Concepções de aprendizagem com o computador em estudantes universitários
Introdução
A fenomenografia constitui uma área de investigação que surgiu na Universidade
de Gotemburgo, na Suécia, durante a década 70 do séc. XX, com os trabalhos de
Ference Marton e Roger Säljö. Marton (1986) descreve a Fenomenografia como
envolvendo um ( ) método de investigação para mapear qualitativamente as
diferentes maneiras pelas quais as pessoas experienciam, conceptualizam,
percebem ou compreendem vários aspectos dos fenómenos e do mundo ao seu redor.
(Marton, 1986, p. 31). Neste sentido, desde o seu início, a fenomenografia
interessou‑se sobre a concepção de aprendizagem dos estudantes, atendendo ao
impacto potencial dessa concepção no modo de aprendizagem por eles
efectivamente utilizado. Dessa forma, tem vindo a procurar elucidar as
variações daquela representação através de um método de análise qualitativa que
envolve a questionação aberta sobre o sentido da aprendizagem, normalmente por
entrevistas, seguidas de uma análise de conteúdo de respostas. As três
dimensões da concepção de aprendizagem normalmente estudadas pela
Fenomenografia são a dimensão referencial (i.e. o que é aprender); a dimensão
processual (i.e. como se aprende) e a dimensão contextual (i.e. onde se
aprende).
Atendendo à variação da representação de aprendizagem, os estudos
fenomenográficos apontam para a existência de duas concepções básicas de
aprendizagem: uma concepção quantitativa e uma concepção qualitativa. A
concepção quantitativa de aprendizagem define esta enquanto actividade de
recolha ou aquisição de informação e sua acumulação, por memorização. Em
contraponto, a concepção qualitativade aprendizagemdefende esta como processo
de compreensão e/ou construção de significados, do qual pode eventualmente
resultar o desenvolvimento e a mudança pessoal. Assim, o princípio elementar
que descrimina as duas concepções básicas é a noção de significado, ausente na
representação quantitativa da aprendizagem. Deste modo, a concepção
quantitativa é pautada por um modelo aditivo, representando a aprendizagem
como o juntar de algo a um conjunto de conhecimentos existentes que assim se
limita a ser ampliado (i.e. o todo como a soma das partes). Por contraste, a
concepção qualitativa implica um modelo sistémico, representando o resultado
da aprendizagem como uma eventual reorganização de significados existentes, no
sentido da constituição de novo equilíbrios (Biggs & Moore, 1993).
Nesta linha, as duas concepções podem ser perspectivadas hierarquicamente '
podendo a concepção qualitativa ser tida como a mais avançada, na medida em
que engloba e expande a concepção quantitativa de aprendizagem (Marton &
Booth, 1997; Säljö, 1979, citado por Cliff, 1998). Por outro lado, enquanto que
a concepção quantitativa é suficiente para dar conta da aprendizagem de
conteúdos simples (e.g. factos e competências básicas) ela mostra‑se
deficitária na representação da aprendizagem de conteúdos de nível superior,
sendo para esse efeito exigível uma concepção qualitativa de aprendizagem
(Biggs & Moore, 1993).
Em acréscimo, paralelamente a uma concepção quantitativa e qualitativa de
aprendizagem, Biggs e Moore (1993) defendem a existência de uma concepção
institucional de aprendizagem. De acordo com esta concepção, ocorre
aprendizagem quando é reconhecido, pela escola, de que se alcançou um padrão de
aprendizagem estabelecido e atestado por classificações. Assim, segundo uma
concepção institucional de aprendizagem a prova de que esta ocorreu é assim o
ter passado e a prova de que ocorreu uma boa aprendizagem é ter obtido
boas notas, implicando assim, uma conceitualização da aprendizagem em função
da instituição escolar. Num estudo mais recente, Edmunds e Richardson (2009)
identificaram ainda, em acréscimo à concepção quantitativa e qualitativa de
aprendizagem (que denominaram Intake of Knowledge e Construction of Knowledge)
uma terceira concepção designada de Use of Knowledge.
Por outro lado, as concepções quantitativas e qualitativas diferenciam‑se,
cada uma, em concepções mais específicas que se constituem como suas variantes,
num sistema de concepções de aprendizagem desvendado por Marton e colaboradores
(1993) que se apresenta como constante em diferentes contextos, tendo sido
corroborado por vários estudos posteriores (e.g. Duarte, 2007). De acordo com
este sistema, existem assim seis concepções específicas de aprendizagem: as
três primeiras integram uma concepção quantitativa e as três últimas uma
concepção qualitativa. A primeira concepção (de tipo quantitativo) apresenta a
aprendizagem como aumento de conhecimento, sendo normalmente expressa por
definições vagas ou abstractas, que recorrem a sinónimos da palavra
aprendizagem, ou que apresentam esta de forma indiferenciada como aumento de
conhecimento. Neste caso a aprendizagem é tida como um processo de aquisição e
armazenamento, por adição ao conhecimento já existente. A segunda concepção (de
tipo quantitativo) define a aprendizagem como memorização e reprodução, sendo
pautada por uma representação daquela enquanto retenção de informação a
reproduzir subsequentemente. Neste caso, a aprendizagem é tida como alcançável
através do processo de memorização por repetição. Para a terceira concepção (de
tipo quantitativo) que vê a aprendizagem como aplicação, aquela é definida como
um fenómeno de aquisição, armazenamento e utilização da informação a ser
recuperada e utilizada posteriormente. Segundo esta concepção a utilização da
informação aprendida pode igualmente envolver a sua adaptação. Em contraste com
as concepções anteriores, a quarta concepção (de tipo qualitativo) vê a
aprendizagem como compreensão, referindo‑se a esta como entendimento de
significados ou seja, como o desenvolver de uma representação sobre dados
conteúdos. Segundo esta concepção existem várias formas pelas quais esta
compreensão de significado se processa: por um olhar crítico sobre os
conteúdos; por análise da relação entre partes dos conteúdos e pela relação
destes com outras informações; por desenvolvimento de uma nova perspectiva; e
por consciência de diferentes perspectivas. A quinta concepção (de tipo
qualitativo) considera a aprendizagem como reinterpretação de conhecimento,
vendo‑a como uma mudança das noções pessoais e, eventualmente, como um
conhecimento em diferentes perspectivas. Segundo esta concepção a
reinterpretação pode ser processada de duas formas: por aumento do
conhecimento, ou por generalização do que se aprende num domínio a outros
domínios. Finalmente, a sexta concepção de aprendizagem (de tipo qualitativo)
entende esta como mudança pessoal, salientando o papel da reinterpretação de
conhecimento no desenvolvimento do aprendente. Nesta linha, a aprendizagem
opera‑se por estabelecimento de uma reciprocidade entre sujeito e objecto de
conhecimento, através de uma mudança pessoal contínua ou através de uma
percepção de si próprio como capaz de aprender (i.e. em controlo).
Investigação mais recente aponta para a possibilidade de existência de novas
concepções de aprendizagem para além das seis concepções descritas por Marton e
colaboradores (1993). Por exemplo, alguns estudos revelam que certos grupos
apresentam uma concepção intermédia de aprendizagem, que parece associar a
concepção quantitativa com a concepção qualitativa de aprendizagem,
representando esta enquanto resultado da conjugação entre a memorização e a
compreensão da informação (e.g. Dahlin e Watkins, 2000; Duarte, 2006). Por
outro lado, investigações com estudantes não Ocidentais, revelaram indícios de
uma possível representação sobre a aprendizagem que Cliff (1998) classificou de
comunitária (communalist conception) e cujo teor aponta para uma noção da
aprendizagem enquanto obrigação moral ou social em relação a uma figura de
autoridade, como Deus ou a comunidade.
Relação das concepções de aprendizagem com o processo e o produto da
aprendizagem
Uma das principais razões da importância das concepções que os estudantes têm
sobre a aprendizagem consiste na relação destas com o tipo de processo e
produto da aprendizagem. Na realidade, existem indícios de que tanto as
abordagens que os estudantes utilizam na aprendizagem (i.e. a sua motivação e
as suas estratégias de aprendizagem) como os seus resultados na aprendizagem
(i.e. o sucesso e a qualidade da aprendizagem) se relacionam com as suas
representações sobre a aprendizagem. Especificamente, as concepções
quantitativa, qualitativa e institucional parecem tender a associar‑se,
correspondentemente, a uma abordagem de superfície, de profundidade e de
sucesso à aprendizagem (e.g. Van Rossum & Schenck, 1984). A abordagem de
superfície à aprendizagem caracteriza‑se pela conjugação entre uma motivação
instrumental (i.e. estudo do mínimo, para evitar o insucesso) e uma estratégia
de superfície (i.e. estudo baseado na memorização mecânica, conduzindo,
geralmente, a piores resultados escolares e a produtos de aprendizagem de
qualidade mais reduzida). Por seu lado a abordagem de profundidade conjuga uma
motivação intrínseca para a aprendizagem (i.e. estudo pelo prazer na
aprendizagem) com uma estratégia de profundidade (i.e. estudo baseado na
compreensão), associando‑se, normalmente a melhores classificações a produtos
de maior qualidade. Finalmente, a abordagem de sucesso à aprendizagem integra
uma motivação de realização (i.e. estudar para obter classificações elevadas)
com uma estratégia de organização à aprendizagem (i.e. controlo do contexto da
aprendizagem), associando‑se igualmente a melhores classificações mas a
produtos de aprendizagem de qualidade variável.
Numa revisão da relação de diferentes variáveis envolvidas na aprendizagem,
Entwistle e Peterson (2004) apontam a concepção quantitativa de aprendizagem
como correlativa de uma abordagem de superfície e externamente regulada à
aprendizagem e a concepção qualitativa como relacionada com uma abordagem de
profundidade e auto‑regulada à aprendizagem.
A aprendizagem com o computador e a sua representação pelos estudantes
Embora o projecto de investigação original da fenomenografia consista na
pesquisa das concepções da aprendizagem geral, estudos posteriores
orientaram‑se para uma análise mais específica das concepções que os
estudantes têm da aprendizagem em tarefas particulares. É nesse sentido, que
Säljö (1982, 1984) analisou as concepções de leitura, Hounsell (1984) estudou
as concepções de composição escrita ou Rendeiro e Duarte (2007) investigaram as
concepções de aprendizagem para a avaliação. Pela importância e actualidade da
aprendizagem com as novas tecnologias, a representação dos estudantes sobre a
aprendizagem com o computador merece uma atenção similar.
A utilização das TIC (i.e. Tecnologias da Informação e da Comunicação) em
contexto educacional e do computador em particular parece revelar
potencialidades interessantes para o melhoramento do sucesso e da qualidade da
aprendizagem (e.g. Duarte, 2008). Antes de mais, porque essas tecnologias são
naturalmente atractivas para os estudantes e, consequentemente, quando são
utilizadas, tendem a promover um envolvimento mais activo na aprendizagem
(Laurillard, 1994). Para tal também concorrerá a natureza interactiva da maior
parte das aplicações informáticas, que permitem uma utilização personalizada do
ambiente de aprendizagem e reagem de forma diferenciada às acções dos
utilizadores (van den Brink et al., 2000). Considerando ainda que muita da
informação disponibilizada por essas aplicações está estruturada no formato
hipermédia (i.e. combinação do modo de estruturação não linear do texto
escrito, em hipertexto, com o modo de apresentação multisensorial, em registo
multimédia) considera‑se que elas constituem um importante meio de modelação
do conhecimento e amplificação da actividade cognitiva (Dias, 2000). No mesmo
sentido, o computador constitui uma ferramenta com um enorme potencial na
promoção de uma representação organizada do conhecimento. Jonassen (1996)
sugere, por exemplo, a utilização de programas para a construção de mapas
conceptuais e de bases de dados como forma de desenvolver estratégias de
organização de informação. Para além disso, atendendo a que os computadores
podem estar conectados em redes de comunicação, a sua utilização pode facilitar
a interacção social no contexto de uma aprendizagem colaborativa (Duarte,
2000).
Mas será que, apesar deste potencial, o uso das novas tecnologias em contexto
educacional melhora efectivamente a aprendizagem? Apesar do seu potencial em
favorecer uma aprendizagem significativa as novas tecnologias também podem
funcionar como recursos para manter, e até tornar mais eficiente, uma
aprendizagem passiva (a estratégia de copiar‑colar informação da Internet,
na elaboração de trabalhos escritos, é um exemplo disto). A este propósito,
Laurillard (1994) salienta a importância das condições onde as novas
tecnologias são efectivamente utilizadas: o conhecimento anterior dos
estudantes em relação ao assunto abordado; a preparação para a realização de um
exercício; a abordagem adoptada pelos estudantes; a sua percepção da avaliação;
a organização do ensino; e diversos factores logísticos (e.g. materiais,
recursos, apoio).
Possivelmente, o impacto da aprendizagem com o computador depende da
interferência de inúmeras variáveis contextuais e pessoais (e.g. Gerjets &
Hesse, 2004). Dentro destas últimas, a representação que os estudantes
desenvolvem sobre este tipo de aprendizagem poderá ser uma das mais influentes.
De que modo varia então esta representação? Será que de forma análoga à maneira
como os estudantes representam a aprendizagem em geral? Será que em função de
novas concepções? A investigação sobre o tema das representações da
aprendizagem com o computador é relativamente escassa.
Mavers e colaboradores (2002) exploraram, numa perspectiva fenomenográfica, as
representações mentais dos estudantes sobre as TIC. Para isso solicitaram e
realizaram uma análise de mapas conceptuais, que representam visualmente,
através de desenhos esquemáticos, as noções dos estudantes sobre os
computadores. Demonstraram assim que os estudantes possuem representações
qualitativamente diferentes sobre a informática no seu mundo, em torno de duas
dimensões conceptuais: a primeira destas dimensões refere‑se ao uso das novas
tecnologias (i.e. computador e seus detalhes técnicos, jogos, TV, telemóvel,
informação, comunicação, musica, imagens, ensino e formação, outros); a segunda
dimensão reporta‑se ao local de utilização dessas mesmas tecnologias
(habitação pessoal, escola, emprego, bancos, comércio, transportes, hospitais,
bibliotecas, universidades e outros lugares públicos ou privados).
Shuell e Farber (2001) questionaram estudantes universitários sobre a sua
percepção e uso das tecnologias educativas. Puderam assim descriminar uma
representação daquelas tecnologias como auxiliares da aprendizagem, como
potenciadoras da motivação e como facilitadoras da compreensão.
Numa outra investigação, com estudantes universitários Chineses, Zhang e Huang
(2006) identificaram três distintas concepções de E‑learning, que descreveram
como a metáfora da sobremesa (o E‑learning como suplemento da aprendizagem
face‑a‑face); a metáfora da biblioteca itinerante (como aprendizagem
informal e auto‑dirigida, baseada em recursos disponíveis em diferentes
contextos); e a metáfora do banquete (como aprendizagem colaborativa baseada
na comunidade).
Kirby e colaboradores (2002) detectaram, em estudantes do pós‑secundário,
diferentes concepções sobre o nível de aplicação das competências de utilização
das tecnologias da informação. Neste estudo, ao contrário dos estudantes com
uma abordagem de superfície à aprendizagem, aqueles com uma abordagem de
profundidade concebem aplicações de nível mais elevado para aquelas
competências.
Noutra investigação exploratória, com estudantes Europeus do ensino básico e
secundário, van den Brink e colaboradores (2000) também investigaram, entre
outras variáveis, as concepções de aprendizagem com o computador. Estes autores
concluíram que os estudantes podem representar a aprendizagem com o computador
em termos: a) quantitativos (i.e. uso do computador como forma de adquirir e
aplicar mais conhecimento sobre as matérias escolares); b) qualitativos (i.e. o
computador como um meio facilitador da compreensão sobre as matérias); c)
institucionais (i.e. o computador como meio de obter classificações). Esta
variação indicia que o computador pode ser basicamente, representado pelos
estudantes, como um recurso ou um meio de actualizar uma concepção de
aprendizagem previamente estruturada. Ou seja, um recurso que pode aumentar a
eficácia desse tipo de aprendizagem (i.e. como forma de aumentar a motivação,
acelerar a aprendizagem ou reduzir a carga de informação). Neste sentido,
os autores deste estudo concluíram que as concepções da aprendizagem com o
computador podem variar, numa primeira instância, entre uma concepção
qualitativa e uma concepção quantitativa. Segundo a concepção quantitativa o
uso do computador seria tido como forma de adquirir mais informação. Por outro
lado, na concepção qualitativa o uso do computador é considerado como um modo
de compreender e transformar conhecimento. Numa outra instância, em termos
institucionais, o uso do computador seria ainda tido como meio de obter
classificações. Insinuou‑se assim uma replicação, no contexto das
representações da aprendizagem com o computador, das concepções de aprendizagem
em geral propostas pela perspectiva fenomenográfica. Ou seja, que as concepções
dos estudantes em torno da aprendizagem com o computador estão contidas nas
suas concepções da aprendizagem em geral (ou, pelo menos, que as primeiras não
são significativamente distintas das segundas).
O estudo empírico que a seguir se apresenta, constitui um contributo para o
conhecimento, ainda escasso, das concepções de aprendizagem com o computador.
Pretendeu assim mapear esta concepção, através de uma avaliação qualitativa, em
estudantes Universitários. Procurou, em particular, testar a possível
replicação, no que diz respeito à noção do computador como meio de
aprendizagem, dos diferentes tipos de concepção de aprendizagem propostos pela
perspectiva fenomenográfica, assim como detectar concepções eventualmente
novas. Neste sentido, do enquadramento teórico anterior será especificamente
retomado, no estudo empírico, a noção de que as representações da aprendizagem
com o computador, tal como as concepções de aprendizagem em geral, variam num
espectro diversificado (Mavers et al., 2002; Van den Brink et al., 2000; Zhang
& Huang, 2006). Será igualmente retomada a noção de que essa variação é
concordante com a variação detectada pela investigação fenomenográfica na
concepção de aprendizagem em geral, que diferencia esta como aquisição de
conhecimento, compreensão ou obtenção de resultados escolares (Marton et al,
1993; van den Brink et al, 2000).
Método
Foi utilizada uma abordagem qualitativa de recolha e tratamento de dados,
inspirada na perspectiva fenomenográfica. A amostra foi constituída por 21
estudantes universitários de uma licenciatura em Ciências de Educação, 6 destes
estudantes (28.6%) frequentavam o 1º ano de licenciatura, 3 (14.3%) o 2º ano, 5
(23.8%) o 3º ano e 7 (33.3%) o 4º ano. A razão da escolha de estudantes
universitários foi a de que se pretendia uma amostra de participantes
desenvolvidos do ponto de vista verbal (i.e. que pudessem responder sem
problemas à entrevista) e com uma experiência significativa de utilização de
uma aprendizagem mediada pelo computador. Efectivamente, todos estes estudantes
tinham experiência de aprendizagem com o computador, utilizando‑o na sua
maioria (76,2%) muito frequentemente1. Todos tinham tido frequência de
disciplinas da área das Tecnologias Educativas. Dos 21 estudantes que
compuseram a amostra, 14 (66.7%) pertencem ao sexo feminino e 7 (33.3%)
pertencem ao sexo masculino. A idade destes estudantes varia entre os 18 e os
25 anos, com uma média de 20.9 anos e um desvio padrão de 1.67, apresentando a
maioria (15 ' 71,4%) idades compreendidas entre os 20 e os 22 anos. A amostra
foi constituída de forma oportunista, em função de estudantes contactados ao
acaso numa Universidade pública, não sendo representativa da população.
Com vista à recolha de dados que permitissem caracterizar as concepções dos
estudantes sobre a aprendizagem com o computador procedeu‑se à elaboração de
um guião de entrevista. Este guião contém questões referentes a três dimensões
normalmente estudadas pela perspectiva fenomenográfica: dimensão referencial
(noção do que é aprendizagem com o computador); dimensão processual (noção de
como se aprende com o computador); dimensão contextual (noção de onde se
aprende com o computador). As primeiras três questões preparadas para a
entrevista foram assim: O que é a aprendizagem com o computador?; Como se
aprende com o computador?; Onde se aprende com o computador?. O guião inclui
também uma outra questão referente à dimensão funcional da concepção de
aprendizagem (noção da função da aprendizagem com o computador): Para que se
aprende com o computador?. Seguiu‑se um modelo de entrevista
semi‑estruturada, ou seja, em complementaridade com as questões previamente
elaboradas foram colocadas outras perguntas, pensadas pelo entrevistador na
altura da questionação, tendo em conta as necessidades do momento e os
objectivos do estudo. As entrevistas, áudio gravadas com consentimento
informado, foram realizadas nas instalações (i.e. salas de estudo) da
Universidade frequentada pelos participantes e variaram entre cerca de 40mns a
cerca de 60mns.
A análise das respostas consistiu numa análise de conteúdo, que envolveu três
momentos principais: 1) opção por um critério de segmentação das unidades a
categorizar; 2) desenvolvimento de um sistema de categorias de análise; 3)
testagem da confiança das categorias detectadas, por comparação entre juízes.
O critério de segmentação das unidades a categorizar foi o de segmentação por
unidades temáticas (Flores, 1994), ou seja, todo o segmento de resposta que
abordasse, pelo seu conteúdo, qualquer das dimensões focadas do fenómeno da
aprendizagem (i.e. referencial, processual, contextual ou funcional) foi
considerado como uma unidade a categorizar, por correspondência a uma das
categorias da respectiva dimensão ' o que equivale a dizer que a segmentação
das unidades coincide com a sua categorização. Atendendo à crítica ao método
fenomenográfico, de que este exclui os participantes dos seus depoimentos, ao
separar e retirar frases soltas do contexto em que estas foram produzidas
(Säljö, 1994) a categorização procurou ser sensível ao contexto global das
respostas fornecidas, de acordo com a sugestão de Svensson (1989, citado por
Eklund‑Myrskog, 1998).
A segmentação foi efectuada independentemente por dois juízes, sendo
posteriormente submetida à discussão conducente a uma segmentação consensual.
Não foram consideradas respostas em que os participantes se referiam ao seu
modo próprio de aprendizagem com o computador, ou seja quando respondiam às
questões referindo‑se especificamente à sua própria prática de aprendizagem
pessoal com o computador e não, como pretendido, à sua representação abstracta
desse tipo de aprendizagem.
O método utilizado (i.e. intermédio) para categorizar as respostas
correspondentes às dimensões referencial, processual e contextual foi diferente
do método empregue para a categorização das respostas correspondentes à
dimensão funcional (i.e. indutivo). Para a categorização das repostas
correspondentes às dimensões referencial, processual e contextual foi utilizada
uma aproximação intermédia entre o que se pode designar uma abordagem
dedutiva e outra indutiva (Miles & Huberman, 1994). Ou seja, partiu‑se
de um modelo teórico (i.e. o fenomenográfico) para analisar o fenómeno em
estudo, filtrando os dados, sempre que possível, com base em categorias de
análise pré‑existente. Paralelamente, a análise foi efectuada mantendo a
sensibilidade a concepções emergentes e não previstas teoricamente. Após vários
loops de análise foi possível chegar a um sistema de categorias tido como
estável, no que diz respeito às respostas consideradas. Mais especificamente,
com base nos resultados documentados pela investigação fenomenográfica, começou
por se construir uma primeira grelha de análise das concepções de aprendizagem
para cada uma daquelas dimensões. Esta grelha teve como intuito uma análise
inicial de 20 % das respostas, com o objectivo de se verificar quais as
categorias de cada dimensão que têm correspondência no contexto específico
deste estudo, quais as categorias infirmadas e quais as emergentes. De seguida,
foi elaborada uma segunda grelha com as categorias confirmadas e categorias
emergentes. Esta segunda grelha foi depois utilizada numa segunda análise da
totalidade das respostas. O procedimento de categorização envolveu duas fases.
Uma primeira fase compreendeu a codificação de cada segmento de resposta na
dimensão correspondente, em função do seu conteúdo tratar do significado, do
processo ou do contexto do fenómeno da aprendizagem com o computador (dimensão
referencial, processual e contextual). Numa segunda fase de categorização, cada
segmento foi depois codificado na variante a que correspondia, considerando o
conjunto de categorias de cada dimensão. Com base nos resultados desta segunda
análise, foi apurado um sistema final de categorização de concepções de
aprendizagem com o computador que se apresenta na secção dos resultados.
Para a dimensão funcional, cuja análise foi do tipo indutivo, foi sendo
desenvolvida uma primeira grelha de descrição de concepções de aprendizagem com
o computador. Esta grelha foi depois novamente aplicada a todas as respostas da
dimensão funcional, tendo permitido apurar um único sistema de categorias, que
se apresenta na secção dos resultados.
Todas as análises foram realizadas independentemente por duas juízas (a autora
e outra investigadora, com experiência de investigação fenomenográfica). Em
situações pontuais de dúvida sobre a forma de categorizar algumas respostas,
recorreu‑se ao autor, enquanto especialista no domínio da fenomenografia.
Na Tabela_1 é possível consultar os valores do acordo inter‑juízes quanto às
categorias de cada dimensão2.
Resultados
Na generalidade, a análise das repostas às entrevistas permitiu constatar, no
domínio das concepções de aprendizagem com o computador, a replicação das
principais concepções de aprendizagem em geral, normalmente identificadas pela
fenomenografia. Ou seja, registou‑se a presença de uma concepção quantitativa
(i.e. aprendizagem com o computador enquanto acumulação de informação, por
memorização) e de uma concepção qualitativa (i.e. aprendizagem com o computador
enquanto processo de compreensão e/ou transformação do conhecimento, que pode
assim resultar no desenvolvimento pessoal). Para além disso, registou‑se
também aqui a designada concepção institucional, sugerida por Biggs e Moore
(1993), que aqui define a aprendizagem com o computador enquanto obtenção de
classificações académicas. Finalmente, parece ter emergido uma concepção nova '
designada de organizacional' que se compreende em função do tipo de
aprendizagem baseada na informática aqui considerada, e que salienta a
componente de eficiência e organização da informação envolvida nessa
aprendizagem.
Como é possível verificar na Tabela_2, que sintetiza o sentido destas
concepções principais, cada uma delas ocorre irregularmente nas quatro
dimensões de questionação consideradas.
Complementarmente, cada uma das principais concepções de aprendizagem com o
computador exprime‑se de forma diferenciada, através de variantes distintas,
em cada uma das dimensões consideradas. Vejamos especificamente, e em maior
detalhe, a natureza dessa variação.
Dimensão Referencial ' O que é a aprendizagem com o computador
No que diz respeito a esta dimensão da concepção de aprendizagem com o
computador a concepção quantitativa de aprendizagem expressa‑se de três
formas. Duas delas têm correspondência com concepções de aprendizagem em geral
já identificadas: a aprendizagem com o computador enquanto aquisição de
informação (i.e. aprender com o computador é adquirir novos conhecimentos) ou
enquanto memorização de informação, (i.e. aprender com o computador é
memorizar informação). A terceira concepção quantitativa traduz uma noção
emergente da aprendizagem com o computador enquanto acto de repetição de um
procedimento. Com base nesta evidência conceituou‑se uma concepção nova a que
chamámos de repetição.
Também no que toca à dimensão referencial, a concepção qualitativa surge aqui
através da ideia da aprendizagem com o computador enquanto compreensão (i.e.
aprender com computador é abstrair o significado dos conteúdos de aprendizagem)
que replica uma noção já identificada na área da concepção de aprendizagem em
geral. A nova concepção organizacional de aprendizagem encontra‑se aqui
representada numa noção que reflecte a aprendizagem com o computador como meio
de processar a informação. Designámos esta concepção de manipulação de
informação.
Registou‑se, por fim, a presença de uma noção análoga à concepção
institucional e que neste caso corresponde à ideia que a aprendizagem com o
computador consiste numa forma de obter classificações académicas.
O sistema de descrição das concepções de aprendizagem com o computador na
dimensão referencial pode ser consultado na Tabela_3.
Dimensão Processual ' Como se aprende com o computador
A nível desta dimensão a concepção quantitativa de aprendizagem parece
exprimir‑se aqui através de quatro noções distintas, assemelhando‑se apenas
uma delas à concepção de aprendizagem como um processo de aplicação de
conhecimento e que é normalmente identificada pela fenomenografia. Trata‑se de
uma noção (com três variantes) que defende que a aprendizagem com o computador
se faz utilizando informação adquirida modificando‑a, exploratoriamente ou por
ensaio e erro. Designámos esta concepção de aplicando.
As restantes noções quantitativas do processo de aprendizagem com o computador
parecem ser concepções emergentes, não encontrando correspondentes nos sistemas
fenomenográficos conhecidos. Trata‑se de uma concepção a que chamámos
imitando, por implicar a aprendizagem com o computador como processo de
observação e imitação; de outra designada de praticando, que reflecte a
aprendizagem com o computador pela prática; e de uma concepção denominada de
automatizando, por implicar a aprendizagem com o computador como um processo
de aplicação mecânica de um procedimento rígido.
Ainda para a dimensão processual, a concepção qualitativa de aprendizagem
exprimiu‑se aqui através de três noções distintas. Duas destas noções parecem
replicar concepções conhecidas da aprendizagem em geral ' pela compreensão e
pela mudança pessoal. A terceira noção consiste num conceito que não tem
paralelo nos sistemas fenomenográficos, por sugerir que a aprendizagem por
computador se faz por Interacção:interacção entre o aprendente e o computador;
entre pares, numa insinuação da aprendizagem colaborativa; e entre aluno e
professor. Denominámos esta concepção de interagindo.
O sistema de descrição das concepções de aprendizagem com o computador na
dimensão processual pode ser consultado na Tabela_4.
Dimensão Contextual ' Onde se aprende com o computador
No que toca a esta dimensão é de referir a replicação das concepções de
aprendizagem em geral, normalmente identificadas pela investigação
fenomenográfica. Assim, a aprendizagem com o computador é tida quer num sentido
mais restrito, como ocorrendo em contextos específicos da vida pessoal (i.e.
habitação pessoal, contexto profissional) ou do meio educacional, quer, num
sentido mais amplo, como ocorrendo no contexto alargado do ambiente.
O sistema de descrição das concepções de aprendizagem com o computador na
dimensão contextual pode ser consultado na Tabela_5.
No que toca à dimensão funcional (i.e. a noção de para que se aprende com o
computador) registou‑se, próximas de uma concepção quantitativa, um tipo de
respostas que traduzem uma noção de que a função da aprendizagem com o
computador é a aquisição de informação.
Um outro tipo de respostas, mais diversificado, aproxima‑se de uma concepção
mais qualitativa, ao apontar como funções da aprendizagem com o computador: a
diversificação do modo de aprendizagem; a facilitação da aprendizagem pela
comunicação; a transferência de aprendizagens; a facilitação ou desenvolvimento
de competências de aprendizagem (i.e. cognitivas e de produção do discurso); a
construção de conhecimento; a autonomia; e a motivação para a aprendizagem.
Finalmente, verificou‑se a emergência de um tipo de respostas mais próximas de
uma concepção organizacional de aprendizagem, que associam a função da
aprendizagem com o computador com um aumento de eficiência por parte do
aprendente. São respostas que defendem que aprender com o computador tem a
função de: aumentar a acessibilidade à informação; trazer uma maior comodidade
na utilização da informação; rentabilizar o tempo de aprendizagem; possibilitar
o transporte e um acesso contínuo à informação; ou poder aprender sem uma fonte
presencial de informação ou à distância. O sistema de descrição das
concepções de aprendizagem com o computador na dimensão funcional pode ser
consultado na Tabela_6.
Em suma, os resultados deste estudo permitem‑nos concluir que a aprendizagem
com o computador pode ser principalmente representada pelos estudantes quer em
termos de uma concepção quantitativa (i.e. como meio de aquisição, manipulação
e aplicação de informação), quer em termos de uma concepção qualitativa (i.e.
como apoio no processo de compreensão de conhecimentos), quer em termos de uma
concepção institucional (i.e. como meio de obter classificações), quer, por
fim, em termos de uma concepção organizativa (i.e. como forma de aumentar a
eficiência e organizar a informação).
Discussão
Pela análise dos resultados é possível constatar uma marcada correspondência
entre as concepções de aprendizagem com o computador identificadas e as
concepções de aprendizagem em geral, normalmente pontuadas pela investigação
fenomenográfica. Tal facto poderá ser explicado pela hipotética dependência das
primeiras, mais específicas, em relação às segundas, mais nucleares. No
entanto, emergiram concepções novas, não previstas teoricamente, que se podem
explicar pela noção dos constrangimentos e potencialidades particulares que a
utilização do computador cria na aprendizagem.
Ao nível da dimensão referencial confirma‑se a correspondência de várias das
concepções de aprendizagem com o computador com concepções de aprendizagem em
geral (Marton et al. 1993; Säljö, 1979, citado por Marton et al., 1993).
Observa‑se assim, tal como nestes estudos, que inquerem sobre a concepção de
aprendizagem em geral, noções de que a aprendizagem (neste caso com o
computador) constitui por um lado aquisição de informação ou sua
memorização ou, por outro, sua compreensão. Talvez esta antinomia, bem
ilustrada na investigação fenomenográfica anterior, traduza a consciência do
computador quer como um auxiliar da aquisição mais passiva de informação (e.g.
a utilização da Internet para copiar‑colar conteúdos) quer como um facilitador
de uma aprendizagem activa (e.g. a utilização da Internet para navegar entre
conteúdos relacionados). De igual modo, é de salientar a replicação neste
contexto, da concepção institucional, sugerida por Biggs e Moore (1993) e que
aqui apresenta a aprendizagem com o computador como processo de obtenção de
classificações. Complementarmente, emergiu uma concepção sem correspondente com
as concepções de aprendizagem em geral, que toma a aprendizagem com o
computador por repetição de procedimentos. Talvez esta concepção derive da
consciência de que muitas aplicações informáticas facilitam/impõem a aplicação
de algoritmos. Emergiu também, uma concepção da aprendizagem com o computador
como manipulação de informação, parecendo reflectir a consciência do
computador como potencial auxiliar para a organização do conhecimento (e.g. a
utilização de uma base de dados para categorizar conteúdos).
No que diz respeito à dimensão processual, observou‑se a replicação neste
contexto de uma concepção quantitativa, mas sobretudo através de noções sem
correspondente directo com as que tipicamente a representam: aprende‑se com o
computador imitando, praticando e automatizando. Isto pode significar a
consciência de que a utilização do computador é dependente do domínio de
algoritmos ou procedimentos rotineiros, a que a utilização de uma máquina
sempre obriga, em maior ou menor grau.
Ainda no que toca à dimensão processual, refira‑se a replicação da concepção
qualitativa, patenteada em ideias já conhecidas de que a aprendizagem passa
pela compreensão e pela mudança. Mas também na noção de que aprender com o
computador, e isto é novo, constitui um processo interactivo. Esta ideia pode
talvez ser explicada pela consciência do computador como um sistema tão
complexo que se oferece como um interlocutor ou que exige do aprendente a
colaboração social com outros indivíduos, no processo de o utilizar como meio
de aprendizagem. Esta noção pode ainda radicar na consciência de que grandes
partes das aplicações informáticas são interactivas ou de que a aprendizagem
pode ser um processo colaborativo.
No que toca à dimensão contextual constata‑se a replicação das concepções
normalmente identificadas pela investigação fenomenográfica. Assim, regista‑se
quer a noção de que a aprendizagem com o computador se realiza em ambientes
específicos (e.g. casa, emprego, escola), o que poderá reflectir uma
perspectiva mais instrumental daquele recurso, quer a noção de que a
aprendizagem com o computador pode ocorrer em qualquer contexto, o que poderá
associar‑se a uma perspectiva desta como um processo mais compreensivo.
Considerando a dimensão funcional, as principais concepções parecem traduzir um
isomorfismo com a concepção quantitativa e qualitativa das dimensões
anteriores: aprende‑se com o computador para adquirir passivamente informação
ou, em alternativa, para uma apropriação activa de conhecimento. Já a terceira
concepção emergente, que vê a função da aprendizagem com o computador em termos
da rentabilização e organização do próprio processo de aprendizagem, pode ser
explicada pelo potencial de gestão, rapidez de processamento e organização de
informação dos actuais meios informáticos.
Os resultados contribuem para a consolidação da perspectiva fenomenográfica,
que tem investigado as concepções que os indivíduos têm sobre a aprendizagem,
na medida em que apontam para uma replicação das três principais concepções de
aprendizagem em geral (i.e. quantitativa, qualitativa e institucional) na
concepção de aprendizagem com o computador. Por outro lado, os resultados
contribuem para a extensão daquela mesma perspectiva ao desvendarem novas
concepções de aprendizagem (i.e. organizativa) e um leque de variantes das
concepções principais. Considerando a escassez dos estudos sobre a
representação dos estudantes sobre a aprendizagem com o computador os
resultados têm uma implicação no conhecimento sobre esse fenómeno, corroborando
e expandindo resultados de estudos anteriores (i.e. van den Brink et al.,
2000).
A variação de concepções encontrada vai no sentido da análise de van den Brink
e colaboradores (2000) de que o computador pode ser representado pelos
estudantes como um recurso de actualização de uma concepção de aprendizagem
previamente estruturada. Ou seja, um recurso que tanto pode facilitar uma mera
aquisição de informação, aumentando a eficiência de uma aprendizagem de
superfície, como pode promover a capacidade de reflectir e de questionar,
potenciando uma aprendizagem mais de profundidade. Recorrendo a duas
metáforas, esta variação sugere uma representação do computador quer como mais
lenha para a mesma fogueira, no sentido de um recurso organizado que pode
rentabilizar uma aprendizagem mais passiva, quer como um cavalo de Tróia, no
sentido de um recurso que encerra o potencial para uma aprendizagem mais
activa. Neste sentido, o presente estudo confirma os resultados deste estudo
anterior e expande‑os ao mapear mais extensivamente as variantes das três
concepções básicas de aprendizagem com o computador. Em estudos futuros seria
interessante investigar igualmente a forma como os estudantes justificam as
suas concepções de aprendizagem com o computador.
Finalmente, os resultados têm possíveis implicações para a aprendizagem,
considerando que as concepções de aprendizagem com o computador são
provavelmente um factor da forma como efectivamente se aprende com o
computador. Assim, se pretendemos que a aprendizagem que os estudantes
processam com o computador constitua um processo realmente activo, baseado na
compreensão e na construção pessoal de significados, provavelmente não basta
disponibilizar aquele recurso e esperar que, pelo seu potencial, ele facilite
automaticamente aquela aprendizagem. Para que isso aconteça importa então
avaliar e eventualmente intervir no tipo de concepções que os estudantes têm
sobre a aprendizagem com o computador. Possivelmente, esta intervenção poderá
compreender procedimentos que possibilitem uma consciência metacognitiva sobre
as concepções pessoais, o conhecimento de concepções alternativas e a eventual
reestruturação das concepções pessoais. O conhecimento pelos professores e
psicólogos escolares destas concepções de aprendizagem com o computador poderá
ajudá‑los a compreenderem melhor os estudantes e assim adequarem as suas
intervenções educacionais e psico‑educacionais nesta área (e.g. adequar o
estilo de ensino à concepção de aprendizagem para depois eventualmente
altera‑lo de forma a alterar essa concepção). O conhecimento pelos estudantes
e professores das variantes da dimensão funcional das concepções de
aprendizagem com o computador poderá ainda ajudar a diversificar o modo como
ambos os grupos utilizam o computador como meio de aprendizagem. Essa
intervenção, coadjuvada com outra nas abordagens que os estudantes utilizam no
estudo, poderá constituir um importante factor de uma aprendizagem
efectivamente activa e profunda com o computador.