Editorial
Editorial
Teresa Pinto
O Dossier Temático do vigésimo terceiro número da ex æquo, subordinado ao tema
«Género e Intimidades», convida a reflectir e a debater os impactos na vida dos
sujeitos e das famílias decorrentes de alterações registadas, de jure e de
facto, na vida privada ou noutras esferas que nesta se repercutem. Anália
Torres, coordenadora do Dossier, referindo que «as profundas transformações que
ocorreram nos últimos 50 anos nas sociedades contemporâneas no âmbito da vida
conjugal, familiar, nas relações íntimas, nas formas de interconhecimento»
sofreram uma «aceleração significativa na primeira década do século XXI»,
sublinhou os «dilemas no plano analítico» que delas decorrem, mercê de
coexistências paradoxais entre realidades representadas e vividas, entre
práticas novas e tradições retomadas, que urge conhecer e compreender.
Investigadoras e investigadores, respondendo ao apelo a contributos lançado
sobre a temática deste dossier, aprofundam e problematizam a complexidade dos
processos de mudança. Cada um dos textos será apresentado por Anália Torres na
introdução ao dossier.
A secção de Estudos e Ensaios é composta por três artigos de temáticas
distintas. Em «Sugestionabilidade Interrogativa em Mulheres Vítimas de
Violência Conjugal», Diana Cunha e Maria Salomé Pinho contribuem, com um
trabalho original, para aprofundar uma temática ainda lacunar na investigação
portuguesa, mas fundamental para compreender o comportamento das mulheres
vítimas de violência doméstica em diversos contextos, designadamente no
judicial. As autoras, com base num trabalho empírico que envolveu mulheres
vítimas de violência conjugal e mulheres não vítimas, discutem resultados não
esperados face à revisão teórica da temática sobre violência conjugal e
sugestionabilidade, como a constatação de que as participantes vítimas de
violência conjugal são menos sugestionáveis do que as participantes não
vítimas, e abrem novas linhas de pesquisa, nomeadamente sobre a importância,
para a temática em causa, das instituições vocacionadas para o apoio
especializado a vítimas de violência conjugal.
No artigo «Filles, garçons: qui sont les mal élevés?», Vanina Mozziconacci
problematiza, a partir da análise de dois textos elaborados por duas feministas
do século XX e publicados com um intervalo de sessenta anos (1914 e 1973), as
propostas de uma educação, em contexto familiar, conducente a uma socialização
igualitária. Debatendo os efeitos da inculcação de valores em raparigas e
rapazes, discutindo argumentações sobre a masculinização das raparigas e a
feminização dos rapazes, a autora argumenta sobre o modo como algumas teorias
feministas actuais podem renovar a abordagem sobre a educação. Sendo raros os
textos de feministas que tratem da temática da educação, o texto de Vanina
Mozziconacci, suscitando controvérsia, convida ao diálogo e desafia a
investigação.
O colectivo, constituído por Luísa Saavedra, Cristina Maria Vieira, Alexandra
Araújo, Liliana Faria, Ana Daniela Silva, Telma Loureiro, Maria do Céu Taveira
e Sara Ferreira, apresenta, no artigo «(A)Simetrias de género no acesso às
Engenharias e Ciências no Ensino Superior Público», uma investigação relevante
para a desconstrução dos estereótipos socialmente construídos que subjazem à
escolha de cursos e profissões por parte de cada uma dos sexos. Complexificando
as formas de análise da distribuição de cada um dos sexos pelas áreas
científicas do ensino superior através de indicadores mais finos, que permitem
apreender discriminações mais subtis, as autoras avaliam a frequência de
rapazes e raparigas, as médias de candidatura ao Ensino Superior, bem como a
opção de candidatura ao Ensino Superior em determinados cursos que integram as
áreas habitualmente designadas de «Ciências, Matemáticas e Informática» e
«Engenharias, Industrias Transformadoras e Construção». Propondo que os
estudos, a nível nacional e europeu, analisem campos mais específicos de
formação, este trabalho contribui para uma melhor adequação das estratégias e
acções de intervenção às situações reais de distribuição de cada um dos sexos
pela oferta de cursos do ensino superior.
Na secção de Leituras e Recensões, Carla Cerqueira dá-nos a conhecer a obra
Quem tem medo dos feminismos, coordenada por Maria José Magalhães, Manuela
Tavares, Salomé Coelho, Manuela Góis e Elisa Seixas, que reúne em dois volumes
as comunicações apresentadas ao Congresso Feminista de 2008, iniciativa que
evocou, oitenta anos depois, o Congresso Feminista de 1928. Maria Regina
Tavares da Silva faz-nos uma leitura cruzada dos diversos artigos da obra
colectiva elaborada por Teresa Pinto (que coordenou), Ilda Abreu, Isabel
Lousada, João Esteves, Maria do Céu Borrêcho, Maria Emília Stone, Maria Lúcia
Moura, Natividade Monteiro, Paulo Guinote e Zília Osório de Castro, intitulada
Percursos, Conquistas e Derrotas das Mulheres na 1.ª República, evidenciando
como, no contexto das comemorações do centenário da implantação da 1.ª
República, é rasgado o «véu de invisibilidade e de silêncio que, na análise
histórica tradicional, habitualmente cobre a acção das mulheres, enquanto
agentes activas e intervenientes dessa mesma História». Tatiane Rosa Carvalho
introduz-nos o produto de compilação e tradução para língua portuguesa de
trabalhos de referência sobre Linguagem. Gênero. Sexualidade, realizado no
Brasil por Ana Cristina Ostermann e Beatriz Fontana, e que tornou acessíveis, a
um público mais alargado, textos de diferentes perspectivas produzidos desde a
década de setenta do século passado.