Comportamento e hábitos alimentares em crianças e jovens: Uma revisão da
literatura
Sentir fome, ter apetite e querer comer são sinónimos que significam um estado
motivacional ou disposição para ingerir comida (Booth, 1987). Sem dúvida que
existe em todos os seres vivos uma motivação para procurar nutrientes e saciar
a fome. É aceite que muitos mamíferos possuem uma capacidade para aprender a
identificar quais os produtos que devem ser consumidos. É, também, conhecido
que, entre as diversas espécies animais, existe uma capacidade inata,
instintiva, para procurar os nutrimentos necessários e, até para, entre uma
variedade de oferta, seleccionar os alimentos indispensáveis a superarem uma
dada carência. Tal não acontece do mesmo modo entre os seres humanos. Embora o
desejo de alimentos, o apetite portanto, se baseie numa necessidade biológica,
a grande maioria dos comportamentos integrados no processo de saciedade são,
muito provavelmente, aprendidos.
Podemos afirmar que o comportamento que implica a selecção e a ingestão de
alimentos preferidos é aprendido e evolui desde os primeiros dias influenciados
pela maturação e aspectos constitucionais, pelos agentes de socialização, por
factores afectivos e da interacção mãe-criança-família. A publicidade,
especialmente a que se divulga na TV e a satisfação ou insatisfação com o corpo
mostram-se poderosos determinantes dos hábitos alimentares dos jovens.
Neste trabalho apresenta-se uma revisão da literatura sobre o tema dos hábitos
e preferências alimentares desde a primeira infância até à adolescência.
Realçamos a importância dos factores emocionais, familiares e sócio-culturais
na modelagem do comportamento alimentar.
Dada a crescente prevalência da obesidade em todas as faixas etárias e a
importância das perturbações alimentares, especialmente em crianças e
adolescentes, o conhecimento do processo de aquisição destes hábitos constitui
um contributo muito importante para a compreensão destas alterações e para a
definição de estratégias de intervenção.
INFÂNCIA
O aleitamento materno e a diversidade alimentar
Para diversos investigadores, a criança quando nasce é sensível a alguns sinais
de desconforto interno que necessita apaziguar de modo a poder concentrar-se
nos estímulos do ambiente. Ao longo do processo de interacção, a mãe quando
capaz de responder aos sinais da criança descriminando os seu significado e de
forma consistente, fornece ao bebé um modelo sobre como se organizar em função
destes sinais (diferenciação somatopsicológica), de que um exemplo é a fome
(Chatoor, Hirsch, Ganiban, Persinger, & Hamburger, 1998). Pode dizer-se que
a mãe, no contexto da relação, ensina o bebé a distinguir a fome da saciedade,
a fome do frio etc. Uma vez aprendida esta distinção, o bebé será então capaz
de reagir de acordo com os requisitos da situação, por exemplo permanecer
acordado para mamar. Está demonstrada a associação entre factores da
interacção, afectivos e psicológicos, e a competência do bebé durante a mamada,
traduzida esta competência em termos de incremento ponderal (Lopes dos Santos,
1990; Viana, Lopes dos Santos, & Guerra, 1998).
A observação do estilo de sucção de bebés ao mamar revela a existência de uma
certa variedade de padrões de comportamento nesta situação. Alguns bebés mamam
provocando grande pressão durante a sucção e com uma frequência de sucção muito
rápida. Este foi classificado como estilo de sucção vigorosa, parece implicar
a uma maior ingestão energética durante a mamada e estará associado ao estilo
alimentar rápido que se expressa mais tarde, na idade pré-escolar e infância,
e se correlaciona com um Índice de Massa Corporal (IMC) mais elevado (Agras,
Kraemer, Berkowitz, & Hammer, 1990).
Pode dizer-se assim que o apetite se funda em factores biológicos inatos mas
também em factores psicológicos e afectivos sujeitos à aprendizagem. Algumas
perturbações verificadas em idades precoces no desenvolvimento desta
sensibilidade à fome, podem surgir mais tarde e determinar o tipo de relação da
pessoa com os alimentos (Beauchamp & Mennela, 1994).
A alimentação infantil é determinada pelas preferências da criança e estas
manifestam-se em geral em torno dos alimentos e dietas ricas em lípidos e
doces. Está demonstrada uma grande apetência dos bebés recém-nascidos pelo doce
e salgado. Esta preferência provavelmente inata tende a declinar se a criança
tiver pouca oportunidade de consumir alimentos com características
correspondentes. Pelo contrário o contacto e a experiência com estes produtos,
alimentos doces e salgados, será responsável por grande preferência e consumo
nos anos seguintes, condicionando assim alguns aspectos da dieta.
O consumo de leite materno durante a primeira infância, em vez dos leites
artificiais mais doces e produtos ricos em sódio, tende a reduzir no bebé o
interesse pelo demasiado doce e salgado. Pelos 4 meses de idade a preferência
pelo salgado é mais forte, aos 6 meses só se mantém em função da repetição do
consumo de alimentos salgados, aos 12 meses esta preferência fica estabelecida
como consequência da aprendizagem obtida pela experiência. Uma vez cristalizada
nas primeiras idades, a preferência molda a apetência do adulto por alimentos
ricos em sódio (Bernstein, 1990).
Os bebés alimentados exclusivamente ao seio, com uma dieta pobre em sódio,
tendem a mostrar e a desenvolver menor inclinação pelo salgado (Harris, Thomas,
& Booth, 1990). O mesmo se passa com a preferência pelo doce. Embora esta
apetência seja inata, a sua consolidação também depende da experiência, ou
seja, do consumo repetido de alimentos doces durante a primeira infância
(Beauchamp & Cowart, 1990; Drewnowsky, 1994).
O aleitamento materno, no que diz respeito ao desenvolvimento de preferências,
oferece uma grande complexidade de sabores contidos no próprio leite que vão
facilitar o desmame e a transição para a alimentação sólida e diversificada
(Sullivan & Birch, 1990). Se o leite materno é o melhor e muitas vezes o
único alimento nos primeiros meses, progressivamente passa a ser insuficiente
para o normal crescimento do bebé. As recomendações vão no sentido de a
alimentação do bebé ser diversificada a partir do 6º mês.
A mudança, mais ou menos brusca, de uma alimentação baseada num único alimento
para uma alimentação omnívora, acontece numa fase de crescimento rápido,
geralmente fazse com sucesso mas é fonte de grande preocupação para a mãe
(Birch, 1990).
As preferências alimentares
A transição de uma alimentação baseada no leite para uma dieta variada é
moldada pelas preferências inatas da criança, pelas decisões da mãe relativas à
dieta e pela predisposição da criança em associar os sabores dos alimentos ao
contexto social e afectivo em que estes são experimentados (Birch & Fisher,
1998). As crianças tendem a comer apenas aquilo de que gostam e deixam o que
não gostam. Por isso as preferências adquirem uma importância considerável na
questão de se esclarecerem as determinantes do comportamento alimentar. As
preferências das crianças são em parte aprendidas através das experiências
repetidas com alguns alimentos, por associação e condicionamento ao contexto
social e emocional e às consequências fisiológicas da ingestão (Capaldi, 1996).
As crianças tendem a rejeitar os alimentos que provam pela primeira vez mas
esta rejeição é facilmente ultrapassada através da repetição da oportunidade de
os ingerirem. Um alimento novo ou que é rejeitado deve ser apresentado à
criança de 8 a 10 vezes e de cada vez deve ser provado até ser apreciado. Os
alimentos com alta composição calórica, por exemplo ricos em gordura, são os
mais apreciados (Birch & Fisher, 1995).
No que diz respeito à influência do contexto social em que os alimentos são
apresentados e consumidos, as experiências realizadas com crianças de idades
pré-escolares comprovam a sua importância. Quando um alimento é consumido
durante uma situação em que a criança interage positivamente com um adulto, ou
quando é apresentado como se de uma recompensa se tratasse. Da mesma maneira,
quando o consumo do alimento acontece numa situação de conflito então,
naturalmente, ele transformar-se-á num alimento a rejeitar. Estes resultados
devem ser interpretados nos termos das teorias da aprendizagem, sugerindo que a
criança associa o alimento ao contexto sócio-afectivo em que é consumido ou à
conotação de alimento recompensa (Birch, 1999). Quando a ingestão de um
alimento é regularmente recompensada com outro alimento por exemplo: comer a
sopa para obter uma guloseima a sopa passa a ser detestada e a guloseima
preferida; igualmente quando o consumo é seguido habitualmente de um reforço
por exemplo comer as hortaliças e só depois, como reforço, ver TV as hortaliças
passam a ser detestadas (Birch, 1998).
A criança de idade pré-escolar adquire ou desenvolve preferências por
determinados alimentos também através da observação de outras crianças. A
aprendizagem por observação do modelo (aprendizagem social) é, de resto, uma
das formas mais frequentes pelas quais a criança diversifica o seu repertório
comportamental.
A aprendizagem social das preferências e, também, do padrão de ingestão varia
em função da idade da criança alvo e da idade do modelo. Verificou-se que
quando uma criança com preferências estabelecidas é colocada com outras
crianças com diferentes preferências, após poucos dias de exposição a primeira
passa a escolher os alimentos preferidos pelo grupo em detrimento dos que
inicialmente escolhia (Birch, 1990).
As preferências e o padrão alimentar das crianças são moldados pela observação
do comportamento alimentar de outras crianças, mas muito particularmente dos
pais (Rozin, Fallon, & Mandell, 1984). Especialmente nas famílias em que
existe obesidade ou preocupações com a alimentação e dietas, o comportamento
alimentar dos filhos é influenciado pelo estilo alimentar dos pais. Por
exemplo, as quantidades de comida que metem à boca e a frequência com que o
fazem, e a preferência por alimentos mais energéticos dependem da observação do
mesmo padrão nos pais, particularmente na mãe (Birch, 1998; Wardle, Guthrie,
Sanderson, Birch, & Plomin, 2001).
A propósito do papel da mãe na socialização dos hábitos alimentares dos filhos,
Olvera Ezzell, Power, e Cousins (1990) analisaram o que se passava com crianças
México-americanas em idade escolar e com mães obesas. Observaram que as mães
com mais anos de escolaridade serviam aos seus filhos alimentos mais saudáveis
do que as mães com menor escolaridade. Estas mães eram permissivas quando
encorajavam as crianças a ingerir alimentos novos, eram autoritárias quando
insistiam para que comessem alimentos que não desejavam e eram autoritativas,
ou seja tinham em conta as necessidades dos filhos, quando os desencorajavam a
comer. Quando se relacionaram as estratégias das mães com o tipo de comida
ingerida pelas crianças, verificaram que as ameaças estavam associadas a menor
frequência de ingestão de alimentos saudáveis. A relação entre alimentos e
estilos maternais foi interpretada como: as prescrições muito directivas
diminuíam o interesse intrínseco pelo tipo de alimento a elas associado por
desenvolverem nas crianças atribuições externas aos mesmos, o alimento passaria
assim a representar o contexto emocional em que era habitualmente consumido.
Concluíram que os rapazes eram mais encorajados do que as raparigas a comer
mais o que traduziria uma preocupação cultural e actual das mães pelo peso das
raparigas (OlveraEzzell et al., 1990)
A preferência por doces, salgados, alimentos ricos em gordura, pelo picante
(piripiri) e pelo amargo (vinho, cerveja, café, etc.) que observamos nos
adultos, muitas vezes em prejuízo de alimentos saudáveis, é provavelmente
resultado da interacção dos diversos factores. Embora se reconheça que existe
uma predisposição inata por alguns sabores (e.g. doces, salgados e gorduras), a
aprendizagem e a experiência repetida proporcionadas no seio da cultura, como
acontece nas épocas festivas, são as determinantes principais. A criança
aprende, desde muito cedo, o significado cultural e social dos alimentos,
desenvolvendo deste modo preferências e rejeições. Estes padrões reflectir-se-
ão nas escolhas e no consumo e continuarão a evoluir e a modificar-se por
influência das experiências diversas com os alimentos e conhecimentos
adquiridos ao longo da vida (Birch, 1999; Wardle & Cooke, 2008).
A aversão a alguns alimentos
Tal como se defende existir uma predisposição inata para a criança apreciar os
doces, salgados e gorduras, também a aversão aos sabores ácido e amargo é
inata. No entanto a aprendizagem joga, também neste caso, um papel importante
na aquisição do conhecimento de quais os produtos a evitar ou a consumir. Num
estudo realizado com crianças dos três aos doze anos, foi demonstrado que as
crianças aprendem, ao longo do desenvolvimento, a categorizar os potenciais
alimentos de acordo com algumas categorias psicológicas (Fallon, Rozin, &
Pliner, 1984).
Pelos quatro anos de idade, as crianças dispõem da capacidade de classificar os
alimentos que rejeitam de acordo com as suas características sensoriais, tais
como o gosto desagradável (e.g. cerveja ou café) e a perigosidade comunicada
por outrem (e.g. venenos) e, ainda, experiências prévias traumáticas (como
ficar engasgado com um alimento). Na idade escolar, depois dos oito anos, os
produtos são rejeitados pelo conceito de que a criança dispõe sobre natureza do
produto que é, agora, categorizado em função da repugnância que provoca e de
ser considerado impróprio para a alimentação (e.g. Viana, Guimarães, Teixeira,
& Barbosa, 2003). Diversos produtos são classificados por crianças e
adultos como repugnantes em consequência da sua natureza ou, apesar de serem
comestíveis à partida, por terem estado em contacto com algo sujo (Rozin
& Fallon, 1987). Unhas, cabelos ou fezes, por exemplo são considerados
repugnantes pelas suas características intrínsecas, mas um sumo num copo,
quando tocado por uma mosca ou por um cabelo, pode então tornar-se repugnante
por contágio ou contaminação. Crianças de dois ou três anos de idade serão
capazes de beber este sumo sem dificuldade depois de removida a mosca ou o
cabelo. As crianças de oito anos, pelo contrário, já não serão capazes de o
beber por considerarem que o sumo adquiriu, por contágio, as características
daquilo com que esteve em contacto (Rozin, Follon, & Augustini-Ziskind,
1985). Nestas idades as crianças comportam-se, afinal, de acordo com as
capacidades cognitivas típicas do período operatório concreto, embora outros
autores tenham verificado o mesmo efeito do mecanismo de contágio em crianças
mais novas (Siegal, 1988). Paralelamente, podemos verificar o desenvolvimento
da capacidade de classificação dos produtos que a criança aceita consumir, de
acordo com categorias idênticas às já referidas para a rejeição mas de sinal
contrário, tais como gosto agradável, efeitos benéficos e apropriados para a
alimentação (Rozin, 1996).
A aprendizagem de atitudes de rejeição de produtos impróprios para a
alimentação, teria grande importância para uma espécie omnívora como a humana
em épocas muito remotas. A existência de uma grande variedade de possíveis
alimentos, e também de alguns produtos impróprios ou até venenosos que não
apresentavam características a nível do gosto ou aspecto que revelassem a sua
toxicidade poderá explicar a recusa e o desejo de alimento novos. A neofobia
alimentar recusa de alimentos novos, e a neofilia atracção pelos mesmos que
encontramos entre as espécies omnívoras (e.g. humanos e ratos) podem
compreender-se nesta perspectiva. Os alimentos ainda desconhecidos (não
provados) serão potencialmente tóxicos ou, pelo contrário, nutritivos e, por
isso alvo de receio mas também de desejo. Numa óptica adaptativa, aprender a
distinguir o que se podia ou não comer, aprender a evitar produtos perigosos e
a seleccionar uma dieta equilibrada, seriam factores determinantes para a
sobrevivência e uma capacidade a desenvolver tão cedo quanto possível (Rozin,
1996). Actualmente a neofobia alimentar entre crianças e jovens está associada
ao consumo deficiente de frutos e vegetais, pelo que é necessário intervir no
sentido de a eliminar; curiosamente, parece negativamente associada ao tempo de
alimentação ao peito (e.g. Dovey, Staples, Gibson, & Halford, 2008).
HÁBITOS ALIMENTARES E ATITUDES DOS JOVENS FACE AOS ALIMENTOS
As preferências alimentares infantis são determinadas fundamentalmente pelo
critério gostar ou não gostar. Já as atitudes dos jovens face aos alimentos
implicam factores bastante mais complexos que interagem entre si de forma
integrada. As razões que os levam a consumir este ou aquele produto relacionam-
se com as qualidades intrínsecas do mesmo (como ser ou não saudável, ser ou não
natural, ser gostoso, ter aspecto atraente, etc.), com as consequências do seu
consumo no evoluir do peso corporal, e ainda com as influências sociais
decorrentes da observação dos modelos juvenis, com hábitos de vida que
facilitam ou estimulam o consumo de este ou aquele produto, e com antecedentes
relativos às preferências quando criança e com as influências familiares
(Murcott, 1996; Stafleu, Van Staveren, De Graff, Burema, & Hautvast, 1996.
As atitudes face aos alimentos determinam o padrão de consumo destes. Estas
mudam pouco ao longo da adolescência até à idade adulta e são notoriamente
diferentes nos rapazes e nas raparigas nomeadamente no que se refere às
relações entre os alimentos e a evolução do peso. O factor peso repercute-se de
forma marcante nos padrões de consumo. Apresentamos de seguida alguns trabalhos
sobre o padrão alimentar dos jovens associado aos factores socioculturais
descritos.
Segundo Chapman e MacLean (1993), os adolescentes tendem a associar a comida a
um conjunto de situações com diferentes significados emocionais. Assim os
vegetais cozidos, saladas e alimentos por eles classificados como saudáveis,
são associados às refeições com os pais, a ficar em casa e a maior
autocontrolo. A junk food, comida de baixo valor nutricional definida por
este grupo como não-saudável, é associada a refeições com os amigos, às
refeições fora, à falta de controlo e ao estar à vontade. Ainda segundo
estes autores, o consumo de junk food seria a expressão das necessidades de
independência dos jovens face à família e da adesão ao grupo de iguais. O
consumo destes alimentos teria, por um lado, um impacto positivo no bem-estar
psicossocial dos jovens mas também um impacto negativo, por outro lado, pois
eles eram percebidos como não-saudáveis.
Melhores conhecimentos sobre nutrição não implicam necessariamente, ao
contrário do que se supõe, uma ingestão mais saudável. Story e Resnick (1986)
verificaram que os adolescentes e os jovens adultos sabiam como melhorar a sua
alimentação do ponto de vista da saúde. No entanto estes explicavam os erros
alimentares que cometiam e a dificuldade em mudar, utilizando argumentos como a
falta de tempo e o não considerarem imperioso ou conveniente usar alternativas
mais saudáveis.
Algumas variáveis sociais e demográficas também influenciam as escolhas
alimentares dos jovens. O sexo, a educação (anos de escolaridade) e o
rendimento económico são factores determinantes. Os factores familiares, sócio-
culturais, de marketing e políticos, interagindo a vários níveis, contribuem
para modelar as relações entre a imagem do corpo, o peso, exercício físico e a
alimentação dos jovens (Neumark-Sztainer, 2005).
Os jovens de ambos os sexos tendem a ingerir alimentos pobres do ponto de vista
nutricional, com excesso de gordura, de sódio e de açúcar e deficitários em
fibras, vitaminas, cálcio, magnésio, fósforo, ferro e outros minerais (Moreira
& Peres, 1996; Rees, 1992). As raparigas ingerem menos quantidade de
alimentos e estes possuem menor teor calórico do que os consumidos pelos
rapazes (Johnson, Johnson, Wang, Smiciklas-Wright, & Guthrie, 1994).
Um outro factor determinante dos hábitos alimentares parece ser o nível de
satisfação com o corpo. Desde a idade pré-escolar, as crianças manifestam
atitudes a respeito do aspecto do corpo e das relações deste com a alimentação
(Nakao, Aoyama, & Suzuki, 1990) por vezes implicando perturbações
alimentares (McCabe, Ricciardelli, & Holt, 2005) Diversos estudos sobre
atitudes relacionadas com a alimentação em crianças de ambos os sexos, de
idades entre os 9 e 12 anos, confirmam que uma grande percentagem delas vive
insatisfeita com o seu corpo e deseja ser magra. Muitas delas tinham já tentado
perder peso através de dietas restritivas e algumas, mais as raparigas do que
os rapazes, apresentavam sintomas que se classificam como expressivos de
anorexia nervosa (Hill & Robinson, 1991; Killen et al., 1994; Sasson,
Lewin, & Roth, 1995).
Numa investigação, sobre as relações entre imagem do corpo e comportamento
alimentar em raparigas dos 12 aos 23 anos, concluise que 67% estavam
desagradadas com o seu peso e 54% estavam insatisfeitas com as formas do corpo.
Destas adolescentes 30% eram bulímicas e 38 % faziam dieta restritiva. Uma
percentagem elevada das raparigas usava diversos métodos para controlar o peso
ou a ingestão que iam desde provocar o vómito até ao uso de inibidores do
apetite e laxantes. Quanto mais excessivo era o peso maior era o desagrado com
o corpo e maior a probabilidade de serem usadas medidas radicais de controlo do
peso (Moore, 1988). Em outros estudos idênticos mas em rapazes, os autores
constataram que as preocupações com o corpo se centravam na aquisição de maior
massa muscular no peito e redução da massa gorda no abdómen (Drewnowski, 1994).
Os rapazes tendiam a envolver-se menos do que as raparigas em práticas de perda
de peso e alguns comportamentos bulímicos foram considerados, neste grupo,
variantes do normal não estando relacionados com o desejo de perder peso
(Moore, 1990). Num estudo longitudinal em jovens dos dois sexos, Neumark
Sztainer, Paxton, Hannan, Haines, e Story (2006a) verificaram que níveis mais
baixos de satisfação corporal nas raparigas estavam associados a dieta
restritiva, estratégias não-saudáveis de controlo do peso e menor actividade
desportiva. Os resultados eram idênticos no grupo masculino e incluíam ainda
episódios de ingestão alimentar compulsiva. Esta associação era tão importante
que prevalecia ao longo de alguns anos.
O estudo das atitudes e padrão alimentar nos jovens implica abordar o tema da
alimentação em relação com outros aspectos do estilo de vida como a actividade
física ou a pratica desportiva. Nesta perspectiva, French, Perry, Leon, e
Fulkerson (1994), investigando jovens estudantes do secundário, verificaram que
a grande parte preferia em primeiro lugar alimentos de baixa qualidade
nutricional 'junk food (pastéis, bolos, doces, refrigerantes, etc.). Enquanto
as raparigas escolhiam em segundo lugar alimentos classificados como
saudáveis (frutos, cereais, iogurtes, alimentos pouco calóricos e pouco
gordos) os rapazes escolhiam estes alimentos em último lugar. Os autores
constataram que a prática de desporto se associava à preferência e consumo de
alimentos saudáveis, no entanto e curiosamente, os índices mais elevados de
prática desportiva também se correlacionavam com a maior frequência de sinais
de perturbações do comportamento alimentar, particularmente no sexo feminino. A
preferência por alimentos de pouca qualidade nutricional e a prática de
desporto de lazer estavam associados a uma menor prevalência de perturbações
alimentares. Os autores (French et al., 1994) concluíram deste trabalho que os
jovens que praticam desportos intensivos estão mais preocupados com o seu peso
do que aqueles que fazem outros ou nenhum desporto. Sugerem a existência de uma
subcultura do desporto que promove um ideal de peso e de aspecto corporal
disfuncionais. Story, Neumark Sztainer, Resnick, e Blum (1998) verificaram
também que a prática de exercício físico em excesso se associava a
comportamentos não-saudáveis de controlo do peso. Em alguns casos, o conceito
de corpo ideal implicava uma grande massa muscular, noutros casos implicava
um peso tão baixo que gerava perturbações do comportamento alimentar,
especialmente nas raparigas (Neumark Sztainer, Hannan, Story, & Perry,
2004). Investigações em bailarinas confirmaram o mesmo. Neste grupo constatou-
se que as jovens se mostravam muito preocupadas com o peso se envolviam em
dietas fortemente restritivas, consumiam menos proteínas e menos gorduras e
apresentam sinais de anorexia (Abraham, 1991), apresentam maiores índices de
insatisfação com o corpo e de perturbações alimentares (Ravaldi et al., 2006).
Em investigações realizadas no nosso país, em jovens desportistas do sexo
feminino, os autores constataram que as atletas consumiam refeições
desequilibradas, pobres em hidratos de carbono e ricas em proteínas,
deficitárias em cálcio e ferro, o que, interagindo com a carga de treinos, se
traduzia num estado nutricional deficiente com consequente atraso na maturação
sexual (Rego et al. 1997a, 1997b).
Ainda a propósito de dieta, French, Perry, Leon, e Fulkerson (1995a)
verificaram que as raparigas que tinham hábitos restritivos apresentavam
índices de massa corporal (IMC) significativamente mais elevados, maior
insatisfação com o corpo, consumiam bebidas alcoólicas e fumavam com mais
frequência do que aquelas que não faziam dieta. Usavam, ainda, mais
frequentemente procedimentos como provocar o vómito e tomar medicamentos para
reduzir o apetite. Distinguiam-se, também, das jovens que não faziam dieta, em
diversos factores que traduziam inadaptação e apresentavam um auto-conceito
mais pobre. Não se verificou, no entanto, que estas características se
acentuassem conforme aumentava a intensidade restritiva da dieta. Os autores
sugerem que as jovens que se envolvem frequentemente em dietas restritivas
apresentam risco de patologias do comportamento alimentar, de alcoolismo e de
tabagismo. Ainda segundo os mesmos investigadores, um auto-conceito pobre
poderá estar relacionado com maior predisposição para iniciar a dieta. Fazer
dieta restritiva parece, assim, traduzir um padrão de comportamentos não-
saudáveis a incluir entre outros comportamentos característicos de grupos de
adolescentes de risco (French Perry, Leon, & Fulkerson, 1995b).
Middlman, Vazquez, e Durant (1998), investigando uma amostra de 3055 estudantes
com idade média de 16 anos, observaram que 61.5% das raparigas e 21.5% dos
rapazes tentavam perder peso enquanto 6.8% das raparigas e 36.3% dos rapazes
tentavam ganhar peso. O desejo de ganhar peso estava associado a uma forte
percepção de muito baixo peso em ambos os sexos. Enquanto os rapazes faziam
desporto ou ginástica para ganhar peso, as raparigas faziam o mesmo para o
perder. As raparigas que tentavam ganhar peso ingeriam mais fritos e menos
saladas ou frutos, os rapazes com o mesmo propósito ingeriam mais sobremesas
doces. Entre os adolescentes que desejavam perder peso, as estratégias mais
usadas eram fazer dieta e exercício físico. Alguns adolescentes, mais raparigas
do que rapazes, provocavam o vómito ou usavam medicamentos para emagrecer.
Neumark-Sztainer, Hannan, Story, Resnick, e Blum (1997), numa investigação em
32284 estudantes do secundário dos 12 aos 20 anos, confirmaram que os jovens
apresentavam em geral uma ingestão inadequada. Verificaram que fazer dieta
restritiva, bulimia, consumo de álcool e de tabaco, estavam em geral associados
entre si e eram mais frequentes entre os jovens de famílias com níveis sócio-
económicos e culturais mais baixos. Os mesmos autores verificaram que as
raparigas com índices sociais mais desfavorecidos tendiam a ingerir quantidades
insuficientes de lacticínios, o que se traduzia num consumo deficitário de
cálcio. Mais recentemente, também numa investigação numa amostra populacional
de jovens que frequentavam a escola, os autores confirmaram que as raparigas
que se envolviam em dietas de controlo do peso, ao contrário dos rapazes,
estavam em risco de praticarem uma ingestão inadequada, com valores inferiores
aos recomendados de consumo de frutos, vegetais, sais minerais e vitaminas
(Neumark-Sztainer et al., 2004).
Curiosamente, numa amostra de estudantes portugueses do ensino superior
observou-se que eram os rapazes, mais do que as raparigas, quem se envolvia em
dietas (Geada, Justo, Santos, Steptoe, & Wardle, 1994).
Conclui-se que os jovens que se envolvem cronicamente em dietas apresentam,
mais frequentemente do que os outros, estratégias não saudáveis de perda de
peso como provocar o vómito, uso de laxantes e de diuréticos (Story et al.,
1991).
Neumark-Sztainer, Wall, Guo, Story, Haines, e Eisenberg (2006b) observaram uma
amostra populacional de jovens de ambos os sexos estudantes do ensino
secundário ao longo de 5 anos. O objectivo foi verificar se os jovens que se
envolviam em dietas e outras estratégias de controlo de peso apresentavam 5
anos depois risco acrescido de excesso de peso, obesidade, ingestão compulsiva,
estratégias radicais de controlo de peso e perturbações alimentares. Concluíram
que o envolvimento em estratégias não saudáveis de controlo do peso predizia o
aparecimento mais tarde de obesidade e perturbações do comportamento alimentar.
O tipo de resultados anteriormente referido tinha sido já verificado, através
de estudos comparativos, em diversos grupos étnicos nos EUA (Akan & Grilo,
1995) e até noutros países da Europa, o que sugere a existência de um padrão
transcultural (Buddeberg Fischer, Bernet, Sieber, Schmid, & Buddeberg,
1996; Devine & Sandstrom, 1996; Reiss, 1996; Sanchez-Carracedo, Saldana,
& Domenech, 1996).
Numa investigação sobre factores psicossociais e comportamentos de risco
associados à obesidade, numa grande amostra de jovens americanos do ensino
secundário de ambos os sexos e de diversos grupos étnicos (brancos, negros e
índios), Neumark-Szteiner et al. (1997) encontraram resultados inesperados.
Verificaram que os grupos não se distinguiam em relação a factores
psicossociais como o bem-estar emocional e preocupações sociais, quando estes
eram distribuídos em função do peso. As raparigas obesas envolviam-se menos do
que as não-obesas em comportamentos de risco como consumo de álcool e de
marijuana. Os jovens obesos, de ambos os sexos, manifestavam uma percepção da
própria saúde classificada como média ou pobre e envolviam-se mais
frequentemente em dietas restritivas, ao contrário dos não-obesos. As raparigas
índias obesas avaliavam a sua saúde como mais positiva do que as índias não-
obesas. Os jovens negros obesos eram os que se envolviam mais frequentemente em
dietas crónicas. Investigações do mesmo tipo foram também realizadas em
comunidades com características culturais mais específicas. Story, Neumark-
Sztainer, Resnick, e Blum (1998), estudando comportamentos relativos à saúde em
estudantes nativo-americanos de algumas reservas índias, verificaram que um
consumo alimentar inadequado estava associado em ambos os sexos a peso
excessivo, laços familiares pouco coesos, mau aproveitamento escolar, percepção
desajustada do estado de saúde e tabagismo. Não muito diferente daquilo que
acontecia com os demais jovens de outras etnias.
Mandelson, White, e Schliecker (1995) referem algumas diferenças quanto ao
funcionamento das famílias de raparigas obesas versus peso normal. As primeiras
avaliavam as suas famílias como menos coesas, com menor expressividade de
sentimentos e com estilo de funcionamento do tipo democrático. Para estes
investigadores seriam as tentativas dos pais em ajudar e os esforços para
corrigir a obesidade das jovens que causaria o funcionamento mal adaptado, ou
seja, a causa dos problemas seria a obesidade e não o contrário.
A maior parte dos trabalhos publicados sobre este assunto referese a jovens
estudantes mas têm sido estudadas também populações de jovens trabalhadores.
Seymour, Hoeer, e Huang (1997) estudaram comparativamente jovens estudantes e
não estudantes. Estes autores constataram que os jovens não estudantes
apresentavam com mais frequência peso excessivo e hábitos tabágicos e passavam
mais horas a ver TV. No entanto eram as raparigas estudantes as que se
envolviam mais frequentemente em dietas restritivas para controlar o peso.
Estudando jovens estudantes e não-estudantes, Betts, Amos, Keim, Peters, e
Stewart (1997) constataram que as atitudes para com os alimentos eram definidas
de acordo com critérios relacionados com a importância dos alimentos para a
saúde e com factores de conveniência do seu consumo que incluíam o preço e o
grau de dificuldade em prepará-los. Para os estudantes mais novos a importância
para a saúde sobrepunha-se à conveniência. Para os estudantes já graduados era
a conveniência que se sobrepunha à importância para a saúde. Para não
estudantes a capacidade de saciedade do alimento determinava o seu valor. Em
qualquer dos casos, a selecção dos alimentos e a frequência do seu consumo era
determinada fundamentalmente pelo hábito. Cabanac (1995) verificou que, entre
os jovens, a importância atribuída ao sabor de um alimento diminuía conforme
aumentava o seu preço.
O desejo de perder peso é, geralmente, maior na rapariga do que no rapaz e
depende, naturalmente, da insatisfação com o peso ou com o aspecto do corpo.
Este tipo de preocupações é estimulado pela observação dos modelos e corpos
padrão veiculados através da comunicação social, TV em especial (Guillen &
Barr, 1994; Taylor et al., 1998), e relaciona-se com factores psicológicos como
baixa auto-estima e exposição, ou reactividade, ao stress.
O desejo de perder peso das raparigas parece ainda determinado pela necessidade
de aceitação social e pelo desejo de agradar a outras raparigas, aos rapazes e
aos adultos (Thombs, Mahoney, & McLaughlin, 1998).
A maior parte das investigações a propósito do comportamento alimentar dos
jovens, realçam o impacto negativo das dietas e outras estratégias associadas
que visam baixar o peso. Alguns trabalhos, no entanto, contrariam esta visão
negativa da alimentação dos adolescentes. É sugerido que os jovens adoptam
comportamentos adequados que expressam a sua tentativa de manter o controlo
sobre aspectos da sua vida num contexto contraditório, em que mensagens a
propósito de um estilo de vida saudável são emparelhadas com encorajamentos ao
consumo de comida de baixo valor nutricional (Nichter, Ritenbaugh, Nichter,
Vuckovic, & Aickin, 1995). Alguns resultados permitem verificar que, embora
uma grande percentagem das raparigas mostre preocupações com o corpo e faça
dieta restritiva, a maior parte das vezes são utilizados métodos saudáveis de
controlo de peso. Aumentar a prática de exercício físico, eliminar os doces e
comida de cafetaria (snack food), escolher alimentos pouco calóricos e comer
menos são os métodos mais utilizados (e.g. French, Perry, Leon, &
Fulkerson, 1995b). Para os autores, o risco de as jovens obesas desenvolverem
patologias do comportamento alimentar não se encontra associado ao seu peso mas
sim a um estilo alimentar definido como restritivo.
Wardle e colaboradores (1997) realçaram a distinção entre efeitos negativos do
peso excessivo, como uma imagem corporal negativa, e efeitos positivos como uma
maior sensibilidade para as possibilidades de melhorar a saúde através da
dieta. Estes autores verificaram que a utilização por jovens europeus de
procedimentos saudáveis para controlar a dieta e o peso estava associada a
crenças sobre a importância da alimentação para a saúde.
Na perspectiva de que nem sempre a obesidade estará associada a atitudes e
comportamentos não saudáveis e focalizando-se na importância e na frequência
com que os jovens se envolvem em dietas, alguns autores consideram ser mais
adequado falar de uma psicologia da dieta do que de uma psicologia do ser
gordo versus magro (Contento, Michela, & Williams, 1995).
INFLUÊNCIA DA TV E DA PUBLICIDADE NAS ESCOLHAS ALIMENTARES
A TV é ainda hoje um meio cuja influência quotidiano dos indivíduos, dos grupos
e da sociedade é incontornável. É conhecida a importância da TV na educação
infantil e reconhecida a sua implicação na modelagem dos comportamentos das
crianças e adolescentes (Klein et al., 1993).
Existe presentemente uma extensa bibliografia acerca dos efeitos da publicidade
no consumo de determinados produtos alimentares. As crianças e jovens parecem
ser particularmente sensíveis aos anúncios sobre alimentos com alta densidade
calórica e ricos em açúcar mas pobres em nutrimentos (Story & Faulkner,
1990; Utter, Scragg, & Schaaf, 2006). A análise de conteúdo dos anúncios
sobre alimentos, mostrados nos programas infantis, revela que estes na sua
maioria têm a ver com o açúcar. Tal tipo de publicidade tem implicações
negativas no conhecimento, nas atitudes e no comportamento alimentar das
crianças e dos jovens, cuja consequência parece ser o aumento do consumo de
alimentos pobres do ponto de vista nutricional e ricos em glicose (e.g. Dixon,
Scully, Wakefield, Withe, & Crawford, 2007).
Os anúncios ou campanhas que têm por objectivo melhorar os hábitos alimentares
das crianças e jovens, revelam ser eficazes em melhorar os seus conhecimentos
dietéticos mas não mostram o mesmo sucesso na mudança dos comportamentos. No
entanto, foi verificado que crianças de idades prée-scolares (36 anos) que
visionaram anúncios sobre bolos, caramelos, cereais de pequeno-almoço com
açúcar, etc. e anúncios sobre frutos e outros vegetais naturalmente doces,
diminuíram o consumo dos alimentos artificialmente enriquecidos em açúcar
quando a exposição aos anúncios foi seguida por comentários realizados por um
adulto, nos quais se valorizavam as qualidades e efeitos para saúde dos
alimentos naturalmente doces (Galst, 1980). Quando os comentários incidiam
apenas sobre as implicações negativas para a saúde dos produtos enriquecidos em
açúcar, não se verificava nenhum decréscimo do consumo destes alimentos.
A criança necessita de adquirir algumas regras a propósito do consumo de
alimentos doces dos quais gosta naturalmente. Estas normas e proibições são
interiorizadas lentamente e são raramente cumpridas. O encorajamento ao consumo
de alimentos doces e pobres em nutrientes que a criança observa na publicidade
da TV colide frequentemente com as regras impostas pelos pais e acentua a
importância do factor prazer associado ao consumo. No momento de decidir que os
alimentos ingerir, o prazer adquire primazia em relação às normas e determina a
escolha.
A obesidade é o resultado de um desequilíbrio entre a ingestão energética e a
actividade física. Se, por um lado, a TV emite informação que leva à
preferência por alimentos demasiado energéticos, por outro lado as crianças e
jovens passam cada vez mais tempo a ver TV (jogos de computador, Internet,
etc.), envolvendose menos em actividades físicas (Utter, NeumarkSztainer,
Jeffery, & Story, 2003). Acontece ainda que enquanto estão frente à TV
crianças e jovens ingerem preferencialmente doces, mais uma vez, refrigerantes
e alimentos com excesso de gordura na sua composição (Buijzen, Schuurman, &
Bomhof, 2008; Fiates, Amboni, & Teixeira, 2008; Francis & Birch, 2006;
Wiecha et al., 2006).
MUDANÇA DOS HÁBITOS ALIMENTARES
As mudanças no estilo de vida são difíceis de se conseguir dadas as interacções
deste com outros aspectos do quotidiano e da vida urbana como seja: falta de
tempo, falta de tranquilidade e, portanto, ansiedade e difícil acesso a padrões
mais satisfatórios do ponto de vista da saúde. As dificuldades em alterar os
hábitos de vida são manifestas também no que se refere à alimentação. Apesar de
serem conhecidas as implicações para a saúde do consumo exagerado de gorduras e
proteínas animais, ou das dietas desequilibradas e deficitárias em nutrimentos,
alterar os hábitos alimentares é tarefa difícil de conseguir. Mais difícil
ainda será manter as mudanças entretanto realizadas. Adquirir e manter um novo
comportamento requer mais esforço do que continuar com os velhos hábitos
arreigados e associados a outros factores de ordem social e cultural.
A história pessoal e familiar e ainda o envolvimento cultural permitem
compreender o porquê do desenvolvimento dos hábitos alimentares. O paladar, o
aspecto, o preço, a facilidade em confeccionar, a publicidade etc., mais do que
o conhecimento dos benefícios para a saúde, condicionam as escolhas alimentares
que realizamos (Glanz, Basil, Maibach, Goldberg, & Snyder 1998).
Numa investigação realizada nos países da União Europeia, a propósito das
escolhas alimentares, os autores (Lennernas et al., 1997) verificaram que os
factores que mais influenciavam os consumidores (maiores de 15 anos) eram, por
ordem decrescente: a qualidade e frescura, preço, o paladar, o desejo de
uma alimentação mais saudável e as preferências familiares.
Estudando, também na União Europeia e na mesma população, os obstáculos a uma
alimentação saudável, os autores concluíram que a falta de tempo, o desejo de
continuar a consumir os alimentos preferidos, a falta de vontade e o preço,
eram as principais barreiras. Uma alimentação saudável não era vista como uma
alternativa fácil ou atractiva à dieta corrente (Lappalainen, Saba, Holm,
Mykkanen, & Gibney, 1997).
Para Contento, Williams, Michela, e Franklin (2006), o consumo de refeições na
família poderá proporcionar ao jovem uma fonte de equilíbrio nutricional pois
contrabalança a ingestão de junk food que ocorre com o grupo. Ao mesmo tempo,
as interacções familiares durante as refeições favorecem os laços afectivos e
são por isso fonte de equilíbrio emocional. Estes investigadores sugerem que a
natureza das interacções dos jovens com as famílias são importantes também
porque estes negoceiam com as famílias os alimentos a consumir, sem prejuízo
da sua autonomia e aprendendo a fazer escolhas mais saudáveis, e acreditam
ainda que a sua alimentação é melhor (Contento et al., 2006).
Os modelos de cognição social da psicologia da saúde têm contribuído para
esclarecer alguns factores associados à mudança e manutenção de novos hábitos
(Baldwin & Falciglia, 1995). Diversos factores de ordem psicológica e
psicossocial, como falta de motivação, influência social, crenças e sentimentos
de auto-eficácia, contribuem para dificultar ou facilitar as mudanças no estilo
de vida e nomeadamente dos hábitos alimentares (Huon & Strong, 1998).
Focalizando o processo no âmbito dos modelos de cognição social pode afirmar-se
que a selecção de alimentos, mais do que determinada por necessidades
fisiológicas, depende de factores psicossociais. Os hábitos de alimentares
resultam da interacção de factores ambientais, psicológicos e biológicos.
Assim, também a intenção ou compromisso em alterar um determinado comportamento
(deixar de consumir ou passar a preferir um determinado alimento) poderá ser
influenciada pela informação obtida através de um técnico de saúde, pelos
amigos, familiares e meios de comunicação, pelas atitudes face ao alimento e
pelo reforço social obtido com o novo comportamento. A propósito da mudança, as
atitudes, o prazer associado ao gosto do alimento e o compromisso para mudar
assumem uma importância determinante.
IMPLICAÇÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo dos primeiros meses e primeiros anos de vida da criança, associado ao
processo de experimentação de novos alimentos, de paladares diferentes e de
diversificação alimentar, surgem frequentemente perturbações comportamentais da
esfera alimentar da criança com repercussões que vão de leves a muito graves
(Viana et al., 2008). Estima-se que entre 20 a 30% das crianças manifestem
qualquer tipo de problema alimentar que se traduz genericamente por falta de
apetite, recusa de alimentos, vómitos, ou grande selectividade (Linscheid, Bud,
& Rasnake, 2003). Estas perturbações que afectam o estado de saúde da
criança, têm como factores de risco a ansiedade da mãe à volta da situação
alimentar, perturbações alimentares da mãe e problemas relacionais (Chatoor et
al., 1998).
Alguns problemas à volta da situação alimentar e durante os primeiros anos de
vida, podem transformar esta num campo de batalha entre a criança e a mãe em
torno da conquista da autonomia pela criança e do exercício de autoridade da
mãe, com prejuízo grave para o apetite da criança. Uma vez interiorizado pela
criança, este conflito de vontades pode resultar mais tarde, especialmente na
adolescência, em recusa alimentar grave, e.g. anorexia nervosa (Lyon &
Chatoor, 1997).
Na puberdade e adolescência os problemas em torno da alimentação traduzem-se
por vezes em perturbações do comportamento alimentar de que a bulimia e a
anorexia são a expressão mais severa.
A obesidade cuja prevalência tem aumentado assustadoramente em todas as idades,
e em todas as regiões do mundo, é provavelmente a consequência mais frequente
de uma alimentação não saudável e ingestão excessiva associadas a um estilo de
vida caracterizado por falta de actividade física (Viana, 2002). As explicações
para a ingestão em excesso encontram-se descritas na teoria da externalidade,
na teoria psicossomática e na teoria da restrição. A teoria da externalidade
considera o processo de ingestão como determinado por factores extrínsecos aos
alimentos como o aroma, o gosto e o estímulo visual. A teoria psicossomática
valoriza o contributo dos factores emocionais e a confusão que pode existir
entre estados como fome e ansiedade. De acordo com esta abordagem, alguns
indivíduos comem excessivamente em situações de stress crónico e ingerem
alimentos com alta palatabilidade e excessivamente energéticos, pelo
contrário face a situações agudas de stress tendem a perder o apetite (e.g.
Torres & Nowson, 2007). A teoria da restrição defende que os indivíduos
restritivos, pressionados por factores sociais, tendem a percepcionarem-se como
tendo peso excessivo ou forma de corpo indesejada, se envolvem em dietas.
Confirmando-o, também em crianças e jovens portugueses foi encontrada uma
correlação positiva entre as escalas de um questionário do comportamento
alimentar (Child Eating Behaviour Questionnnaire) que se referem à restrição e
à externalidade e o IMC destes sujeitos (Viana & Sinde, 2008; Viana,
Sinde, & Saxton, 2008). Segundo este ponto de vista, fazer dieta, no caso
dos sujeitos restritivos, será parte do problema e não da solução (Neumark-
Sztainer et al., 2006b; Ackard, Neumark-Sztainer, Story, & Perry, 2003).
Não está ainda completamente esclarecida a relação entre restrição e obesidade.
Uma vez que a esmagadora maioria dos estudos não são longitudinais, não
permitem responder de modo inequívoco às questões sobre as relações entre
restrição, sobre-ingestão e obesidade (Faith, Scanlon, Birch, Francis, &
Sherry, 2004). Será que, ao contrário do que parece, a restrição é a resposta
do sujeito ao excesso de peso e á obesidade então adquirida?
A propósito da investigação sobre o tema do estilo alimentar e o estatuto de
peso, entre os caminhos a tomar no futuro são apontados como prioritários:
realizar estudos populacionais de modo a poder comparar se diferenças entre
idades, etnias, estatutos económicos e culturais; estudos longitudinais que
permitam observar a evolução de variáveis como estatuto de peso, comportamento
alimentar, etc., de modo a se esclarecerem determinantes e consequências; e
investigação com o objectivo de testar clinicamente as implicações dos dados
obtidos nos estudos populacionais e longitudinais (Faith et al., 2004; Haines
& Neumark-Sztainer, 2006).
Visto que a prevalência da obesidade se agiganta no mundo moderno e
considerando as implicações desastrosas para a saúde desta patologia interessa
desenvolver formas de a prevenir. No entanto uma excessiva atenção focalizada
na alimentação e no excesso de peso tem também impacto negativo. Até que ponto
uma atitude diferente da sociedade e dos agentes de saúde face ao excesso de
peso, no sentido o sujeito com excesso de peso se aceitar e se apreciar, em
parte, como expressão da variabilidade humana, não se traduziria na diminuição
da frequência das dietas restritivas que culminam geralmente em mais peso e
obesidade.
Entre as patologias do comportamento alimentar (Anderson, Lundgren, Shapiro,
& Paulosky, 2004) são cada vez mais prevalecentes as dietas extremas, a
insatisfação com o corpo e estratégias radicais de controlo do peso. São
frequentes as atitudes obsessivas face à alimentação e consequente
selectividade mórbida dos alimentos, resultado da classificação dicotómica
destes em bons ou saudáveis (cada vez mais raros) e maus ou não saudáveis (os
restantes) e a excluir. Também esta situação nos faz pensar na necessidade do
relativizar algumas das questões relativas à alimentação e à racionalização
desta.
De qualquer modo, o contributo dos diversos especialistas da área da saúde,
médicos das diversas especialidades, nutricionistas, psicólogos e os agentes
educativos, educadoras de infância, professores, professores de educação
física, etc. terão que enfrentar em conjunto a epidemia do séc. XXI.