Atraso no desenvolvimento: a imprecisão de um termo
O termo atraso do desenvolvimento é amplamente usado por diferentes
profissionais e em diferentes situações. O significado do termo, a sua
operacionalização e o conhecimento das condições que levam uma criança a poder
ser identificada como apresentando atraso do desenvolvimento torna-se
importante por vários motivos.
Em primeiro lugar, a condição de atraso do desenvolvimento é um dos critérios
para a elegibilidade da criança no domínio da intervenção precoce em diferentes
países, nomeadamente em Portugal (Despacho conjunto nº 891/99) e nos E.U.A.
( Individuals with Disabilities Education Act,1997 ).
Em segundo lugar, o grupo de profissionais que usa frequentemente o termo
atraso do desenvolvimento é variado. No nosso país, a selecção dos casos para
apoio em intervenção precoce é feita pelas equipas de intervenção directa, das
quais podem fazer parte médicos, educadores de apoio, psicólogos, técnicos de
serviço social, terapeutas, enfermeiros ou outros (Despacho conjunto nº 891/
99). Porém, é importante notar que o termo atraso do desenvolvimento é muito
usado, não só por estas equipas, mas também por outros profissionais que
trabalham com crianças em idade pré-escolar, tais como os educadores de
infância, tendo em vista, entre outros objectivos, a identificação ou
sinalização daquelas que necessitam do apoio de serviços especiais. Assim, o
termo em estudo adquire grande importância não só na intervenção dos 0 aos 3
anos, mas também no contexto pré-escolar.
Além disso, e apesar de segundo vários autores (Cohen & Spenciner, 1994;
Ferreira, Dias, & Santos, 2006; Shevell et al., 2003; Vance, 1998), o termo
dever ser usado apenas até à idade escolar, em Portugal, e de acordo com a
nossa própria experiência, verifica-se um uso mais generalizado do termo, sendo
comum a sua utilização em relação a crianças e jovens em idade escolar.
Em qualquer caso, o termo atraso do desenvolvimento tem sido entendido como um
termo não categorial e flexível (Cohen & Spenciner, 1994), tal como o
ilustra o facto de não figurar como categoria diagnóstica, nem se apresentar
como tal no Manual de diagnóstico e estatística dos distúrbios mentais(4ª ed.
Rev., American Psychiatric Association, 2000), nem nas suas anteriores versões
DSM-IV (APA, 1994) e DSM-III-R (APA, 1987). Por conseguinte, as respectivas
definições, sobre as quais nos debruçaremos mais adiante, tendem a não enunciar
características, parâmetros descritivos e critérios de exclusão passíveis de
assegurarem, na nossa óptica, uma aplicação fidedigna do termo por parte de
diferentes profissionais.
Apesar do atraso do desenvolvimento não figurar como categoria diagnóstica na
DSM-IV-TR (APA, 2000), podemos perguntar-nos se pode ser perspectivado como uma
perturbação do desenvolvimento e, em particular, como uma eventual subcategoria
das Perturbações Globais do Desenvolvimento enunciadas pela DSM-IV-TR (APA,
2000). No entanto, as respostas a esta questão são contraditórias e documentam
alguma falta de clareza em relação ao significado do termo.
Assim, e segundo McConnell (1998), quando uma criança não adquire as tarefas
desenvolvimentais referentes à sua faixa etária e não há um diagnóstico
específico ou qualquer condição aparente que explique tal situação, existe a
tendência para descrever a criança como tendo atraso do desenvolvimento.
Contudo, tal não significa que a criança tem uma perturbação do
desenvolvimento, já que esta implica uma alteração sequencial do
desenvolvimento, uma mudança qualitativa ou um desvio do funcionamento
desenvolvimental (Lieberman, Barnard , & Wieder, 2004), coisa que não
acontece no caso de atraso do desenvolvimento. Com efeito, e de acordo com as
circunstâncias que presidem ao emprego do termo, e que acabámos de apontar
(McConnell, 1998), poder-se-á concluir que qualquer criança com alguma
patologia desconhecida pode fazer parte do grupo de crianças com atraso do
desenvolvimento, isto é, a ele poderão pertencer todas aquelas que não têm
diagnóstico, independentemente do grau ou do tipo de dificuldades que
apresentem.
Contradizendo a perspectiva de McConnell (1998), que diferencia o termo em
estudo da perturbação desenvolvimental, encontramos as definições de Molofsky e
Gold (1988) e de Shevell et al. (2003), nas quais o atraso do desenvolvimento
global figura como uma subcategoria das perturbações desenvolvimentais.
Molofsky e Gold (1988) definem-no como um atraso, deficiência ou regressão na
aquisição das aprendizagens adequadas a uma faixa etária, encarando-o como uma
perturbação, visto poder implicar a regressão e a deficiência. Por seu turno,
Shevell et al. (2003) definem-no como um atraso significativo em duas ou mais
áreas do desenvolvimento, sendo um termo restrito à população com idade
inferior aos 5 anos. A partir dessa idade, e segundo os mesmos autores, o termo
deficiência mental torna-se o mais apropriado para usar com as crianças
anteriormente identificadas com atraso do desenvolvimento. Note-se, contudo,
que tal não quer dizer que todas as crianças sinalizadas como apresentando
atraso do desenvolvimento venham a ter deficiência mental (Shevell et al.,
2003) ou dificuldade intelectual (intellectual disability), de acordo com a
expressão mais recente e preconizada para esta perturbação (Schalock et al.,
2007). Ainda assim, e face a esta perspectiva, podemos questionar-nos sobre as
relações entre atraso de desenvolvimento e deficiência mental/dificuldade
intelectual e, designadamente, em relação a uma eventual sobreposição entre
ambos. Este último aspecto afigura-se-nos particularmente pertinente em relação
ao nosso país, dado que a nossa experiência nos indica, uma vez mais, que, em
situações de deficiência mental e independentemente da idade do sujeito, se
tende a privilegiar o recurso a outros termos, incluindo o de atraso do
desenvolvimento.
Até ao momento, debruçámo-nos sobre as eventuais fronteiras conceptuais do
termo atraso do desenvolvimento. No entanto, para melhor compreendermos as
acepções que lhe têm sido outorgadas, impõe-se que analisemos os critérios
constantes das respectivas definições.
Estas últimas apresentam como principal característica, uma enorme
variabilidade, a qual é particularmente bem ilustrada nos E.U.A., onde se
permite que cada estado escolha os seus próprios critérios relativamente à
extensão do atraso que tem que estar presente para uma criança ser eleita para
a intervenção precoce (Demers & Fiorello, 1998; Gerken, 2004). Como refere
Valvidia (1999), o termo em estudo, para além de ser estatisticamente definido,
dado a sua operacionalização basear-se em comparações dos níveis de
funcionamento desenvolvimental entre crianças da mesma faixa etária, acaba por
ser também um constructo mediado pelas próprias expectativas sócio-culturais de
cada estado.
Além disso, as definições recenseadas são passíveis de serem agrupadas em dois
grandes grupos: as genéricas, que se limitam a definir o termo em apreço como a
demora que uma criança apresenta em adquirir as tarefas desenvolvimentais,
numa ou mais áreas do desenvolvimento (Boyse, 2006; Schoon, Sacker, Hope,
Callishaw, & Maughan, 2005; Valvidia, 1999); e as definições que fazem
referência a um (Drillien, 1977, cit. por Bellman & Cash, 1987; Bellman
& Cash, 1987; Ireton, 1992, cit. por Cohen & Spenciner, 1994) ou mais
critérios (Barber, 1981, cit. por Bellman & Cash, 1987; Ferreira, 2004;
Shevell et al., 2003), ainda que, usualmente, de forma vaga ou imprecisa e,
sobretudo, não consistente ao nível das várias definições. Assim, não se
consegue identificar claramente o número de áreas que devem estar afectadas
para se considerar a presença do atraso do desenvolvimento, já que tal número
ou não é especificado (Bellman & Cash, 1987), ou varia entre 1 ou mais
áreas (Barber 1981, cit. por Bellman & Cash, 1987; Individuals with
Disabilities Education Act , 1997) ou 2 ou mais áreas (Shevell et al., 2003).
Para além disso, as poucas definições que procuram operacionalizar o conceito
de atraso de desenvolvimento, fazem-no tendo em conta discrepâncias
relativamente à idade cronológica e expressas em termos de: meses/anos, os
quais podem ser fixos (Bellman & Cash, 1987) ou variáveis de idade para
idade (Barber 1981, cit. por Bellman & Cash, 1987); percentagens, as quais
oscilam, nos estados norte-americanos, entre um máximo de 50% e um mínimo de
25% ( United States Government Accountability Office, 2005); e/ou em termos de
um desempenho individual, numa escala de desenvolvimento, 1,5 (Brassard &
Boehm, 2007), 2 ou mais desvios-padrão inferior à média do respectivo grupo
etário (Brassard & Boehm, 2007; Ireton, 1992, cit. por Cohen &
Spenciner, 1994; Ferreira, 2004; Luiz et al., 2006; Shevell et al., 2003). Por
conseguinte, não é clara qual a dimensão do atraso que deve estar presente, bem
como a respectiva operacionalização.
A ausência e/ou heterogeneidade de critérios, que acabámos de mencionar, pode
estar associada à variabilidade do desenvolvimento infantil e à plasticidade
cognitiva, emocional e comportamental das crianças (Bellman & Cash, 1987),
o que torna a avaliação pré-escolar muito diferente e mais exigente do que a
avaliação noutras faixas etárias. A flexibilidade do termo pode também estar
associada ao baixo valor preditivo da maioria dos instrumentos usados para
avaliar a população de idade pré-escolar (Barona & Barona, 2004; Cohen
& Spenciner, 1994), ou ao carácter necessariamente arbitrário de qualquer
critério psicométrico, na ausência de dados relativos à respectiva
sensibilidade e especificidade (Brassard & Boehm, 2007).
Sem prejuízo destes argumentos, a variabilidade inerente ao termo atraso do
desenvolvimento, as condições que presidem ao seu uso, em especial, no nosso
país, onde a sua aplicação está tão disseminada, estão na origem do estudo
empírico que constituirá o objecto das secções seguintes.
O principal objectivo deste estudo é o exame das concepções de atraso do
desenvolvimento de diferentes profissionais que, no seu dia-a-dia, contactam e
trabalham com crianças e, em particular, com crianças passíveis de apresentarem
Necessidades Educativas Especiais. Assim, propõe-se responder às seguintes
questões: quais as características/critérios/causas mais comuns que se destacam
relativamente ao termo em estudo? A partir daí, pretende-se verificar até que
ponto a lacuna existente ao nível teórico sobre os critérios que devem estar
presentes numa situação de atraso do desenvolvimento, fomentam, nesse meio
profissional, concepções heterogéneas sobre o que significa ter essa condição.
Em segundo lugar, colocam-se algumas questões mais específicas, referentes a
parâmetros conceptuais particulares (por ex., número de áreas afectadas) e ao
uso do termo em estudo (por ex., sobreposição com outras problemáticas, tais
como a Deficiência Mental/Dificuldade Intelectual e as Dificuldades de
Aprendizagem). Em último lugar, procurou-se avaliar as percepções de eficácia
dos profissionais perante uma situação de possível atraso do desenvolvimento,
ou seja, até que ponto se sentiam capazes de a detectar e identificar, bem como
de nela intervir.
MÉTODO
Participantes
A amostra do presente estudo compreende um conjunto de 114 profissionais, sendo
eles: 60 Educadores/Professores de Apoio, 27 Psicólogos, 23 Técnicos de Serviço
Social e 4 Pediatras. Todos pertencem a diferentes serviços oficiais de apoio à
criança do concelho de Coimbra.
Os critérios de selecção desta amostra consistiram na inclusão de profissionais
com fortes possibilidades de contactarem com crianças na situação de atraso do
desenvolvimento e que fizessem parte dos serviços oficiais de apoio à criança
do concelho de Coimbra. A opção por este concelho justifica-se por ser sede de
distrito e reunir um número elevado dos referidos serviços.
Antes de se efectuar o contacto pessoal com as entidades participantes, foi-
lhes entregue um pedido de colaboração e autorização escrito, onde constava a
explicação do projecto de investigação, os respectivos objectivos e a
especificação dos profissionais a quem se pedia a colaboração para o
preenchimento dos questionários. Após a aceitação desse pedido, realizou-se, no
decurso do 2º e 4º trimestre de 2007, a entrega pessoal dos questionários nos
seguintes serviços: sedes dos agrupamentos das Escolas Básicas do concelho de
Coimbra; Colégio de Santa Maria ' valência da APPACDM de Coimbra (Associação
Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental); ANIP ' Associação
Nacional de Intervenção Precoce; Departamento de Pedopsiquiatria e Saúde Mental
Infantil e Juvenil de Coimbra; Hospital Pediátrico de Coimbra; Maternidade
Bissaya Barreto; Maternidade Dr. Daniel de Matos; Associação Portuguesa de
Paralisia Cerebral de Coimbra.
No Quadro 1 podem-se observar as características gerais da amostra. A
distribuição dos sujeitos por género apresenta uma proporção desequilibrada,
com 91.2% de elementos do sexo feminino e apenas 8.8% de elementos do sexo
masculino. Este facto poderá estar associado aos grupos de profissionais
participantes, designadamente à predominância de mulheres em profissões na área
das ciências sociais e humanas.
Quadro 1
Características da amostra
Relativamente à idade dos participantes, a maioria (56.1%) tem mais de 40 anos,
sendo a idade cronológica média de 41 (DP = 8.42) e as mais baixa e elevada,
respectivamente, 24 e 59 anos. Quanto ao ano de Licenciatura ou do Grau
Académico, a maioria (80.7%) obteve-a/o entre os anos de 1984 e 2005.
O número de anos de exercício profissional variou entre os grupos
profissionais. Para os Psicólogos e Técnicos de Serviço Social a média situou-
se nos 13 anos (DP = 9.19), enquanto para os Pediatras foi mais elevada,
designadamente, 19 anos (DP = 9.25). Por seu turno, os Educadores/Professores
de Apoio têm uma média de 21 anos (DP = 5.53) de actividade e de 9 anos (DP =
7.12) enquanto profissionais de apoio educativo.
Medidas
Não localizámos qualquer instrumento direccionado para a avaliação de
concepções do atraso do desenvolvimento, nem tão pouco qualquer investigação
similar à nossa. Por esses motivos, optámos pela elaboração de um questionário
especificamente para esta pesquisa.
Após a pesquisa bibliográfica e a definição clara do que se desejava medir,
iniciou-se um longo processo relativo à selecção e elaboração das perguntas que
iriam constar do questionário. Durante esse processo fizeram-se 3 versões do
questionário até se obter a versão final do mesmo, tendo sido as três versões
revistas e avaliadas por ambas as autoras da presente investigação e uma delas
por uma psicóloga com ampla experiência nos domínios da intervenção precoce e
das perturbações do desenvolvimento.
De referir que foram construídos 4 questionários ligeiramente distintos para os
diferentes profissionais em função da sua formação prévia e da especificidade
inerente ao exercício profissional. Por exemplo, a questão Enquanto
profissional, sente-se capaz de elaborar um Programa de Intervenção numa
situação de Atraso do Desenvolvimento? foi excluída dos questionários
dirigidos aos Técnicos de Serviço Social e Pediatras, pois considerou-se que
apenas os Educadores/Professores de Apoio e os Psicólogos podiam exercer essa
tarefa na sua prática profissional.
Tendo em conta os tópicos que aborda e/ou o tipo de itens que integra, é
possível identificar quatro secções no questionário. A primeira refere-se à
identificação dos inquiridos. Esta é composta por alguns itens comuns e outros
diferentes consoante o profissional a quem se dirige.
A segunda secção é constituída por perguntas que pretendem conhecer o que os
inquiridos sabem, de uma forma geral, relativamente às características,
critérios, dimensão e causas do atraso do desenvolvimento. Nesta secção, o
formato dos itens é variado, mas com predomínio de itens de resposta aberta.
A terceira secção é composta, essencialmente, por itens dicotómicos
(verdadeiro/falso), enquanto a quarta secção se constitui, integralmente, por
itens de escalas numéricas. Os tópicos destas duas secções reportam-se a
aspectos mais específicos, relativos ao termo em estudo, e que, nalguns casos,
são controversos na literatura. Entre esses podem salientar-se: o tópico
relativo ao atraso do desenvolvimento ser considerado, ou não, como uma
perturbação; e a delimitação quanto ao número de áreas afectadas num caso de
atraso do desenvolvimento. Através das questões formuladas, procura-se também
compreender se existem tendências associadas ao uso do termo em estudo, como
por exemplo: se os inquiridos consideram que há áreas mais frequentemente
afectadas do que outras; se o termo é usado na ausência de um diagnóstico
específico ou se constitui uma designação alternativa à de deficiência mental,
etc.. Em relação a esta última possibilidade, não se faz qualquer referência à
expressão dificuldade intelectual, dado o seu aparecimento recente e o muito
provável desconhecimento dos inquiridos em relação ao respectivo significado e
uso.
Para além das questões referidas, incluíram-se outras que pretendem saber quais
as percepções de eficácia destes profissionais perante uma possível situação de
atraso do desenvolvimento. Contudo, estas não estão apenas numa secção do
questionário, tendo sido repartidas pela segunda e terceira, no sentido de
evitar contaminações de respostas.
Uma vez que a ordem das perguntas é muito importante quando se constrói um
questionário (Oppenheim, 1997), tivemos o cuidado de colocar em primeiro lugar
questões gerais sobre o termo em estudo, como por exemplo Tem conhecimento de
critérios específicos que tenham que estar presentes para se considerar a
presença de um quadro de atraso do desenvolvimento? Se sim especifique quais.
Procura-se, deste modo, avaliar o que o inquirido conhece sobre a condição de
atraso do desenvolvimento, sem ser influenciado pelas questões posteriores, que
são muito mais específicas. Para além deste aspecto, procurou-se usar
linguagem/vocabulário acessível a todos os sujeitos e respeitaram-se as
indicações referentes à redacção dos itens (Moreira, 2004; Oppenheim, 1997).
Quanto ao recurso a diferentes formatos de itens, ao longo do questionário,
este está associado ao que cada questão pretende medir. Assim, o primeiro item
do questionário, (item 1, sem contar com os itens de identificação), é o único
com escala referenciada, isto é, inclui uma pergunta básica relativa à
frequência com que os inquiridos contactam com situações de atraso do
desenvolvimento na sua profissão e apresenta 5 alternativas definidas
separadamente (de muito frequentemente a nunca). Este formato de item é o ideal
para avaliar um referencial concreto, como é o caso da presente questão
(Moreira, 2004).
O uso de itens de resposta aberta foi usado na segunda secção do questionário,
na qual se pretendia que os inquiridos expressassem conhecimentos/concepções
sobre o atraso do desenvolvimento nas suas próprias palavras e de forma
espontânea e pessoal. A fim de evitar as desvantagens que normalmente estão
associadas a estas questões (Moreira, 2004; Oppenheim, 1997), procurou-se que
se referissem a aspectos claros (por exemplo, Para que se possa falar em
Atraso do Desenvolvimento, qual deverá ser a dimensão do atraso em termos de
meses?). No tratamento destas respostas recorreu-se à análise de conteúdo e
aos passos que lhes são inerentes, tais como os relativos à leitura atenta e
activa e à categorização/codificação dos dados (Amado, 2000).
Os itens dicotómicos, onde se oferecem apenas duas alternativas, formuladas em
termos de verdadeiro/falso, foram usados em questões factuais, constantes da
terceira secção do questionário, como por exemplo O Atraso do Desenvolvimento
é uma subcategoria das Perturbações Globais do Desenvolvimento classificadas na
DSM-IV-TR.
Os itens com escalas numéricas de cinco pontos foram os mais usados, embora se
destaquem na quarta secção e na avaliação das percepções de eficácia, onde só
são desse tipo. Esta opção radica no facto de se pretender uma quantificação
subjectiva relativamente ao grau de concordância dos inquiridos em relação a
determinado aspecto e, neste caso, as escalas numéricas serem a melhor
alternativa (Moreira, 2004).
RESULTADOS
A apresentação dos resultados corresponde, em geral, às diferentes secções do
questionário. Uma vez que a abordagem de todos os resultados obtidos não se
afigurava viável no contexto do presente trabalho, privilegiaram-se os
relativos aos itens comuns a todos os profissionais. Não obstante, abordar-se-
ão, pontualmente, alguns dos resultados relativos a questões direccionadas a
profissionais específicos.
No item 1, a maioria dos inquiridos (88.6%) afirmou contactar algumas vezes
(35.1%), frequentemente (28.9%) ou muito frequentemente (24.6%) com crianças em
situação de atraso do desenvolvimento. No âmbito da segunda secção, quando
questionados sobre o conhecimento de critérios específicos que tenham que estar
presentes numa situação de atraso do desenvolvimento, a maioria (67.5%)
respondeu que possui esse conhecimento. A esses foi-lhes pedido que expusessem,
então, os critérios que conheciam. O Quadro 2 resulta de uma análise de
conteúdo (Amado, 2000) às respostas obtidas, e destina-se a permitir ao leitor
visualizar o tipo de critérios encontrados e o número de menções a que
correspondem.
Quadro 2
Análise de conteúdo referente ao conhecimento de critérios específicos de
Atraso do Desenvolvimento
A análise de conteúdo revelou-se de grande dificuldade, pois as respostas
analisadas pautam-se por um carácter geral e bastante vago, sendo na sua
maioria pouco claras. Dessa análise averiguou-se a existência de três
categorias.
A primeira categoria, identificação de critérios gerais, é aquela que se
apresenta com maior representatividade, salientando-se no seu interior, com
maior número de unidades registo, a subcategoria relativa ao número de áreas
afectadas que deve estar presente num quadro de atraso do desenvolvimento. Dado
o carácter impreciso das unidades de registo respeitantes a esta subcategoria,
pode-se apenas constatar que os inquiridos consideram que o atraso deve
ocorrer, predominantemente, em mais do que uma área do desenvolvimento.
Posteriormente, com alguma representatividade, surgem os critérios associados à
presença de uma discrepância relativamente à faixa etária. Neste campo,
salienta-se a comparação dos desempenhos de crianças da mesma idade
cronológica, sem, contudo, se identificar o grau/dimensão da diferença ou
discrepância que deve estar presente para se considerar atraso do
desenvolvimento, bem como quais a(s) área(s) em que tal discrepância pode
ocorrer. Ainda no âmbito de um registo vago, surgem os critérios referentes ao
uso de escalas/instrumentos de avaliação infantil, sem qualquer discriminação/
especificação complementar.
De seguida, encontra-se a referência a critérios que se podem sobrepor/
confundir com os inerentes aos quadros de Deficiência Mental e de Dificuldades
de Aprendizagem. Não obstante, esta categoria é pouco representativa.
Por último, a categoria constituída por subcategorias correspondentes a
critérios mais específicos, passíveis de servirem como referência da actuação
dos profissionais, agrega um número bem mais reduzido de unidades de registo.
Neste domínio, não se destaca, de forma pronunciada, nenhum critério como sendo
o mais representativo, existindo antes, uma ampla dispersão das respostas pelas
diferentes subcategorias.
Há, ainda, que salientar, que 32.5% dos inquiridos optou por não responder
(21.9% porque afirmaram não conhecer os critérios do atraso do desenvolvimento
e os restantes 10.5% afirmaram conhecer, porém, não os expuseram), o que nos
parece um número consideravelmente elevado, tendo em conta que a maioria
afirmou contactar, algumas vezes/frequentemente/muito frequentemente, com
crianças nesta condição.
Em resposta à solicitação para enunciarem as características da criança com
atraso do desenvolvimento, é possível verificar-se, através do Quadro 3, que os
participantes indicaram a presença de uma lentificação no processo
desenvolvimental e o atraso presente em mais do que uma área do desenvolvimento
como as mais comuns. Sendo assim, em conjugação com a questão anterior,
predomina a concepção de que se trata de uma criança que não tem um
desenvolvimento correspondente ao dos pares em mais do que uma área do
desenvolvimento.
Quadro 3
Análise de conteúdo referente à caracterização de uma criança com Atraso do
Desenvolvimento
Para além disso, salienta-se o carácter geral das respostas e aquelas que
traduzem uma possível confusão entre atraso do desenvolvimento e outras
problemáticas, tal como aconteceu na análise de conteúdo anterior.
Sendo um dos possíveis critérios de operacionalização do termo em estudo,
questionou-se, também através de um item de resposta aberta, sobre qual deveria
ser a dimensão do atraso em termos de meses para se considerar que uma criança
está nessa condição. As respostas caracterizam-se pela heterogeneidade. A
dimensão com mais unidades de registo (31; 27.2%) corresponde à presença de 12
meses de atraso, seguindo-se a indicação de que depende da própria idade da
criança (19 unidades de registo; 16.7%). É de salientar que 22% dos indivíduos
optaram por não responder, 6.1% declararam desconhecer tal dimensão (7 unidades
de registo) e igual percentagem (6.1%) revelou não concordar com a questão
colocada, afirmando, em geral, que o atraso do desenvolvimento não pode ser
avaliado dessa forma. Note-se, contudo, que não apontaram outros critérios, nem
qualquer alternativa no plano da avaliação. Os restantes profissionais
referiram dimensões bastante variadas: 6 meses (16 unidades de registo; 14%),
24 meses (5 unidades de registo; 4.4%), 18 meses (3 unidades de registo; 2.6%),
e entre os 3 e 6 meses (1 unidade de registo; 0.9%).
No que diz respeito ao aspecto etiológico, começamos por assinalar que foi
pedido aos inquiridos que escolhessem, a partir de uma listagem, as 3 causas
que considerassem ser as principais. Através do Quadro 4, pode-se observar uma
maior convergência de perspectivas do que nas questões precedentes, patente
numa nítida valorização dos factores biomédicos, ainda que os de índole
ambiental não sejam descurados.
Quadro 4
Principais causas do Atraso do Desenvolvimento
Como se pode observar no Quadro 5, ao analisarem-se as questões dicotómicas,
constantes de terceira secção, verificou-se a presença de divergências quanto a
alguns dos aspectos pertinentes associados ao termo em estudo.
Quadro 5
Respostas a itens dicotómicos
No que diz respeito ao número de áreas que devem estar afectadas para se poder
considerar a presença do atraso do desenvolvimento, e tendo em conta as
questões referentes a este conteúdo (O atraso do desenvolvimento deve ocorrer
em todas as áreas.; O atraso do desenvolvimento pode ocorrer apenas numa
área.), verificou-se que a maioria (90.4%) dos inquiridos considera que a
condição em apreço não implica necessariamente o comprometimento de todas as
áreas do desenvolvimento. No entanto, quanto à possibilidade deste ocorrer
apenas numa área do desenvolvimento, a homogeneidade de respostas diminui, ou
seja, 64.9% acha que pode ocorrer apenas numa área, enquanto 32.5% consideram
que não, o que mostra a diferenciação de perspectivas existente.
Um aspecto algo surpreendente refere-se à assimilação do atraso do
desenvolvimento a uma demora temporária em atingir qualquer marco do
desenvolvimento. De facto, 54.4% dos respondentes assinalou a afirmação
relativa a este conteúdo, como sendo verdadeira.
A confusão entre o termo em estudo e outras problemáticas voltou a ser
verificada nestas questões dicotómicas, nomeadamente no que diz respeito à
sobreposição com as Dificuldades de Aprendizagem. Assim, para 28.9% dos
profissionais, valor que consideramos importante, o atraso do desenvolvimento
significa Dificuldades de Aprendizagem. Quanto à Deficiência Mental, não se
verificou a sobreposição, sendo que 95.6% considerou falsa a questão relativa a
esse conteúdo. Este resultado vai de encontro ao verificado nos itens de
resposta aberta, nas quais a menção a critérios correspondentes à Deficiência
Mental assumiu uma expressão reduzida.
Relativamente ao facto do termo em apreço ser aplicado apenas a crianças, mais
uma vez, as respostas dividem-se com percentagens importantes, tanto para a
hipótese verdadeira como para a falsa. Assim, 64.8% considera que o termo é
aplicado somente a crianças, enquanto 35.2% acredita que pode ser aplicado a
outras faixas etárias.
As questões, dirigidas apenas aos Psicólogos e aos Pediatras, que se propõem
determinar se os mesmos consideram o atraso do desenvolvimento como uma
perturbação que consta na DSM-IV-TR, revelaram, de um modo geral, tendências
heterogéneas, para além do número de respostas omissas ter sido apreciável.
Ligeiramente mais de metade dos profissionais inquiridos parece saber que o
atraso do desenvolvimento não existe como categoria na DSM-IV-TR, nem faz parte
das Perturbações Globais do Desenvolvimento, classificadas pela mesma. Contudo,
cerca de um terço mostra uma posição divergente, isto é, considera que o atraso
do desenvolvimento integra a DSM-IV-TR e as Perturbações Globais do
Desenvolvimento. Quanto à afirmação relativa ao facto dos critérios de
diagnóstico da deficiência mental e do atraso do desenvolvimento serem comuns,
a maioria (77.4%) revela saber que tal afirmação é falsa.
Na quarta secção, as questões que avaliam o nível de concordância dos
inquiridos quanto a aspectos pertinentes associados ao atraso do
desenvolvimento, permitiram confirmar alguns dos resultados já verificados e
trouxeram novos dados respeitantes a opiniões específicas sobre essa condição.
Assim, o Quadro 6 documenta que se verificou um grau de concordância elevado
(65.8%) no que diz respeito à tendência para classificar com atraso do
desenvolvimento a criança que não efectua aprendizagens esperadas para a sua
idade cronológica e que não tem um diagnóstico específico. No mesmo sentido, a
importância de criar subcategorias para o atraso do desenvolvimento, tendo em
conta o seu grau de gravidade, obteve por parte dos respondentes uma posição
predominantemente concordante (75.4%).
Quadro 6
Respostas a itens de avaliação do grau de concordância e da percepção de
eficácia
Quanto às áreas mais frequentemente afectadas num quadro de atraso do
desenvolvimento, a maioria dos inquiridos concordou que a área da Linguagem
(51.7%), bem como a da Cognição (60.6%) estão nessa posição. Note-se, no
entanto, que a Linguagem regista um menor grau de consenso e é, aliás, o único
item da secção em que se insere que regista ausência de resposta (0.9%).
No que concerne à avaliação das percepções de eficácia, patente no Quadro 6, e
tendo em conta a presença de uma resposta omissa a cada uma das 3 questões,
verifica-se que 61.4% dos inquiridos se sentem bastante confiantes para
detectar indicadores de uma possível situação de atraso do desenvolvimento.
Por seu turno, as percepções de eficácia para identificar uma situação de
atraso do desenvolvimento, solicitadas a todos os profissionais com excepção
dos Técnicos de Serviço Social, revelaram-se consideravelmente elevadas. Ao
comparar-se as respostas dos mesmos grupos profissionais a esta questão e à que
se refere ao conhecimento de critérios específicos que tenham que estar
presentes numa situação de atraso do desenvolvimento, verifica-se um facto
curioso. Com efeito, apesar de se ter verificado que um número relativamente
elevado (33) de inquiridos não especificou qualquer critério alusivo ao atraso
do desenvolvimento, apenas 7 profissionais se consideraram incapazes para
identificar essa condição. A maioria (62.6%) mostra sentir-se suficientemente à
vontade e capaz para o fazer.
Por último, os Psicólogos e os Educadores/Professores de Apoio, ao serem
questionados sobre a sua capacidade para elaborar um Programa de Intervenção,
revelaram níveis elevados de eficácia. Porém, salienta-se que neste item, ao
contrário do que aconteceu nos outros dois do mesmo tipo, se verificou um maior
número de respostas nas alternativas desfavoráveis (16% nesta questão versus
5.3% e 7.7% nas relativas, respectivamente, à detecção de indicadores e à
efectiva identificação de uma situação de atraso).
DISCUSSÃO
Apesar do número de sujeitos que constitui a amostra do presente estudo não ser
muito elevado, considera-se que permite aceder às concepções sobre o atraso do
desenvolvimento de profissionais que trabalham com crianças passíveis de
estarem nessa condição. A este propósito, recorda-se que a maioria dos
inquiridos afirmou contactar com regularidade com a referida condição.
Através dos resultados obtidos, foi possível confirmar que a lacuna
relativamente à delimitação teórica do termo em apreço, traduz-se, na prática,
na presença de concepções/definições vagas e diversas, de inexactidões e
equívocos que podem, efectivamente, influenciar a utilização do termo. A título
exemplificativo, recorda-se o carácter vago quer dos critérios de identificação
avançados, quer das caracterizações da criança com atraso do desenvolvimento.
Globalmente, e conjugando as respostas às questões abertas e a uma questão
fechada, pode afirmar-se que para os inquiridos a criança com atraso de
desenvolvimento é a que apresenta um desenvolvimento lento em mais do que uma
área de desenvolvimento, estando usualmente comprometida a cognição. Como se
poderá verificar, trata-se de uma concepção generalista e excessivamente
abrangente. Além disso, convém salientar que as crianças com atraso do
desenvolvimento podem apresentar resultados muito diferenciados em testes de
avaliação do funcionamento intelectual (Riou, Ghosh, Francouer, & Shevell
2009), pelo que não é legítimo considerar-se que os défices cognitivos estão
necessariamente associados ao atraso do desenvolvimento.
Pode, também, apontar-se a diversidade verificada no que diz respeito aos
critérios de identificação, à possibilidade do atraso ocorrer numa só área de
desenvolvimento e à dimensão do atraso em termos de meses. Por exemplo, segundo
os participantes, este último pode ser da ordem dos 3 a 6 meses, 6 meses, 12
meses, 18 meses e 24 meses.
Em termos de inexactidões, salientamos as inerentes à assimilação do atraso do
desenvolvimento a uma demora temporária em atingir qualquer marco do
desenvolvimento e à sobreposição com as dificuldades de aprendizagem. No que
respeita à primeira, e dado que mais de metade dos respondentes consideraram a
afirmação verdadeira, pode considerar-se que ignoraram, pelo menos
aparentemente, que nem todas as crianças adquirem determinadas aquisições na
mesma idade (Bellman & Cash, 1987; Valvidia, 1999), registando-se, antes,
amplas variações interindividuais, bem como que não atenderam ao facto do
desenvolvimento ser um processo dinâmico (Sameroff, 2000). Não obstante, e uma
vez que o adjectivo temporário exprime relatividade, não se pode excluir a
possibilidade de ter sido alvo de interpretações díspares.
No que se refere à sobreposição com as dificuldades de aprendizagem, começamos
por destacar que embora esta não seja dominante entre os inquiridos, assume,
ainda assim, uma expressão assinalável. Este facto remete-nos para a amplitude
que o termo assumiu no contexto nacional, já que, tal como salientam Correia e
Martins (1999), o termo dificuldades de aprendizagem adquiriu, no nosso país,
significados distintos, sendo um muito abrangente. Este corresponde, na óptica
dos autores, aquele que é predominantemente adoptado pelos profissionais e
engloba todos os problemas de aprendizagem, temporários ou permanentes, que se
manifestam no contexto escolar, contemplando, por conseguinte, muitas crianças
em risco ou com necessidades especiais. Face aos dados recolhidos no presente
estudo, poder-se-á acrescentar que este entendimento alargado do termo inclui
também o contexto pré-escolar e crianças com atraso de desenvolvimento. E isto,
não obstante, o diagnóstico de dificuldades de aprendizagem, nomeadamente das
específicas, se efectuar, em regra, na idade escolar. Como apontam Kavale e
Forness (2003), quando a diferenciação entre diferentes tipos de problemáticas
desaparece, e o termo dificuldades de aprendizagem é usado como sendo passível
de englobar tudo e todos, é o próprio conceito original do termo que se perde,
com óbvias desvantagens para os envolvidos.
Quanto ao emprego do termo, realçamos os resultados que evidenciam que o termo
atraso de desenvolvimento: não se aplica, apenas, a crianças, consubstanciando,
assim, a nossa própria observação em relação ao respectivo uso, tal como
mencionado na introdução a este trabalho; tende a ser utilizado quando uma
criança não efectua as aprendizagens esperadas para a sua idade cronológica e
não tem um diagnóstico específico, o que, por sua vez, permite supor que
crianças com problemáticas muito diferentes podem estar, realmente, a ser
enquadradas sob a mesma denominação, devido ao uso flexível do termo em estudo;
tende, também, a ser utilizado quando uma criança apresenta um quadro de
deficiência mental, visto os pais aceitarem mais facilmente este diagnóstico.
Esta última verificação vai de encontro à nossa própria observação, tal como
salientado precedentemente, e prende-se com o carácter estigmatizante que o
termo deficiência mental adquiriu, bem como com a procura de designações
alternativas e potencialmente mais aceitáveis. É, aliás, neste âmbito que se
insere a recente proposta do termo dificuldade intelectual. No seu conjunto, os
resultados apontados atestam um uso indiscriminado do termo, quer em termos de
faixas etárias, quer em termos das condições contempladas.
Verificaram-se, igualmente, contradições nos dados obtidos, já que, face ao
carácter impreciso ou à ausência de menção de critérios de identificação
específicos, não deixa de ser surpreendente que os profissionais se
percepcionem como capazes de detectarem indicadores do mesmo e de o
despistarem. Contudo, e tal como salienta Bandura (2002), quando o conhecimento
das exigências inerentes a uma dada tarefa é ambíguo ou mal definido, podem
verificar-se sobreestimativas da eficácia individual. Em todo o caso, e
reconhecendo-se que as percepções de auto-eficácia influenciam o modo como os
profissionais se envolvem nas tarefas e ultrapassam as dificuldades (Bandura,
2002), este é, seguramente, um aspecto positivo.
Outros aspectos positivos quanto à forma como alguns profissionais parecem
pensar/compreender a condição em estudo respeitam ao facto de alguns inquiridos
terem exposto claramente uma posição de discordância quanto à avaliação do
atraso do desenvolvimento em termos de meses ou terem indicado que tal dimensão
depende da idade da criança. Ainda que minoritários, os primeiros mostraram um
sentido crítico que poderá ser importante num contexto que se caracteriza pela
incerteza, enquanto que os segundos expressaram uma perspectiva que coincide
com a de alguns autores (Drillien, 1977, cit. por Bellman & Cash, 1987;
Barber, 1981, cit. por Bellman & Cash, 1987).
A presença de uma visão multifactorial relativamente à etiologia do atraso do
desenvolvimento por parte dos profissionais, bem como a concordância expressa
em relação à importância de criar subcategorias do atraso do desenvolvimento,
tendo em conta o respectivo grau de gravidade, também se nos apresentam como
algo positivo. E isto, porque neste último caso, admitimos a possibilidade de
tal se ficar a dever ao facto dos próprios profissionais estarem cientes da
amplitude inerente ao termo. Além disso, e em relação a qualquer um dos casos,
a perspectiva dos inquiridos vai de encontro ao apontado nalgumas pesquisas.
Por exemplo, quando é possível identificar factores etiológicos no atraso do
desenvolvimento, eles são, com frequência, diversificados (Shevell, Majnemer,
Rosenbaum, & Abrahamowicz, 2000; Srour, Mazer, & Shevell, 2006). Por
outro lado, tem-se observado que a coexistência de atrasos em mais do que uma
área do desenvolvimento corresponde a uma maior gravidade ( Valtonen, Ahonen,
Lyytinen, & Lyytinen, 2004) ou a um prognóstico mais desfavorável
( Shevell, Majnemer, Platt, Webster, & Birnbaum, 2005).
Tal como o termo Necessidades Educativas Especiais, também o de atraso do
desenvolvimento tem como objectivo permitir o acesso de todas as crianças à
educação e ao apoio de serviços especiais, promovendo um trabalho de
intervenção o mais precoce possível. No entanto, por terem um carácter vago e
geral, ambos acabam por se revestir também de uma simplicidade que os torna
perigosamente atractivos. Tal como apontam incisivamente outros autores (Riou
et al., 2009; Shevell et al., 2005), o atraso do desenvolvimento é um conjunto
complexo de sintomas, sem qualquer perfil nosológico definido ou indicadores
sólidos da respectiva validade. A este respeito, Riou e colaboradores (2009)
consideram, inclusivamente, que o atraso do desenvolvimento se assemelha à
paralisia cerebral em termos da diversidade de manifestações e etiologias.
Sendo assim, a presente investigação pode contribuir para a tomada de
consciência relativa ao uso díspar do termo atraso do desenvolvimento e à
existência de inevitáveis equívocos e contradições. Note-se, porém, que com
esta chamada de atenção não queremos dizer, de forma alguma, que o uso do
termo é inviável ou reduzir a sua importância. Antes pelo contrário, é tendo
consciência dessa relevância, nomeadamente ao nível dos processos de
despistagem e detecção, que se invoca a necessidade de cuidado e questionamento
por parte dos profissionais que o usam ou que se vêm confrontados com a sua
utilização, por parte de outrem, nas mais variadas situações.
No caso específico dos psicólogos, o escrutínio das concepções de atraso do
desenvolvimento afigura-se essencial ao nível da comunicação e colaboração com
outros profissionais, bem como com os pais e familiares das crianças. Além
disso, é relevante ao nível do exercício de diversas actividades por parte dos
psicólogos, tais como as de prevenção, despistagem, diagnóstico,
aconselhamento, educação ou investigação. A este último respeito, não podemos
deixar de chamar a atenção para o facto do atraso do desenvolvimento ter sido
fortemente negligenciado em termos de investigação nacional, não obstante ser
legítimo pressupor-se que, á semelhança do apontado noutros países, constitui
um dos principais motivos do encaminhamento de crianças para serviços
educativos e de saúde.