' Pois foi, porque esse é outro instrumento novo que veio com esse nome, é por isso. Mas é assim, nestas situações quando uma dúvida perguntamos uns aos outros "do que estás a falar?", e depressa nos tornamos a entender. Isto acontece em situações destas, quando a introdução de novas palavras que se referem a instrumentos ou outra coisa, mas pouco tempo depois sabemos todos do que estamos a falar e isso facilita muito, quer as siglas, quer as palavras...

Estes casos dão conta da forma como o próprio saber colectivo se vai formando e reformando, mostram, por exemplo, como a construção ou a reconstrução de um saber-fazer tem implicações no saber categorial (linguagem colectiva) do grupo, o que quer dizer que a alteração de um dos saberes que constitui o saber colectivo tem ou pode ter influência nos restantes saberes. Resumidamente, pode-se afirmar que o processo de construção e reconstrução do saber da equipa assenta na experimentação, na reflexão e na negociação de sentido realizado pelos seus membros, e que esse saber que se vai construindo pode, ou não, partir do saber constituído mas acaba sempre por contribuir para a sua realimentação. O diálogo colaborativo entre os membros da equipa assume um papel fundamental, pois é através dele que se realiza e se exterioriza grande parte da construção e reconstrução do saber colectivo.

2.2. As transferências de saber Claramente ligadas ao processo de construção e reconstrução do saber local estão as transferências de saber, a sua circulação interna e generalização.

Identificaram-se dois grandes tipos de transferências: as que se realizam entre contextos diferentes de actuação, mais precisamente as que se fazem de fora para dentro do local de trabalho; e as que se realizam dentro do próprio contexto de actuação.

As transferências entre contextos têm basicamente dois veículos de entrada no local: as que são efectuadas directamente pelos técnicos e aquelas que são feitas através de actores externos ao local. No primeiro caso, podemos assistir à mobilização de saberes que foram adquiridos noutros contextos de trabalho e que vão sendo recontextualizados para se agir no actual contexto. Tratam-se de casos de transferência e recontextualização de saberes entre contextos de trabalho, em que os saberes adquiridos anteriormente vão sendo accionados no novo contexto e, dessa forma, vão-se introduzido no local novos saberes, que vão sendo apreendidos pelos restantes elementos da equipa.

Os técnicos transferem ainda saberes adquiridos noutros locais, pelo trabalho de parceria que desenvolvem com outras instituições (outras práticas e experiências de trabalho) e pela mobilização de conhecimento adquirido em contextos de formação académica ou outra que recontextualizam no seu local de trabalho.

O saber de outros contextos é também introduzido no local pela acção directa de actores externos, como seja: o caso dos saberes transmitidos pelos técnicos das entidades gestoras centrais, por exemplo a propósito da elucidação feita acerca da forma como preencher determinado formulário; ou o caso do saber-fazer transmitido por diversos tipos de colaboradores, por exemplo no que respeita à construção de instrumentos de diagnóstico da formação das populações. Este tipo de transferências coincide com o que se designou por fontes externas de saber deste contexto de trabalho.

No que toca às transferências contextuais, destacam-se as que se efectuam entre situações distintas ou similares realizadas por um ou mais técnicos e as que ocorrem entre pares. No primeiro caso estão em jogo as mobilizações de saberes adquiridos e usados em anteriores situações de trabalho para situações presentes e até para pensar e prever situações ainda não vividas. Essas transferências podem, como se disse, ocorrer entre casos semelhantes, como seja: a tentativa de resolução de um problema com formandos com base no procedimento efectuado no passado para solucionar um problema semelhante; ou a realização de uma actividade com base no saber usado para a concretização do mesmo tipo actividade em situações anteriores, como é o caso da realização do plano de formação. Estas são as transferências de baixa gama, que são usos automáticos dos saberes anteriores assentes na memorização (Frenay, 1996).

As transferências de saberes entre situações diferentes exigem um nível de abstracção e de reflexão não exigido nos casos anteriores. O uso de saberes anteriormente adquiridos não chega, muitas vezes, para tratar de situações diferentes. Tal fez com que os técnicos tivessem de combinar o seu saber anterior com a procura de outro tipo de saber, com a procura do saber de actores externos ao local e com a procura e uso de conhecimento abstracto que recontextualizaram para efectuar determinada actividade. O caso mais visível deste tipo de transferência foi aquele que foi presenciado na concretização da candidatura para a Acreditação da formação da entidade, na qual os técnicos mobilizaram o seu saber reportório anteriormente usado para realizarem outros tipos de candidaturas, nomeadamente através da consulta de documentos por eles escritos, procuraram e usaram o saber dos técnicos do organismo estatal responsável pelas acreditações e procuraram e usaram conhecimento abstracto, por exemplo para descreverem os tipos de avaliação que efectuavam.

As transferências de saberes entre situações no mesmo contexto remetem ainda para um outro tipo de distinção: a transferência pode realizar-se por sucesso ou por insucesso de acções e saberes anteriores. Ou seja, quando os saberes usados em situações passadas, semelhantes às que se colocam no presente, tiveram êxito realiza-se a mobilização desse saber para a situação presente, usa-se o mesmo saber e o mesmo procedimento. Mas se o saber usado no passado para fazer uma acção semelhante à do presente não teve êxito, usa-se esse saber para pensar a acção da situação actual e procede-se de forma diferente. Um destes casos foi a forma alternativa como passaram a organizar as reuniões do "grupo dinamizador", que é um grupo constituído por técnicos, formadores e formandos que tem como incumbência tratar de parte das actividades extracurriculares.

As transferências contextuais de saberes não ocorrem apenas nos sentidos enunciados, elas ocorrem também, como se disse antes, entre os técnicos. As trocas de saberes entre técnicos correspondem à modalidade de transferência mais observada. Nela estão presentes vários usos dos tipos do saber contextual identificados, como seja o saber relacional (saber procurar quem detém a informação necessária para se agir), o saber dizer (saber explicitar o saber- fazer, ou seja, o que, como e quando fazer), o saber declarativo (saber explicitar-se o que é determinada coisa da acção: um instrumento de trabalho).

Estas trocas de saberes dizem respeito a diversos aspectos e fazem-se, normalmente, dos técnicos mais experientes para os menos experientes.

Essa partilha do saber pode referir-se, entre outros aspectos: às formas de resolução de problemas com formadores, ou de outro tipo qualquer; ao como fazer determinada acção, desde a redacção de um ofício à realização de contratos com formandos; ao esclarecimento sobre o que é determinado instrumento de trabalho, para que serve e em que altura deve ser usado; ao como classificar determinado tipo de curso; e aos esclarecimentos sobre a linguagem e metodologias específicas de determinados tipos de cursos. Estas e outras trocas de saberes vão no sentido de quem sabe para quem não sabe e procura o saber junto de quem o detém. Mas um outro sentido das trocas do saber: o que vai de quem teve uma experiência positiva ou negativa e transmite o saber que adquiriu com a experiência tida aos colegas, sem que estes lho tenham pedido.

As trocas de saberes entre técnicos traduzem-se, muitas vezes, na explicitação do saber implícito, pois quem procura saber faz com que quem sabe explicite o seu saber através do dizer, do mostrar, do explicar, do comparar e, dessa forma, vai-se transmitindo e circulando o saber.

A intensidade das trocas de saberes é variável. É, em alturas complexas da prática individual ou colectiva, que a circulação do saber é mais forte. É quando a incerteza colectiva quanto ao que e como fazer surge (como foi o caso da Acreditação da formação) ou quando surge a dúvida de algum dos técnicos relativamente ao que, como, quando e através de que instrumentos deve realizar uma acção que nunca fez, que a intensidade das trocas de saberes entre os técnicos atinge o seu ponto mais elevado.

Esta modalidade de transferência contextual corresponde à principal forma de circulação e colectivização do saber no contexto observado. É sobretudo através dessas trocas que a generalização do saber acontece, que a comunidade de saber se vai constituindo. O modo mais comum de tal ocorrer é através da procura, por parte de quem vai começar a fazer algo que nunca fez, dos saberes necessários para desenvolver a sua acção junto dos colegas que a fizeram ou fazem e detêm os saberes necessários. Mas variações no processo de colectivização do saber feito através destas trocas entre pares. Também acontece que quem introduz uma alteração na forma de fazer uma actividade, seja pela criação de um novo instrumento de trabalho, seja pela alteração da ordem dos procedimentos estabelecidos, por exemplo, divulgue essa modificação junto dos colegas de forma gradual no decorrer do dia-a-dia ou num momento específico e de forma geral. O que costuma acontecer nestes casos, e se a alteração produziu um efeito positivo, é a gradual ou imediata alteração na forma de fazer e do correspondente saber-fazer colectivo. Estas trocas de saberes demonstram o papel activo dos técnicos no seu relacionamento com o saber.

2.3. A dimensão temporal do saber Estas transferências de saberes estão, normalmente, ligadas ao fazer e ao momento do fazer. O saber está intimamente relacionado com a dimensão temporal do fazer; é na altura do fazer, ou muito próximo do fazer, que se procura o saber que permite fazer. Um exemplo disto foi dado por uma técnica, que ia ter uma reunião com os formadores da parte da tarde, a propósito da forma como nos cursos EFA se fazia a planificação dos temas de vida (temas que devem ser transversais a todos os módulos curriculares) e procurou saber, da parte da manhã, junto dos seus colegas que instrumentos estavam a ser usados e por que ordem estavam a ser usados para se realizar tal planificação.

A dimensão temporal do saber não se esgota neste aspecto. saberes que perduram mais que outros. Este aspecto tem a ver com a duração da actividade em si, ou seja, quanto mais tempo se faz algo mais o saber, ou saberes correspondentes, se vão interiorizando, mais implícitos se tornam, acompanhando o actor durante mais tempo.

A duração do saber tem a ver também com o significado que o saber assume para o actor, isto é, acontecimentos marcantes, positivos ou negativos, na acção dos técnicos que nunca mais se esquecem e que são mobilizados frequentemente para pensar o presente e para agir. Tais acontecimentos podem ser colectivos ou individuais, mas nestes casos o comum acontecer é que quem viveu tal facto o exteriorize e procure transmitir aos colegas os saberes daí resultantes. O episódio seguinte remete para a permanência do saber fruto de uma experiência significativa.

4ºepisódio - A duração do saber A Margarida acaba de ter um problema com formandos, que comenta comigo.

Margarida ' Sabe,  esta relação com os formandos é uma coisa. se lembram do que lhes interessa.

Investigador ' O Jaime disse-me que havia problemas com os formandos e que era difícil gerir essas situações.

Margarida ' É muito difícil. Sabe, é bom não nos envolvermos demais. Eu, no início do meu trabalho vivi uma situação complicada. Nesse programa fizemos um trabalho de terreno intenso ( ). Eram 15 formandos e eu e a minha colega envolvemo-nos muito com eles, ajudávamos a resolver vários problemas que eles iam tendo. Mas, no fim do curso aconteceu uma coisa que me deixou de rastos.

Organizámos um almoço com os formandos, o presidente da associação ( ).

Estávamos a almoçar e uma das formandas, nunca mais me esqueço do nome dela, Alice, dirigiu-se à nossa mesa e a mim directamente e começa a disparatar, foi um momento muito duro ' " isto é uma vigarice, afinal nós não vamos ter emprego nenhum, vocês enganaram-nos" ' coisas assim. Tentei acalmá-la e explicar-lhe que ninguém lhes prometeu emprego, que lhes falámos em estágio e possibilidades de virem a ficar empregados, o que veio a acontecer com a maior parte deles. Bom, mas não adiantei nada, ela continuou a disparatar. Eu fiquei tão surpreendida, eu não tinha experiência quase nenhuma de trabalho, foi um choque ( ). Mas aprendi muito com essa situação, com essa minha primeira experiência de trabalho, nunca mais me esqueci e é por isso que agora sei que não nos devemos envolver em demasia...

Investigador ' Pois é, às vezes temos algumas surpresas.

A Joana, que entretanto tinha entrado e acompanhado parte da conversa, diz: Joana ' Ah, sei do que estás a falar, é da senhora Alice, não é? Margarida 'É.

Joana ' Pois é, o relacionamento demasiado próximo com os formandos prejudica a nossa acção.

Este tipo de situações mostra como existe neste local uma memória colectiva que se activa sempre que é necessário.

Considerações finais Termina-se dando realce ao facto de se estar na presença de uma comunidade de saber, de uma equipa que possui um saber colectivo, que se usa em várias circunstâncias e que vai sendo realimentado pelos técnicos através dos processos de construção e reconstrução desse saber, nos quais assume papel fundamental a entreajuda, o forte trabalho criativo em equipa.

A dimensão colectiva do saber não nega a diferenciação de saberes entre os técnicos. Ou seja, apesar de existir um saber colectivo existem saberes específicos. Por exemplo, técnicos que estão mais próximos que outros da metodologia dos cursos EFA, que conhecem melhor que outros certos públicos, que conseguem melhor que outros resolverem situações complexas, que dominam melhor que outros os aspectos normativos dos procedimentos. Esta heterogeneidade de saberes, na homogeneidade existente, é reconhecida pelos próprios quando, por exemplo, algum deles diz: "se ela aqui estivesse arranjava uma solução para isso".

Essa diferenciação resulta certamente, entre outros aspectos, da experiência profissional tida noutros e naquele local de trabalho e também da sua diferente formação académica e da mobilização que fazem dos conhecimentos codificados que adquiriram no actual local de trabalho.

Portanto, o facto de se falar em comunidade de saber não elimina a heterogeneidade. Na verdade, essa diferenciação é fonte de realimentação do saber colectivo. Esses saberes específicos partilham-se, muitas vezes, à medida que quem necessita de algum tipo de saber o solicita junto de quem o possui.

Efectivamente, a principal fonte de saber para quem vai começar a realizar uma actividade é o colega, ou colegas, que a realizaram. É, sobretudo, desta forma que o saber circula e se colectiviza. Para além desta e de outras de fontes internas de saber, existem também fontes externas. É da conjugação e da relação activa dos técnicos com as diversas fontes de saber que se forma o saber colectivo, a comunidade de saber.

Enfim, estes técnicos não têm uma relação com o saber que assenta apenas na sua transmissão e acumulação. A sua relação com o saber é dinâmica, eles procuram, transformam, criam e usam o saber no seu quotidiano, eles participam na construção e reconstrução do saber colectivo posto em acção.


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