Portuguesas na diáspora: histórias e sensibilidades
Boschilia, Roseli e Andreazza, Maria Luiza (Orgs.) (2011), Portuguesas na
diáspora: histórias e sensibilidades, Curitiba, Editora UFPR, 319 páginas.
Lina Oliveira
Escola Secundária de Pombal, Doutoranda em Ciências da Educação na FPCEUC
Por iniciativa da Universidade Federal do Panamá, e no âmbito das comemorações
dos 50 anos do Departamento de História daquela instituição, realizou- -se em
2009, na cidade de Curitiba, o IV Congresso Internacional A Voz e a Vez da
Mulher Portuguesa na Diáspora: Brasil e outros Lugares. Desse encontro '
precedido por três outros, que tiveram lugar no Canadá (2003), nos Estados
Unidos (2005) e em Macau (2007), e cuja temática central busca mapear as
trajetórias das mulheres portuguesas no mundo ' resultou a publicação deste
livro, que reúne as comunicações mais significativas no que concerne a
"destacar os modos de viver, de agir, de recriar-se da mulher portuguesa
na diáspora" (p. 7).
Os quinze artigos que a obra apresenta correspondem aos contributos de
académicas e académicos de universidades do Brasil, Canadá, Portugal e França,
e veiculam perspetivas oriundas de diferentes áreas do conhecimento, permitindo
descortinar a complexidade e a especificidade das experiências das mulheres,
que as ciências humanas só recentemente ' no último meio século ' têm buscado
conhecer (a análise das migrações, em concreto, só a partir da década de 80,
afirma Maria da Conceição Ramos, da Universidade do Porto, passou a contemplar
a variável género, "incluindo a participação feminina no processo
migratório e na teoria geral das migrações" [p. 159]).
A escrita de mulheres portuguesas emigrantes, em que as experiências de
emigração são tema, é abordada em cinco artigos, da poesia, à prosa, à escrita
diarística. Investigando a "Poesia portuguesa de imigração no Canadá:
vozes femininas", José Abreu Ferreira (Universidade de Toronto) encontra
nela "um repositório de experiências pessoais ou familiares",
"um registo de vivências, anseios e inquietações" (p. 73), que se
desdobra em variações temáticas recorrentes: o abandono da terra natal, as
impressões do lugar de chegada, a promessa/ilusão de uma nova vida, o desgaste
das relações amorosas e o desmembramento da família, entre outras. A escrita
destas mulheres, em português, mas também em inglês, surge como resposta ao
contexto cultural, criando laços entre as culturas onde emerge e de que se
torna parte.
A "fusão entre a palavra literária e a experiência de vida", no
romance de Júlia Nery Pouca terra poucá terra ' cuja narrativa assenta numa
viagem de regresso a Portugal da mulher mais jovem da família, proveniente de
França, mote para a reconstituição das vidas de três gerações de mulheres '
motivou a comunicação de José M. C Esteves (Universidade Paris Ouest Nanterre
La Défence), pretendendo assim dar "a vez e a voz às heroínas da moderna
epopeia portuguesa, saídas da emigração, e que encarnam os mitos fundadores da
cultura portuguesa" (p. 90). Tomando o comboio como metáfora do sonho, da
fuga e da partida, Esteves interpreta os capítulos, designados
"estações, como uma caminhada, a da nossa condição de viajantes na
trajetória da vida, dando visibilidade em particular à condição da mulher
emigrante, na errância de busca ou de alicerce de uma identidade" (p.
103), espartilhada entre duas culturas e dois espaços.
A fragmentação identitária que a emigração amiúde provoca é contada de forma
emotiva, na primeira pessoa, pela escritora Maria Helena Correa, autora de
livros didáticos de Língua Portuguesa, no texto "A bruxa madrinha".
Levada para o Brasil aos seis anos, para junto da sua mãe que emigrara três
anos antes, Correa descreve as duras condições de vida que a sua mãe, iletrada,
solteira, abandonou, em 1953, em busca de um futuro melhor; as deceções por que
passou na sua chegada, por não receber a boneca prometida, que sonhou diferente
das "bruxas de pano, feitas pela avó, sem rosto, sem cabelo" (p.
168), por não poder morar com a mãe, empregada interna em casa de gente rica.
Já adulta, redescobre Portugal na Universidade de São Paulo, ao frequentar o
curso de Língua e Literatura Portuguesa e Brasileira, e aprende a amar a sua
terra, a sua aldeia, a que só voltou quarenta anos mais tarde, nela
redescobrindo, em cada visita, novos encantos. Conclui assim a sua história:
"Alguns consideram esse encanto um exagero; mas só eu sei o que foi ser
apátrida durante tantos anos, porque era a portuguesa' no Brasil e a
brasileira' em Portugal. O ideal para mim seria ter metade de mim aqui e outra
lá".
Natália Ramos (Universidade Aberta de Lisboa), na comunicação "Género e
migração: dinâmicas e políticas sociais, familiares e de saúde", lança um
olhar sobre as políticas europeia e portuguesa de gestão eficaz das migrações,
com vista à integração efetiva de emigrantes e minorias étnicas, centrando a
atenção nas mulheres migrantes, na perspetiva dos seus direitos e deveres
específicos enquanto mulheres, em particular nas questões de saúde sexual e
reprodutiva (principal causa de morbilidade e mortalidade das mulheres
emigrantes). Lembrando que as mulheres são, a nível mundial, as principais
vítimas de pobreza, assédio e tráfico, a autora refere que a migração constitui
uma oportunidade de reconfiguração das suas identidades, das relações
familiares, sociais e económicas, em novos contextos, de maior igualdade (ou
não), mas é também geradora de riscos e vulnerabilidades, em áreas como a saúde
e a família, sobretudo na experiência de maternidade. A falta de conhecimento
acerca dos serviços sociais e de saúde, a perceção das instituições de saúde e
das práticas médicas como um "universo anónimo, isolado, tecnológico e
estranho" (p. 280), podem ser dissuasoras para algumas mães emigrantes,
em situação de "desaculturação", isoladas, deprimidas, a quem falta
a estrutura familiar e social de suporte da maternidade do lugar de origem.
Ramos salienta a necessidade de as políticas migratórias terem em conta as
questões de género, em face de uma progressiva feminização do fenómeno da
emigração, através da adoção de "novos modelos concetuais e metodológicos
e novas políticas e estratégias de intervenção".
Sublinhando também a necessidade de maior investimento na integração dos e das
imigrantes, nas sociedades de acolhimento, através de uma política migratória
ancorada em Direitos Humanos, Maria da Conceição Ramos (Universidade do Porto),
destaca na sua comunicação ("Migrações internacionais e género '
dinâmicas de participação das mulheres portuguesas imigrante") a
contribuição para a coesão social e para o desenvolvimento da participação mais
igualitária das mulheres nas migrações. Apresentando números expressivos da
participação das mulheres portuguesas nas comunidades dos países da diáspora
(Reino Unido, 53%; Canadá, 51%; França e Suíça, 47%), sempre presentes no
universo do trabalho, desde as fábricas ao comércio e em setores
reconhecidamente femininos, a autora associa a emigração feminina à
transformação do projeto migratório, convertendo-o de temporário em definitivo
ou mais prolongado. As mulheres imigrantes são agentes de mudança (pessoal e
social) e de desenvolvimento nos países de origem e de acolhimento, de
intercâmbio de culturas, de inovação e de adaptação, ganhando consciência dos
seus direitos, envolvendo em ações de associativismo, voluntariado e economia
social (segundo a autora, datam de finais do século XIX as pioneiras sociedades
fraternais femininas da Califórnia).
Do Brasil vem também testemunhos da combatividade das mulheres portuguesas,
envolvidas em lutas operárias e movimentos grevistas (final do séc. XIX e
início do séc. XX). Nem sempre, no entanto, a intervenção das mulheres na
esfera social envolveu protagonismo, muitas vezes esse trabalho fez-se no
anonimato, ensaiando formas de ação eficazes na discrição dos papéis
prescritivos de género.
Nem todos os textos se subordinam, em rigor, ao título da publicação. Neste
grupo encontra-se um artigo de interesse sobre a "Perceção e práticas das
mulheres açorianas, com 50 e mais anos, para a promoção do envelhecimento
saudável e da longevidade com qualidade" (Maria José Bicudo e Armando
Mendes, Universidade dos Açores, p.195), baseando em dados estatísticos uma
reflexão sobre as condições de vida das mulheres insulares, por comparação com
os homens, marcadas por baixos rendimentos, negligência do bem-estar próprio em
prol dos outros e maior incidência de estados de doença, entre eles sintomas de
depressão. A propósito de alimentação saudável, por exemplo, o autor e a autora
verificaram que um número significativo de mulheres a secundariza,
interrogando-se se tal facto se deverá à "situação, relativamente comum
nas famílias açorianas, com baixo poder económico, das mulheres amanharem-se
com qualquer coisa e se preocuparem mais com a alimentação dos maridos, por
serem eles o ganha pão da família e, por isso, o melhor quinhão é para
eles?".
Exceção é também um texto que analisa o mediático episódio em torno do
"Manifesto das Mães de Bragança" ("Ambiguidade no jogo de
máscaras entre santas e pecadoras", Maria Aida Baptista, Universidade de
Toronto), na perspetiva dos estereótipos que povoam o imaginário coletivo, da
mulher brasileira sexualmente promíscua e da mulher-mãe, emblema da boa moral.
Nele, são as mulheres brasileiras, emigrantes num país com passado colonial,
quem enfrenta desafios identitários e de integração, tendo que vencer
preconceitos que a indústria televisiva contribui para alimentar.
Não se esgotam nesta apreciação as reflexões relevantes que o livro propõe,
sendo um bom contributo para conhecer as vidas das mulheres portuguesas na
diáspora, do passado e do presente, ao mesmo tempo que oferece perspetivas de
aprofundamento dos temas abordados, para os leitores e leitoras interessadas.
Investigam-se as dificuldades que encontram e celebram-se os papéis que
desempenham na preservação das tradições, mas também como agentes de mudança.
Pessoalmente, li-o com gosto. Apenas lamento que o seu conteúdo instrutivo e
relevante não tenha merecido uma revisão linguística mais cuidada, já que são
recorrentes as incorreções linguísticas e gráficas, numa publicação
universitária de que se espera maior brio.