Editorial
EDITORIAL
Editorial
Maria de Lourdes Dionísio e Fátima Antunes
Este primeiro número de 2014 da Revista Portuguesa de Educação exprime
inequivocamente, mais uma vez, a educação como campo vasto de estudo, cuja
pluralidade explica a diversidade de abordagens e problemáticas, de questões de
investigação ou opções metodológicas. Conhecemos bem as disputas em torno das
potencialidades da investigação científica assim fundamentada; entende-se, por
isso, que a discussão das pesquisas que se seguem contribui para fortalecer uma
comunidade científica que se identifica tanto pela elucidação de práticas
polifacetadas, como pelos olhares múltiplos que para tanto são convocados.
A abrir este volume, Marilda Schneider e Elton Luiz Nardi, a partir da análise
do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), criado em 2007 para
aferir a qualidade da educação básica brasileira, discutem as tensões
existentes entre as variáveis que integram o sistema. Concluem os Autores que
a política em que se inscreve o IDEB, nas condições postas, não avança em
relação a concepções de accountability que possam ser articuladas com uma
política educacional de qualidade, já que tal avaliação coloca em causa
apenas o desempenho dos estudantes e das escolas, excluindo outros fatores
imprescindíveis para assegurar essa qualidade.
No segundo texto, Elma Carvalho apresenta um estudo comparativo das reformas na
administração do sistema educativo do Brasil e de Portugal, a fim de, entre
outros objetivos, identificar orientações e particularidades dos modos de
apropriação de modelos de gestão pública nos dois países. Conclui a Autora que
as tendências gerencialistas das atuais políticas não se concretizam, nem
necessária nem inteiramente, na prática, uma vez que, na sua perspetiva, a
descentralização, a participação e autonomia da escola dependerão muito mais
do jogo de forças dos atores sociais, e, neste sentido, podem vir a submeter-
se a outras formas de regulação.
Partindo de experiências na formação de não-atores, António Branco identifica
princípios orientadores de uma pedagogia teatral, a partir das propriedades da
literatura definidas por Italo Calvino: leveza; rapidez; exatidão;
visibilidade; e multiplicidade. No ensaio, no quadro dos objetivos de uma
Oficina de Teatro que não visa uma formação especializada conducente ao
exercício da profissão de ator, mas antes uma visita guiada a esse universo,
metaforizado em campo de batalha, o Autor identifica os elementos essenciais
dos conflitos que estão na origem das dificuldades e resistências dos alunos.
O que a estes se propõe, então, é o de se aperceberem desse campo de batalha,
o de o compreenderem melhor e o de, eventualmente, experimentarem travar as
lutas que quiserem ou puderem.
Também no âmbito da educação em Teatro, Jean Carlos Gonçalves discute, por
recurso a um estudo empírico, uma dimensão da sua pedagogia: a avaliação.
Destacando a natureza inacabada dos exercícios cénicos dos alunos, problematiza
a questão do que está certo ou errado numa cena teatral. Assumindo as
especificidades do objeto da avaliação, a posição do Autor é a de que a sua
concretização torna-se quase inatingível quando estão em causa conceitos e
notas justas. Num exercício de aproximação entre educação, linguagem e teatro,
a análise foi realizada pela perspectiva dos estudos de Bakhtin, tendo apontado
para os diferentes sentidos de avaliação docente, entre eles a relação entre
processo e produto, questão que pode ser extensível a toda a educação em
artes.
Igualmente ecoando as teorias de Bakhtin, o texto de Míria Gomes de Oliveira
discute controvérsias, diversidade e polifonia no ensino da leitura e da
literatura no ensino médio brasileiro. Na consideração da diversidade social e
cultural da população estudantil da educação básica, com base no conceito de
polifonia e de literatura menor, a Autora postula práticas de leitura menor e
polifônicas em que o contato entre as vozes de professores e alunos e as vozes
dos textos canónicos e não-canónicos levem leitores a posicionamentos críticos.
A discussão em torno de práticas reflexivas de professores da educação superior
constitui o objeto do artigo que Hedioneia Pivetta e Silvia Isaia desenvolvem a
partir de uma pesquisa de cunho qualitativo narrativo com características de
investigação-formação. Da análise dos diários de campo com narrativas de
professores, dos diários de aula e das transcrições de encontros de um grupo de
reflexão, as Autoras destacam o valor formativo do grupo reflexivo, na medida
em que este tipo de reflexão sobre o cotidiano docente traz novos significados
à educação superior, contribuindo para a melhoria da qualidade da docência
universitária. Destacando o contributo que o estudo realizado pode representar
para a instituição de espaços semelhantes nos distintos territórios da educação
superior, ressalva-se, no entanto, que a constituição do grupal exige
conhecimentos e habilidades próprias ao campo teórico conceitual envolvido,
mas, acima de tudo, a disposição e o compromisso das pessoas/professores com
sua formação, já que o professor só se transforma se ele aceita aprender, o
que envolve um itinerário vivencial-profissional.
Em Os fins e os meios da Educação Moral nas escolas brasileiras: Representações
de educadores, a equipa liderada por Maria Suzana Menin apresenta um estudo
junto de diretores, coordenadores pedagógicos e professores de escolas públicas
brasileiras, sobre a existência de Educação Moral ou em Valores, na escola, por
que fazê-lo e como. Num quadro de entendimento amplo de Educação Moral, tomada
também como equivalente a Educação em Valores, o estudo revela grande
unanimidade quanto ao papel da escola nesta missão, ao mesmo tempo que,
contudo, mostra a falta de consenso quanto a finalidades e modos de atuação. A
concluir, o texto enfatiza a necessidade de formação contínua e sistematizada
de educadores, em que suas concepções e experiências possam ser consideradas,
refletidas, discutidas, de sorte que os conteúdos sejam trabalhados em conjunto
e possibilitem uma real transformação.
O texto de Eliana Silva e Teresa Freire defende o desenvolvimento positivo de
adolescentes enquanto fundamento para o desenvolvimento de programas de
mentoria. Destacando-se, nesta perspetiva, a importância das relações de
suporte estabelecidas com adultos não parentais e pares responsáveis para a
definição positiva das trajetórias desenvolvimentais, concebe-se o adolescente
como sujeito dotado de potencialidades e recursos que têm de ser desenvolvidos.
O estudo mostra como os programas de mentoria têm sido eficazes tanto na
prevenção do desenvolvimento em comportamentos de risco como na promoção de
um desenvolvimento bem sucedido na escola, na comunidade e na vida em geral,
precisando-se ainda assim de mais investigação e teoria com vista à maximização
da sua eficácia e o seu potencial efetivo na promoção de adolescentes bem
sucedidos no presente e adultos responsáveis no futuro.
O volume encerra com uma Nota de Leitura da obra de Luciana Beatriz de Oliveira
Bar de Carvalho e de Carlos Henriques de Carvalho, publicada pela Editora
Alínea, em 2012, com o título O lugar da Educação na Modernidade luso-
brasileira no final do século XIX e início do século XX. Para o Autor da Nota,
José Moreno Afonso, o desafio que se nos coloca com a obra é o de repensar a
história da educação numa dimensão comparativa, já que o seu objetivo é
discutir as iniciativas levadas a cabo, no campo educacional, por Brasil e
Portugal, através dos exemplos de dois municípios, respetivamente Uberaninha e
Mafra.
Percorrendo campos de práticas tão diversos quanto a avaliação dos sistemas e o
desenvolvimento de programas de mentoria de adolescentes, este número da
Revista Portuguesa de Educação propõe agora à exploração e debate pelos
leitores o conjunto de análises de investigações que se segue.
Centro de Investigação em Educação
Instituto de Educação
Universidade do Minho - Campus de Gualtar
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