Editorial
EDITORIAL
Editorial
Maria Alfredo Moreira e Maria José Casa-Nova
O segundo número de 2014 da Revista Portuguesa de Educação (RPE) marca mais um
momento de transição da revista, com uma nova equipa que assume a
responsabilidade pela sua condução. Vinte e seis anos depois da sua fundação, a
nova equipa tem por objetivo consolidar e alargar o projeto editorial
existente, pela continuidade que é dada à política editorial, e pelo reforço da
internacionalização. É por nós reconhecido o investimento que as direções
anteriores, em particular a última, têm vindo a fazer, e que levou ao
posicionamento atual da RPE como revista de referência incontornável no
panorama editorial internacional no campo da educação. Esta presença
reconhecida da RPE visibiliza-se na sua integração em catálogos e indexação em
bases de dados internacionais, bem como no reconhecimento da sua qualidade em
sistemas internacionais de avaliação de revistas científicas.
Com este novo mandato, a RPE consolida esta dimensão internacional, pelo
alargamento do seu Conselho Editorial a outros países, dos quais destacamos os
países africanos de expressão portuguesa. Assumimos o compromisso de dar
continuidade à política editorial já traçada e consolidada, tendo como objetivo
primordial agilizar o processo de revisão por pares, sem, contudo, comprometer
a qualidade a que nos habituamos. Para tal, o contributo dos especialistas tem
sido fundamental. A eles e elas somos gratas pela generosidade da colaboração.
A lista dos seus nomes, reportada aos anos de 2013 e 2014, é apresentada no
final do número.
Relativamente aos textos inclusos, este número da RPE abre com um texto de
Maria Isabel de Almeida e Selma Garrido Pimenta, subordinado ao tema:
"Pedagogia universitária ' Valorizando o ensino e a docência na universidade".
O objetivo do estudo é problematizar como é formado o professor universitário
para dar resposta a duas das dimensões mais importantes da sua profissão:
produzir conhecimento científico e transmitir/problematizar o conhecimento
através do ato de ensinar. Considerando que o ato de ensinar é subvalorizado na
formação destes profissionais, as autoras procuram contribuir para o incremento
de políticas institucionais de formação contínua através da análise da política
de valorização e formação de docentes que implementaram na Universidade de São
Paulo. Essas políticas visavam tornar sistemáticas práticas de formação
pedagógica, procurando construir um novo modelo de formação universitária que
valorize igualmente as atividades de investigação e de ensino, envolvendo os
alunos neste processo. As autoras refletem sobre o significado e a importância
da formação pedagógica dos docentes do ensino superior, perspectivando-a como a
chave para um ensino que possibilita, num "contexto de crise da universidade
contemporânea" e da sua abertura a uma pluralidade de públicos que apresentam
perfis diversificados e desafiadores das práticas docentes, a formação de
alunos autónomos, reflexivos e críticos.
O texto seguinte, da autoria de Helena Quintas, Teresa Gonçalves, C. Miguel
Ribeiro, Rute Monteiro, António Fragoso, Joana Bago, Lucília Santos e Henrique
Fonseca, intitulado "Estudantes adultos no Ensino Superior: o que os motiva e o
que os desafia no regresso à vida académica", reflete sobre as motivações de
estudantes que ingressam na Universidade pelo contingente dos "maiores de 23
anos", incidindo nos alunos entre os 45 e os 60 anos. Através de entrevistas
biográficas, os/as autores/as desvelam o quotidiano estudantil deste novo
público do ensino superior, cujas motivações para retornarem "à escola" se
apresentam claramente diferenciadoras das motivações dos alunos que realizaram
um percurso escolar continuado. Encontrando-se numa fase da vida pessoal e
profissional que os distingue da maioria do público universitário, as razões
subjacentes a esta tomada de decisão prendem-se com a procura de conhecimento,
com a possibilidade de frequentar um curso que corresponda a interesses
pessoais ou o completar de um percurso que sentem ter sido interrompido,
apresentando-se, por isso, inacabado. No entanto, este "voltar à escola" num
momento em que desempenham vários papéis sociais não é isento de
vulnerabilidades que procuram ultrapassar pela maior maturidade, pelo esforço
acrescido e continuado, pela vontade de vencer. O reconhecimento familiar e a
satisfação que o sucesso proporciona, nomeadamente aos progenitores, aparece
realçado por estes estudantes, para quem a frequência do Ensino Superior
transformou a sua forma de estar, contribuindo para perspetivar de forma
crítica as diversas esferas do mundo social.
O terceiro texto, da autoria de Susana Meirinho e Cecília Galvão, com o título
"Processo de supervisão em jardim de infância. Um olhar narrativo em prol do
desenvolvimento profissional", confere à reflexão narrativa um papel central na
promoção da qualidade educativa e supervisiva. O objetivo do estudo é descrever
e compreender práticas educativas no âmbito de aprendizagens em ciências, num
contexto de supervisão em jardim de infância, outorgando um lugar central aos
processos de escuta dos significados atribuídos pelas crianças e educadoras às
atividades neste domínio. Com o contar histórias, as educadoras relembram,
analisam e incorporam a reflexão das suas experiências educativas nas suas
práticas. Nestas histórias, as educadoras evidenciam a supervisão como um
processo que beneficia as educadoras na melhoria da prática pedagógica, mas
também as crianças. O processo de reflexão que promovem permite-lhes
compreender e atribuir sentido à ação pedagógica, validando os seus saberes e
competência profissional, mas também aperfeiçoar as suas práticas. Os
resultados revelam que a narrativa desvenda o processo de colaboração vivido e,
ao mesmo tempo, permite às educadoras dar-se conta de como este processo é
importante para o seu desenvolvimento profissional.
O quarto texto, da autoria de Eulália Neto, intitulado "Os projetos de
trabalho: Uma experiência integradora na formação inicial de professores", tem
como objetivo perceber de que modo experiências interdisciplinares baseadas na
construção de um projeto podem contribuir para a integração curricular e o
desenvolvimento de atitudes de pesquisa e de colaboração nos cursos de formação
inicial de professores. Partindo do pressuposto de que estes cursos devem
favorecer a formação integral do aluno, abrindo o currículo aos saberes
construídos dentro e fora dos espaços académicos, através de trabalhos
colaborativos, integrados e interdisciplinares, que possibilitem a construção
de um saber profissional holístico e contextual, a autora discute o contributo
dos projetos de trabalho para este processo. Os resultados evidenciam o papel
do projeto integrador como um procedimento teórico e metodológico que viabiliza
a interdisciplinaridade e integração de saberes teóricos e práticos pois, ao
trabalharem com projetos, professores e alunos desenvolvem um currículo como
práxis emancipadora, na medida em que os "conteúdos são construídos no chão'
da escola" e não apenas nas cadeiras da academia.
O quinto texto, da autoria de João Piedade e Neuza Pedro, tem o título
"Tecnologias digitais na gestão escolar: Práticas, proficiência e necessidades
de formação dos diretores escolares em Portugal". No texto, o autor e a autora
exploram o domínio e uso das tecnologias digitais nas práticas dos diretores de
escolas públicas portuguesas e toma como objeto de estudo as crenças e
perceções acerca das práticas dos diretores escolares na utilização das
tecnologias digitais. Estes são vistos como atores frequentemente pouco
envolvidos neste processo, não obstante sofrerem uma crescente pressão no que
diz respeito à integração das tecnologias, esperando-se que assumam uma
"liderança tecnológica". Evidenciando que os programas de estímulo à
modernização em contexto escolar, definidos a nível nacional, não contemplam
ações específicas dirigidas a diretores escolares, o autor e a autora levam a
cabo um estudo de natureza quantitativa, procurando analisar o sentido de
autoeficácia no uso das tecnologias evidenciado por estes atores e o grau de
utilização das tecnologias digitais nas práticas de gestão escolar referido
pelos mesmos. Os resultados do estudo revelam um sentido de autoeficácia
favorável na utilização das tecnologias digitais e um forte índice de
utilização no apoio à gestão escolar. Os fatores que parecem ter um impacto
mais significativo na incorporação das tecnologias nas escolas são a existência
de professores inovadores, a valorização do trabalho dos professores e a
disponibilização de mais software específico para as várias disciplinas.
Por fim, o texto "Prevenção do consumo de álcool em manuais escolares de
Ciências Naturais portugueses", da autoria de Augusta Dias e José Precioso,
aborda o problema do alcoolismo entre os jovens em idade escolar, analisando o
modo como os manuais escolares, da disciplina de Ciências Naturais, promovem a
Educação para a Saúde e, particularmente, a educação sobre o álcool e outras
drogas. As medidas de educação para a saúde dos jovens em idade escolar
incluem, em Portugal, a educação alimentar, a educação sexual e a educação para
a prevenção de situações de risco pessoal, que abarcam a prevenção do consumo
de drogas e do álcool. Sendo os manuais escolares o principal material didático
utilizado pelos professores em contexto de sala de aula, o estudo desenvolvido
visou analisar as propostas de abordagem da temática da prevenção do consumo de
álcool apresentadas pelos manuais escolares de Ciências Naturais do 9º ano. Os
resultados revelam que a maioria dos manuais apenas desenvolve estratégias
preventivas de natureza informativa, não desenvolve os tópicos relacionados com
a prevenção do alcoolismo com a profundidade que seria desejável e não promove
as competências necessárias ao combate a este problema.
Assim, e tal como se evidencia pela diversidade de temáticas educacionais
abordadas nos artigos, este número volta a fazer notar a pluralidade e
abrangência do campo, ao discutir propostas de educação/formação em todos os
níveis de escolaridade, desde a educação de infância ao ensino supervisor,
passando pela formação inicial de educadores e professores e chegando à
pedagogia no ensino superior. Evidencia ainda a diversidade metodológica da
investigação em educação, ao incluir textos cujas pesquisas foram realizadas
com recurso a técnicas de recolha de dados que se inserem nas metodologias
qualitativas e quantitativas, abarcando desde o inquérito por questionário à
análise narrativa. Esta é, sem dúvida, uma das riquezas do campo.
Esta riqueza será mantida e alimentada. Continuaremos a pugnar por uma revista
aberta à pluralidade de perspetivas teóricas e metodológicas, sem perder o
rigor e credibilidade arduamente conseguidos por quem nos antecedeu. Às equipas
que nos precederam, órgãos da revista, mas também equipa técnica, a nova
direção deixa um registo de agradecimento e apreço pelo trabalho realizado e
pela abertura de um caminho largo, que muito facilita o andar de quem agora
nele caminha.
Centro de Investigação em Educação
Instituto de Educação
Universidade do Minho - Campus de Gualtar
4710 Braga - Portugal
rpe@iep.uminho.pt