Contributos da investigação sobre a vinculação em Portugal
Apresentação do Número
Isabel Soares
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Contributos da investigação sobre a vinculação em Portugal
Este número temático reúne um conjunto de investigações sobre a vinculação,
conduzidas em Portugal, no âmbito de distintos grupos2, incidindo em temáticas
distintas relativas à infância, adolescência e idade adulta, orientadas para
problemáticas e contextos específicos, tais como a maternidade na adolescência,
a adopção, as relações de amor, de amizade e de trabalho, recorrendo a métodos
distintos de avaliação da vinculação, incluindo entrevistas, questionários,
observações da interacção diádica com base em escalas e em Q‑set.
No seu conjunto, este corpo de investigação espelha a multiplicidade dos temas
e a variedade de linhas de investigação que hoje se cruzam no território
científico da investigação da vinculação. Na esteira da investigação
internacional, os diversos grupos de investigação da vinculação em Portugal
procuram examinar e responder a questões e desafios da actualidade, recorrem a
métodos de avaliação correntes neste domínio científico e oferecem contributos
no plano da metodologia, por exemplo, questionando e afinando medidas
existentes.
Neste âmbito, o primeiro estudo apresentado, da autoria de Jongenelen e
colaboradores, procura examinar a questão da transmissão intergeracional da
vinculação num grupo de mães adolescentes e seus bebés, cruzando duas medidas
centrais na investigação da vinculação: a Adult Attachment Interview (George,
Kaplan & Main, 1985) e a Situação Estranha (Ainsworth & Wittig, 1969;
Ainsworth & Bell, 1970; Ainsworth, Blehar, Waters & Wall, 1978). Este
estudo com uma amostra de risco revela uma distribuição dos padrões de
vinculação nos bebés muito próxima da encontrada em amostras consideradas
“normativas”, ao nível nacional (Soares, 1996; Soares et al., 1995) e
internacional (van IJzendoorn & Kroonenberg, 1988). Por outro lado, a
preponderância de mães adolescentes com uma organização de vinculação insegura
aproxima‑se também da distribuição obtida em outras pesquisas com mães de
nível socioeconómico baixo (van IJzendoorn & Bakermans‑Kranenburg, 1996).
Contudo, em contraste com resultados encontrados em outros estudos, (por
exemplo, Fonagy et al., 1991; Benoit & Parker 1994), esta amostra
portuguesa não revelou uma concordância significativa entre a organização da
vinculação da mãe e do seu bebé. A questão da transmissão intergeracional da
vinculação continua em aberto, para a qual este artigo procura contribuir.
O segundo artigo de Veríssimo e Salvaterra centra‑se temática da adopção e
procura examinar duas questões relevantes no processo de construção da relação
de vinculação – a idade da criança, na altura da adopção, tem influência na
qualidade da vinculação estabelecida com a sua nova família? Há relação entre
o modelo interno dinâmico da mãe e o comportamento de base segura do seu
filho(a) adoptado? Para analisar estas questões, foram utilizados o Attachment
Behaviour Q‑Set e as Narrativas de Representação da Vinculação em Adultos.
Os resultados encontrados trazem para primeiro plano a discussão da noção de
período crítico para o estabelecimento da vinculação e, por outro lado,
salientam a importância de uma figura estável e sensível para a promoção e
desenvolvimento da relação de vinculação, apoiando a relevância da
sensibilidade materna,conceito‑chave de Ainsworth, na qualidade deste novo
contexto relacional construído pela adopção. Além disso, este novo território
relacional remete‑nos, também, para a questão da transgeracionalidade da
vinculação – já abordada no artigo anterior de Jongenelen e colaboradores, no
contexto da maternidade na adolescência – no sentido em que que o modelo
interno da mãe poderá constituir um factor mediador da qualidade da prestação
dos cuidados e da interacção que esta estabelece com o seu filho(a), e que se
reflecte na qualidade de vinculação das crianças.
O artigo de Lima e colaboradores avança para um outro território relacional –
as relações íntimas na idade adulta – procurando cruzar a abordagem centrada
no discurso e na representação do indivíduo, a partir da Intimate Relationship
Interview (Lima, Vieira, Soares & Collins, 2005), com o foco na interacção
do casal e nos seus comportamentos em situações problemáticas, com base na
Couple Interaction Task(Collins, Hennighausen, Madsen & Roisman, 1998). Os
resultados preliminares apontam para a associação entre estes dois níveis de
análise e para a pertinência da combinação de múltiplos métodos na avaliação
da vinculação no contexto das relações íntimas na idade adulta.
Figueiredo e colaboradores analisam a qualidade da vinculação e das relações
significativas na gravidez, em adolescentes e adultas, com um duplo foco – por
um lado, nas características sociais e demográficas e nas condições anteriores
de existência que estão associadas a um estilo de vinculação (in)seguro e, por
outro lado, no impacto do estilo de vinculação na qualidade do relacionamento
e do apoio por parte do companheiro e de uma outra pessoa significativa, na
gravidez – com base na Attachment Style Interview –de Bifulco e colaboradores
Os resultados revelam a importância de acontecimentos críticos do passado e do
presente, tais como a separação ou divórcio parental durante a infância ou
adolescência ou o desemprego no presente, associados a um estilo inseguro de
vinculação. Além disso, os resultados apontam para o impacto do estilo de
vinculação nas relações actuais, na medida em que os estilos inseguros estão
associados a relacionamentos de menor qualidade na gravidez, com o
companheiro e outros significativos.
O artigo de Matos e Costa inscreve‑se na abordagem conceptual e metodológica
de Bartholomew e pretende analisar a relação entre a vinculação aos pais e a
vinculação ao par romântico e as diferenças de género do adolescente e da
figura parental nas representações da vinculação, tendo como base duas
entrevistas semi‑estruturadas: Family Attachment InterviewePeer Attachment
Interviewde Bartholomew e Horowitz.As entrevistas dos adolescentes evidenciam
a presença de regularidades nas representações de ambos os domínios, quer ao
nível dos conteúdos, quer ao nível da qualidade da organização discursiva. Além
desta proximidade na organização das narrativas, de um modo geral, tende
também a haver proximidade na qualidade das representações da vinculação aos
pais e ao par romântico: representações de vinculações seguras às figuras
parentais tendem a estar associadas a representações de vinculações seguras no
plano das relações românticas e a representações mais favoráveis acerca de si
próprio e dos outros, não tendo sido encontradas diferenças do género do
adolescente nos padrões de vinculação.
A pesquisa de João Moreira procura responder à questão “Será o estilo de
vinculação específico para cada relação?”, através de um estudo de
generalizabilidade, com base num questionário medindo as duas dimensões
fundamentais das auto‑avaliações do estilo de vinculação dos adultos, a
preocupação e a evitação, examinando em que grau os indivíduos exibem o mesmo
estilo de vinculação em relações com diferentes parceiros. Os resultados deste
estudo desafiam a noção da consistência em diferentes relações ao revelarem a
necessidade de se considerar características específicas das relações,
apoiando, assim, a proposta de Bartholomew (1990), de que a evitação reflecte a
representação dos outros, sendo, por isso, específica das relações, enquanto
que a preocupação tenderá a reflectir a representação de si próprio e, nesse
sentido, será específica da pessoa.
Os dois últimos artigos integrados neste número temático estão centrados na
avaliação dos estilos de vinculação em adultos, com base em questionários de
auto‑relato. O artigo de Canavarro e colaboradores dá conta dos novos
desenvolvimentos da Escala de Vinculação do Adulto (EVA), versão portuguesa da
Adult Attachment Scale‑R, de Collins e Read (1990). Tendo como ponto de
partida os primeiros estudos de validação (Canavarro, 1999), a investigação
actual integra uma amostra mais alargada da população clínica e não clínica,
permitindo analisar a estrutura dimensional, fiabilidade e validade da
escala. O estudo actual revela resultados favoráveis ao nível das
características psicométricas da escala, a qual permite, agora, a classificação
dos sujeitos com base nos protótipos identificados por Bartholomew e Horowitz
(1991).
O estudo de Fonseca e colaboradores parte da versão portuguesa do Loving/
Working: Are They Related?, de Hazan e Shaver (1990), para examinar o estilo
de vinculação nos contextos das relações amorosas e das relações
profissionais. Os resultados revelam que a maioria dos participantes se
identifica com um estilo de vinculação segura e com uma orientação para o
trabalho segura, tendo sido encontrada uma associação significativa entre
estas duas variáveis. Por outro lado, um estilo de vinculação segura, nas
relações amorosas e na orientação para o trabalho, parece estar associado a
uma maior satisfação profissional e melhor adaptação ao trabalho.
Como procurámos evidenciar nesta apresentação, este número temático espelha a
diversidade de temas e de métodos, dando voz à multiplicidade de focos sobre o
território da investigação científica da vinculação, onde se cruzam várias
abordagens a partir do legado Bowlby‑Ainsworth‑Main. Este cenário, marcado
pela polifonia, constitui, também, um desafio à coerência teórica e à
capacidade de dar sentido e de integrar os múltiplos dados e resultados, à luz
do vasto património teórico e empírico. Esta diversidade traz novas
questões, põe em cena velhas questões, coloca dúvidas onde estariam certezas.
É por aqui que a ciência avança e é por aqui que a investigação da vinculação
em Portugal nos parece estar, também, a caminhar.