Comunicação conjugal durante a transição para parentalidade no contexto de
depressão pós-parto
A chegada de um bebé é um período caracterizado por mudanças para cada um dos
pais e para o sistema familiar, que passa por uma significativa reestruturação.
Segundo a perspectiva da Psicologia do Desenvolvimento, o período de transição
para a parentalidade se caracteriza por mudanças na imagem que cada um dos
cônjuges tem de si mesmo, do outro e da própria relação (Stern, 1997). As
demandas relacionadas ao cuidado de um bebé levam os pais a vivenciarem
processos desenvolvimentais específicos, que possibilitarão a realização dessa
tarefa e contribuirão para o seu próprio desenvolvimento individual (Benedek,
1970/1983; Colarusso, 1990). No período que antecede ao parto e nos primeiros
meses que se seguem a este, a mãe comumente entra num estado especial,
denominado preocupação materna primária (Winnicott, 1978). Tal condição
caracteriza-se por um estado de sensibilidade aumentada, em que a mãe, ao se
identificar com o seu bebé, pode responder às necessidades deste, afastando-se
temporariamente de seus demais interesses. Nesse contexto, o pai pode funcionar
como uma matriz de apoio para a mãe, protegendo-a fisicamente, provendo suas
necessidades vitais e diminuindo o impacto das exigências da realidade externa
para que ela possa cuidar do bebé (Stern, 1997).
No entanto, todas essas alterações tendem a influenciar também a relação do
casal. Segundo a perspectiva sistêmica (Minuchin, 1982), a transição para
parentalidade representa a inclusão de um novo subsistema na família: o
parental. O subsistema conjugal deve diferenciar-se para desempenhar a tarefa
de socialização da criança, sem perder o apoio mútuo que deveria caracterizá-
lo, pois marido e mulher precisam um do outro como um refúgio para as
exigências múltiplas da vida.
A partir dessas diferentes perspectivas teóricas, compreende-se que a transição
para a parentalidade compreende um momento marcante tanto para o
desenvolvimento individual dos pais (Colarusso, 1990; Stern, 1997), como para o
desenvolvimento desse sistema familiar (Minuchin, 1982). Alguns autores
(Minuchin,1985; Stratton,1988) destacaram que as trocas entre essas abordagens
teóricas têm a contribuir para uma compreensão mais abrangente dos fenômenos
investigados, que passa a englobar tanto a importância das mútuas relações
entre os membros de uma família, como os processos de adaptação e
desenvolvimento presentes em cada uma das fases do ciclo vital (Stratton,
1988). Assim, enquanto a Teoria Familiar Sistêmica possibilita compreender a
relação do casal durante a transição para a parentalidade, a Psicologia do
Desenvolvimento nos permite contextualizar esse momento, destacando as
especificidades vivenciadas em função da chegada do bebé, quando o casal
necessita construir sua relação com o bebé e adaptar-se e desenvolver-se nesses
novos papéis.
Todas as mudanças e reestruturações características desse período fazem com que
o mesmo tenda a ser vivenciado como um momento de stress pela maior parte dos
casais (Bradt, 1995; Carter & McGoldrick, 1995). Quando se adiciona a esse
momento a ocorrência de uma depressão pós-parto, os ajustes necessários tendem
a tornar-se ainda mais delicados (Frizzo, Brys, Lopes & Piccinini, 2010).
A depressão pós-parto é um transtorno que assola de 10 a 37% das mulheres
(Cooper & Murray, 1995; Cruz, Simões & Faisal-Cury, 2005).
Caracteristicamente, compreende alterações no apetite e sono, crises de choro,
desatenção, problemas de concentração, falta de energia e desinteresse por
atividades antes consideradas agradáveis (Dunnewold, 1997). Também podem
ocorrer ideias de suicídio e sentimentos excessivos de culpa. Os sintomas
tendem a ter uma duração razoável de tempo e prejudicam as atividades normais
da mulher (O'Hara, 1997).
Diferentes autores têm destacado o impacto que a depressão pós-parto pode
exercer nos diferentes relacionamentos familiares, o que engloba tanto a
relação mãe-bebé (Brazelton & Cramer, 1992; Prado et al., 2009; Teti &
Gelfand, 1991) como a relação conjugal (Barnes, 1996). No que se refere ao
último caso, Carter, Grigoriadis e Ross (2010) assinalaram que os estudos sobre
o tema sugerem uma relação bidirecional entre depressão pós-parto e relação
conjugal. Dessa forma, ao mesmo tempo em que dificuldades na relação conjugal
parecem influenciar o curso e a severidade dos sintomas depressivos, estes
parecem vir a contribuir para a existência de dificuldades no relacionamento do
casal.
Dimensões variadas do relacionamento conjugal parecem estar envolvidas nesse
processo. A depressão pós-parto tem se mostrado associada a menores índices de
satisfação conjugal (Mayor, 2004; Moel, Buttner, O'Hara, Stuart, & Gorman,
2010), assim como a um menor interesse sexual (Moel et al., 2010). Também foram
encontradas relações entre o apoio oferecido pelo parceiro e o curso da
depressão pós-parto (Bielinsky-Blattman, Lemola, Jaussi, Satadlmayr, &
Grob, 2009). Conforme sugeriram Montgomery, Bailey, Purdon, Snelling e Kauppi
(2009), a oferta de apoio emocional e instrumental pelo parceiro contribui para
que essas mulheres se sintam mais seguras, melhorando seu bem-estar.
Nesse contexto, a comunicação do casal também parece constituir um aspecto
relevante para a compreensão desses processos. Alguns autores (Montgomery et
al. 2009; Papp, 2002; Silva & Piccinini, 2009) destacaram que o fato de a
mulher sentir que pode compartilhar suas ideias e sentimentos com o cônjuge
tende a ser percebido como uma forma de apoio emocional, contribuindo para a
segurança da esposa. Além disso, também foram encontradas associações entre a
presença da depressão pós-parto e uma maior ocorrência de conflitos conjugais
(Mayor, 2004), de forma que estratégias de comunicação têm sido incluídas como
um aspecto a ser trabalhado em modelos voltados ao atendimento desses casais
(Carter et al., 2010). Numa revisão teórica realizada por Mayor e Piccinini
(2005), os autores apontaram que, quanto mais o casal puder escutar um ao
outro, respeitar e aceitar o ponto de vista do outro, mais probabilidades tem
de encontrar uma solução para seus conflitos que satisfaça a ambos.
De acordo com Cummings e Davies (1994), mulheres deprimidas podem ter
dificuldade em explicar as causas e consequências de suas brigas, o que ' assim
como sintomas como irritabilidade e desvalia ' pode prejudicar a comunicação do
casal, especialmente a resolução de problemas. Linares e Campo (2000)
corroboraram essa asserção ao descreverem que o evitamento de conflito parece
ser bastante comum em casais com a esposa deprimida, exatamente pelo receio de
ruptura na relação. Porém, essas estratégias tendem a aumentar a possibilidade
de que os problemas não sejam enfrentados de modo eficaz, trazendo potenciais
dificuldades para o relacionamento (Walsh, 2002). Além disso, é possível que o
marido também esteja deprimido nesse contexto, o que acaba por dificultar ainda
mais a existência de uma comunicação adequada e apoiadora entre os cônjuges
(Schwengber, Prado, & Piccinini, 2009; Silva & Piccinini, 2009).
Diferentes autores (Olson, 2000; Pittman, 1987; Walsh, 2006) destacaram a
importância da comunicação para o funcionamento familiar e conjugal,
especialmente diante de situações de crise, como podemos considerar a transição
para a parentalidade, especialmente em um contexto de depressão pós-parto.
Nesses momentos, justamente quando é considerada mais necessária, a comunicação
tende a ser abalada. Uma comunicação direta, clara, específica e honesta, em
que as pessoas expressam o que sentem e sentem o que expressam, contribui para
as relações familiares (Walsh, 2006) . Um autor clássico da terapia familiar,
Boszormeny-Nagy (1966), chegou a afirmar que a possibilidade de dialogar com
outra pessoa ' isso é, responder e compreender o outro, assim como ser
compreendido ' pode ser considerada como uma forma de crescimento e
amadurecimento, pois requer a confirmação de si e do outro, facilitando a
individuação de ambos.
Snyder, Cozzi e Mangrum (2002) realizaram uma revisão a respeito do conceito de
comunicação na família e sugeriram que a mesma pode ser compreendida a partir
de dois componentes principais. O primeiro deles seriam os comportamentos de
resolução de conflitos, que envolvem a identificação do problema, o seu
esclarecimento, a geração de soluções, a implementação destas e a avaliação
geral do processo. O segundo seria a expressão e o reconhecimento de
sentimentos. Sardinha, Falcone e Ferreira (2009) também abordaram esses
componentes comunicacionais ao descreverem a importância da expressão de
sentimentos para a resolução satisfatória de conflitos. No estudo desses
autores, ambos os componentes estiveram fortemente associados à satisfação
conjugal em casais com no mínimo sete anos de coabitação.
Em suma, a depressão pós-parto tem sido destacada como um transtorno que pode
afetar a comunicação do casal tanto no que se refere aos diferentes
comportamentos necessários à resolução dos conflitos como no que tange à
própria expressão de sentimentos (Cummings, Keller, & Davies, 2005; Frizzo,
2008; Frizzo, Prado, Linares, & Piccinini, 2010; Linares & Campo, 2000;
Mayor & Piccinini, 2005). Assim a comunicação tem se mostrado um aspecto
relevante a ser abordado (Carter et al., 2010), podendo contribuir tanto para a
relação conjugal em si, como para o curso dos sintomas depressivos. Nesse
sentido, o presente estudo visa investigar a comunicação de casais em que as
esposas apresentavam indicadores de depressão pós-parto. Com base na literatura
revisada, acredita-se que serão identificadas, nesses casais, dificuldades em
sua comunicação, especificamente no que se refere a suas habilidades de
resolução de problemas e a sua expressão de sentimentos e ideias (Cummings
& Davies,1994; Linares & Campo, 2000).
Método
Participantes
Participaram do estudo 15 casais em que a esposa apresentava depressão pós-
parto, segundo o Inventário Beck de Depressão (Beck & Steer, 1993; Cunha,
2001) e uma Entrevista Diagnóstica (GIDEP/NUDIF, 2003a). Os casais selecionados
fizeram parte do projeto intitulado O impacto dapsicoterapia para a depressão
materna e para a interação pais-bebé: Estudo longitudinal do nascimento ao
segundo ano de vida do bebé ' PSICDEMA (Piccinini et al., 2003), que
acompanhou em Psicoterapia Breve Pais-bebé 22 famílias com mães com depressão
pós-parto2. Esses casais foram selecionados a partir do encaminhamento de
hospitais públicos de Porto Alegre, de indicações, de anúncios na mídia e de
uma unidade básica de saúde. Para fins do presente estudo, foram selecionadas
todas as famílias em que o casal coabitava e em que o marido aceitou participar
das entrevistas de avaliação inicial. Na Tabela_1, apresentam-se algumas
características relevantes acerca dos casais selecionados para este estudo.
Delineamento
Trata-se de um estudo descritivo que investigou através de entrevistas com os
casais a expressão de sentimentos e ideias e a resolução de conflitos,
relatadas separadamente pelos maridos e esposas.
Procedimentos
Inicialmente, preencheu-se a Ficha de Contato Inicial GIDEP/NUDIF (2003b) e
foram então agendados dois encontros na Universidade. No primeiro, as esposas e
os maridos responderam, individualmente, ao InventárioBeck de Depressão(Beck
& Steer, 1993; Cunha, 2001) e àEntrevista Diagnóstica(GIDEP/NUDIF, 2003a),
para confirmar o diagnóstico de depressão da mãe. A seguir, foram realizados a
Entrevista de Dados Demográficos (GIDEP/NUDIF, 2003c) e a Entrevista sobre o
Relacionamento Conjugal (GIDEP/NUDIF, 2003e). Com o pai, também foi realizada,
nessa ocasião, a Entrevista sobre a Experiência da Paternidade(GIDEP/NUDIF,
2003f). No segundo encontro, a esposa respondeu à Entrevista sobre a
Experiência daMaternidade(GIDEP/NUDIF, 2003g).
O projeto PSICDEMA, do qual este estudo faz parte, foi aprovado por diversos
comitês de ética (Hospital de Clínicas de Porto Alegre/ Proc. nº 03-068,
14.02.2003; Hospital Materno Infantil Presidente Vargas/Proc. nº05-03,
02.04.2003; UFRGS/Proc. nº 200396, 15.05.2003), tendo sido considerado adequado
e metodologicamente de acordo com a resolução 196/96 do Conselho Nacional de
Saúde do Brasil.
Instrumentos
Ficha de Contato Inicial GIDEP/NUDIF (2003b): buscava investigar os dados
sociodemográficos das famílias, bem como avaliar os critérios de inclusão e
exclusão do projeto.
Entrevista de Dados Demográficos (GIDEP/NUDIF, 2003c): complementava as
informações obtidas na Ficha de Contato Inicial.
Inventário Beck de Depressão (Beck & Steer, 1993; Cunha, 2001): o BDI é uma
escala sintomática de auto-relato, composta por 21 itens, incluindo sintomas e
atitudes depressivas, cuja intensidade varia na escala Lickert de 0 a 3. Esta
escala foi desenvolvida a partir de observações clínicas e descrições de
sintomas característicos de pacientes depressivos, como um instrumento que
pretende avaliar a intensidade da depressão. A consistência interna da versão
validada no Brasil do BDI foi de 0,84 e a correlação entre teste e reteste foi
de 0,95 (p<0,001). Os itens referem-se à tristeza, pessimismo, sensação de
fracasso, falta de satisfação, sensação de culpa, sensação de punição,
autodepreciação, autoacusações, ideias suicidas, crises de choro,
irritabilidade, retração social, indecisão, distorção da imagem corporal,
inibição para o trabalho, distúrbio do sono, fadiga, perda de apetite, perda de
peso, preocupação somática e diminuição da libido. Esses itens contemplam
diferentes alternativas de resposta a respeito de como o sujeito se tem
sentido, e que correspondem a diferentes níveis de gravidade da depressão. A
soma dos scores dos itens individuais fornece um escore total, que por sua vez
constitui um escore dimensional da intensidade da depressão, que pode ser
classificado nos seguintes níveis: mínimo (até 11 pontos), leve (de 12 a 19
pontos), moderado (de 20 a 35 pontos) ou grave (acima de 36 pontos).
Entrevista Diagnóstica (GIDEP/NUDIF, 2003a): Esta entrevista foi baseada em
Dunnewold (1997) e nos critérios do DSM-IV (APA, 2002), tendo como objetivo
investigar os sintomas atuais do pós-parto, a história imediata da mãe e do pai
na gestação, a qualidade de seus relacionamentos com o bebé, com sua família e
companheiro (a), assim como o histórico médico prévio. As informações obtidas
com esta entrevista foram utilizadas para a confirmação dos escores da mãe e do
pai no Inventário Beck de Depressão.
Entrevista sobre o Relacionamento Conjugal (GIDEP/NUDIF, 2003d): abordava a
qualidade do relacionamento conjugal após o nascimento do bebé, a sexualidade,
a comunicação e os sentimentos dos cônjuges em relação ao companheiro.
Entrevista sobre a Experiência da Maternidade (GIDEP/NUDIF, 2003f): entrevista
semiestruturada, composta por cinco blocos de questões, buscava investigar os
sentimentos da mãe a respeito da maternidade. Durante a entrevista solicita-se
à mãe que relate os seus sentimentos e impressões sobre a maternidade desde o
nascimento do bebé até o momento da realização da entrevista. Da mesma forma,
suas associações eram respeitadas e, caso fosse necessário um maior
aprofundamento, a entrevistadora solicitava explicações adicionais à mãe, com o
objetivo de esclarecer suas respostas.
Entrevista sobre a Experiência da Paternidade (GIDEP/NUDIF, 2003g) consistiu em
uma versão do instrumento utilizado com a mãe, com algumas adaptações para
abarcar questões específicas da paternidade.
Análise dos dados
Este estudo teve como objetivo investigar a comunicação de casais em que as
esposas apresentavam indicadores de depressão pós-parto. Os dados de todas as
entrevistas acima descritas foram submetidos à análise de conteúdo qualitativa
(Laville & Dione, 1999). Na análise de conteúdo, a presença de uma
característica importa, de sorte que o novo é sempre considerado, mesmo que
alguns elementos apareçam de forma fugaz. Ao desconsiderar isso, corre-se o
risco de elementos importantes para compreensão do fenômeno desparecem no
processo de análise (Laville & Dionne, 1999). Além disso, na análise de
conteúdo a ênfase está no significado e não na quantificação. Dessa forma, o
objetivo é encontrar citações para ilustrar temas específicos, e não atribuir
números aos dados (Millward, 2010). Por tudo isso, deve-se dizer que, diferente
da teoria fundamentada nos dados, na análise de conteúdo não se busca a
saturação teórica (Henwood & Pidgeon, 2010), de forma que um único exemplo
de relato em uma categoria é igualmente importante, dado que busca-se a
compreensão do fenômeno estudado. De qualquer forma, para facilitar a descrição
dos resultados, a partir da leitura de Hill et al, (2005), optou-se pelas
seguintes descrições: a) muitos casos ' refere-se a mais de metade dos casos,
b) boa parte dos casos ' envolve em torno de metade dos casos; c) alguns casos
' refere-se a 2 a 3 casos; e d) poucos ' refere-se a apenas um caso.
Em relação então às categorias de análise, a partir da revisão da literatura
acerca dos diferentes componentes comunicacionais (Sardinha et al., 2009;
Snyder et al, 2002; Walsh, 2006), estabeleceram-se duas categorias, mutuamente
exclusivas:
(a) Expressão de sentimentos e ideias: Nesta categoria, foi investigada a
percepção dos participantes quanto à capacidade de os cônjuges expressarem suas
ideias e sentimentos. Com esse intuito, consideraram-se apenas os conteúdos
surgidos em resposta à pergunta Vocês conversam sobre o que pensam ou
sentem?.
(b) Resolução de problemas: Nesta categoria, considerou-se como os
participantes descreveram a forma como o casal lidava com suas dificuldades e
seus conflitos. Os conteúdos aqui categorizados surgiram em resposta a
perguntas como Vocês conversam sobre os seus problemas? e Como vocês
resolvem seus conflitos?,compreendendo também verbalizaçõesespontâneas dos
entrevistados sobre esse tema.
As entrevistas foram analisadas de forma independente pelas duas primeiras
autoras deste artigo, ambas psicólogas, sendo uma pós-doutora em Psicologia e
terapeuta sistêmica de família, e a outra doutoranda em Psicologia e terapeuta
sistêmica de família em formação. As entrevistas foram exaustivamente lidas a
fim de identificar as unidades de análise temáticas correspondentes às
categorias descritas acima (Laville & Dione, 1999). Inicialmente foram
analisadas todas as entrevistas das esposas e, num segundo momento, as dos
maridos. Um terceiro juiz, também coautor do artigo, revisou as categorias
analisadas, em um procedimento de auditoria (Morrow, 2005). Eventuais
diferenças foram revisadas e discutidas até haver um consenso.
Resultados
A seguir, serão apresentados os resultados obtidos de acordo com cada uma das
categorias, ilustrando-os com os relatos dos participantes. Serão destacadas
tanto as semelhanças como as particularidades nos relatos das esposas e dos
maridos.
Expressão de sentimentos e ideias
Algumas esposas afirmaram que o casal conseguia conversar sobre o que pensa e
sente. Todas as demais apresentaram restrições a esse respeito. Entre essas,
houve relatos de que a capacidade de conversar sobre pensamentos e ideias
dependia do assunto: A gente procura, na medida do possível, falar tudo. Não
fala tudo porque homem nunca entende tudo. Então, não dá pra ter uma
conversa... Tem alguns assuntos que eu já me dei conta que ele não evolui.
Então, não adianta(E4)3. Para outra esposa, depende do momento: Às vezes. Mas
é assim: Não tem um horário programado. Às vezes dá, às vezes não dá. Às vezes
a gente tá conversando chega alguém, ou o bebê chora, não termina aquele
assunto e fica assim(E9). Algumas esposas ressaltaram as dificuldades do
marido no que diz respeito a essa questão: Eu tento conversar com ele, ele não
gosta muito, às vezes ele fica bravo com as coisas que eu digo, que eu falo que
eu penso, ele não aceita. Aí ele fica invocado, alterado e aí a gente pára de
conversar(E10). Algumas também destacaram as próprias dificuldades a esse
respeito, enquanto outras mencionaram tanto as próprias dificuldades como as do
marido: Mais ou menos. Eu acho que agora eu tô mais... Assim, não falo
(E12);Coisas que eu implico com ele, daqui a pouco ele implica comigo. Quando
a gente vê a gente tá discutindo(E14). Algumas esposas inclusive relacionaram
as dificuldades em expressar seus sentimentos e ideias ao momento vivenciado,
ou seja, à situação de depressão: A gente sempre conversou, mas agora tá
escassa, horrível(E2)
No que se refere aos maridos, apenas um afirmou que o casal consegue conversar
sem apresentar nenhuma espécie de restrição, ressaltando, inclusive, que a
depressão da esposa não prejudicou o diálogo do casal:
Conversamos, sempre conversamos bastante. Ela infelizmente ficou com esse
problema, mas ela fala tudo que ela sente, que ela pensa(M9). Todos os demais
apresentaram algum tipo de restrição em relação a conversar com a esposa. Boa
parte dos maridos destacou as dificuldades da esposa em expressar o que sente
ou em responder adequadamente aos conteúdos manifestados pelo marido:
Conseguimos, mas não muito. Só eu. Mais ou menos. Ela não. Tá melhor do que
antigamente. Mas ela só fala coisa ruim, digamos assim. Só o que acontece de
ruim. Nada de bom. Antigamente, era só de bom. Nada de ruim(M13). Alguns
inclusive mencionaram que a esposa chegou a falar em separação: É, mas, quando
a gente conversa, eu digo o que sinto por ela. Mas ela: Tá, então vamos nos
separar'. Ela fala bastante... Então vamos nos separar, bababá(M12). Alguns
maridos disseram que as conversas entre o casal ocorriam numa frequência que
eles consideravam inferior à ideal: Em alguns momentos, sim, a gente conversa
o que a gente tá sentindo, de repente, tem que puxar. A gente, volta e meia, tá
buscando falar, mas podia ser mais constante(M11). Alguns maridos disseram,
ainda, que a capacidade de conversar sobre o que pensam e sentem está
relacionada ao assunto em questão, sendo que falar sobre o próprio casal pode
ser mais difícil do que discutir outros assuntos: A gente não conversa, a
gente não consegue conversar muito. A gente acaba conversando mais por telefone
sobre assuntos..., porque ela tem essa coisa da questão da grana, do trabalho
(M4). Deve-se destacar que, na fala de alguns maridos, surge aideia de que,
embora haja conversas e expressão de sentimentos e ideias, o casal não consegue
implementar as mudanças desejadas: A gente conversa várias coisas, só que eu
acho que a gente fica muito na conversa. A gente tem consciência da coisa,
precisa de um tempo maior para nós, mas a gente acaba não agindo(M2). Alguns
maridos atribuíram a ambos as dificuldades percebidas, sendo que poucos
destacaram sua própria responsabilidade:
A gente tá com muita cobrança, eu acho, umas coisas bobas assim que se
apegava, era de repente, eu era um tanto mais seco em algumas coisas, de
repente(M11). Poucos maridos também apresentaram uma estratégia para abordar
temas delicados usando o humor: Conversamos assim [mais ou menos], mas
falamos. Eu mexo, eu brinco. Ela também(M8).
Resolução de problemas
No que se refere à capacidade de conversar sobre os problemas, muitas das
esposas responderam afirmativamente a essa pergunta: Isso é que é o bom dele.
Às vezes, não na hora, mas ele vem pra conversar, ele pediu pra conversar! Ele
disse que ele ia melhorar, sabia que ele não tinha razão. Então, foi uma coisa,
assim: Ele vem colocar as coisas. Eu acho que a gente consegue acertar (E4).
Há também alguns relatos de que o casal tenta conversar, mas briga em seguida:
A gente conversa, mas sempre tem mais conflito no meio do que a própria
conversa. A gente não consegue dialogar. A gente fica brigando na realidade.
Não é uma conversa: Se a gente conseguisse fazer isso e isso, será que não
seria melhor?'. Sempre tem uma discordância no meio e aquilo ali vira uma
discórdia. E daí eu não dou o braço torcer, nem ele (E8). Outra esposa referiu
que consegue conversar, mas precisa de um tempo para isso: Eu guardo muito as
coisas. Se não deu pra conversar hoje... Eu só fui conversar depois, mas não
deixei aquilo que eu tinha pra falar pra ele, né? E ele sabia que eu ia falar
com ele (E9). Uma esposa referiu que evita falar: É que eu sou muito
acomodada. Eu vou deixando.... Aí acaba que vai se tornando uma bola de neve,
como se transformou. Só que agora eu não quero mais esperar, não tem mais o que
esperar, ele já teve tempo suficiente pra mudar, então acho que, se não mudou
até agora, não vai mudar mais (E1). E há algumas esposas que referem que
realmente não conversam com o marido: Não conseguimos conversar (E15).
No entanto, como a literatura (Walsh, 2002) aponta que conversar sobre os
problemas não significa chegar a sua solução, foram analisadas também as falas
sobre como o casal resolvia seus conflitos. Foram observadas quatro situações
distintas. A primeira diz respeito a algumas esposas que referem não falar mais
no assunto que gerou a briga, deixando que o tempo resolva a situação: Ai,
às vezes, o tempo se encarrega de resolver. E, às vezes, a gente acaba
concordando pra não se alongar a discussão. (E11). Em poucos casos, as esposas
referiram que também deixam o tempo resolver, mas que o casal fica de mal por
um tempo: Ah, eu fico de mal. Quando eu tô muito braba eu fico de mal uns dois
dias. Mas normal. A gente se beija igual, quando ele chega, a gente dá oi, a
gente conversa normal, mas eu fico braba com ele. Sabe que a gente não tem
muito contato. Só quando chega e quando sai. Mas eu fico braba, assim, daí
depois vou indo, ainda penso: Ah, meu Deus!', e daí passa!(E9). Em alguns
casos, as esposas referiram que as brigas são solucionadas quando o marido cede
e reconhece os erros: Brigando, discutindo, geralmente ele fica alterado, não
sabe falar baixo, ele fala muito alto, a gente grita bastante e briga, às vezes
a gente vai dormir bravo. E ficam os dois de mal. Às vezes ele me liga...
Esses tempos a última briga que a gente teve eu briguei com ele, nós brigamos,
eu fiquei de mal com ele, eu não me lembro o que é que foi a briga. Aí eu fui
dormir braba com ele, fiquei muito magoada com ele, não falei mais com ele, aí,
no outro dia, ele tentava falar comigo e eu não falava mais com ele, não falava
com ninguém, fiquei... Me isolei. Aí ele me ligou chorando que não conseguia
ficar de mal comigo, pediu desculpa(E10).Embora o diálogo seja mencionado em
boa parte dos relatos, em nenhum deles, é apontado como a primeira forma de
resolver os conflitos: Às vezes, a gente nem resolve, às vezes, a gente briga,
fica um tempo sem se falar e depois a gente vai voltando aos pouquinhos. Mas,
às vezes, a gente conversa e a gente acaba se entendendo, resolvendo, no caso
(E13).
Em relação aos maridos, foram destacadas quatro situações acerca do conversar
sobre problemas em geral. Assim como destacado entre as esposas, em muitos
casos, os maridos afirmaram que o casal conversa sobre os problemas. Dos que
relataram que conseguem conversar, alguns disseram que fazem isso normalmente:
É, a gente tem conseguido conversar, é a mesma coisa assim que a gente não
concorda um com outro em tudo, tem certas coisas que a gente discorda, tanto
ela de mim quanto eu dela, então a gente é assim, mas a gente chega a um certo
ponto(M3). Alguns outros relataram que a conversa termina em discussão: A
gente conversa, mas, às vezes, um dos dois escolhe o momento errado de
resolver. Eu acho que é ela, mas eu dou direito ao contraponto(M4). Poucos
referiram que precisam de um tempo para poder conversar: A gente sempre
acabava conseguindo conversar de uma forma ou outra pra poder manter a relação,
sempre conseguiu. Às vezes, passava alguns dias. Ela é mais de resolver na
hora, eu sou um pouquinho mais rancoroso... Me deixa um pouco, pra ganhar um
pouco mais tempo, chateado até me acalmar ou até achar que, até o momento
meu... Às vezes, conversava com mais tempo. Ela tem uma confusão e quer
resolver, mas eu acho que tá certo também, mas então é isso, se eu tenho um
relacionamento com ela há nove anos é porque a gente teve um equilíbrio(M11).
Poucos maridos também referiram que desistiram de conversar com a esposa: Eu
tento conversar sobre o nosso relacionamento. Tento conversar uma vez, duas
vezes. Na terceira, já não converso mais. Antigamente era umas dez vezes que eu
tentava.(M13).
Já quando perguntados sobre como resolvem seus conflitos, os maridos
apresentaram respostas muito diversificadas. Muitos maridos relataram que
evitam tocar no assunto que gerou o conflito: A gente briga assim, discute,
daí a gente pega... Daí fica um... Cada um no seu canto, quieto. Daí passa o
tempo e a gente volta ao normal(M15). Alguns relataram dialogar sobre o
conflito em busca de uma solução: Dando a melhor solução possível, de comum
acordo de ambas as partes(M9). Os demais relataram que tentam usar o humor
para desarmar a esposa: Fazer ela rir. É a forma que eu encontro pra resolver.
Eu não sei outra forma. Falar besteira. Fazer rir pra descontrair(M8). Poucos
disseram tentar mudar de assuntoAh, eu procuro ficar... às vezes, eu me
imponho, ou, às vezes, de repente, quando tá num patamar que pode causar uma
desavença maior, aí eu procuro mudar de assunto, ou ah, tenho que fazer tal
coisa', tento desvirtuar(M7). Poucos também referiram ficar de mal e só então
tentar conversar Cada um ficava do seu lado, se discutia e depois chegava um
momento em que tinha de se falar, isso é, essa válvula aí, esse mecanismo que
fazia a coisa não se tornar pior, a gente fazia, eu sempre fui mais rancoroso
assim, eu precisava de um pouco mais de tempo, até podia falar, porque eu sinto
uma dificuldade assim, essa dureza, então minimizar o tempo, tu entendeu? De
mal-estar, se os dois ficavam mal, eu ia mal pro serviço e ela ia mal pro
serviço, daqui a pouco um ligava pro serviço e pedia desculpas, aí a gente já
amenizava e depois a gente conversava. Então, a gente tinha mecanismos, assim
quando o tempo passava, de equilibrar a coisa(M11). Outros poucos maridos
relataram que tentavam conversar, mas que a esposa não aceitava: Eu tento
conversar, só que em cabeça fechada não entra nada. Tento conversar, mas ela
não conversa(M13).
Discussão
Os resultados revelaram dificuldades nesses casais no que se refere à expressão
de sentimentos e ideias tanto por parte das esposas como dos maridos. As
esposas relataram tanto dificuldades de se expressar como de se sentirem
compreendidas. Nos maridos, houve queixas de a mulher não se abrir e de não
responder adequadamente aos sentimentos expostos por eles. A expressão de
sentimentos e ideias é amplamente admitida na literatura como um fator
importante para a satisfação conjugal, podendo ser vista como uma forma de
apoio emocional disponibilizada pelo parceiro, especialmente no contexto da
depressão pós-parto (Montgomery et al., 2009). Além disso, quando o casal
consegue compartilhar seus sentimentos, desejos, necessidades de forma
assertiva, ficam facilitados os processos de resolução de problemas, uma vez
que se esclarece o que é esperado de cada um (Sardinha et al., 2009). Não
surpreende, portanto, que os casais do presente estudo que relataram não
conseguir expressar adequadamente seus sentimentos e ideias apresentassem
também dificuldades na resolução de problemas.
Os relatos dos participantes também demonstraram que ao menos algumas das
dificuldades vivenciadas tendem a ser identificadas por eles. No entanto, seus
relatos sugerem que eles não sabem como ir além dessa identificação, para a
elaboração ou implementação de soluções adequadas (Snyder et al, 2002; Walsh,
2002). No estudo de Linares e Campo (2000) com mulheres deprimidas, o
evitamento de conflito apareceu como uma forma de evitar a ruptura da relação,
o que não foi corroborado no presente estudo. A separação do casal foi aqui
apontada, algumas vezes, como única possibilidade de solução para as
dificuldades vivenciadas, o que pode estar relacionado com a dificuldade na
habilidade de resolução de problemas presente na depressão (Cummings &
Davies, 1994; Teti & Gelfand, 1991). Demonstra-se, portanto, um déficit na
capacidade de responder adequadamente tanto aos sentimentos vivenciados, como
aos sentimentos expostos pelo cônjuge. Isso se aproxima ao já observado por
outros autores (Brazelton & Cramer, 1992), no que se refere à própria
relação mãe-bebé no contexto da depressão pós-parto, em que as mães
apresentariam dificuldades em responder de forma adequada às necessidades e aos
sinais do bebé.
Observou-se, ainda, no presente estudo que o conteúdo a ser comunicado também
parece influenciar a efetividade do processo comunicacional (Watzlawick, Beavin
& Jackson, 1975). Houve relatos de que o casal conseguia expressar mais
facilmente sentimentos e ideias relacionados ao cotidiano do que aqueles
referentes à própria relação conjugal. Além disso, identificou-se uma
tendência, por parte das esposas, à maior expressão das dificuldades e
insatisfações, sendo que a expressão dos demais sentimentos e ideias parece
ficar em segundo plano. É possível relacionar essa tendência às próprias
características do humor deprimido, em que tende a haver um maior destaque a
essas questões.
No que se refere à resolução de problemas, embora os participantes do presente
estudo tenham afirmado conversar sobre os mesmos, foi possível perceber que
essa tende a não ser a principal estratégia de resolução de conflitos, pois
essas conversas podem se transformar em brigas ou não serem concluídas de forma
satisfatória pelo casal. Dessa forma, evidencia-se que o diálogo mencionado por
esses casais não garante a resolução efetiva dos conflitos. Conforme pontuado
por Snyder et al. (2002), a resolução de conflitos envolve uma série de fases,
que englobam a identificação do problema, o seu esclarecimento, a geração de
soluções, a implementação destas e a avaliação geral do processo. Assim, parece
que, mesmo quando conseguem identificar e expressar suas dificuldades e
insatisfações, podem ser encontrados problemas nas demais fases desse processo,
tais como a falta de uma real compreensão dessas dificuldades e insatisfações
ou, ainda, respostas inadequadas às mesmas.
Outra possibilidade a ser considerada ao se tentar compreender por que os
diálogos nesses casais tendem a se transformar em brigas ou a não levarem a
resoluções satisfatórias refere-se ao que Fincham (2009) chamou de
reciprocidade negativa. De acordo com esse autor, casais em dificuldade
tenderiam a realizar, com mais frequência, afirmações consideradas negativas e
a também apresentar comportamentos tidos como negativos, tais como
desqualificar o outro e focar-se em queixas e lamentações. A apresentação
desses comportamentos por parte de um dos cônjuges contribuiria para que o
outro respondesse de forma semelhante, o que caracteriza a reciprocidade. Como
mencionado anteriormente, os dados do presente estudo parecem corroborar a
ideia de que, nesses casais, há uma maior expressão das insatisfações e
dificuldades, o que poderia favorecer esse ciclo. Além disso, Fincham (2009)
chama a atenção para a importância dos comportamentos não verbais ' postura,
olhares e tom de voz ' para a forma como são manejados os conflitos. Essa
questão não foi investigada no presente estudo, mas constitui um elemento
relevante a ser abordado em estudos futuros, especialmente considerando-se o
contexto de transição para a parentalidade, em que a comunicação não-verbal se
mostra tão importante, uma vez que constitui o principal canal de comunicação
entre a mãe e o seu bebé (Brazelton & Cramer, 1992).
Além disso, com base nos resultados do presente estudo, tem-se a impressão de
que as estratégias desenvolvidas para a resolução dos problemas vivenciados são
elaboradas individualmente e não necessariamente pelo casal, sendo assim,
constata-se que as estratégias propostas por um dos cônjuges nem sempre são
percebidas como satisfatórias pelo outro. Segundo Papp (2002), homens e
mulheres lidam de forma diferente com a depressão. De acordo com a autora,
quando as mulheres estão deprimidas, os homens tendem a dar sugestões práticas
sobre como resolver o problema, indicando estratégias de ação, diferentemente
das mulheres, que gostariam de poder conversar sobre seus sentimentos. Em
relação especificamente ao uso do humor como forma de amenizar os sintomas
depressivos ' estratégia usada por poucos maridos deste estudo e que foi mal-
interpretada por suas esposas ' embora Walsh (2006) tenha ressaltado a
importância do humor para lidar com situações estressantes, é necessário que o
mesmo seja utilizado dentro de um contexto empático para que efetivamente
cumpra essa função. O humor pode não ser uma boa estratégia se o cônjuge
entendê-lo como uma provocação ou desvalorização de seu sofrimento e não como
uma forma de cuidado. Em um dos casos de psicoterapia pais-bebé no contexto da
depressão pós-parto, analisados pormenorizadamente por Frizzo (2008), o uso do
humor por parte dos maridos foi bastante mal-interpretado pela esposa
deprimida, no início do tratamento, pois esta referia que o marido não a
compreendia.
No entanto, ao analisarmos os resultados do presente estudo devemos considerar
que esses casais se encontravam em um momento muito específico do seu ciclo
vital. O nascimento de um bebé causa importantes revoluções nas famílias, uma
vez que reativa as próprias posições infantis, angústias e depressões primárias
(Golse, 2003). Para que possam compreender as necessidades do bebé, os pais se
identificam com ele (Winnicott, 1978), de forma que prevalece uma forma de
relacionamento em que estão presentes suas próprias partes infantis. Assim, é
possível que o funcionamento específico dos subsistemas familiares nesse
período possa dificultar o diálogo do casal, entendido como um processo
posterior no desenvolvimento, quando o ser humano já pressupõe a existência de
si e do outro, ou seja, o diálogo como uma possibilidade de crescimento,
amadurecimento e individuação (Boszormeny-Nagy, 1966). Além disso, deve-se
ressaltar que, nesse período, a conjugalidade deixa de ser o relacionamento
central para as famílias, em virtude de todas as demais reestruturações que
necessitam ser realizadas (Hackel & Ruble, 1992).
Ainda assim é importante que o casal consiga manter o apoio mútuo que deveria
caracterizar o subsistema conjugal, pois marido e mulher precisam um do outro
como um refúgio para as exigências múltiplas da vida (Minuchin, 1982),
especialmente em um contexto de depressão pós-parto em que a mãe vivencia uma
necessidade adicional de ser cuidada e em que o pai pode se sentir
sobrecarregado por suas responsabilidades (Montgomery et al., 2009; Pittman,
1987). No estudo de Frizzo (2008), foi evidenciado o quanto o equilíbrio no
apoio entre os cônjuges tende a ser retomado quando os sintomas depressivos são
amenizados, após uma Psicoterapia Breve Pais-bebé.
Considerações Finais
As evidências reveladas no presente estudo corroboram a literatura ao sugerirem
a presença de dificuldades na comunicação do casal, especificamente no contexto
de depressão pós-parto. Identificaram-se dificuldades em diferentes componentes
comunicacionais e nas diversas fases que compreendem o processo de resolução de
conflitos. Dessa forma, casais que, embora conseguissem identificar e expressar
suas dificuldades, por vezes, não seguiam adiante no processo de solucioná-las.
Respostas inadequadas à expressão dos sentimentos do outro ou o desenvolvimento
de estratégias por parte de um dos cônjuges, que eram percebidas
desfavoravelmente pelo outro foram algumas das dificuldades identificadas.
Destaca-se a necessidade de mais estudos que ampliem a compreensão da
comunicação conjugal nesse contexto, especialmente considerando sua importância
para a satisfação conjugal e os efeitos que possíveis conflitos entre os pais
podem exercer nos filhos (Fincham & Hall, 2005). Outra sugestão seria que
novos estudos investigassem que aspectos contribuem para a satisfação conjugal
durante a transição para parentalidade, além da comparação de famílias em que a
mãe apresenta ou não depressão pós-parto, a fim de construir um modelo teórico
acerca dos factores que contribuem para uma comunicação conjugal eficaz nesta
fase do ciclo de vida da família.
Entre os méritos deste estudo, encontram-se a utilização de uma entrevista que
contém questões sobre os diferentes componentes do processo comunicacional, o
que permitiu identificar diferentes estágios da resolução de conflitos. Além
disso, a análise qualitativa constitui um recurso pouco explorado na
investigação desse tema pela literatura e se mostrou relevante na identificação
de possíveis áreas às quais os profissionais devem estar atentos ao atenderem
esses casais, o que se mostra útil uma vez que a comunicação vem sendo
destacada como uma dimensão a ser trabalhada nesse contexto (Carter et al.,
2010).
No entanto, uma limitação desse estudo refere-se à não investigação da
estrutura da relação conjugal anterior ao nascimento do bebé, a qual possui
grande influência no ajustamento após o nascimento do filho (Menezes &
Lopes, 2007). Podemos pensar que essa estrutura prévia do casal também
influenciaria sua resposta a outras dificuldades que podem surgir em sua vida,
como uma situação de depressão pós-parto (Frizzo, 2008; Frizzo et al, 2010;
Prado et al, 2009; Schwengber et al, 2009; Silva & Piccinini, 2009),
contexto este que se sobrepõe a uma crise normativa do ciclo de vida familiar
(Carter & McGoldrick, 1995), aumentando a pressão sobre o sistema conjugal.
Dessa forma, estudos que incluam essas questões tendem a contribuir para
ampliar a compreensão sobre a comunicação conjugal no contexto de depressão
pós-parto.
Intervenções com famílias após o nascimento do bebê devem levar em conta a
especificidade desse momento no ciclo vital, além de focar na qualidade da
comunicação do casal, que pode estar associada a uma eventual depressão da mãe,
que muitas vezes é subdiagnosticada nos serviços de saúde e que pode impactar
tanto o subsistema conjugal como o parental. Em casais em que já há diagnóstico
de depressão pós-parto da mãe, seria importante que a psicoterapia pudesse
contemplar além de aspectos específicos da relação mãe-bebé, os componentes
comunicacionais tanto de expressão de sentimentos e ideias como de resolução de
problemas, que podem estar comprometidos em alguns casos, contribuindo para o
surgimento de dificuldades no relacionamento desses casais.