Consequências da (não) revelação da homossexualidade e preconceito sexual: o
ponto de vista das pessoas homossexuais
Consequências da (não) revelação da homossexualidade e preconceito sexual: O
ponto de vista das pessoas homossexuais
Apesar de nos últimos 50 anos a homossexualidade ter sido alvo de uma atenção
particular, os registos teóricos permitem verificar que esta sempre existiu.
Assim, o presente artigo começa por apresentar algumas variações nas posições
acerca da homossexualidade ao longo da história antes de descrever diversas
formas sob as quais se traduz, na actualidade, a intolerância contra a minoria
homossexual, que tornam difícil para as pessoas homossexuais a decisão de
revelar a sua orientação sexual. Apresenta, por último, um estudo empírico
realizado junto da minoria homossexual, com o intuito de apreender as suas
percepções relativamente às consequências da revelação ou não revelação da
homossexualidade, ao nível de preconceito da população heterossexual e às
motivações desta população para responder de forma não preconceituosa aos
homens homossexuais.
Homossexualidade: variações ao longo da história
Ao contrário do que se acredita comumente, o comportamento homossexual não foi
sempre visto como errado. Em várias civilizações antigas da Ásia, África, Médio
Oriente e América do Sul era considerado normal, ou era mesmo encorajado, como
na Grécia, onde fazia parte do tecido social, de tradições e ritos de iniciação
que ocorriam entre adultos e jovens (Naphy, 2004). O facto é que, a certa
altura, a homossexualidade começou a ser tida como algo de errado ou de
anormal.
O motivo da mudança poderá ter como base a tradição judaico‑cristã e as
interpretações das suas Escrituras (Naphy, 2004): por necessidade de assegurar
a linhagem, os povos israelitas, constantemente acossados e ameaçados por
vários outros, tinham, com efeito, condenado o prazer e definido a
homossexualidade como pecado. Assim, a partir da Idade Média, os comportamentos
homossexuais foram incluídos na luta contra todas as formas de comportamentos
não normativos. Observou‑se uma tendência para aglomerar práticas como a
feitiçaria e a ligação ao demónio, e grupos como os heréticos, judeus e
homossexuais, numa só categoria distinta e ameaçadora.
Portanto, o preconceito judaico‑cristão do Ocidente desenvolveu‑se nos
últimos 500 anos, acabando por se alastrar por todo o mundo como resultado da
hegemonia europeia do Séc. XIX e do domínio cultural e económico dos EUA nos
últimos 100 anos (Naphy, 2004). Parece ter havido uma espécie de colonização
das mentes no que diz respeito às relações sexuais, uma vez que as atitudes
negativas face à homossexualidade (pecado) e aos homossexuais (pecadores) foram
adoptadas e assimiladas pela maioria das culturas não‑ocidentais.
Uma outra causa de hostilidade face à homossexualidade foi a sua classificação
como patologia pela comunidade médica do Séc. XIX. Nos primórdios do Séc. XX a
homossexualidade foi incluída no ramo das doenças mentais e foram criadas
clínicas para tratar os doentes homossexuais (Herek, 2004). A junção da visão
médica às ideias emergentes da pureza racial e eugenia nos anos 1930s tiveram
consequências desastrosas: cerca de 20.000 homossexuais masculinos,
identificados por um triângulo cor‑de‑rosa, foram mortos em campos de
concentração pelos Nazis (Naphy, 2004).
Apesar do movimento de liberação dos homossexuais ter começado a dar os seus
sinais desde o início do Séc. XIX deve‑se esperar os anos 1960s para observar
uma progressiva tolerância para as minorias LGBT1. Os movimentos de luta pelos
direitos cívicos e igualdade social, económica e legal, da minoria negra e das
mulheres nos EUA, e os acontecimentos do Maio de 68 francês promoveram, com
efeito, ideias ligadas às liberdades civis democráticas, aos direitos das
minorias, à igualdade entre homens e mulheres, brancos e negros, heterossexuais
e homossexuais (Almeida, 2010).
É nesta altura, em 1972, que o psicólogo americano George Weinberg veio dar
nome ao sentimento de hostilidade para com as pessoas homossexuais, designando
por homofobia o medo irracional face à homossexualidade ou às pessoas
homossexuais (Herek, 2004). A passagem da visão patologizante dos/as
homossexuais para o enquadramento da intolerância dos/as heterossexuais chamou
a atenção para a rejeição, hostilidade ou desprezo que as pessoas homossexuais
sentiam por parte da sociedade. A homofobia, juntamente com outras formas de
discriminação e intolerância, começou a formar um objecto de interesse e de
estudo (Herek, 2004). Um ano após o aparecimento do termo homofobia a
homossexualidade deixou de ser considerada, nos EUA, uma doença mental, sendo
retirada do DSM(Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) (Rede ex
aequo, 2006).
Por esta altura, a Revolução de 25 de Abril de 1974 trouxe consigo a
restauração da liberdade de associação e de expressão, sendo por isto um grande
marco no movimento LGBT em Portugal. Em 1982 a homossexualidade foi
descriminalizada e os princípios da igualdade de direitos e de oportunidades
encontraram‑se fortalecidos com a adesão de Portugal à União Europeia em 1986
(Santos, 2005).
Desde o ano 2000, os avanços mais significativos da luta do movimento LGBT
internacional focam‑se em diversos momentos‑chave. Em Dezembro de 2000 é
aprovada a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que decreta:
Qualquer discriminação com base em qualquer natureza como sexo, raça, cor,
etnia ou origem social, característica genética, (...) ou orientação sexual
deve ser proibida. Em 2001, a Holanda é o primeiro país que permite o
casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e um ano depois a Suécia passa a
permitir a adopção por casais homossexuais.
A alteração mais recente no panorama jurídico português no que diz respeito às
políticas da sexualidade é a lei nº9/2010 de 31 de Maio, que permite o
casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Curiosamente, esta lei foi
promulgada no dia 17 de Maio de 2010, o Dia Internacional da Luta contra a
Homofobia. Todavia, estas conquistas não foram acompanhadas pelo
desaparecimento da homofobia.
A homofobia e os seus efeitos
A homofobia pode revelar‑se sob várias formas. Por exemplo, o heterossexismo é
a manifestação da homofobia nas instituições sociais que, através dos seus
discursos e retóricas sobre o género, a tradição ou a moralidade, tentam manter
os estatutos tanto do grupo dominante como do grupo desviante, denegrindo
qualquer comportamento ou relação não heterossexual (Herek, 2004). O
preconceito sexual é um pré‑julgamento, uma resposta afectiva ou emocional,
geralmente negativa, ao grupo de pessoas não heterossexuais ou a um membro
deste grupo (Schneider, 2004).
Embora na actualidade as normas sociais das sociedades ocidentais tornarem
pouco aceitável a manifestação explícita de atitudes preconceituosas, a
expressão aberta do preconceito é socialmente melhor aceite quando este é
dirigido à minoria homossexual do que a outros grupos (Schneider, 2004). Por
conseguinte, as atitudes negativas para com as pessoas que violam as normas de
género ainda se traduzem, por vezes, em manifestações de hostilidade exacerbada
e de violência verbal e física (LaMar & Kite, 1998). Por exemplo, um
inquérito realizado recentemente nos EUA através da Internet revela que 50% dos
respondentes homossexuais de ambos os sexos foram vítimas de assédio verbal,
que 37.6% de homens e 12.5% de mulheres homossexuais foram vítimas de agressões
ou de crimes cometidos contra a propriedade, e que mais de 10% sofreram
discriminações na procura de emprego ou de alojamento (Herek, 2009).
Apesar de se observar, na Europa e nos dois sub‑continentes americanos, que as
pessoas mais jovens aceitam geralmente melhor a homossexualidade (Pew
Research Center, 2007), constata‑se um aumento da radicalização da homofobia
junto de certos jovens. Um relatório da associação SOS‑Homophobie revela, por
exemplo, que em 11 dos 14 homicídios homofóbicos cometidos em França entre 2002
e 2008, os agressores tinham menos de 26 anos e que, em cinco destes, jovens
menores eram implicados2 (AFP, 2008).
A homofobia continua também a manifestar‑se nas profissões da saúde (Brotman,
Jalbert, Rowe & Ryan, 2002): Estudos revelam que 89% das pessoas ligadas
aos serviços de saúde manifestam reacções negativas (como embaraço, rejeição,
ou excessiva curiosidade) quando um/uma paciente se identifica como sendo gay
ou lésbica. Existem diversas situações onde a homofobia se manifesta, como no
facto do/a companheiro/a não ter direito às visitas em caso de internamento do/
a outro/a nos cuidados intensivos, não o/a poder acompanhar na ambulância, e
não ter direito a conhecer o seu estado de saúde.
De forma mais geral, o preconceito sexual manifesta‑se na população
heterossexual de duas formas (Morrison & Morrison, 2002): O preconceito
clássico, explícito, tem por base objecções tradicionais e morais que
desaprovam a homossexualidade (e.g. a homossexualidade é uma perversão, o
comportamento homossexual é errado, os homossexuais são nojentos). O
preconceito moderno, implícito, manifesta‑se de forma mais subtil na
oposição à extensão dos direitos civis das pessoas heterossexuais às pessoas
homossexuais ou na crença de que a minoria homossexual está a perseguir
vantagens ou direitos imerecidos (e.g. muitos/as homossexuais usam a sua
orientação sexual para obter privilégios especiais; os/as homossexuais
tornaram‑se demasiado exigentes na sua luta por direitos iguais). Os dois
tipos de preconceito podem ser medidos, respectivamente, através da escala ATLG
(Attitudes Toward Lesbians and Gay Men, Herek, 1988) e da escala MHS (Modern
Homonegativity Scale, Morrison & Morrison, 2002). A investigação revela que
os níveis de preconceito implícito das pessoas heterossexuais são mais elevados
do que os seus níveis de preconceito explícito (Morrison & Morrison, 2002),
apesar dos dois tipos de preconceito estarem correlacionados (Morrison, Kenny
& Harrington, 2005).
Existem, como é óbvio, diferenças inter‑individuais nos níveis de preconceito
sexual que provêm de diversos factores (ver Poeschl, 2011). Por exemplo, muitos
estudos revelam que as mulheres são, em média, mais tolerantes para com a
homossexualidade do que os homens e que, na actualidade como no passado, a
homossexualidade feminina é melhor aceite do que a homossexualidade masculina
(Ellis, Kitzinger & Wilkinson, 2002). Existem, ainda, diferenças na
expressão do preconceito que provêm das motivações das pessoas para responder
de forma (não) preconceituosa (Plant & Devine, 1998): Algumas pessoas são
motivadas a não se mostrar preconceituosas por causa das suas atitudes, crenças
e valores pessoais; outras por conformidade às normas actuais de igualdade,
independentemente das suas crenças pessoais; outras, ainda, não se preocupam
com as normas sociais e não se importam de exprimir abertamente os seus
preconceitos. Plant e Devine (1998) verificaram que as motivações internas, mas
não as externas, estão correlacionadas com medidas auto‑relatadas de atitudes
preconceituosas: quanto mais baixo o nível de preconceito, mais forte a
motivação interna para controlar o preconceito (Bernardes, 2003).
Juntamente com os silêncios, ausências e evasões que as rodeiam (Carneiro &
Menezes, 2004), o heterossexismo e o preconceito sexual são barreiras que
impedem as pessoas homossexuais de se sentir confortáveis com a sua orientação
sexual e de a revelar sem problemas. De facto, muitos gays e lésbicas optam por
não se assumirem publicamente mesmo se, para os psicólogos e profissionais da
saúde, os benefícios da revelação da homossexualidade são maiores do que os
seus custos. Segundo os especialistas, os benefícios da revelação da
homossexualidade são o bem‑estar psicológico, o aumento da auto‑estima e a
redução do stress mental, a diminuição dos comportamentos de risco e a
facilitação das relações interpessoais, enquanto que os seus custos podem
incluir as represálias físicas, o evitamento e a reprovação social (Corrigan
& Matthews, 2003).
Num recente estudo (Costa, 2008) realizado em Portugal com o objectivo de
conhecer a opinião das pessoas heterossexuais sobre as consequências da
revelação ou não revelação da homossexualidade, verificou‑se que a opinião dos
especialistas era partilhada pelas pessoas leigas: Apesar de considerarem que
as consequências da homossexualidade são negativas seja qual for a decisão
tomada, as pessoas inquiridas pensam que as consequências da revelação da
homossexualidade são menos negativas do que as da não revelação (Costa &
Poeschl, 2010). Mais precisamente, elas acreditam que a revelação da orientação
sexual permite às pessoas homossexuais ter uma melhor imagem de si ou uma vida
social mais preenchida por intermédio de relacionamentos mais saudáveis, mesmo
se os riscos de retaliação são maiores como consequência da revelação da
orientação sexual, por oposição à não revelação.
Constatou‑se, ainda, neste estudo, que as representações da homossexualidade
se organizam, sobretudo, à volta da figura dos homossexuais masculinos,
descritos de forma depreciativa. Observou‑se também uma menor aceitação dos
homens gays do que das mulheres lésbicas: os gays despertam menos sentimentos
positivos e atitudes mais preconceituosas do que as lésbicas, e as
consequências da revelação da homossexualidade são vistas como menos positivas
para os gays do que para as lésbicas (Costa, 2008).
Na sequência destes resultados considerámos relevante examinar a representação
que a minoria homossexual tem acerca da maneira de pensar da maioria
heterossexual e a relação entre esta representação e a decisão de revelar, ou
não, a orientação sexual. Não há dúvida de que as pessoas homossexuais têm uma
representação da forma como a maioria heterossexual se posiciona face à sua
categoria, e que esta representação se constrói e se desenvolve no decurso das
interacções sociais. Assim, a representação integra, para além das experiências
próprias, observações, testemunhos, opiniões e juízos provenientes de múltiplas
fontes, tratando‑se, portanto, de uma representação social (Moscovici, 1976;
ver também Poeschl, 2003). Foi amplamente demonstrado que as representações
sociais orientam o comportamento (ver, por exemplo, Jodelet, 1989) e, por isso,
podemos supor que a representação da forma como a maioria heterossexual pensa
acerca das pessoas homossexuais influencia a decisão destas últimas de revelar
ou não a sua orientação sexual.
Objectivos e hipóteses
O nosso estudo tem como objectivo examinar em que medida as consequências
percepcionadas da revelação, ou não revelação, da orientação sexual estão
relacionadas com os níveis de preconceito (explícito e implícito), e com os
níveis de motivação (interna e externa) para responder de forma não
preconceituosa atribuídos à população heterossexual por parte de respondentes
homossexuais (ver também Venâncio, 2010). Na medida em que a homossexualidade
feminina é geralmente melhor aceite do que a homossexualidade masculina, o
estudo centrou‑se sobre a situação dos homens gays. Formularam‑se três grupos
de hipóteses.
Segundo a literatura, os especialistas (por exemplo Corrigan & Matthews,
2003) consideram que a revelação da homossexualidade aumenta, por um lado, o
bem‑estar psicológico e a auto‑estima e, por outro, o risco de isolamento
social e de represálias físicas, uma opinião partilhada pelas pessoas leigas
inquiridas por Costa (Costa & Poeschl, 2010). Em linha com estes
resultados, prevemos que os/as homossexuais considerem que os homens
homossexuais não assumidos têm uma maior probabilidade de experimentar
sentimentos negativos (medo, frustração, vergonha, por exemplo) do que os
homossexuais assumidos (Hipótese 1a) e que os homossexuais assumidos têm uma
maior probabilidade de serem discriminados do que os homossexuais não assumidos
(Hipótese 1b).
Para vários autores, o preconceito para com as pessoas homossexuais pode
manifestar‑se sob uma forma explícita ou implícita (Morrison & Morrison,
2002), e muitos estudos revelam que o preconceito explícito tem valores
inferiores ao preconceito implícito (Morrison & Morrison, 2002; Costa,
2008). Sendo assim, esperamos que os/as homossexuais irão considerar que o
nível de preconceito implícito da população heterossexual é superior ao seu
nível de preconceito explícito (Hipótese 2a). Esperamos, ainda, que a percepção
de níveis mais elevados de preconceito, quer explícito, quer implícito, esteja
associada com a percepção de consequências mais negativas, quer da revelação
quer da não revelação da homossexualidade (Hipótese 2b).
Diversos estudos demonstraram que o preconceito da população heterossexual em
relação às pessoas homossexuais pode não se exprimir abertamente por motivação
interna (reflectindo uma atitude estruturada a partir de princípios e
experiências pessoais) ou por motivação externa (reflectindo um carácter mais
transitório da expressão do preconceito influenciado sobretudo pelo contexto e
pelas normas sociais) (Plant & Devine, 1998). A motivação interna (mas não
a motivação externa) está inversamente correlacionada com o nível de
preconceito que as pessoas heterossexuais admitem possuir (Plant & Devine,
1998), parecendo estas últimas ter uma maior motivação interna do que externa
para responderem de forma não preconceituosa perante a homossexualidade (Costa,
2008). De acordo com estes resultados, prevemos que os/as homossexuais
considerem que a população heterossexual tem uma maior motivação interna do que
externa para responder de forma não preconceituosa em relação aos homens
homossexuais (Hipótese 3a); que os níveis de preconceito e os níveis de
motivação interna para responder sem preconceito atribuídos à população
heterossexual estarão negativamente correlacionados (Hipótese 3b), e que os
níveis de motivação quer interna quer externa para responder de forma não
preconceituosa estarão negativamente correlacionados com a probabilidade da
revelação da homossexualidade acarretar consequências negativas (Hipótese 3c).
Método
Respondentes
Participaram neste estudo 90 respondentes, 47 homens e 43 mulheres, todos/as
autoidentificados/as como sendo homossexuais ou bissexuais. São na sua maioria
estudantes (67.80%), e têm idades compreendidas entre os 14 e os 42 anos (M =
23 anos).
Questionário
Os dados foram recolhidos por meio de um questionário adaptado do instrumento
utilizado por Costa (2008). O estudo era introduzido pelo seguinte texto: A
questão da homossexualidade está, actualmente, no centro de inúmeros debates,
quer na comunicação social, quer nas conversas privadas. O presente
questionário faz parte duma vasta investigação que incide sobre diversos
aspectos das relações entre os grupos sexuais.
Seguiam‑se três grupos de questões:
O primeiro grupo era composto pelos dez itens da Escala de Motivação Interna
(IMS) e da Escala de Motivação Externa (EMS) para responder de forma não
preconceituosa (Plant & Devine, 1998), já traduzidas para o português e
utilizadas por Costa (2008). Os itens tinham sido modificados no sentido de
referir as motivações das pessoas em vez das motivações do respondente para
não se mostrar preconceituoso em relação aos homossexuais. Os/as respondentes
deviam indicar em que medida concordavam com cada uma das proposições (1 =
discordo totalmente; 7 = concordo totalmente).
O segundo grupo de itens, sobre as consequências da revelação ou não revelação
da homossexualidade, era precedido de uma citação retirada da revista mensal
Com'Out que denunciava o preconceito e a discriminação enquanto barreiras à
assumpção da orientação homossexual. Os/as respondentes deviam exprimir a sua
opinião sobre a probabilidade (1 = totalmente improvável; 7 = totalmente
provável) de uma pessoa homossexual assumida e uma pessoa homossexual não
assumida experimentarem cada uma das dezanove consequências apresentadas. Os
itens foram retirados do estudo de Costa (2008), tendo sido escolhidas as
consequências referidas por sete ou mais participantes nesse estudo, e incluiu
ainda o sentimento de insegurança que, pela recolha de testemunhos junto do
meio LGBT, se julgou importante acrescentar.
O terceiro grupo, sobre as atitudes para com os homossexuais, era formado pelos
dez itens da escala ATG (Attitudes Toward Gay Men, Herek, 1988) e os dez itens
da escala MHS (Modern Homonegativity Scale, Morrison & Morrison, 2002),
também traduzidas para o português e utilizadas por Costa (2008). Os/as
respondentes deviam indicar as respostas que, segundo eles/as, a maioria das
pessoas dariam às vinte afirmações (1 = discordo totalmente; 7 = concordo
totalmente).
O último grupo de itens era destinado a recolher os dados sócio‑demográficos e
no fim do questionário eram ainda incluídas algumas linhas para recolher a
opinião dos/as respondentes sobre o questionário.
Procedimento
A recolha de dados foi efectuada através da técnica de Snowball(Goodman,
1960),através das redes sociais e através do contacto com associações que
promovem reuniões e encontros entre LGBT's, nomeadamente a Rede ex
aequo,facilitando assim o encontro com esta comunidade.
Análise dos dados
De acordo com a literatura, foram criadas duas escalas de motivação para
responder de forma não preconceituosa: uma escala de motivação externa, com um
valor de αde Cronbach de .80, e uma escala de motivação interna, reduzida a
três itens de modo a obter uma consistência interna satisfatória (As pessoas
estão pessoalmente motivadas para agir de uma forma não‑preconceituosa em
relação aos homossexuais, As pessoas tentam agir de uma forma não
preconceituosa em relação aos homossexuais porque é importante para elas,
Devido aos seus valores pessoais, as pessoas acreditam que o uso de
estereótipos em relação aos homossexuais é errado) com um valor de α de
Cronbach de .643. Foram também criadas duas escalas de atitudes preconceituosas
para com os homossexuais: uma escala de atitudes explícitas, com um valor de α
de Cronbach de .94, e uma escala de atitudes implícitas, com um valor de α de
Cronbach de .92.
Aplicou‑se uma análise factorial em componentes principais sobre os 19 itens
que foram por nós seleccionados para conferir a existência de dois tipos de
consequências que podem advir da revelação ou não revelação da orientação
sexual.
As análises de variância aplicadas sobre as diferentes escalas não revelaram
nenhum efeito principal ou de interacção envolvendo o sexo de pertença dos
respondentes. Por isso, não referimos esta variável na apresentação dos
resultados.
Resultados e discussão
Consequências da decisão de revelar ou de não revelar a homossexualidade
A análise factorial em componentes principais aplicada sobre o conjunto das 19
consequências que podem advir de revelar e de não revelar a homossexualidade
extraiu dois factores com valores próprios superiores a um. Eles explicam, no
conjunto, 62.07% da variância total e referem, respectivamente, os sentimentos
negativos e a discriminação. O Quadro_1 apresenta a solução factorial após
rotação varimax.
Construímos duas escalas reunindo os itens agrupados pelos factores, uma de
sentimentos negativos e outra de discriminação, tendo os valores do α de
Cronbach revelado uma consistência interna satisfatória (sentimentos negativos:
α = .95; discriminação: α = .86). As médias que indicam a probabilidade dos
sentimentos negativos e da discriminação serem consequências da revelação ou
não revelação da homossexualidade estão registadas no Quadro_2. Estes valores
sugerem que os/as respondentes julgam ser pouco provável que os homossexuais
assumidos experimentem sentimentos negativos e que os homossexuais não
assumidos sejam discriminados. Sugerem, ainda, que os respondentes julgam, pelo
contrário, existir uma forte probabilidade que os homossexuais assumidos sejam
discriminados e que os homossexuais não assumidos experimentem sentimentos
negativos.
A análise de variância que cruza os dois tipos de consequências com a decisão
de revelar ou não revelar a homossexualidade indica um efeito significativo das
consequências, F(1, 89) = 7.24, p = .009, um efeito significativo da decisão, F
(1, 89) = 6.53, p = .012, assim como uma interacção significativa entre as
consequências e a decisão, F(1, 89) = 176.03, p < .001. O efeito das
consequências sugere que os sentimentos negativos têm uma maior probabilidade
de ser uma consequência da homossexualidade (assumida ou não assumida) do que a
discriminação (sentimentos negativos: 4.50; discriminação: 4.36), t(89) = 2.69,
p = .009. O efeito da decisão indica que os homossexuais assumidos têm uma
menor probabilidade de experimentar consequências negativas do que os
homossexuais não assumidos (assumidos: 4.26; não assumidos: 4.60), t(89) =
2.56, p = .012. Finalmente, a interacção significativa entre consequências e
decisão mostra que os/as respondentes consideram, em conformidade com a nossa
Hipótese 1a, que os homossexuais não assumidos têm uma maior probabilidade de
experimentar sentimentos negativos do que os homossexuais assumidos, t(90) =
13.34, p < .001, e que, em conformidade com a nossa Hipótese 1b, os
homossexuais assumidos têm uma maior probabilidade de ser discriminados do que
os homossexuais não assumidos, t(90) = 6.28, p < .001.
Para saber se os/as respondentes consideram que a probabilidade de os
homossexuais assumidos terem sentimentos negativos e serem alvo de
discriminação é inversa à probabilidade de os homossexuais não assumidos
experimentarem as mesmas consequências, examinámos a relação entre as respostas
fornecidas nas duas situações (ver Quadro_3). Constatámos que a correlação
entre a probabilidade de ver os homossexuais assumidos e os homossexuais não
assumidos experimentar sentimentos negativos é nula, r = .02, ns, mas que
existe uma correlação negativa significativa entre a probabilidade de ver os
homossexuais assumidos e os homossexuais não assumidos ser alvos de
discriminação, r = ‑.22, p = .036: quanto mais os/as respondentes consideram
que os homossexuais assumidos são discriminados, menos consideram que os
homossexuais não assumidos também o são. A decisão de revelar ou não a
homossexualidade aparece portanto ligada às expectativas de ser ou não alvo de
discriminação.
Procurámos então saber se a maior probabilidade de sofrer discriminação que
resulta da revelação da homossexualidade era vista como compensada por uma
menor probabilidade de experimentar sentimentos negativos, e se a maior
probabilidade de experimentar sentimentos negativos que resulta da não
revelação da homossexualidade era vista como compensada por uma menor
probabilidade de ser discriminado. Observou‑se (Quadro_3) que os sentimentos
negativos e a discriminação estão positivamente correlacionados, quer quando se
consideram homossexuais não assumidos, r = .27, p = .011, quer (e ainda mais)
quando se consideram homossexuais assumidos, r = .50, p < .001. Por outras
palavras, as duas consequências prováveis da homossexualidade não são vistas
como sendo compensadas uma pela outra, mas sim como sendo reciprocamente
reforçadas: quanto mais os/as respondentes consideram provável que os
homossexuais experimentem sentimentos negativos devidos à sua homossexualidade,
mais eles consideram também que é provável que os homossexuais sejam alvo de
discriminação.
Pode finalmente notar‑se no Quadro_3 que todas as correlações entre
discriminação e sentimentos negativos são positivas e significativas: a
percepção de que os homossexuais não assumidos experimentam sentimentos
negativos está associada com a percepção de uma forte probabilidade de que os
homossexuais assumidos sejam discriminados, r = .42, p < .001; por outro lado,
a percepção de que os homossexuais assumidos são discriminados está relacionada
com a percepção de que os homossexuais não assumidos experimentam sentimentos
negativos, r = .22, p = .038. Este resultado parece, portanto, traduzir a
existência de diferenças na amplitude do sentimento de transtorno associado à
homossexualidade.
Percepção do nível de preconceito
Os níveis de preconceito atribuídos pelos/as respondentes à população
heterossexual não são muito elevados: 2.96 para a escala ATG de preconceito
explícito e 3.59 para a escala MHS de preconceito implícito (numa escala de 1 a
7 onde 7 indica a percepção de um elevado nível de preconceito). De facto,
estes valores são significativamente inferiores ao ponto médio das duas
escalas, ATG: t(89) = 5.70, p < .001; MHS: t(89) = 2.63, p = .010.
Como verificado na literatura, os níveis de preconceito medidos pelas duas
escalas são correlacionados, r = .80, p < .001: quanto mais elevados são os
níveis de preconceito explícito atribuídos à população heterossexual, tanto
mais elevados são também os níveis de preconceito implícito percepcionados. Por
sua vez, uma comparação entre os níveis médios das duas escalas indica que os/
as respondentes consideram, tal como predito pela nossa Hipótese 2a, que o
nível de preconceito implícito da população heterossexual é superior ao seu
nível de preconceito explícito, t(89) = 5.65, p < .001.
O fraco nível de preconceito atribuído pelos/as respondentes homossexuais à
população heterossexual contrasta com a percepção das consequências da
homossexualidade. Contudo, ao examinar em que medida os níveis de preconceito
atribuídos à população heterossexual estavam correlacionados com as
consequências percepcionadas da (não) revelação da homossexualidade,
verificou‑se, curiosamente, que as correlações calculadas não atingiam o nível
de significância (todos os ps > .10). Portanto, contrariamente à predição da
nossa Hipótese 2b, a percepção de níveis mais elevados de preconceito, quer
explícito, quer implícito, não está associada com a percepção de consequências
mais negativas, quer da revelação quer da não revelação da homossexualidade. O
facto das consequências percepcionadas da (não) revelação da homossexualidade
serem independentes do nível de preconceito atribuído à população em geral
sugere que, para os homossexuais, o problema colocado pela homossexualidade é
mais relacionado com o comportamento de alguns e menos com a maneira de pensar
da população em geral.
Percepção da motivação para responder de forma não preconceituosa
A motivação percepcionada para responder de forma não preconceituosa em relação
aos homossexuais não é muito elevada (motivação externa: 3.71; motivação
interna: 3.07, numa escala de 1 a 7 onde 7 indica a percepção de um elevado
nível de motivação). Estes valores também são significativamente inferiores à
média das escalas (motivação externa: t(89) = 2.46, p = .016; motivação
interna: t(89) = 8.54, p < .001). Por conseguinte, se os/as respondentes
homossexuais percepcionam a população heterossexual como não muito
preconceituosa, eles/as também consideram que ela não tem uma forte motivação
para responder de forma não preconceituosa.
Uma comparação entre os níveis de motivação interna e os níveis de motivação
externa atribuídos pelos/as homossexuais à população heterossexual para
responder sem preconceito revela que, de forma geral, a motivação externa para
responder de forma não preconceituosa em relação aos homossexuais é
percepcionada como significativamente maior do que a motivação interna, F(1,
88) = 23.45, p < .001, o que é contrário ao que previa a nossa Hipótese 3a.
Infirmando também o que previa a nossa Hipótese 3b, os níveis de preconceito e
os níveis de motivação interna para responder de forma não preconceituosa
atribuídos pelos/as homossexuais à população heterossexual não estão
negativamente mas positivamente correlacionados: ATG: r = .22, p= .041; MHS: r
= .28, p = .007. Apesar da motivação externa para responder de forma não
preconceituosa em relação aos homossexuais não estar correlacionada com os dois
tipos de preconceitos (ATG: r = .09, ns; MHS: r = .18, ns), a motivação interna
e a motivação externa são correlacionadas entre si, r = .35, p = .001.
Parece portanto que quanto mais os/as respondentes homossexuais percepcionam as
pessoas heterossexuais como preconceituosas, tanto mais eles/as acham que estas
pessoas devem apelar aos seus valores pessoais para não deixar transparecer o
preconceito sexual. Pelo contrário, as pressões sociais externas são vistas
como algo que exerce efeitos diversificados sobre o comportamento da população
heterossexual, incluindo o de poderem reforçar a motivação interna dos/as
heterossexuais para responder de forma não preconceituosa.
Uma análise das correlações entre a motivação externa e a motivação interna
para responder de forma não preconceituosa com as expectativas de experimentar
sentimentos negativos e sofrer de discriminação não revelou relações
significativas em caso de não revelação da orientação sexual. Contudo,
evidenciou duas relações significativas em caso de revelação da
homossexualidade: a motivação externa encontra‑se positivamente correlacionada
com os sentimentos negativos dos homossexuais, r = .21, p = .046, e a motivação
interna associada, negativamente, com a probabilidade de ser alvo de
discriminação, r = ‑.26, p = .015.
Estas correlações sugerem que quanto mais os/as respondentes homossexuais
atribuem os comportamentos não preconceituosos às pressões sociais, mais eles/
as pensam que os homossexuais assumidos experimentam sentimentos negativos. Por
outro lado, quanto mais eles/as atribuem os comportamentos não preconceituosos
a considerações pessoais, menos eles/as pensam que os homossexuais assumidos
possam ser alvos de discriminação. Estes resultados apoiam parcialmente a nossa
Hipótese 3c que previa que os dois tipos de motivação para responder sem
preconceito estariam negativamente correlacionados com a probabilidade da
revelação da homossexualidade acarretar consequências negativas.
Os fracos níveis de motivação externa e de motivação interna percepcionados
pelos/as respondentes homossexuais poderiam explicar a percepção,
respectivamente, de uma fraca probabilidade dos homossexuais assumidos
experimentarem sentimentos negativos e de uma forte probabilidade deles serem
discriminados. Mais importante contudo, as relações evidenciadas entre os
níveis de motivação percepcionados e as consequências da revelação da
homossexualidade sugerem que a decisão de revelar a orientação sexual depende
mais das motivações para responder sem preconceito do que dos níveis de
preconceito atribuídos à população heterossexual. Procurámos portanto perceber
melhor as razões da não verificação das nossas hipóteses relativas aos tipos de
motivação e aos níveis de preconceito, comparando os nossos resultados com os
resultados obtidos por Costa (2008).
Níveis de preconceito e de motivação declarados e atribuídos
Os níveis de preconceito e de motivação declarados pelos/as respondentes
heterossexuais e atribuídos a estes/as pelos/as respondentes homossexuais,
registados no Quadro_4, mostram que apenas o nível de preconceito explícito
declarado pelos/as heterossexuais não é significativamente diferente do nível
de preconceito que lhes é atribuído pelos/as homossexuais (homossexuais: 2.96;
heterossexuais: 3.26), t(167) = 1.25, ns. Pelo contrário, e curiosamente, o
nível de preconceito implícito declarado pelos/as heterossexuais é
significativamente superior ao nível que os/as respondentes homossexuais sentem
existir nesta população (homossexuais: 3.59; heterossexuais: 4.15), t(167) =
2.73, p = .007. Este facto, surpreendente quando se consideram as consequências
negativas atribuídas à homossexualidade pelos/as homossexuais, corrobora a
ideia já expressa de que o problema colocado pela homossexualidade não está
muito relacionado com a maneira de pensar atribuída à população em geral. Estas
consequências poderiam ser sobretudo, como já sugerido também, relacionadas com
o comportamento de alguns ou, alternativamente, com aspectos que não são
apreendidos pelos itens das escalas de preconceito explícito ou de preconceito
implícito, dado que ambas recolhem um fraco acordo.
Pode‑se também constatar, do Quadro_4, que os níveis de motivação externa para
responder de forma não preconceituosa declarados pelos/as heterossexuais são
inferiores aos que são atribuídos a esta população pelos/as homossexuais
(homossexuais: 3.71; heterossexuais: 2.56), t(167) = 5.68, p < .001, enquanto
que os níveis de motivação interna declarados pelos/as heterossexuais são muito
superiores aos que os/as homossexuais sentem existir (homossexuais: 3.07;
heterossexuais: 5.22), t(167) = 11.86, p < .001.
As diferenças constatadas entre as respostas dos/as heterossexuais e dos/as
homossexuais podem sugerir várias interpretações. Por um lado, pode‑se
considerar que os elevados níveis de motivação interna e os baixos níveis de
motivação externa declarados pelos/as heterossexuais resultam de um efeito de
desejabilidade social (cf. Krosnick, 1999). Alternativamente, a discrepância
entre os níveis declarados pelos/as heterossexuais e os níveis atribuídos a
estes/as pelos/as homossexuais poderia provir de uma tendência, por parte dos/
as heterossexuais, para atribuir a factores internos, disposicionais, a causa
dos seus comportamentos positivos, e/ou de uma tendência, por parte dos/as
homossexuais, para atribuir os comportamentos positivos da maioria
heterossexual a factores externos, situacionais (ver, a este respeito,
Hewstone, 1989). Por último, a diferença entre as percepções dos/as
homossexuais e as declarações dos/as heterossexuais poderia também surgir de
uma falta de contacto entre as duas comunidades. A este respeito, é importante
sublinhar que uma maior interacção entre heterossexuais e homossexuais é
geralmente considerada como sendo um dos factores mais eficazes para diminuir a
prevalência do preconceito sexual (LaMar & Kite, 1998; Costa, 2008).
Conclusão
A questão da homossexualidade é uma temática que tem vindo a ganhar cada vez
maior visibilidade. Por um lado parece começar a existir uma maior tolerância
por parte da população heterossexual para com os direitos da minoria
homossexual, por outro, mais pessoas homossexuais começam a arriscar‑se a
revelar a sua orientação sexual. Surgem igualmente cada vez mais estudos sobre
esta temática. No entanto a sua grande maioria é conduzida junto da população
heterossexual. O nosso estudo procurou dar voz à população homossexual a fim de
conhecer a sua visão do mundo exterior.
Os nossos resultados revelam que os homossexuais são confrontados com um
difícil dilema quando devem escolher entre revelar ou não revelar a sua
orientação sexual. Em conformidade com a opinião dos especialistas e das
pessoas leigas, os/as respondentes homossexuais consideram que os homossexuais
não assumidos têm uma maior probabilidade de experimentar sentimentos negativos
mas podem esperar ser menos discriminados do que os homossexuais assumidos.
Contradizendo as nossas expectativas, as consequências previstas da (não)
revelação da homossexualidade não estão relacionadas com os níveis de
preconceito atribuídos à população em geral. A percepção de níveis de
preconceito mais elevados na população heterossexual é contudo associada à
percepção de uma maior motivação interna para responder de forma não
preconceituosa, como se, na representação dos/as homossexuais, era a
consciência do preconceito que activava os mecanismos internos susceptíveis de
reduzir a sua expressão. Esta explicação poderia encontrar algum apoio nos
resultados do estudo de Costa (2008) onde foi observado que as pessoas
heterossexuais inquiridas se consideravam pouco preconceituosas apesar das
palavras depreciativas que associaram à homossexualidade (e.g.: paneleiro,
bicha, ).
Sendo a percepção de uma maior motivação interna também associada à percepção
de uma menor probabilidade de discriminação em caso de revelação da
homossexualidade, ela parece desempenhar um papel fundamental na decisão de
revelar ou não a homossexualidade. Ora, as declarações dos/as heterossexuais
acerca dos seus elevados níveis de motivação interna para responder sem
preconceito não parecem ter eco nos meios homossexuais. Pelo contrário, a
atribuição, à população heterossexual, de baixos níveis de motivação interna
para se mostrar não preconceituosa deixa antever uma forte discriminação, o que
poderá favorecer a não revelação da orientação sexual.
Ao identificar a representação que os/as homossexuais têm da maneira de pensar
da população heterossexual acerca dos homens homossexuais, percebe‑se que
ainda há um grande caminho a percorrer para que os homossexuais possam se
sentir confortáveis com a sua orientação sexual, o que levanta a questão do que
poderá ser feito para facilitar esse processo. Protestar, educar e contactar,
seriam as palavras‑chave para este combate (Corrigan & Matthews, 2003).
Protestar significa denunciar publicamente os casos de homofobia, e educar
implica desmistificar os mitos que rodeiam a homossexualidade4.
Por fim, o contacto indispensável entre homossexuais e heterossexuais depende
em grande parte da própria comunidade LGBT. Segundo Harvey Milk, o primeiro
homem abertamente gay a ser eleito a um cargo público na Califórnia, (...) se
todos os gays advogados, todos os arquitectos gays se assumissem, se
levantassem e deixassem que o mundo os conhecesse, tal faria mais do que podem
imaginar (...) (Corrigan & Matthews, 2003, p. 235).
Em suma, quanto mais o tema da homossexualidade for debatido, quanto mais a
sociedade heterossexual e a sociedade homossexual interagirem e promoverem
em conjunto o debate público, maior abertura haverá, o que, certamente,
facilitará o coming out pacífico e necessário a todos aqueles que ainda não o
fizeram.