Procedimento de dissociação de processos
Introdução
Até que ponto podemos controlar a forma como processamos informação? Até que
ponto este processamento de informação decorre de estratégias intencionais e
conscientes ou, pelo contrário, ocorre de forma largamente inconsciente?
Responder a estas questões é simultaneamente crucial para a investigação em
psicologia e extremamente difícil de um ponto de vista metodológico.
Para enfrentar estas dificuldades, Jacoby (1991, 1998; Jacoby, Toth, &
Yonelinas, 1993) desenvolveu um paradigma metodológico inovador conhecido por
procedimento de dissociação de processos (PDP) que permitiu não só dissociar
mas também estimar matematicamente os contributos de processos controlados e de
processos automáticos no desempenho de diferentes tarefas.
Inicialmente proposto no âmbito de estudos de memória, a aplicação do PDP foi
mais tarde generalizada (com pequenas modificações) a outros domínios da
cognição humana como atitudes e estereótipos (e.g., Payne, 2001; 2005),
percepção social e inferências de traços de personalidade (Ferreira et al.,
2012), julgamento e decisão em condições de incerteza (Ferreira, Garcia-
Marques, Sherman & Sherman, 2006), julgamentos morais (Conway &
Garownski, 2013), entre outros. Hoje em dia, mais do que um procedimento
especificamente desenhado para dissociar memória explícita de memória
implícita, o PDP é um paradigma metodológico geral que incorpora uma teoria de
automatismo e controlo própria e que pode ser usado para distinguir o
contributo relativo de processos controlados e automáticos nos mais diversos
domínios da investigação experimental em psicologia. É justamente nesta
dimensão de paradigma metodológico geral, que o PDP ganha toda a sua real
importância para a investigação em psicologia.
Neste artigo, começamos por identificar e discutir brevemente o principal
problema metodológico ao qual Jacoby (1991) pretendeu responder com a
introdução do PDP. Seguidamente são descritas sucintamente as primeiras
aplicações na investigação em memória. Depois de revermos as origens do PDP,
focar-nos-emos nas suas características metodológicas gerais, pressupostos
teóricos e limitações, uma vez que pensamos serem estes os aspectos chave que
um cientista que considere recorrer ao PDP deve conhecer, independentemente da
sua área específica de investigação.
As origens do PDP: o pressuposto da tarefa pura
Embora a literatura científica em psicologia experimental seja pródiga em
exemplos onde estratégias ou processos intencionais são usados para explicar os
resultados, há muito que também sabemos que a memória humana tem uma natureza
associativa cujo funcionamento ocorre largamente fora do controlo estratégico
do indivíduo (Anderson & Bower, 1973).
Curiosamente, só a partir de meados dos anos 70 é que a investigação e
teorização em psicologia cognitiva começaram a lidar directamente com a
diferença entre processamento de informação automático (largamente
involuntário) e controlado (maioritariamente voluntário) (e.g., Posner &
Snyder, 1975; Schneider & Shiffrin, 1977; Shiffrin & Schneider, 1977).
De acordo com a visão clássica de automaticidade, os processos cognitivos
automáticos são caracterizados pela activação espontânea de associações pré-
existentes ou estruturas de conhecimento desenvolvidas ao longo do tempo por
activação repetida em memória. A activação destas estruturas acontece sem
qualquer consciência por parte da pessoa, sendo muitas vezes também
inconsciente a sua influência nos comportamentos, ideias, julgamentos e
atitudes da mesma. Uma outra característica dos processos automáticos está
relacionada com a sua falta de intencionalidade, uma vez que são desencadeados
por pistas externas ou internas ao indivíduo mas tipicamente independentes da
sua vontade (Neely, 1977; Shiffrin & Dumais, 1981). Trata-se de processos
altamente eficientes que uma vez desencadeados tendem a decorrer de forma
obrigatória, não fazendo uso (ou fazendo um uso muito modesto) de recursos
cognitivos gerais disponíveis. Por último e em consonância com o que foi dito
anteriormente estes processos ocorrem fora do controlo do sujeito e são
dificilmente controláveis por este (Bargh, 1994).
Em contraste, os processos cognitivos controlados são tipicamente descritos
como sendo intencionais e requerendo a atenção focalizada do indivíduo. Há
habitualmente um acesso introspectivo consciente por parte da pessoa que
acompanha o desencadeamento e evolução destes processos. Como o nome indica são
processos que se encontram sob o controlo da pessoa, desde que esta disponha
dos recursos cognitivos necessários para exercer tal controlo. Assim, embora
limitados pela capacidade da memória de trabalho, são flexíveis podendo por
isso convergir com os processos automáticos, ou pelo contrário, opor-se a
estes.
Note-se contudo que uma caracterização dicotómica entre processos automáticos e
controlados com base nas características acima apresentadas é provavelmente
forçada. Uma perspectiva mais em linha com a investigação acumulada sugere um
contínuo entre controlo e automaticidade onde o processamento de informação, em
cada circunstância, pode possuir mais ou menos características de
automaticidade (ver Wegner & Bargh, 1998).
A investigação experimental decorrente da abordagem dualista acima referida tem
vindo a sugerir que processos cognitivos automáticos e controlados podem operar
independentemente um do outro (Logan, 1980; Logan & Cowan, 1984; Neely,
1977; Posner & Snyder, 1975). Tal conclusão decorre da obtenção de
dissociações entre o desempenho das pessoas em tarefas que medem respostas
decorrentes do processamento automático da informação e o seu desempenho em
tarefas que medem respostas controladas.
Um exemplo deste tipo de dissociações são os resultados obtidos em testes
directos e indirectos de memória (para uma revisão ver Hintzman, 1990). Num
teste directo (ou explícito) de memória (e.g., teste de recordação livre ou de
reconhecimento) é pedido aos participantes que recordem informação passada.
Pelo contrário, num teste indirecto (ou implícito) de memória é pedido aos
participantes que realizem uma tarefa capaz de reflectir indirectamente a
memória da informação passada. Um exemplo deste tipo de tarefa é pedir aos
participantes que leiam uma lista de palavras durante a fase de estudo (e.g.,
casa) e mais tarde, na fase de teste, pedir-lhes que completem fragmentos
dessas palavras (e.g., c _s_) com a primeira palavra que lhes ocorrer (e.g.,
Graf & Mandler, 1984; Tulving, Schacter, & Stark, 1982). A evidência a
favor da existência de uma memória implícita das palavras estudadas, dissociada
da memória explícita, resulta justamente da obtenção de resultados que mostram
que, nos testes indirectos, a apresentação de palavras como casa na fase de
estudo aumenta a probabilidade destas palavras serem usadas para completar os
fragmentos (e.g., c_s__) na fase de teste, mesmo quando em testes directos
não há sinal de recordação explícita dessas, ou seja, os participantes não se
recordam destas palavras como tendo sido estudadas anteriormente. Vários são os
estudos que nos mostram dissociações entre estes dois tipos de memória,
incluindo dados de pacientes neuropsicológicos. Sabemos por exemplo que
pacientes que sofrem de amnésia (para uma revisão ver Schacter, Chiu, &
Ochsner, 1993) apresentam um desempenho pior que o dos participantes da
condição controlo (i.e., não amnésicos) em tarefas que requerem o uso de
estratégias deliberadas de recuperação de informação / memória explícita (e.g.,
recordar se uma palavra foi ou não anteriormente apresentada) . No entanto em
tarefas que dependem apenas de memória implícita (e.g., efeitos de primação na
tarefa de completamento de palavras), amnésicos e participantes da condição
controlo apresentam resultados semelhantes.
Tais procedimentos com base na dissociação de tarefas são também comummente
usados noutras áreas da investigação em psicologia. É o caso da investigação em
estereótipos e preconceito, que usa um número crescente de medidas implícitas
como o teste de primação afectiva (Fazio, Jackson, Dunton, & Williams,
1995) ou o famoso teste de associação implícita (Greenwald, McGhee, &
Schwartz, 1998). Estas medidas são muitas vezes utilizadas para substituir ou
complementar medidas de preconceito explícitas, como a escala moderna de
racismo (McConahay, 1986) ou o termómetro afectivo (Haddock, Zanna, &
Esses, 1993).
Contudo, de um ponto de vista metodológico, toda a evidência experimental assim
obtida lida com uma limitação de fundo dificilmente ultrapassável por este tipo
de procedimento: o pressuposto da tarefa pura. Trata-se da suposição de que
uma dada tarefa experimental pode ser usada para medir, de forma pura, apenas
processos cognitivos automáticos ou apenas processos controlados.
A crítica da identificação de processos automáticos e controlados com
diferentes tarefas foi inicialmente feita por diversos autores da investigação
em memória (e.g., Jacoby, 1991; Reingold & Merikle, 1990), que notaram que
o desempenho nos testes indirectos de memória é frequentemente contaminado pelo
uso intencional da memória. Ou seja, nada impede os participantes de usarem a
sua memória explícita das palavras estudadas na fase de estudo quando lhes é
pedido para completar os fragmentos de palavras com as primeiras palavras que
lhes ocorrerem. Por outro lado, é virtualmente impossível garantir que num
teste directo de memória não haja contaminação proveniente de memória
implícita. Num teste de reconhecimento por exemplo, os participantes podem
efectivamente reconhecer uma palavra como tendo sido anteriormente apresentada
ou tentar apenas adivinhar as palavras que foram ou não apresentadas. Neste
último caso, a memória implícita decorrente da fase de estudo leva a que estes
adivinhem com maior frequência palavras que foram efectivamente estudadas
(devido à sua familiaridade), inflacionando assim a medida de memória
explícita.
Embora tenha sido aqui ilustrado com o caso dos testes directos e indirectos de
memória, o problema decorrente do pressuposto da tarefa pura tem uma natureza
geral e tem sido recorrentemente revisitado e discutido em diversos domínios de
investigação como em estereótipos e preconceitos (e.g., Payne, 2001, 2008) e
julgamento e decisão (e.g., Bishara, 2005; Ferreira et al., 2006).
Em suma, nenhuma tarefa é uma medida pura de um processo cognitivo. É
tecnicamente impossível garantir que qualquer resposta observável dependa
inteira e somente de processamento automático ou controlado. É, aliás,
altamente provável que a maioria do comportamento que a psicologia procura
compreender decorra simultaneamente de processos automáticos e controlados que
co-ocorrem e que se influenciam mutuamente (Wegner & Bargh, 1998).
Mas então como aceder e estudar o contributo de ambos os processos controlados
e automáticos?
Em 1991, Larry Jacoby propôs um procedimento de dissociação de processos (PDP)
cujo objectivo é justamente a obtenção de estimativas do contributo dos
processamentos controlado e automático evitando os problemas metodológicos da
dissociação de tarefas acima referidos.
PDP enquanto procedimento de dissociação de processos em estudos de memória
O PDP tem por base três ideias originais que Larry Jacoby sintetizou no seu
artigo seminal de 1991. A primeira ideia inovadora de Jacoby foi desenvolver
tarefas onde memória implícita e explícita funcionassem em oposição (Jacoby,
Kelley, Brown, & Jasechko, 1989). Na prática, tais tarefas são equivalentes
a testes indirectos de memória com instruções para não usar nenhuma das
palavras de que se consiga efectivamente recordar. Por exemplo, num teste
indirecto de memória, após apresentação de uma lista de palavras, pode ser
pedido aos participantes para, na fase de teste, completarem fragmentos de
palavras apresentadas uma a uma (algumas das quais previamente estudadas) com a
primeira palavra que lhes ocorrer, sem fazer qualquer referência à lista
inicialmente estudada. Jacoby e colaboradores (1993) usaram instruções
semelhantes mas com uma mudança: disseram aos participantes para não
completarem os fragmentos com palavras que tivessem sido previamente
apresentadas. Com estas instruções a memória explícita da lista apresentada
opõe-se à memória implícita. Com efeito, as vezes em que os participantes
completaram os fragmentos com palavras previamente apresentadas são reveladoras
de memória implícita na ausência de memória explícita (caso contrário, as
palavras não seriam usadas).
Contudo, procedimentos que se baseiem simplesmente na lógica da oposição,
embora permitam separar claramente memória implícita de memória explícita,
funcionam como testes conservadores de memória implícita. Isto porque o
desempenho dos participantes apenas revela os efeitos das influências
implícitas na memória na ausência de memória explícita. Ora o facto de termos
memória explícita para uma palavra não quer necessariamente dizer que não
tenhamos também memória implícita. Por isto, um procedimento de oposição de
processos subestima sistematicamente as influências automáticas da memória.
A segunda ideia inovadora de Jacoby (1991) foi corrigir para esta subestimação
comparando o desempenho mnésico em condições em que memória implícita e
explícita se opõem e em condições em que as duas actuam de forma concertada. Na
prática, testes em que memória implícita e explícita funcionam de maneira
concertada são equivalentes a testes directos de memória com instruções para
adivinhar quando o participante não consegue recordar explicitamente uma
palavra das estudadas para completar o fragmento. Dado que este adivinhar é
informado pela memória implícita que o participante tem da lista de estudo, o
desempenho neste teste é o resultado combinado de memória explícita e
implícita. Ou seja, o completamento dos fragmentos com palavras previamente
apresentadas pode ser o resultado de memória explícita, de influências
implícitas da memória ou de ambas.
Jacoby (1991) usou os termos Recolecção (R) e Familiaridade (F) para se referir
respectivamente às influências explícitas e implícitas da memória. Ao
procedimento com base na lógica da oposição chamou teste de exclusão e ao
procedimento em que os dois processos agem concertadamente chamou teste de
inclusão. A proporção de itens estudados que são usados para completar
fragmentos no teste de inclusão é o resultado de R+F'(RÇF). O termo (RÇF), ou
seja, a intersecção entre Recolecção e Familiaridade, corresponde a situações
em que os participantes responderam ao problema recorrendo simultaneamente a
estratégias de Recolecção e de Familiaridade (e.g., completar um fragmento com
a primeira palavra que lhe ocorre e verificar que esta palavra faz parte da
lista previamente estudada). Na medida em que RÇF é um subconjunto de R e
também de F, para evitar que este seja contabilizado duas vezes (uma vez em R e
outra vez em F) torna-se necessário subtrair RÇF à soma R+F. A proporção de
itens estudados que são usados para completar fragmentos no teste de exclusão é
o resultado de F'(RÇ F). Ou seja, corresponde ao completamento de fragmentos
com base apenas na familiaridade (F). Completamentos que envolvam
simultaneamente R e F (i.e., RÇF) têm que ser subtraídos uma vez que quando há
recolecção da palavra estudada os participantes não vão usá-la para completar
os fragmentos mesmo que a palavra seja muito familiar (F).
Finalmente, a terceira inovação de Jacoby (1991) foi assumir (com base em
resultados anteriores, ver por exemplo Mandler, 1980) uma concepção teórica em
que F e R são processos de memória independentes. Isto quer dizer que a
intersecção de R e F é igual ao produto de R por F (RÇF = RF), tornando-se
assim possível formalizar matematicamente a relação entre F e R (onde P é a
probabilidade de usar itens estudados dada pela proporção de itens estudados
usados na fase de teste):
P(usar palavra estudada)inclusão = R + F ' RF = R + F(1-R) P(usar palavra
estudada)exclusão = F ' RF = F(1-R)
E quantificar estas duas componentes resolvendo as equações acima: R = P(usar
palavra estudada)inclusão ' (usar palavra estudada)exclusão
F = P(usar palavra estudada)exclusão /(1 ' R)
A primeira aplicação do PDP (Jacoby,1991; estudo 3) foi feita num estudo de
memória que envolvia um teste de reconhecimento. Os participantes foram
expostos numa primeira fase a palavras e anagramas apresentados sequencialmente
num ecrã de computador, com instruções para ler as palavras e resolver os
anagramas. Numa segunda fase era apresentada oralmente uma outra lista de
palavras com instruções para repetir cada palavra em voz alta e memorizar a
palavra para um teste de memória posterior. Seguia-se um teste de
reconhecimento que podia ter instruções de exclusão, isto é, uma palavra
deveria ser reconhecida como tendo sido previamente apresentada apenas se
tivesse sido apresentada oralmente na segunda fase de estudo, mas não na
primeira; ou instruções de inclusão, isto é, uma palavra deveria ser
identificada como previamente apresentada quando tinha sido apresentada na
primeira ou na segunda fase de estudo. Na medida em que apenas uma das
condições (exclusão) implica o recurso a processos controlados de recolecção
para distinguir entre as palavras apresentadas na primeira fase e as
apresentadas na segunda fase de estudo, a diferença de desempenho entre as
condições de inclusão e exclusão fornece, segundo Jacoby, uma medida de
controlo consciente.
Nesta primeira aplicação do PDP as instruções de inclusão e exclusão foram
manipuladas inter-participantes pelo que só foi possível estimar R e F de forma
global (e não por participante) o que obviamente limita o tipo de análise
estatística possível de realizar (ver Garcia-Marques & Ferreira, no prelo).
Assim, Jacoby (1991) limitou-se a comparar as estimativas obtidas neste
terceiro estudo com o desempenho de outros participantes num estudo semelhante
ao acima descrito, onde incluíra uma tarefa de divisão da atenção durante a
codificação de palavras na fase de estudo e instruções de exclusão na fase de
teste (Jacoby, 1991, estudo 2). Na medida em que esta divisão da atenção
impediu a Recolecção (processo controlado) mas não afectou a Familiaridade
(processo automático), o desempenho dos participantes neste estudo deveria
depender sobretudo da Familiaridade. Com efeito, as estimativas de
Familiaridade (calculadas no estudo 3) foram praticamente iguais ao desempenho
dos participantes em condições de atenção dividida no estudo 2 (.59 e .54 para
anagramas; e .42 e .43 para palavras, ver Jacoby, 1991, pp. 528-530). Este
resultado que foi interpretado como uma primeira validação do PDP.
Posteriormente, Jacoby, Toth e Yonelinas (1993) realizaram novos estudos de
memória utilizando o PDP mas desta vez a medida dependente usada foi a
proporção de fragmentos de palavras que, na fase de teste, foram preenchidos
com palavras previamente apresentadas na lista de estudo com instruções de
inclusão e exclusão manipuladas intra-participantes. Os participantes eram
instruídos para tentar recordar as palavras previamente estudadas tendo como
pista fragmentos dessas palavras. Sempre que o fragmento aparecesse a verde
deveriam usá-lo para recordar uma palavra estudada ou, se não se recordassem de
nenhuma palavra, deviam completá-lo com a primeira palavra que lhes ocorresse
(inclusão); sempre que o fragmento aparecesse a vermelho deveriam completá-lo
com uma palavra que não tivesse sido previamente estudada (exclusão)1. Os
participantes estudavam as listas de palavras em condições de atenção dividida
ou sem atenção dividida (e.g., Jacoby et al., 1993; estudo 1b). Na condição de
atenção dividida os participantes tiveram, como esperado, um pior desempenho
mnésico do que os participantes sem atenção dividida. O uso do PDP permitiu
verificar que tal queda do desempenho se deveu exclusivamente a uma diminuição
de R (de .25 para .00) que virtualmente desapareceu enquanto F se manteve
largamente invariante (.47 e .46, respectivamente). Estes estudos não só
confirmaram a interpretação dos resultados de Jacoby (1991) como estabeleceram
o PDP como uma forma de dissociação dos processos explícitos e implícitos
(Recolecção e Familiaridade) em memória.
O uso do PDP nos estudos de memória não ficou por aqui tendo-se acumulado ao
longo das duas últimas décadas uma quantidade impressionante de investigações
com e sobre o PDP que têm permitido a sua validação convergente assim como a
identificação das condições adequadas de aplicação (para uma revisão ver
Yonelinas & Jacoby, 2012).
O PDP enquanto paradigma metodológico geral para dissociação de contribuições
de processos controlados e automáticos
Originalmente desenvolvido para separar as contribuições automática
(Familiaridade) e controlada (Recolecção) do desempenho em tarefas de memória
(Jacoby, 1991, Jacoby, Toth & Yonelinas, 1993), o PDP é, hoje em dia, um
instrumento metodológico geral capaz de separar e dissociar as contribuições
dos processos controlados e automáticos nos mais diversos domínios.
O PDP faz uso, numa mesma tarefa, de uma condição de facilitação ou de inclusão
na qual processos automáticos e controlados actuam de forma concertada
convergindo numa mesma resposta; e de uma condição de interferência ou exclusão
na qual os dois processos actuam em oposição, divergindo para respostas
diferentes. Assumindo que ambos os processos contribuem para a resposta
observada e que operam de forma independente, torna-se possível, recorrendo a
álgebra simples, obter estimativas quantitativas de automatismo (A) e controlo
(C) comparando o desempenho dos participantes nas duas condições de inclusão e
exclusão.
A título de ilustração, imagine uma pessoa que tem uma forte tentação por doces
e que resolve durante a semana fazer dieta e não comer doces nenhuns, enquanto
durante o fim-de-semana come todos os doces que lhe apetecer. Digamos ainda que
durante os fins-de-semana, e após observação do seu comportamento, concluímos
que a probabilidade desta pessoa comer um doce é de 0.9. Esta probabilidade
tanto pode resultar da tentação dificilmente controlável e largamente
automática (A) de comer doces como da intenção explícita e controlada de comer
doces (C). Durante o resto da semana a mesma pessoa tem uma probabilidade de .2
de comer doces. Ou seja, ela claramente controla a sua tentação por doces ainda
que este controlo não seja perfeito. Esta probabilidade de 0.2 resulta assim da
sua tentação por doces (A) quando o controlo falha (1 ' C). Ora, se subtrairmos
0.2 a 0.9 obteremos uma boa estimativa da sua capacidade de se controlar: 0.7.
Assumindo que ela só come doces durante a semana quando o seu controlo falha2,
isto quer dizer que a probabilidade de comer doces durante a semana (0.2) é
igual à tentação automática na ausência de controlo, ou seja: A(1-C). É agora
fácil chegar a uma estimativa de A, pois se A(1 ' C)= 0.2 então A = 0.2/(1 '
C). Como já sabemos que C = 0.7, então A = 0.2/(1 ' 0.7) Û A = 0.67. Ou seja,
trata-se de uma tentação relativamente forte que só não se traduz mais vezes em
comer doces durante a semana devido à inibição intencional que a pessoa do
nosso exemplo exerce sobre esta tendência comportamental automática (para
ilustrações semelhantes ver Payne & Bishara, 2009; Shiv & Fedorikhin,
1999).
Assim temos as seguintes equações para o mesmo comportamento (e.g., comer
doces) em condições de inclusão (e.g., comer doces ao fim de semana) e em
condições de exclusão (e.g., comer doces durante a semana):
Comportamento Inclusão = C + A (1 ' C)
Comportamento Exclusão = A (1 ' C)
Imaginemos agora que distraímos a atenção da pessoa acima referida. É natural
que ela coma mais doces quando está distraída mas porquê? Porque reduzimos a
sua capacidade de exercer controlo (C)? Ou porque aumentamos a sua tentação
automática (A) por doces (o que poderia acontecer se o que tivéssemos usado
para a distrair fossem justamente...doces)?
Só um procedimento como o PDP nos permite examinar experimentalmente questões
como estas. Ou seja, verificar qual o contributo específico dos processos
controlados e automáticos que estão subjacentes ao comportamento de comer doces
em função de diversas manipulações.
O uso das equações acima implica, no entanto, criar condições experimentais
onde se define operacionalmente Controlo ou processamento controlado como
levando ao output considerado subjectivamente certo ou intencionalmente
desejado (e.g., não comer doces durante a semana). Decorre desta definição de
Controlo a própria definição operacional de automaticidade ou processamento
automático: o que leva ao output oposto ao da resposta intencional quando o
Controlo falha (e.g., comer doces durante a semana). Importa contudo salientar
que estas definições devem ser enquadradas pela própria lógica que subjaz ao
PDP, não reflectindo nenhuma posição de princípio que implique que as respostas
decorrentes de processamento automático sejam inerentemente piores do que as
respostas controladas.
Em suma, através da obtenção de estimativas de A e C numa mesma tarefa, o PDP
permite o teste empírico de dissociações de processos que decorrem teoricamente
das características conceptuais de ambos os processos.
Pressupostos do PDP
Como qualquer tarefa ou procedimento experimental, o PDP assenta em
pressupostos que, se violados, põem em causa a interpretação das estimativas de
A e C. O principal pressuposto é o de independência entre os processos
controlados e automáticos. As duas expressões algébricas apresentadas acima,
que equacionam o desempenho nas condições de inclusão e exclusão em termos dos
dois processos, expressam matematicamente esta independência. Neste sentido,
violações de independência invalidam o PDP. Para além disto o PDP assume ainda
que A e C são iguais nas condições de inclusão e de exclusão. Ou seja, a
preponderância dos dois modos de processamento não muda em função de se tratar
de um ensaio de inclusão (onde ambos os processos contribuem para uma mesma
resposta) ou de exclusão(onde o processo controlado passa a opor-se ao
automático). Como o PDP envolve apenas duas medidas empíricas (desempenho nas
condições de inclusão e exclusão) para estimar dois parâmetros: A e C, sempre
que Ainclusão ≠ Aexclusão e/ou Cinclusão ≠ Cexclusão torna-se matematicamente
inviável obter as estimativas de A e C, invalidando, nestes casos, o uso do
PDP3. A título ilustrativo, voltemos ao exemplo dos doces, se a tentação
automática para comer doces durante o fim-de-semana (condição de inclusão) for
menor do que tentação automática de comer doces durante a semana (condição de
exclusão) então isto quer dizer que a componente automática A que se assume ser
a mesma nas respectivas equações de inclusão e exclusão (ver fórmulas acima) é
afinal diferente. Passa a haver uma componente automática para a inclusão, A1,
que é menor do que a componente automática para a condição de exclusão, A2. Em
circunstâncias como esta passaríamos a ter três incógnitas: A1, A2, e C para
calcular a partir de duas equações de 1º grau, o que é impossível. O mesmo se
aplica quando a componente C é diferente nas condições de inclusão e exclusão.
Pela mesma razão (i.e., apenas duas medidas empíricas para estimar dois
parâmetros) o PDP não possui graus de liberdade extra, o que limita a
realização de testes directos dos pressupostos, i.e., análises de fit das
estimativas dos parâmetros possíveis de realizar com modelos polinomais mais
complexos (mas ver a este respeito Jacoby, 1998; Yonelinas & Jacoby,
2012)4. A garantia de que os pressupostos básicos do PDP não estão a ser
violados pode, contudo, ser obtida experimentalmente mostrando-se que certas
manipulações, histórica e teoricamente, identificadas com um dos processos
afecta selectivamente esse processo deixando o outro invariante. Por exemplo,
uma das marcas características dos processos automáticos é a sua elevada
eficiência, ou seja, não usam recursos cognitivos gerais, enquanto os processos
controlados dependem da disponibilidade de recursos cognitivos. Neste sentido,
previu-se que manipulações de sobrecarga cognitiva que comparassem o desempenho
em condições de alta versus baixa sobrecarga deveriam levar a uma dissociação
de processos traduzida no decréscimo de C e na invariância de A, uma vez que a
escassez de recursos deve reduzir a possibilidade de processamento controlado
mas não deve afectar o processamento automático. Por outro lado, uma das marcas
características dos processos automáticos é a sua natureza associativa enquanto
os processos controlados são melhor descritos por uma linguagem do pensamento
governada por regras (Sloman, 1996). Neste sentido, previu-se que tarefas de
natureza associativa como a respostas aprendidas por repetição ou primação de
repetição deveriam levar à dissociação inversa. Ou seja, afectar as estimativas
de A mas deixar as de C largamente invariantes através de diferentes condições
de aprendizagem associativa. Ambas as dissociações de processos acima referidas
têm sido recorrentemente encontradas na investigação usando o PDP (e.g.,
Jacoby, Toth & Yonelinas, 1993; Hay & Jacoby, 1996).
A ideia geral é que a obtenção deste tipo de dissociações envolvendo
invariância de um dos processos seria extremamente improvável na presença de
violações dos pressupostos acima referidos. Tal possibilidade torna-se ainda
mais improvável quando estas dissociações são repetidamente encontradas num
mesmo domínio de estudo. Pelo contrário, a recorrente falha em encontrar tais
dissociações é indicador de violações severas dos pressupostos do PDP.
Cuidados na aplicação do PDP
Na aplicação do PDP são importantes alguns cuidados no sentido de não haver
violações dos pressupostos que são potencialmente evitáveis. Designadamente, os
materiais e instruções usados nas condições de inclusão e de exclusão devem ser
tão semelhantes quanto possível de maneira a promover o mesmo grau de activação
dos processos automáticos. No mesmo sentido, as instruções e materiais devem
garantir a simetria de funcionamento dos processos controlados entre as
condições de inclusão e exclusão. Ou seja, embora estes processos contribuam
para a mesma resposta dos processos automáticos na condição de inclusão e se
oponham a esta resposta na condição de exclusão, o grau desta contribuição deve
ser igual em módulo apesar de se manifestar em sentidos opostos.
É igualmente importante usar tarefas que não sejam nem muito difíceis nem muito
fáceis uma vez que os pressupostos do PDP são mais facilmente violados quando o
desempenho dos participantes é muito elevado ou muito baixo. Por exemplo, se o
desempenho na condição de exclusão for perfeito (zero erros) o cálculo de A
leva a um valor nulo (A = 0). Não porque deixe de haver contribuições
automáticas mas devido a um artefacto matemático que decorre da forma como se
calcula A e C (ver equações pag.14).
Na prática isto quer dizer que os dados de participantes com desempenho
perfeito não podem ser usados com o PDP. A remoção dos dados destes
participantes da análise é uma prática tolerada sobretudo se for uma proporção
pequena (relativamente ao total da amostra) e aproximadamente igual nos
diversos níveis da variável independente. Mas a forma aconselhada de lidar com
este problema é simplesmente ter um número de ensaios suficientemente grande
para garantir (por pré-teste se necessário) que a probabilidade de um
participante conseguir exercer um controlo perfeito em todos os ensaios seja
minimizada (i.e., haver sempre erros) evitando-se (ou minimizando-se) assim a
remoção de participantes da análise de dados.
Seguidamente veremos dois exemplos de aplicação do PDP que nos ajudarão a
ilustrar como se traduzem na prática os cuidados acima referidos. Note-se que
para usar o PDP com sucesso é necessário encontrar condições experimentais
específicas que não violem os principais pressupostos do PDP e, desta forma,
permitam a obtenção de estimativas de Controlo e Automaticidade independentes.
Exemplos de Aplicação do PDP
PDP e estereótipos sociais
No seguimento de trabalhos como o de Devine (1989) sobre as características
automáticas e controladas dos estereótipos sociais, Payne (2001) propôs a
tarefa hoje conhecida por shooter task em combinação com o PDP justamente para
dissociar as componentes automática e controlada dos estereótipos sociais. Na
aplicação original desta tarefa, Payne apresentou uma sequência de fotografias
de armas (e.g., pistola) ou ferramentas (e.g., chave de fendas) cada uma
imediatamente precedida pela fotografia de um caucasiano ou de um afro-
americano. A tarefa dos participantes era indicar tão rápido quanto possível,
para cada objecto apresentado, se se tratava de uma arma ou de uma ferramenta.
Payne considerou que a condição de inclusão do seu estudo correspondia aos
ensaios em que uma arma era antecedida pela fotografia de um afro-americano
(quer o controlo decorrente da intenção de categorizar correctamente o objecto,
quer o estereótipo do afro-americano que associa este grupo ao uso de armas
levavam os participantes a responder arma). Enquanto os ensaios em que uma
ferramenta era antecedida pela fotografia de um afro-americano correspondiam
aos ensaios de exclusão (a resposta controlada opunha-se à associação
estereotípica afro-americano ' arma). Com esta aplicação do PDP, Payne (estudo
1, 2001) mostrou que as fotografias de afro-americanos (por comparação com as
de caucasianos) tiveram uma influência automática (derivada das associações
estereotípicas) independente do processamento controlado. Este efeito diz-se
automático porque a tendência para responder arma na presença das fotografias
de afro-americanos (vs. fotografias de caucasianos) influenciou as respostas do
sujeito quer esta convergisse ou se opusesse ao desempenho intencional dos
participantes (i.e., categorizar correctamente os objectos em armas ou
ferramentas).
Este estudo de Payne (2001) é uma das primeiras aplicações do PDP fora do
âmbito dos estudos puramente de memória e marca o início da investigação que
tornou o PDP um verdadeiro instrumento geral de dissociação de processos.
PDP e julgamento na incerteza
Muitas das decisões, escolhas e julgamentos do nosso dia-a-dia são feitas de
forma intuitiva ou heurística. As inferências que realizamos em condições de
incerteza surgem-nos naturalmente e sem esforço ou intenção e parecem decorrer
de um conjunto de heurísticas ou atalhos cognitivos largamente automáticos que
há muito são investigados em psicologia (e.g., Gilovich, Griffin &
Kahneman; 2002; Tversky & Kahneman, 1982). Contudo, o julgamento humano não
se resume a estas heurísticas. Nalgumas circunstâncias processos de decisão
deliberados sobrepõem-se à intuição dominando as decisões. Num esforço de
caracterização e compreensão da natureza destes dois processos e da forma com
interagem entre si, Ferreira e colaboradores (2006) utilizaram o PDP. O
objectivo era dissociar processos automáticos e controlados no domínio do
julgamento na incerteza manipulando variáveis que distinguem conceptualmente os
dois processos.
Para o efeito desenvolveu-se um conjunto de problemas directamente inspirados
no tipo de problemas inferenciais historicamente usados na investigação em
julgamento e decisão. As condições de inclusão e exclusão foram definidas não
por instruções mas pela própria estrutura dos problemas (o que simplifica o
procedimento uma vez que deixa de ser necessário instruir os participantes para
se comportarem de forma diferente numa e noutra condição). Assim, cada
participante respondia a um conjunto de problemas inferenciais, metade dos
quais eram problemas de inclusão (i.e., problemas em que os julgamentos
automáticos e controlados convergiam na mesma resposta) enquanto a outra metade
eram problemas de exclusão (i.e., problemas em que os julgamentos controlados
se opunham aos automáticos). As versões de inclusão e exclusão de cada problema
eram exactamente iguais excepto no que dizia respeito aos dados considerados
importantes para o processamento controlado que eram invertidos num dos casos
(de forma a manter a simetria da estrutura do problema).
Assim, por exemplo um problema como o dos Engenheiros e Advogados (Kahneman
& Tversky, 1972) poderia ser usado como um problema de exclusão, uma vez
que na sua forma original, processos controlados opõem-se aos automáticos:
Vários psicólogos entrevistaram um grupo de pessoas. O grupo incluía 30
engenheiros e 70 advogados. Os psicólogos prepararam um breve sumário da sua
impressão relativa a cada entrevistado. A descrição seguinte foi escolhida
aleatoriamente do conjunto de todas as descrições: O João tem 45 anos. É
conservador, cuidadoso e ambicioso. Não mostra interesse por assuntos políticos
e despende a maior parte do seu tempo livre nos seus muitos hobbies, que
incluem carpintaria, velejar, e fazer puzzles matemáticos.
Qual das seguintes alternativas é mais provável?
a) O João é engenheiro.
b)O João é advogado.
Esta versão constitui a condição de exclusão uma vez que temos duas formas
distintas de responder ao problema: um julgamento largamente automático com
base na semelhança entre a descrição do João e o estereótipo de Engenheiro que
fornece uma resposta imediata e espontânea para o problema: o João é Engenheiro
(heurística da representatividade); e um julgamento controlado com base numa
regra de amostragem que reconhece a importância de considerar o número relativo
de engenheiros e advogados na estimativa da resposta mais provável (de facto,
dado que a descrição foi escolhida aleatoriamente e que 7 em cada 10 são
advogados a probabilidade de partida de ser um advogado é claramente superior à
de ser engenheiro ' apenas 3 em cada 10 pessoas neste amostra são engenheiros).
Os dois modos de processamento, automático e controlado estão assim em
oposição.
Para criar a versão de inclusão deste problema basta inverter as probabilidade
de partida (i.e., o texto passa a dizer que ...o grupo incluía 70 engenheiros
e 30 advogados). Consegue-se assim que a prevalência das respostas controlada
e automática seja sensivelmente constante nas duas versões, com a diferença que
os processos controlados de julgamento (neste caso a aplicação deliberada de
uma regra de amostragem) convergem na mesma resposta dos automáticos (neste
caso um julgamento baseado na heurística da representatividade) na versão de
inclusão mas opõem-se a ela na versão de exclusão.
Após o desenvolvimento dos problemas nas suas versões inclusiva e exclusiva,
todos os problemas foram pré-testados de forma a verificar que não eram nem
demasiado difíceis nem demasiado fáceis. Só aqueles problemas que se revelaram
moderadamente difíceis é que foram usados.
Por fim, realizaram-se vários estudos experimentais onde os participantes
respondiam a séries destes problemas em diversas condições experimentais
(Ferreira et al., 2006). Num dos estudos, foi pedido a metade dos participantes
para responder aos problemas usando a sua intuição e sem perder muito tempo com
nenhuma resposta em particular, enquanto a outra metade foi instruída para
basear as suas respostas em reflexão racional. Os resultados mostraram que os
participantes que baseavam as suas respostas em reflexão racional tinham um
melhor desempenho nos problemas do que os participantes que usavam sobretudo a
sua intuição, em especial nos problemas de exclusão. A aplicação do PDP
permitiu verificar que esta superioridade se deveu a um maior processamento
controlado da informação dos participantes da condição de reflexão racional em
relação aos participantes da condição de resposta intuitiva. Por outro lado, a
estimativa de processamento automático dos participantes das condições de
resposta intuitiva e de reflexão racional manteve-se igual. As instruções
afectaram unicamente os processos controlados de aplicação de regras deixando
invariante a tendência para fazer julgamentos automáticos com base em
heurísticas. O quer dizer, o que distingue os participantes instruídos para
serem racionais dos instruídos a ser intuitivos não é a tendência para fazer
julgamentos com base em heurísticas (nisto eles são virtualmente iguais), mas
sim o controlo que os primeiros exercem sobre esta tendência, inibindo as
respostas heurísticas e substituindo-as por respostas baseadas em regras
(Ferreira et al., 2006; estudo 1). O padrão inverso de resultados, com uma
manipulação experimental a afectar unicamente os processos automáticos deixando
invariantes os controlados, foi igualmente obtido por Ferreira e colaboradores
(2006; estudo 3).
PDP e automaticidade
As estimativas automática e controlada obtidas através do PDP podem ter
diferentes significados conforme as tarefas e contextos em que o PDP é usado.
Assim, ao contrário de abordagens que definem automatismo em termos de listas
de características (e.g., intencionalidade, eficiência, controlabilidade,
consciência; Bargh, 1994), o PDP implica que se comece por especificar qual o
significado do controlo exercido numa dada tarefa (i.e., em que é que o recurso
a um processamento controlado se traduzirá em termos de desempenho na tarefa).
Recordemos, a este respeito, o exemplo dos doces anteriormente usado onde
controlo foi definido como não comer doces durante a semana, uma vez que era
essa a intenção declarada da pessoa. Automatismo é depois definido como sendo a
influência que guia as respostas dos participantes quando o controlo falha (no
mesmo exemplo comer doces durante a semana decorrente da tentação que a
pessoa tinha por doces). Outras características mais ou menos associadas aos
processamentos automático e controlado (conforme o domínio de estudo e as
abordagens teóricas adoptadas) são depois investigadas empiricamente, o que
está em linha com a ideia de que a distinção entre automatismo e controlo não é
uma questão de tudo ou nada mas antes uma questão de grau (Wegner & Bargh,
1998).
Com efeito, uma das vantagens do PDP e da definição de automaticidade que
incorpora é a sua capacidade para acomodar naturalmente resultados que podem
surgir como paradoxais para as abordagens de automatismo baseadas na listagem
de características de automatismo e de controlo (ver página 3).
Por exemplo, apesar das teorias clássicas considerarem processos automáticos
como dificilmente controláveis, Stewart e Payne (2008) mostraram que a
implementação de intenções para pensar de forma contra-estereotípica reduz o
enviesamento automático mesmo em sobrecarga cognitiva. A utilização do PDP
neste caso permitiu verificar que esta manipulação de intenção afectou A
enquanto manteve C invariável, evidenciando um padrão de moderação distinto do
encontrado (ou mesmo esperado) normalmente.
Alternativas e limitações do PDP
Conforme referido anteriormente, o PDP apresenta algumas limitações que
resultam da necessidade de verificação dos seus pressupostos (i.e. sempre que
estes são severamente violados o PDP não deve ser usado porque fornece
estimativas erradas dos processos). Note-se, no entanto, que todos os
procedimentos têm pressupostos cuja violação põe em causa a sua validade. Veja-
se talvez o caso mais comum que é a tendência, em investigação experimental,
para equacionar dissociações de tarefas como indicador de dissociação de
processos. Tal estratégia, como vimos, baseia-se no pressuposto de que cada
tarefa mede apenas um e um só processo. Ora se os pressupostos do PDP podem por
vezes ser violados, o pressuposto da tarefa pura subjacente à dissociação de
tarefas é quase sempre violado.
Uma outra limitação do PDP decorre do facto de se tratar de um modelo
matemático extremamente simples, o que limita a possibilidade de realização de
testes directos de fit das estimativas de C e A. Contudo esta simplicidade é
provavelmente a razão pela qual o PDP tem tido uma utilização tão vasta e
diversificada na investigação de processos automáticos e controlados em
psicologia. Estão, no entanto, disponíveis outros modelos matemáticos mais
complexos (e.g., o modelo QUAD proposto por Conrey, Sherman, Gawronski,
Hungenberg, & Groom, 2005; o modelo ABC de Stahl & Degner, 2007; o
modelo conjoint recognition de Brainerd, Reyna, & Monjardin, 1999) que não
só envolvem mais parâmetros e diferentes interpretações destes parâmetros, como
implicam a obtenção de mais dados empíricos.
Testes de fit dos seus parâmetros tornam a validação destes modelos menos
dependente da obtenção de padrões de dissociação específicos como acontece no
caso do PDP. O uso destes modelos em detrimento do PDP decorrerá, para cada
investigador, de considerações teóricas (e.g., número de processos
independentes que um modelo parcimonioso do comportamento humano deve incluir)
assim como de análises custo-benefício da sua utilização.
Conclusões
As teorias dualistas de processamento baseiam-se na ideia de que o
comportamento humano resulta simultaneamente de processos controlados e
automáticos. No entanto, é difícil testar estes modelos sem meios para
quantificar a influência específica destes processos. Instrumentos
metodológicos como o PDP fornecem uma solução para este problema permitindo aos
investigadores separar e comparar processos automáticos e controlados. Uma
outra contribuição do PDP (e modelos semelhantes) é o facto de a sua utilização
forçar os investigadores a explicitarem as suas definições de controlo e
automatismo e a serem mais específicos na formulação das suas hipóteses. Mais
do que afirmações gerais sobre qual dos processos, automático ou controlado,
domina o comportamento humano, com o PDP é possível testar empiricamente a
influência de ambos os processos em diferentes domínios de actividade e para
diferentes tipos de comportamento humano.