Diferenças de género no conflito trabalho-família: um estudo com famílias
portuguesas de duplo-emprego com filhos em idade pré-escolar
Introdução
A presença generalizada das mulheres no campo laboral que se tem verificado nas
últimas décadas tem consequências directas na vida familiar, rompendo,
parcialmente, com o modelo de complementaridade entre homens e mulheres. Este
modelo assentava na diferenciação de tarefas entre os dois sexos, segundo o
qual o trabalho remunerado era da responsabilidade masculina e o trabalho não
remunerado, isto é, familiar, era da responsabilidade feminina. Este facto
criou novos desafios e dilemas para os indivíduos e para as famílias,
introduzindo alterações nos papéis de género, tanto no domínio profissional
como no familiar (Wall, 2005).
O estudo da integração harmoniosa das relações trabalho-família tornou-se assim
particularmente relevante, dando origem a um conjunto de quadros de análise
conceptual e de estudos empíricos. Estes estudos, salientam, em geral, que as
dificuldades sentidas na articulação entre papéis profissionais e familiares
são mais frequentes e intensas nas mulheres (Zimmerman, Haddock, Current, &
Ziemba, 2003) . Se actualmente, e para o contexto nacional, as
responsabilidades relativas ao trabalho profissional parecem ser partilhadas
por homens e mulheres, o mesmo não acontece no domínio familiar: as tarefas
domésticas e de cuidado dos filhos continuam a ser maioritariamente da
responsabilidade feminina (Fontaine, Andrade, Matias, Gato, & Mendonça
2007; Torres, 2004; Wall, 2005). Esta realidade coloca obstáculos à conciliação
dos dois domínios para as mulheres, podendo mesmo criar um conflito entre
papéis profissionais e familiares. Apesar desta realidade, particularmente
penalizadora para as mulheres ter sido documentada por alguns estudos, as
mudanças nos papéis de género estimulam também um maior investimento dos homens
na vida familiar, nomeadamente ao nível dos cuidados aos filhos (Coltrane,
2000), podendo, por conseguinte, também para estes, surgir um quadro de
conflito de papéis.
É nesta linha de análise das diferenças de género que se situa o presente
trabalho. Pretende-se caracterizar os níveis de conflito de papéis vividos por
famílias de duplo-emprego com filhos em idade pré-escolar, procurando-se ainda
evidenciar alguns dos seus antecedentes ao nível profissional e familiar.
Conflito trabalho-família e família-trabalho
Apesar do exercício do papel profissional ser indispensável à manutenção
económica da família, a gestão das obrigações familiares e profissionais não
está isenta de conflito. Segundo Greenhaus & Beutell (1985), os indivíduos
possuem uma quantidade limitada de recursos psicológicos e fisiológicos em
termos de tempo, atenção e energia, o que torna difícil fazer face às
diferentes exigências de cada papel, podendo surgir o conflito entre papéis.
Mais especificamente, Greenhaus & Beutell (1985), evidenciaram três formas
de conflito trabalho-família: conflito baseado no tempo, conflito baseado na
tensão e conflito baseado no comportamento. O conflito baseado no tempo implica
que os múltiplos papéis que o indivíduo desempenha competem entre si em termos
de tempo, ou seja, o tempo dispendido num papel interfere com a disponibilidade
de tempo para o outro papel. O conflito baseado na tensão implica que a pressão
criada no âmbito do desempenho de um dos papéis dificulta o cumprimento das
exigências do outro papel. Por exemplo, as pressões para o desempenho, as
pressões psicológicas e os problemas interpessoais levam a irritabilidade,
fadiga ou apatia, o que afecta, necessariamente, o desempenho do outro papel.
Por fim, o conflito baseado no comportamento corresponde a padrões
comportamentais específicos de um determinado papel que podem ser incompatíveis
com as expectativas comportamentais de outro papel. Por exemplo, um estilo de
comportamento no desempenho do papel profissional que é pautado por poder,
autoridade e impessoalidade pode ser incompatível com comportamentos esperados
na esfera familiar, que exigem afectuosidade, carinho e relações próximas.
A maioria dos estudos sobre o conflito de papéis tem centrado a sua atenção na
transferência de atitudes ou estados de humor negativos de um domínio para o
outro, bem como nos efeitos da competição na utilização do tempo disponível
para o exercício de cada papel, isto é, no conflito baseado na tensão e no
tempo (Edwards & Rothbard, 2000). Greenhaus & Beutell (1985), assumem
também uma conceptualização bidirecional do conflito inter-papéis defendendo a
distinção entre a interferência do papel profissional no papel familiar e a
interferência do papel familiar no papel profissional. O conflito entre o papel
profissional e o papel familiar ocorre quando a participação ou as emoções
associadas à actividade profissional têm um efeito negativo no exercício do
papel familiar. Pelo contrário, a interferência do papel familiar no papel
profissional ocorre quando a participação numa actividade familiar colide com a
participação numa actividade profissional (Greenhaus & Powell, 2003). De um
modo geral, as pressões profissionais têm sido identificadas como uma fonte
poderosa de conflito trabalho-família, enquanto que as pressões familiares
estão mais fortemente relacionadas com o conflito família-trabalho (Frone,
Russel, & Cooper, 1992a; Frone, Yardley & Markel, 1997).
No entanto, a investigação tem-se debruçado mais sobre a influência negativa da
esfera profissional no desempenho do papel familiar do que o oposto (Frone et
al., 1992a; Frone et al., 1997; Greenhaus & Beutell, 1985; O'Neil,
Greenberger, & Marks, 1994). Os autores justificam esta tendência pelo
facto das interferências do domínio profissional no domínio familiar serem as
mais frequentes (Frone et al., 1992a; Grzywacz & Bass, 2003; Gutek, Searle
& Klepa 1991), possivelmente devido à permeabilidade assimétrica das
fronteiras entre o domínio familiar e profissional (Pleck, 1977 in Frone,
Russel, & Cooper, 1992b). Isto poderá significar que é mais tolerado que o
domínio familiar seja influenciado pelas exigências profissionais, do que o
domínio profissional pelas exigências familiares. Tal tolerância é reforçada
pelo facto das tarefas de âmbito familiar serem mais flexíveis do que as
tarefas do domínio profissional. Com efeito, as tarefas familiares podem ser
efectuadas de acordo com horários mais flexíveis ou mesmo não chegarem a ser
cumpridas integralmente pelos próprios (por exemplo, a limpeza ou o cuidado das
roupas). Adicionalmente, a produtividade que é exigida aos trabalhadores no seu
local de trabalho implica uma limitação de qualquer interrupção nestas tarefas.
De referir, contudo, diversos estudos que apontam para que os dois tipos de
interferência entre papéis sejam relatados por uma parte significativa dos
indivíduos, o que parece evidenciar que os domínios profissional e familiar
constituem sistemas em interacção recíprocos e dinâmicos (Crouter, 1984 in
Marshall & Barnett, 1993). Neste sentido, parece importante comparar, não
apenas a intensidade dos dois tipos de conflitos num mesmo grupo de indivíduos,
mas também analisar os seus possíveis antecedentes.
Diferenças de género nos estudos sobre o conflito de papéis
Apesar do papel evidente que as ideologias de género têm tido na divisão do
trabalho familiar e profissional, a análise dos efeitos moderadores do género
na relação trabalho-família não têm sido alvo de muita atenção por parte da
literatura (Parasuraman & Greenhaus, 2002). Apesar das mudanças sociais que
afectam os papéis de género, parece que a diferenciação em função do sexo do
exercício dos papéis profissionais e familiares é ainda vista como uma base
legítima e ideologicamente aceitável para a distribuição dos direitos, poder e
responsabilidades (Franks, 1999; Hughes & Galinsky, 1988; Major, 1993;
Poeschl, 2000). Embora, nos contextos de trabalho actuais, a mulher exerça a
sua actividade em quase todos os sectores de actividade e possua horários de
trabalho e exigências, na maioria dos casos, idênticas às dos homens (Cabral-
Cardoso, 2003; Gianakos, 2000; Gutek et al., 1991; Peterson & Gerson,
1993), não se observa uma repartição equivalente das tarefas familiares, entre
homens e mulheres. Ou seja, o aumento da participação das mulheres no mercado
de trabalho, não tem tido correspondência num aumento dos homens na
participação no trabalho não pago (Perista, 2002; Stier & Lewin-Epstein,
2000; Torres, 2004).
Esta divisão assimétrica das responsabilidades familiares parece suscitar
sentimentos de sobrecarga por parte das mulheres e tornar consequentemente, o
conflito de papéis, mais evidente nas mulheres do que nos homens (Almeida,
Wethington & Chandler, 1999; Ingersoll-Dayton, Neal, & Hammer, 2001).
Numa análise detalhada da vida familiar, facilmente se observa que as mulheres
efectuam a maioria das tarefas ligadas à casa e aos filhos, funções definidas
culturalmente como femininas. Esta constatação parece ser transversal a
diferentes culturas e níveis sócio-económicos, apesar de também serem visíveis
variações no envolvimento dos homens no trabalho doméstico (Fontaine, et al.,
2007; Rachlin, 1987; Stier & Lewin-Epstein, 2000).
Em Portugal a participação feminina no mercado de trabalho pode ser considerada
elevada à escala europeia: 61.3% das mulheres trabalham fora de casa,
constituindo 46,9% da força de trabalho nacional (INE, 2002; 2004). Assim, as
mulheres contribuem de forma significativa para o sustento económico da
família, fazendo com que o modelo de casais de duplo-emprego seja o mais
frequente na sociedade portuguesa (Vicente, 1998; Wall, 2005). O estudo de
Perista (2002) sobre os usos do tempo demonstra que as mulheres portuguesas,
independentemente do seu estatuto profissional, desempenham a maior parte das
tarefas familiares e domésticas. Neste sentido, Portugal conjuga valores
tradicionais relacionados com o papel da mulher na família e na educação dos
filhos (Wall, 2005), com a valorização da actividade profissional feminina,
característica de uma perspectiva mais igualitária quanto à participação da
mulher no domínio social e profissional (Torres, 2004). Apesar de, em Portugal,
os constrangimentos económicos serem ainda um factor preponderante, não
explicam, por si só, a participação massiva das mulheres no mercado de
trabalho. De facto, na ausência de tais constrangimentos, estas não pretendem
abdicar da sua vida profissional (Torres, 2004).
Deste modo pensamos encontrar uma percepção de níveis de conflito de papéis
tanto no sentido família-trabalho como trabalho-família maior nas mulheres do
que os homens (H1).
Género, conflito de papéis e seus antecedentes
Na tentativa de melhor compreender os diversos tipos de relações trabalho-
família, os estudos têm procurado identificar os determinantes do conflito ao
nível das pressões de tempo, dos stressores e apoios dos domínios familiar e
profissional, e do envolvimento da pessoa em cada um dos papéis (Adams, King,
& King, 1996; Aryee, Srinivas, & Tan, 2005; Frone, et al. 1997). Apesar
da investigação ter vindo a focar essencialmente o conflito do trabalho para a
família, uma abordagem bidirecional que enfatize quer o impacto do desempenho
do papel profissional no desempenho do papel familiar, quer o impacto do papel
familiar no papel profissional permitirá esclarecer melhor as relações entre as
duas esferas (Adams, et al., 1996; Frone et al., 1992a; Greenhaus &
Beutell, 1985). Contudo, estas duas direcções de conflito apresentam como
vantagem o facto de poderem ser analisadas separadamente, dado que, como
defendem Frone et al. (1992a), têm origem distinta: antecedentes familiares
evidenciam o conflito da família para o trabalho, enquanto que os antecedentes
profissionais são mais determinantes para o conflito do trabalho para a
família. Para além disso, alguns estudos sugerem também que a importância
destes antecedentes pode variar em função do género (Duxbury & Higgins,
1991). A escassez de estudos empíricos nesse âmbito (ver Parasuraman &
Greenhaus, 2002) exige, contudo, a confirmação de tal previsão.
Em cada domínio (familiar ou profissional), os stressores parecem estar
associados de forma mais intensa ao aumento do conflito, enquanto que os
recursos individuais, familiares e profissionais, como o apoio obtido em cada
um destes papéis ou a gratificação com o seu desempenho, parecem associados à
sua redução e ao aumento do bem-estar individual (Hill, 2005).
O estudo aqui apresentado pretende contribuir para a caracterização do conflito
de papéis em homens e mulheres de famílias portuguesas de duplo-emprego com
filhos. Assumindo que o conflito pode ser bidirecional, serão primeiramente
analisados os antecedentes profissionais do conflito trabalho-família. Num
segundo momento, destacam-se os antecedentes familiares do conflito família-
trabalho (Figura_1). Será dada uma atenção particular às variações destas
relações em função do género.
Antecedentes do conflito trabalho-família
Como antecedentes do conflito trabalho-família privilegiaram-se os antecedentes
do papel profissional, nomeadamente o stress e a satisfação com o papel
profissional, o número de horas dispendidas neste papel e a percepção de apoio
à família pela organização.
Stress Profissional
A investigação evidencia que o stress associado à profissão é susceptível de
provocar tensões no exercício concomitante de papéis e que estas tensões tendem
a transferir-se para a vida familiar (Thompson, 1991; Wayne, Musisca, &
Fleeson, 2004). De facto, o stress profissional parece activar o conflito
trabalho-família, tanto para os homens como para as mulheres (Byron, 2005),
pelo que, actualmente, em Portugal, não se espera que os níveis de stress
profissional sejam inferiores nas mulheres (H2). De facto, as actividades
profissionais desenvolvidas pelas mulheres são bastante semelhantes às dos
homens, já que trabalham essencialmente a tempo inteiro, com horários longos e
não alteram as suas trajectórias profissionais com a maternidade (Torres,
2004). Contudo, na linha do que é defendido por alguns autores (Duxburry &
Higgins, 1991; Greenglass & Devins, 1982), o seu peso preditivo no conflito
trabalho-família poderá ser superior para as mulheres. Para elas, o desempenho
do papel profissional pode colidir com o sua capacidade de cumprir com as
tarefas familiares, o que poderá aumentar a percepção de conflitualidade entre
papéis. De facto, continua a ser atribuído ao sexo feminino o papel familiar
como o principal (Amâncio, 1994). Assim, espera-se que o stress profissional
tenha um impacto superior na predição de conflito trabalho-família para as
mulheres, em comparação com os homens (H3).
Satisfação Profissional
Ao contrário do stress, a satisfação profissional permitirá reduzir a
conflitualidade, na medida em que poderá causar sentimentos positivos que
atenuam a sobrecarga associada ao papel profissional (Kopelman, Greenhaus,
& Connolly, 1983). De facto, Kossek & Ozeki (1998), numa revisão de
estudos sobre conflito entre papéis, observaram uma relação negativa entre
conflito e satisfação profissional. Contudo, não existem estudos que documentem
diferenças de género perante os níveis de satisfação profissional entre homens
e mulheres (H4). Na linha do que foi evidenciado por Kossek & Ozeki (1998)
e Stevens, Minnotte, & Kiger (2004), relativamente ao impacto desta
variável na predição de conflito, também não se esperam diferenças de género no
impacto da satisfação profissional no conflito trabalho-família (H5).
Número de horas de trabalho
O número de horas despendidas no trabalho remunerado tem sido considerado como
a variável chave na análise do conflito trabalho-família (Barnett, 1998;
Carlson & Kacmar, 2000; Frone et al. 1997a; Greenhaus & Beutell, 1985).
Assumindo que o tempo é um recurso limitado, quando os indivíduos despendem
mais tempo para cumprir as responsabilidades associadas a um dos papéis, resta-
lhes menos tempo para cumprir com as exigências do outro papel. Assim, um maior
número de horas de trabalho tem sido apontado como uma das variáveis que mais
contribui para a percepção de sobrecarga associada ao papel profissional (Kmec,
1999), o que explicaria a relação positiva entre o número de horas de trabalho
pago e a tensão e conflito trabalho-família (Kmec, 1999). No entanto,
resultados de outros estudos não evidenciam relações significativas entre essas
variáveis (Barnett, 1998), o que parece indicar que os processos que ligam o
número de horas de trabalho ao conflito entre a esfera profissional e familiar
não têm sido ainda suficientemente explorados na literatura.
Estes resultados, aparentemente inconsistentes, poderão ser melhor
compreendidos se considerarmos a interferência de outros aspectos da actividade
profissional. Se os empregos que implicam um maior número de horas de trabalho
são simultaneamente empregos com bons salários, mais regalias e que englobam
actividades mais complexas e desafiantes, a satisfação profissional aumentará,
compensando o efeito do tempo sobre o conflito. Para além destes factores,
Barnett (1998) refere também que o facto de despender muitas horas no trabalho
impede os indivíduos de investir noutras actividades potencialmente causadoras
de stress, que poderiam ter um impacto negativo no seu bem-estar individual.
Assim, quando os homens despendem maior número de horas em trabalho remunerado
do que as suas companheiras, serão geralmente dispensados da maioria das
tarefas em casa, assumidas por estas. Ora, prevemos que, na maioria dos casos,
os homens passem mais horas na sua actividade profissional do que as mulheres
(H6). Além disso, para as mulheres, as tarefas domésticas, pela sua natureza
rotineira e o baixo nível de possibilidades de controlo, podem estar
negativamente associadas ao bem-estar individual e anular o impacto
eventualmente positivo de um número mais reduzido de horas de trabalho
profissional. Assim, e pelos processos de compensação explicitados, espera-se
que a relação entre as horas de trabalho profissional e o conflito trabalho-
família seja diferente para homens e mulheres. Para os homens esta deverá ser
uma relação negativa, enquanto que para as mulheres essa relação será anulada
pela execução de tarefas domésticas, como exposto (H7).
Percepção de apoio à família na organização
O apoio dado pelas organizações para a conciliação de papéis (através da
flexibilidade de horários, apoio por parte das chefias, apoio do supervisor
directo) tem sido identificado como um contributo importante para que os
indivíduos percepcionem menos conflito entre papéis (Anderson, Coffey, &
Byerly, 2002; Hill, 2005; Jacobs & Gerson, 2004; Kossek, Noe, & DeMarr,
1999). Uma vez que o meio profissional de mulheres e homens é idêntico, não se
esperam diferenças de género na percepção de medidas de apoio à família no
local de trabalho (H8).
Contudo, dado que as mulheres são consideradas as principais responsáveis pela
família e que os programas de apoio à família nos locais de trabalho parecem
estar mais orientados para as mulheres (Hill, 2005), uma cultura profissional
que tenta apoiar os trabalhadores na satisfação das necessidades familiares
será um factor mais determinante para a redução do conflito trabalho-família
das mulheres do que dos homens (H9).
Antecedentes do conflito família-trabalho
Foram privilegiados como antecedentes do conflito família-trabalho, os
stressores e recursos ao nível familiar, isto é, o stress familiar e a divisão
do trabalho familiar e as suas variações em função do género.
Stress Familiar
A tensão percebida no âmbito do papel familiar, por exemplo tensão decorrente
de problemas de relacionamento com os membros da família, está associada à
percepção de conflito família-trabalho (Byron, 2005; Carlson, 1999; Frone et
al., 1992a; Higgins & Duxbury, 1992; Kopelman et al., 1983).
Os estudos que se debruçaram sobre as diferenças de género ao nível do stress
familiar têm levado a resultados divergentes. Por um lado, dado que o papel
tradicional feminino confere às mulheres uma maior responsabilidade sobre a
esfera familiar, pode esperar-se que a sobrecarga familiar e parental seja
superior para estas (Byron, 2005; Duxburry & Higgins, 1991). Contudo,
outros autores realçam que o poder preditivo do stress familiar no conflito não
varia em função do género (Frone et al., 1992a).
Como o trabalho familiar é um elemento essencial dos papéis femininos
prescritos na sociedade portuguesa (Wall, 2005), prevemos que as mulheres
tenham níveis de stress familiar superior aos homens (H10) e que o stress
familiar tenha um papel mais preponderante na predição de conflito família-
trabalho nas mulheres do que nos homens (H11).
Divisão do trabalho Familiar
Os estudos sobre o uso do tempo relatam também que um maior dispêndio de horas
em actividades familiares, como tarefas de cuidado dos filhos e tarefas
domésticas, está relacionado com maiores percepções de conflito (Byron, 2005;
Greenhaus & Beutell, 1985; Grywacz & Marks, 2000; Gutek et al., 1991),
nomeadamente de conflito da família para o trabalho (Byron, 2005; Gutek et al.,
1991). Quanto mais pequenos e dependentes forem os filhos, maior a percepção de
conflito, em particular para a mãe (Grzywacz & Marks, 2000; Jacobs &
Gerson, 2004). Com efeito, os filhos, em especial em idade pré-escolar,
requerem mais atenção e exigem maior planeamento e organização do tempo por
parte dos cuidadores.
Os papéis tradicionais de género, prevalentes na sociedade portuguesa, permitem
prever um maior nível de conflito família-trabalho nas mulheres. Além das
mulheres serem responsáveis pela maior parte do trabalho familiar, o tipo de
tarefas executadas por homens e mulheres é qualitativamente diferente. As
mulheres são habitualmente encarregadas das tarefas que têm que ser feitas
diariamente, que requerem mais tempo e que, sendo associadas ao cuidado dos
filhos, não podem ser adiadas (Blair & Lichter, 1991; Perista, 2002;
Presser, 1994). As tarefas tradicionalmente masculinas, por sua vez, tendem a
ser mais flexíveis em termos de tempo e frequência de realização; ocorrem
maioritariamente fora de casa e encontram-se muitas vezes associadas a uma
componente lúdica, como, por exemplo, tratar do carro, do jardim, reparar as
avarias ou brincar com as crianças (Blair & Lichter, 1991). Deste modo,
espera-se que as mulheres desempenhem mais tarefas de cuidado dos filhos e
tarefas domésticas e que os homens desempenhem mais tarefas de reparação (H12)
e que as primeiras (tarefas domésticas e de cuidado dos filhos) contribuam para
uma maior percepção de conflito família-trabalho nas mulheres do que nos homens
(H13).
Método
Amostra e Procedimento
Como foi documentado por vários estudos, é nas famílias de duplo-emprego com
filhos em idade pré-escolar que a questão da conciliação se coloca com maior
pertinência. De facto, quando os pais exercem ambos uma actividade
profissional, aqueles que têm filhos apresentam valores mais elevados de
conflito profissional e familiar, maiores níveis de stress e menores níveis de
bem-estar que os que não têm filhos. Neste sentido, para constituição da
amostra foram definidos a priori um conjunto de critérios de selecção2: ambos
os elementos do casal deveriam viver juntos, exercer uma actividade
profissional remunerada, trabalhando no mínimo 15 horas por semana e possuir
pelo menos um filho com idade compreendida entre 1 e 5 anos. No caso de
existirem irmãos, estes não deveriam ter mais do que 12 anos. Este último
critério serviu o propósito de eliminar casais que possuíssem já uma longa
experiência de conciliação.
Os casais foram contactados telefonicamente ou no decorrer de reuniões
presenciais em creches e jardins-de-infância, bem como em organizações
desportivas, em empresas, cursos de pós-graduação e via internet, de modo a
abranger um leque mais diversificado de situações quanto ao nível sociocultural
dos pais e ao modo de guarda das crianças. A maioria dos casais vivia no Norte
e Centro do país. Nestes primeiros contactos, foram especificados quer os
objectivos da investigação, quer as condições de participação.
A amostra portuguesa é assim composta por 492 sujeitos (246 casais) com idades
compreendidas entre os 24 e os 56 anos de idade, com uma média de 35 anos. A
maioria das famílias tem apenas uma criança (moda de filhos por casal=1).
Apesar da diversidade de métodos de recolha da amostra utilizados, cerca de 60%
dos indivíduos apresentam uma escolaridade acima do 12º ano. Em média, os
homens trabalham 53 horas/semana e as mulheres 45 horas/semana. Este cálculo
incluiu o tempo de deslocação de e para o local de trabalho, bem como o
trabalho profissional efectuado em casa.
Instrumentos
Todos os instrumentos3 usados neste estudo apresentavam afirmações
relativamente às quais o sujeito teria de se situar numa escala do tipo Likert
de 6 pontos, desde aplica-se totalmente a não se aplica ou em termos de
frequência de nunca a muitas vezes. A sua consistência interna é geralmente
satisfatória.
Conflito Trabalho-Família: Esta escala é composta por dois itens que avaliam a
interferência em termos de tempo e responsabilidades do domínio profissional no
domínio familiar. (Ex.: A minha actividade profissional impede-me de estar com
a família o tempo que desejaria) (α=0,81).
Conflito Família-Trabalho: composta por dois itens que avaliam a interferência
de tempo e comprometimento profissional nas responsabilidades familiares. (Ex.:
As minhas obrigações familiares dificultam o cumprimento das minhas obrigações
profissionais (por exemplo, pontualidade, rendimento diário, horas
extraordinárias, etc.) (α=0,83).
Stress Profissional: composta por cinco itens que medem as reacções subjectivas
dos participantes a condições potencialmente negativas do seu local de
trabalho. Os participantes devem ponderar a frequência com que se sentem
afectados pelos cinco factores. (Ex.: Com que frequência se sentiu afectado por
trabalho cansativo.) (α =0,61).
Satisfação profissional: composta por três itens que medem a percepção de
experiências positivas relativas ao papel profissional. (Ex.: Sinto-me
realizado na minha actividade profissional.) (α=0,84).
Percepção subjectiva de apoio à família na organização: composta por cinco
itens que procuram captar a percepção que o indivíduo tem acerca da
flexibilidade existente no seu local de trabalho para o ajudar a lidar com os
compromissos familiares. (Ex.: O meu superior/chefe mostra-se muito
compreensivo em relação à minha situação familiar (por exemplo, na distribuição
do trabalho, na marcação de férias, etc.) (α=0,70).
Horas de trabalho profissional: questão de resposta aberta onde os indivíduos
indicam o número de horas semanais gastas com actividade profissional,
considerando todo o tempo que é dispensado nessa actividade (no emprego, em
casa e nas deslocações).
Stress familiar: composta por quatro itens que se referem a tensões associadas
ao cumprimento do papel familiar, incluindo aspectos da relação pais-criança.
(Ex.: Sobrecarregado devido a falta de tempo para relaxar e desligar.)
(α=0,71).
Divisão do trabalho familiar: composto por três itens analisados em separado
que reflectem diferentes aspectos do trabalho familiar ' tarefas domésticas, de
manutenção/reparação e de cuidado dos filhos. Em cada item, o indivíduo deverá
indicar a quantidade de trabalho (doméstico, de reparação, com os filhos) por
ele/ela efectuado.
Procedimento de análise
Numa primeira fase, foram analisadas as diferenças de género para cada uma das
variáveis consideradas. Numa segunda fase, testaram-se as hipóteses relativas
aos antecedentes do conflito4 trabalho-família (CTF) e do conflito família-
trabalho (CFT). Para poder testar as nossas hipóteses, efectuaram-se análises
separadamente por género.
Resultados
A observação da Tabela_1 evidencia que, apesar dos indivíduos apresentarem
valores mais elevados de conflito no sentido do trabalho para a família do que
no sentido da família para o trabalho, os homens apresentam valores
significativamente mais elevados de CTF que as mulheres (t (490)=2,873;
p=.004), enquanto que as mulheres têm valores mais elevados de CFT que os
homens (t (490)= -3,580; p<.001). Este resultado contraria parcialmente a nossa
hipótese (H1), segundo a qual as mulheres sentiriam mais conflito em qualquer
dos sentidos. Confirmando as hipóteses relativas à distribuição do trabalho
profissional (H6), os homens trabalham em média mais nove horas por semana do
que as mulheres (t (461,44)= 6,011; p<.001). No âmbito familiar, como previsto
(H12), as mulheres desempenham significativamente mais tarefas familiares,
nomeadamente tarefas domésticas (t (490)= -15,883; p<.001) e de cuidado dos
filhos (t (448,872)= -16,725; p<.001), enquanto os homens desempenham maior
número de tarefas de reparação (t (480,511)= 11,218; p<.001). Verifica-se ainda
que as mulheres apresentam maiores índices de stress familiar do que os homens
(t (490)= -4,496; p<.001), confirmando também a nossa hipótese (H10).
Por último, verificou-se que não existem diferenças de género na percepção de
sobrecarga com a actividade profissional, tal como previsto na hipótese (H2) (t
(490)= ,511; p=.609) e que o apoio informal dado à vida familiar pela
organização é moderado ( x =3.65; 3.51) e percebido de forma idêntica por
homens e mulheres (t (490)= 1,398; p=.163), o que permitiu confirmar a hipótese
inicial (H8). No entanto, os homens apresentam maiores índices de satisfação
com a actividade profissional que as mulheres (t (481)= -2,393; p=.017), o que
contraria a hipótese (H4).
Nas Tabelas_2 e 3 apresentam-se os resultados dos modelos de regressão para o
CTF e o CFT, respectivamente. Além dos valores do coeficiente de determinação,
só se apresentam os valores preditivos (β estandardizados) das variáveis que
contribuíram significativamente para a variação da variável dependente
considerada. Os resultados são apresentados para homens e mulheres
separadamente.
Dos preditores do CTF (Tabela_2) para os homens, o primeiro preditor é o número
de horas na actividade profissional, seguido do stress familiar. O modelo de
regressão feminino é idêntico ao masculino, contudo o preditor mais importante
do CTF é o stress profissional, seguido das horas de trabalho profissional. O
modelo de regressão masculino conta com duas variáveis explicativas, sendo a
variância total explicada de cerca de 15% (R=.39; R2 =.15), sendo este modelo
significativo (F(2,245)=21,13; p< .001). O modelo de regressão feminino conta
também com duas variáveis explicativas, sendo a variância total explicada de
cerca de 18% (R=.42; R2 =.18), sendo este modelo também significativo (F
(2,245)=26,28; p< .001). Relativamente às hipóteses previstas, podemos
verificar que o facto do stress profissional se ter mostrado um preditor mais
importante para as mulheres (β superior) vai de encontro ao previsto (H3). No
entanto, o facto do número de horas de trabalho ser igualmente importante na
predição de CTF para homens e mulheres contraria a nossa hipótese (H7).
Adicionalmente, esperava-se que as medidas de apoio à família e a satisfação
profissional tivessem um impacto no conflito trabalho-família, o que não se
verificou (H5 e H9 infirmadas).
Quanto aos preditores do CFT (Tabela_3), verifica-se que, para os homens, o
preditor mais importante é o stress familiar, seguido da quantidade de tarefas
de cuidado das crianças realizadas. Deste modo, quanto maior o índice de stress
familiar e a quantidade de tarefas desempenhadas, maior o CFT. Para as
mulheres, mantém-se como primeiro preditor o índice de stress familiar,
seguindo-se a quantidade de trabalho doméstico realizado. Assim, para as
mulheres, quanto maior for o índice de tensão na família e quanto menos tarefas
domésticas realizarem, maior será a percepção de CFT. O modelo de regressão
masculino conta com duas variáveis explicativas, sendo a variância total
explicada de cerca de 14% (R=.37; R2 =.14); o modelo é significativo (F
(2,245)=18,91; p< .001). O modelo de regressão feminino, também é significativo
(F(2,245)=7,38; p< .01), conta igualmente com duas variáveis explicativas que
contribuem com 6% de variância total explicada (R=.24; R2 =.06).
Relativamente às hipóteses postuladas, verificamos algumas divergências face ao
previsto. O stress familiar revelou-se um preditor importante quer para homens,
quer para mulheres, no entanto o seu papel é ligeiramente superior nos homens
(β superior) (H11). Quanto às tarefas familiares, verificamos que, de acordo
com o previsto, a quantidade de tarefas domésticas realizadas é preditora de
CFT para as mulheres, contudo trata-se de uma relação negativa, o que contraria
a nossa hipótese (H13). Por fim, as tarefas de cuidado dos filhos,
contrariamente ao previsto, mostraram-se preditoras de CFT somente para os
homens (H13).
Discussão dos resultados
Na análise dos resultados começamos por destacar que, contrariamente ao
esperado, as mulheres sentem mais conflito que os homens unicamente na direcção
família-trabalho; enquanto os homens sentem mais conflito trabalho-família.
Este dado sublinha a força dos papéis de género tradicionais, que atribuem aos
homens, como principal fonte de identificação, o domínio profissional e às
mulheres o domínio familiar. Assim, as exigências do domínio pelo qual cada um
se sente mais responsável entram em conflito com o domínio que reflecte menos
os papéis prescritos para cada sexo. Contudo, tanto para homens como para
mulheres, o número de horas no exercício da actividade profissional é também um
preditor importante do conflito trabalho-família, sendo mesmo o preditor mais
importante para os homens. Estes resultados inscrevem-se na linha de outros que
tinham constatado que um elevado número de horas passadas no exercício do papel
profissional era susceptível de gerar tensões nos indivíduos, levando à
ocorrência de conflito entre o trabalho e a família (Kmec, 1999; Noor, 2003).
De facto, um número elevado de horas profissionais origina um desgaste físico e
emocional que associado à redução da disponibilidade temporal, condiciona o
investimento no papel familiar (Carlson & Kacmar, 2000; Frone et al.,
1997). Adicionalmente, e também consistente com a literatura, o stress
profissional é um importante preditor do conflito trabalho-família (Aryee, et
al., 2005; Frone, et al., 1997; Greenhaus & Beutell, 1985; Grzywacz &
Marks, 2000) . Este resultado parece indicar que o desgaste associado ao papel
profissional poderá levar a níveis mais baixos de energia e disponibilidade
para o envolvimento com o papel familiar, podendo assim contribuir para que os
indivíduos sintam que este entra em conflito com as exigências familiares.
Apesar de não existirem diferenças de género na percepção de stress
profissional, o stress é melhor preditor do conflito nas mulheres. Sendo
consideradas as principais responsáveis da família na sociedade portuguesa, o
facto das mulheres, depois do seu dia de trabalho, terem, habitualmente, de
enfrentar uma segunda jornada de trabalho, também exigente e indispensável ao
bom funcionamento familiar, pode torná-las mais conscientes do impacto do
stress profissional sobre a vida familiar.
Contrariamente ao esperado, a influência da satisfação profissional na redução
da percepção do conflito não se verificou (Greenhaus & Powell, 2006;
Voydanoff, 2002). Segundo Greenhaus & Powell (2006), seria de esperar que a
satisfação obtida no desempenho do papel profissional minimizasse os efeitos
negativos da interferência deste no papel familiar. Contudo, como destaca
Voydanoff (2004, 2005), as exigências prevalecem sobre os recursos na
determinação do conflito. Assim, a percepção de conflito parece derivar menos
da existência de recursos materiais ou psicológicos (como satisfação
profissional ou apoio da organização), do que das exigências associadas ao
papel. Os resultados encontrados parecem demonstrar efectivamente que, nem os
recursos de apoio à família disponibilizados pela organização nem a satisfação
profissional reduzem o conflito trabalho-família, indo ao encontro da proposta
de Voydanoff (2004, 2005). Contudo a ausência de efeito das medidas promovidas
para apoiar a família pode também ser devida à sua inadequação face às
necessidades dos indivíduos, o que poderá originar que o sistema de apoio não
seja percepcionado como útil pelos seus potenciais beneficiários. De facto, a
mera oferta da organização de medidas de apoio à família, não implica que estas
sejam usadas pelos trabalhadores (Guerreiro & Abrantes, 2007). Alguns
autores apontam para barreiras de natureza social e organizacional que levam a
que os programas e apoios fornecidos não tenham a eficácia desejada; destacam-
se as crenças acerca dos papéis de género, definições tradicionais do que é um
bom trabalhador, definições de sucesso profissional, entre outras (Allen, 2001;
Kossek, Barber, & Winters, 1999; Thompson, Beauvais, & Lyness, 1999).
Além disso, no contexto nacional, as medidas disponibilizadas pelas
organizações são avaliadas como escassas, tendo os indivíduos de encontrar
soluções de carácter privado para lidar com a maioria das questões familiares
(Guerreiro & Abrantes, 2007).
Na análise do conflito família-trabalho, verifica-se que, tanto para homens
como para mulheres, o stress familiar é um bom preditor desta forma de
conflito, situando-se estes resultados na linha do que foi encontrado por
outros autores (Byron, 2005; Carlson, 1999; Frone et al., 1992a; Higgins &
Duxbury, 1992). Contudo, este stress familiar não pode ser atribuído a
sobrecarga em termos de trabalho doméstico. Aliás, para as mulheres, verifica-
se que um menor desempenho das tarefas domésticas está associado a maiores
índices de conflito, contrariamente ao que uma abordagem racional da quantidade
de trabalho faria prever. Isto é, ao desempenhar mais tarefas domésticas, as
mulheres não sentem maior conflito entre a família e o trabalho, mas, pelo
contrário, sentem menos conflito. Este resultado pode ser explicado pela
hipótese relativa ao reforço da identidade de género que ocorre quando homens e
mulheres desempenham tarefas específicas e tradicionais do seu próprio sexo
(Brines, 1994; West & Zimmerman, 1987), limitando, deste modo, o impacto
negativo das tarefas domésticas na percepção de conflito.
No caso dos homens, quanto mais tarefas de cuidado aos filhos desempenhadas,
maior o conflito família-trabalho experimentado, corroborando o resultado
evidenciado por Grywacz & Marks (2000). O estudo de Coltrane (2000) revelou
também que o envolvimento dos homens no papel parental, apesar de promover
activamente sentimentos de bem-estar subjectivo, traduz-se, objectivamente, num
menor investimento no papel profissional. Ora, actualmente, é esperada uma
participação masculina activa no cuidado das crianças, desde o brincar ao
cuidar, ao alimentar e ajudar nas tarefas de escola (Jacobs & Gerson 2004;
Poeschl, 2000). Assim, o intenso envolvimento com as crianças que se espera dos
pais pode tornar a participação e o envolvimento no trabalho mais problemático,
contribuindo para o conflito família-trabalho.
Como se pôde verificar, a percepção de sobrecarga no âmbito familiar, bem como
uma participação mais activa no cuidado dos filhos mostraram-se melhores
preditores (β superior) da percepção de conflito dos homens do que das
mulheres. Aliás, para as mulheres, maior participação nas tarefas domésticas
contribui para menor conflito. Os resultados permitem-nos evidenciar que, na
linha de Amâncio (1994), as prescrições sociais internalizadas por homens e
mulheres moldam os comportamentos dos indivíduos através das expectativas que
eles próprios e os outros possuem e podem penalizar os comportamentos que
violam as expectativas sociais de género. Por via da socialização, os homens
tendem a valorizar e identificar-se mais com o papel profissional e as mulheres
com o papel familiar. Assim, segundo Gutek et al. (1991), um maior envolvimento
num papel adequado ao seu próprio sexo (trabalho famíliar no caso das
mulheres e trabalho profissional no caso dos homens) não é visto como uma
imposição, enquanto que mais horas ou envolvimento num domínio associado ao
outro sexo poderão ser percebidas como tal. Uma vez que o trabalho familiar
representa o domínio de responsabilidade tradicional das mulheres, estas não
percepcionam as maiores exigências familiares como uma imposição mas como um
dever assumido, pelo que poderão ter um menor impacto no conflito do domínio
familiar para o domínio profissional. Pelo contrário, quando se desviam das
normas internalizadas, homens e mulheres poderão sentir desconforto e/ou sofrer
sanções externas na forma de desaprovação por parte dos outros significativos.
Esta explicação serve também o caso dos homens, na medida em que uma maior
participação no cuidado dos filhos leva a uma maior percepção de conflito, dado
que executam um papel não tradicional que pode ser percepcionado por eles como
uma imposição (Kroska, 2003).
Conclusão e implicações
Em suma, o conflito entre papéis é um problema que se coloca tanto às mulheres
como aos homens portugueses, embora com contornos bastante diferenciados. Os
resultados encontrados permitem evidenciar que tanto o stress profissional como
horários de trabalho muito extensos activam formas de conflito entre trabalho e
a família, com expressão diferenciada para homens e mulheres. Conforme
destacámos, o papel das medidas de apoio à família deve ter em consideração
este aspecto, devendo também ser ajustado, na medida do possível, aos
potenciais beneficiários destas medidas. Importa também referir que o stress
familiar e as tarefas domésticas contribuem para o conflito família-trabalho.
Se, por um lado, este estudo corrobora a ideia de que o não cumprimento
adequado das tarefas femininas por parte das mulheres activa a sua percepção
de conflito de papéis, não é de menosprezar a importância destes factores para
os homens. Este parece ser um dos aspectos mais relevantes do presente
trabalho, na medida em que contribui para que a análise do conflito de papéis
seja equacionada na especificidade de cada género.
Apesar do contributo deste estudo para análise das semelhanças e diferenças de
género na análise do conflito de papéis em famílias portuguesas, sugerem-se
alguns aspectos a explorar em futuros estudos. Ao nível conceptual sugere-se
uma análise mais aprofundada do modelo desenvolvido por Voydanoff (2004; 2005),
que destaca o papel dos stressores, em detrimento dos recursos na percepção de
conflito. Adicionalmente, um modelo mais completo que permita analisar para
além de antecedentes do conflito, os seus efeitos ao nível individual, familiar
e organizacional poderá também contribuir para uma análise detalhada dos
processos subjacentes à formação do conflito de papéis. Um outro aspecto a
contemplar em estudos futuros refere-se a uma análise mais detalhada do papel
das medidas de apoio à família no processo de conflito, nomeadamente tipo de
apoios disponibilizados e uso efectivo dos mesmos pelos indivíduos.
Ao nível metodológico, a amostra estudada é de conveniência e como tal os
resultados obtidos não podem ser generalizados a outros grupos, nomeadamente de
nível socioeconómico mais baixo. Para além disto, este estudo não permite
indicar uma possível direcção de causalidade nos efeitos entre variáveis, dada
a natureza dos dados ser correlacional. Estudos futuros efectuados com dados
longitudinais poderão colmatar esta limitação.
Não obstante as limitações apontadas, este estudo permitiu uma abordagem
integrada do conflito inter-papéis (trabalho-família e família-trabalho) num
grupo de famílias sujeito a desafios concretos (famílias de duplo-emprego),
incluindo as especificidades de homens e mulheres.