Iniquidade, Etnicidade e Educação Sexual
As populações carenciadas continuam a apresentar mais fragilidades no que diz
respeito à vivência de uma sexualidade saudável e o desenraizamento cultural
está muitas vezes associado à adopção de comportamentos de risco na
sexualidade. Por esta razão, são estes adolescentes aqueles que mais precisam
de uma intervenção a este nível.
Os factores socioculturais podem influenciar a sexualidade e o planeamento
familiar dos indivíduos (Kirby, 2001; Singh, Darroch, & Frost, 2001) . O
início demasiado precoce da vida sexual e a gravidez não desejada afecta
maioritariamente as classes mais desfavorecidas (Singh, Darroch, & Frost,
2001), o que justifica a importância do investimento em programas de educação
sexual destinados a estas populações.
O VIH/SIDA, a gravidez e as IST's afectam frequentemente jovens pertencentes a
grupos populacionais desfavorecidos, nomeadamente indivíduos pertencentes a
minorias étnicas (Aronowitz, 2005; Aronowitz, Todd, Agbeshie, & Rennells,
2007). Estes jovens estão sujeitos a diversas pressões (e.g. aculturação,
discriminação, racismo) e podem apresentar uma tendência para a prevalência de
condutas problemáticas, como início precoce da vida sexual ( Larkins, 2007;
Matos et al, 2006 ) , menor utilização de contraceptivos ( Brückner, Martin,
& Bearman, 2004; Matos et al, 2006), menor utilização do preservativo
(Larkins, 2007; Ogungbade, & James, 2005), relações sexuais associadas à
violência e relações sexuais casuais (Pontes et al, 2004), relações sexuais
associadas ao consumo de substâncias ( Larkins, 2007; Rashad & Kaestner,
2004).
Alguns autores consideram que estes resultados podem dever-se à etnicidade, mas
existe também um peso importante de outros factores, como a pobreza e o padrão
de comportamento familiar. No que diz respeito às populações carenciadas
existem diferenças de género acentuadas, desenvolvidas muitas vezes pela
educação que os pais deram aos seus filhos. As raparigas recebem da família
mensagens negativas e vagas acerca da sexualidade (Pacheco-Sánchez, 2007) ou
são responsabilizadas pelo comportamento sexual seguro e controlo da natalidade
( Ndinda, Chiweni, Uzodike, & Okeke, 2007). Com os rapazes, são mais
frequentemente abordados temas como as IST's e são aceites as relações sexuais
antes do casamento (Pacheco-Sánchez, 2007).
No que diz respeito à etnicidade, verifica-se que os estudantes de origem
africana consideram aceitável (para os homens) ter várias parceiras sexuais e
que devem ser os homens a decidir se querem usar preservativo ou não (Ferguson,
Sandelowski, Quinn, & Crouse, 2006). Os jovens migrantes residentes em
Portugal têm maior tendência para considerar que é o rapaz quem toma a
iniciativa em ter relações sexuais, passando para ele a responsabilidade
implícita de se preocupar com a prevenção (Matos et al, 2006). A aceitação da
gravidez em idades muito precoces como um mal necessário ou como sinónimo de
feminilidade é própria da cultura Africana. E m África muitas jovens são mães
sem o terem planeado e engravidam sem terem qualquer conhecimento acerca da
maternidade, cuidados com a sua própria saúde ou com a saúde da criança (Mushi,
Mpembeni, & Rose, 2007).
Alguns investigadores verificaram que os indivíduos migrantes e de baixo
estatuto socioeconómico têm crenças muitos específicas acerca do VIH/SIDA, que
podem originar comportamentos de risco. As crenças mais comuns são: associação
entre o aspecto físico debilitado e o VIH. ( Connell, McKevitt, & Low, 2004
; Moore, 2006), algum tempo depois do contágio a doença deixa de ser
transmissível (Moore, 2006), os problemas relacionados com a sexualidade só
acontecem aos outros ( Merchán-Hamann, 1995 ). Estas crenças determinam muitas
vezes a utilização (ou não) do preservativo numa relação sexual. O preservativo
tem habitualmente uma conotação negativa, pois aparece associado ao adultério e
à promiscuidade (Juarez, & Martin, 2006; Manuel, 2005; Moore, 2006;
Ogungbade, & James, 2005). Outros factores impeditivos para a utilização do
preservativo são a dificuldade em prever a relação sexual (Ogungbade, &
James, 2005), o preço dos preservativos (Ekere, Ogungbade, Gbadebo, Osemene,
Meshack, & Peters, 2005; Ogungbade, & James, 2005), as relações sexuais
associadas ao consumo de substâncias (Ekere, Ogungbade, Gbadebo, Osemene,
Meshack, & Peters, 2005) e a utilização de outros métodos contraceptivos,
como a pílula (Juarez, & Martin, 2006). Outro aspecto que influencia
fortemente os comportamentos sexuais dos adolescentes migrantes é a pressão dos
pares , que determina muitas vezes decisões relativas ao início da vida sexual
e à utilização de preservativos (Camargo & Botelho, 2007).
Entre os adolescentes mais carenciados existem alguns factores protectores que
estão correlacionados com maior adopção de comportamentos sexuais saudáveis,
nomeadamente a detenção de informação correcta (Juarez, & Martin, 2006) e a
comunicação com os pais (Aronowitz , 2005; Stanton et al, 2002). No entanto, os
pais geralmente não se mostram à vontade para abordar temáticas relacionadas
com a sexualidade. Os progenitores com menor nível socioeconómico e menor nível
de escolaridade consideram que não têm conhecimentos suficientes para que
possam transmitir aos seus filhos a informação de forma correcta (Lefkowitz,
Boone, Kit-fong, & Sigman, 2003). Por esta razão, a informação transmitida
pelos pais exige um complemento facultado pela escola, pelo centro de saúde e
pela comunidade, nomeadamente ao nível do apoio e supervisão. Paralelamente, é
fundamental que a escola faculte a todos os seus alunos uma educação sexual
adaptada às diferentes características da sua população.
A intervenção na saúde sexual e reprodutiva é considerada prioritária no Plano
de Prevenção 2007-2010 do Ministério da Saúde, pretendendo-se assegurar o
desenvolvimento e execução de programas de prevenção que promovam a adopção de
comportamentos preventivos, utilizando metodologias cientificamente
reconhecidas (Coordenação Nacional para a Infecção VIH/SIDA, 2007, p. 39).
Diante do panorama que temos actualmente em Portugal, é fundamental que exista
uma intervenção da escola ao nível da educação sexual (Reis & Vilar, 2004).
A criação de um programa de educação sexual que tenha em conta a
multiculturalidade e a diversidade socioeconómica permanece ainda hoje um
desafio. É essencial que sejam realizadas intervenções comunitárias que incluam
a participação da família, dos pares, da escola e da comunidade, criando
programas que promovam competências pessoais e sociais (Gaspar, Matos,
Gonçalves, Ferreira, & Linhares, 2006). Os programas de educação sexual nem
sempre têm resultados positivos nas comunidades migrantes e em situação de
iniquidade, não conseguindo obter o impacto esperado, principalmente quando
utilizam apenas o modelo biomédico. A utilização de uma perspectiva mais
abrangente, onde a intervenção coloca a tónica na comunidade, nas crenças e nos
factores sociais poderá originar programas mais eficazes. A análise dos
factores que influenciam as crenças, atitudes e comportamentos destes
indivíduos é de extrema importância na construção de programas de prevenção
adaptados a estas populações, pois todos estes factores podem influenciar
fortemente a adopção de comportamentos protectores ou comportamentos de risco
(Tortolero et al, 2005).
O presente estudo tem como principais objectivos saber quais são as
características específicas da sexualidade do adolescente, quanto à sua cultura
e estatuto socioeconómico, de modo a determinar quais são os factores de risco
e os factores protectores do comportamento sexual. Compararam-se
qualitativamente jovens de diferentes ambientes socioculturais e realizou-se
uma proposta de intervenção adaptada.
MÉTODO
Participantes
Neste estudo qualitativo achou-se pertinente a investigação de populações da
zona da Grande Lisboa pertencentes a contextos socioeconómicos diferentes:
médio-alto e baixo. Foram organizados 6 grupos focais, três numa escola pública
e três numa escola privada (rapazes, raparigas e misto), cada um com 12 alunos
(total: 72 alunos). As idades dos alunos dos grupos variam entre os 13 e os 15
anos (8º ano de escolaridade). Antes da formação do grupo os candidatos a
participantes foram escolhidos pelos professores, tendo em conta alguns
aspectos (ser representativo da população que se pretendia estudar e ter
autorização dos pais para participar).
Instrumentos/Material
A investigação foi desenvolvida a partir da informação retirada da pesquisa de
literatura e focalizou-se em factores dificilmente quantificáveis, como o
acesso à informação, as crenças, as atitudes, os comportamentos protectores e
os comportamentos de risco relativos à sexualidade dos adolescentes. Os grupos
focais são formas qualitativas de investigação que se traduzem em debates
orientados através de entrevistas semi-estruturadas (Matos, Gaspar, Vitória,
& Clemente, 2003; Matos, Gonçalves,& Gaspar, 2005 ; Vogt, King, &
King, 2004; Vogt, King, & King, 2004). Os materiais utilizados foram: um
gravador áudio e um bloco de notas.
Procedimento
Os grupos focais tiveram como foco principal o tema Sexualidade: informação,
crenças, atitudes e comportamentos. Na fase inicial da investigação foi
escolhido o setting do encontro e foi elaborado um guião de entrevista. Os
indivíduos seleccionados foram contactados, tendo sido convidados a integrar o
grupo (após ter sido solicitada autorização aos pais). Nas sessões, foram
feitas as apresentações através de uma actividade quebra-gelo e foram
esclarecidas as regras do debate, nomeadamente a duração da sessão (cerca de 90
minutos), o papel do moderador (colocar as questões e permitir o
desenvolvimento de outras questões consideradas pertinentes para o estudo), a
forma de recolha de dados (gravações, apontamentos), a garantia de
confidencialidade (Edmunds, 1999; Morgan et al, 1998). Foram lançadas questões
que tiveram como base a pesquisa bibliográfica efectuada e que incidiram sobre
as diferenças de género e diferenças culturais relacionadas com a sexualidade;
a influência da pressão dos pares na adopção de comportamentos de risco; a
importância dada ao sexo seguro e à contracepção; impacto da gravidez não
desejada na adolescência e da interrupção voluntária da gravidez; a importância
da educação sexual e os aspectos que devem ser trabalhados. À medida que as
sessões foram decorrendo, foram adicionadas algumas questões baseadas nos temas
que surgiram espontaneamente nos grupos (e.g. crenças acerca das IST´s, sites
considerados fontes credíveis de informação). Durante as sessões, os dados
foram recolhidos mediante gravações áudio e registos por escrito (Morgan et al,
1998). No final foram facultados os contactos do projecto, para que todos os
interessados pudessem obter informações sobre workshops desenvolvidos
futuramente e para que pudessem posteriormente conhecer os resultados do
estudo. Verificou-se que, de um modo geral, os jovens estiveram bastante
inibidos na fase inicial da entrevista. Após a actividade quebra-gelo
verificou-se maior espontaneidade e, à medida que a entrevista foi decorrendo,
quase todos os jovens conseguiram sentir mais confiança para partilhar as suas
ideias. No entanto, os grupos dos rapazes revelaram sempre uma maior
dificuldade em conversar sobre assuntos relacionados com a sexualidade.
Após o registo de todas as entrevistas em formato Word for Windows foi
elaborada uma análise de conteúdo, que englobou a definição de categorias, a
codificação e o registo de exemplos ilustrativos de cada categoria
identificada. Antes da realização dos grupos focais, foi necessária a
elaboração de guiões de entrevista adequados à população alvo e aos objectivos
pretendidos, com o intuito de melhor organizar e recolher a informação. Após a
categorização de cada grupo, os resultados obtidos foram tidos em conta na
elaboração das questões para o grupo seguinte. Apesar de terem focado temas
semelhantes, as entrevistas foram sendo adaptadas ao longo da realização dos
grupos focais.
RESULTADOS
Os resultados permitem identificar e caracterizar a percepção dos participantes
dos grupos focais acerca dos principais factores que poderiam influenciar os
comportamentos sexuais dos adolescentes, nomeadamente: (1) diferenças de
comportamento entre rapazes e raparigas; (2) factores económicos, sociais e
culturais; (3) fontes de informação; (4) pressão dos pares; (5) idade de início
das relações sexuais; (6) utilização de contracepção; (7) crenças acerca das
IST's; (8) gravidez na adolescência; (9) interrupção voluntária da gravidez;
(10) educação sexual.
Diferenças entre rapazes e raparigas
Os resultados obtidos através dos grupos focais revelaram que, de um modo
geral, os alunos consideram que existem claras diferenças entre rapazes e
raparigas, relativamente à forma como vivem a sexualidade. Enquanto os rapazes
pensam mais em sexo e falam mais entre eles, as raparigas têm conversas mais
sérias (os rapazes não guardam segredos. Nós guardamos e por isso confiamos
mais umas nas outras). Os rapazes admitem que deixam os afectos para segundo
plano, privilegiando as relações sexuais, ao contrário das raparigas, que
associam a sexualidade aos afectos e ao amor. Os jovens referem que é a
sociedade que os pressiona (a sociedade obriga os homens a serem assim). No
que diz respeito à forma como são educados, alguns jovens consideram que os
pais educam os filhos de forma diferente (consoante o género).
Factores económicos, sociais e culturais
Tanto os jovens do externato como os jovens da escola consideram que existem
diferenças relacionadas com os factores económicos, sociais e culturais. As
respostas dos alunos do externato mostram maior distanciação/discriminação face
aos jovens mais carenciados e/ou de outras raças, assim como em relação aos
jovens que frequentam as escolas públicas: os adolescentes de outras escolas
são diferentes. Os jovens do externato consideram que vivem numa situação
privilegiada e acham que existe uma diferenciação clara entre as escolas
públicas e privadas: nesta escola há mais informação sobre as doenças,
contraceptivos, etc.; nas outras escolas (públicas) há mais raparigas que
engravidam, principalmente as escolas problemáticas. Para os alunos do
externato a pobreza pode influenciar negativamente a forma como se vive a
sexualidade. Os alunos do externato referem que a forma como as famílias
carenciadas educam as crianças parece ser uma das razões apontadas para a
existência de diferenças na forma como vivem a sexualidade. O ESE poderá estar
relacionado com menor escolaridade dos pais ou falta de tempo para conversar
com os filhos, o que significa menos informação. Os alunos da escola referem
que têm uma relação próxima com adolescentes que vivem em bairros sociais e que
estes têm mais comportamentos de risco (começam a ter relações sexuais mais
cedo;têm mais doenças). Consideram que estes comportamentos podem surgir por
falta de informação; falta de dinheiro; sentimentos de inferioridade; ausência
da figura paterna; crenças.
Tanto os alunos do externato como os alunos da escola consideram que a cultura
e a etnicidade influenciam a forma como os adolescentes vivem a sexualidade. As
diferenças identificadas referem-se essencialmente a brasileiros e africanos:
Os brasileiros são mais atrevidos; os africanos entendem a sexualidade de
maneira diferente; em África têm mais filhos, sentem desejo e não controlam
isso. Consideram que a origem destas diferenças está relacionada com a
cultura:o simbolismo de ter uma família grande, para os africanos é
importante. Eles passam isto de geração em geração. Atribuem também as
diferenças à falta de informação e dificuldade de acesso aos serviços de saúde.
A educação também é apontada como causa das diferenças entre culturas: os pais
deles são diferentes dos nossos, não têm tanta informação e por isso não
conseguem transmitir estas coisas de forma igual. Alguns dos jovens referiram
que as diferenças estão associadas à pobreza e não à etnicidade/cultura eu
acho que eles acabam por se adaptar a nós e deixa de haver diferenças.
Fontes de informação
No que diz respeito às fontes de informação, tanto no externato como na escola
a Internet foi considerada por todos a fonte preferencial de informação sobre
sexualidade. Nos grupos do externato também surgiram referências a pais e
professores, enquanto nos grupos da escola surgiram referências a outras
fontes, como livros; programas de televisão do canal Odisseia; trabalhos de
grupo e amigos.
Pressão dos pares
A maior parte dos jovens refere que a pressão dos pares para que os jovens
iniciem a sua vida sexual mais cedo é uma realidade e afecta essencialmente
rapazes. Comparados com os jovens da escola, existem mais jovens no externato a
admitir a existência de pressão dos pares claro! Se ninguém na minha turma
fosse virgem eu também não queria ser o único.
Idade de início das relações sexuais
Relativamente à idade de início das relações sexuais, os jovens do externato
referem mais vezes o adiamento do início da vida sexual, enquanto os jovens da
escola referem mais a antecipação. No entanto, a grande maioria refere que não
existe uma idade ideal, sendo mais importante o grau de maturidade do jovem e o
facto de se sentir preparado ou não.
Métodos contraceptivos
A maior parte dos jovens fez referência a poucos métodos contraceptivos. No
entanto, desenvolveram-se em todos os grupos questões relacionadas com o
preservativo.
Crenças acerca das IST´s
Nas sessões com os grupos foram referidas algumas crenças acerca das IST's.
Discutiram-se também comportamentos de discriminação/aceitação dos doentes com
SIDA, tendo sido notória uma maior discriminação nos grupos do externato e nos
grupos dos rapazes se tivesse um colega com VIH xiiiii, isso eu não sei;
igual não era, eu não reagia bem; eu não o aceitava; não queria ser amigo
dele.
Gravidez na adolescência
Relativamente à gravidez na adolescência foram identificadas diferenças entre
os jovens do externato e os jovens da escola. Enquanto os jovens do externato
não desenvolveram o tema, os jovens da escola descreveram alguns casos que
conhecem bem, relativos a colegas que engravidaram recentemente aqui na escola
há sempre muitas raparigas grávidas. Alguns alunos da escola procuram atribuir
causas à gravidez das suas colegas: namoram com um, namoram com outro, depois
engravidam e não há aborto nem nada; os pais não lhes ligam; não têm
informação. Tanto na escola como no externato quase todos os jovens referem
que os pais emitem frequentemente avisos claros sobre o que fariam se se
deparassem com esta situação. Existem diferenças claras entre a escola e o
externato, relativamente à forma como os pais emitem essas mensagens. No
externato, os avisos dos pais surgem geralmente em mensagens implícitas e
pouco directas os nossos pais investem muito em nós, gastam muito dinheiro
connosco. No meu caso, depositam uma grande confiança em mim e eu não quero
trair essa confiança. É por isso que não quero correr riscos. Nas conversas
com as filhas, muitos pais referem que condenam a gravidez na adolescência, mas
o seu apoio seria incondicional: sei que eles nunca me iam abandonar por eu
ter um bebé. Na escola, os pais comunicam geralmente através de ameaças
claras: os meus batiam-me (no total, mais de metade dos jovens participantes
nos três grupos deram esta resposta); ia trabalhar para as obras, já me
avisaram; tinha que ir trabalhar, não me deixavam continuar a estudar (cerca
de ¼ dos jovens dos 3 grupos). Alguns jovens referem também que os pais teriam
que aceitar, uma vez que também eles tinham sido pais adolescentes: os meus
aceitavam, eles também tiveram filhos muito novos.
Interrupção voluntária da gravidez
Relativamente às opiniões acerca da interrupção voluntária da gravidez, as
opiniões dividem-se. Verifica-se que é no externato que existem mais jovens a
não concordar com o aborto.
Educação sexual
São sugeridos alguns exemplos de boas práticas em educação sexual. Em todos os
grupos a maior parte dos jovens referiu que a abordagem dos pais deve ser
repensada. Alguns jovens pensam que se deve falar de sexualidade na infância.
Na escola, também foi referida por alguns jovens a atitude de desconfiança dos
pais, sempre que o filho quer falar de sexualidade, o que prejudica o diálogo:
acima de tudo eles precisavam de confiar em nós para que nós nos sentíssemos à
vontade a falar neste assunto. Mais uma vez, a severidade dos pais foi
referida pelos alunos da escola não deviam dar castigos se falássemos em
sexualidade; se quando se começa a falar de sexualidade eles ficam logo com
cara de maus, o que é que nós vamos dizer? Assim é difícil falar. Foram
referidos exemplos de boas práticas, nomeadamente ter uma conversa; falar de
forma mais meiga, sem serem brutos; ter um ambiente descontraído. A grande
maioria dos jovens de todos os grupos referiu que a educação sexual nas escolas
é extremamente importante. Quanto à dimensão e composição do grupo, a maior
parte dos jovens estava de acordo: se somos muitos ficamos inibidos.
Sugeriram ainda sessões com a turma toda, mas com sessões para rapazes e
raparigas separados (quase todos os jovens do grupo da escola, rapazes e
raparigas); um gabinete onde a pessoa pudesse ir lá sozinha quando precisasse,
assim era confidencial e a pessoa sentia-se mais à vontade. A maior parte dos
jovens do externato fez referência à periodicidade das sessões, estando em
maioria aqueles que referiram uma vez por semana. Também foram sugeridos
conteúdos, existindo um consenso entre quase todos os jovens: ter a
oportunidade de fazer perguntas; permitir que o aluno deixe questões numa
caixa, para ser anónimo. Os outros conteúdos referidos mais vezes foram:
falar dos perigos, quando é que se deve usar/não usar preservativo, explicar
como é quando se quer ter um filho, como se toma a pílula; explicar coisas
relacionadas com a higiene; falar de precauções; as doenças
transmissíveis; efeitos da pílula; efeitos do aborto; como é que é feito
um aborto e onde se deve recorrer.
DISCUSSÃO
Os resultados obtidos permitiram-nos identificar claras diferenças entre grupos
provenientes de diferentes contextos socioculturais, o que justifica a criação
de programas de educação sexual adaptados a diferentes populações. Vários a
utores têm investigado ao longo dos últimos anos quais os factores que mais
influenciam o comportamento sexual dos jovens (K irby, 2001a; Muluka, &
Slonim-Nevo, 2007; Parker & Camargo, 2000; Pontes et al, 2004). Os
resultados do presente estudo corroboram os resultados encontrados por estes
autores e sugerem que os factores que mais influenciam os seus comportamentos
sexuais são os seguintes: factores económicos, fontes de informação, influência
dos pares, crenças/atitudes sobre sexualidade e relação com a escola.
Factores económicos e características da comunidade
Tal como defendem alguns autores (Kirby, 2001; Singh, Darroch, & Frost,
2001), os jovens estudados referem que os factores económicos, e não tanto a
etnicidade, influenciam em grande medida os comportamentos sexuais. Além de
estarem menos informados, estes jovens têm também menos recursos para comprar
preservativos e menos acesso às consultas de planeamento familiar. As famílias
carenciadas apresentam também características específicas, nomeadamente maior
insegurança relativamente à qualidade da informação transmitem, dificuldade em
falar sobre sexualidade e tendência para abordar o assunto com agressividade.
Tal como referem alguns autores, os comportamentos repressivos, punitivos ou
contraditórios por parte dos pais podem ter o efeito oposto ao pretendido
(Deering, 1993; Taquette et al., 2005; Weiss, 2007). Relativamente às condições
económicas, este estudo identificou algumas especificidades dos grupos
entrevistados no externato, jovens pertencentes à classe média-alta. Os
participantes revelaram ter mais acesso à informação, mas menor percepção de
risco, referindo-se sempre aos outros como aqueles que estão mais expostos ao
risco. Dão menos importância à utilização do preservativo (e mais importância
aos contraceptivos), por considerarem que a confiança no parceiro os pode
proteger, e mostram também uma atitude mais discriminatória perante os doentes
com VIH. A gravidez não desejada é algo que os preocupa, especialmente pelo
medo de terem que abandonar os estudos e os seus objectivos para o futuro.
Muitos jovens referem ainda o medo de trair a confiança dos pais e de os
deixarem desiludidos, por acharem que os pais investem bastante no seu bem-
estar e na preparação para o futuro.
Fontes de informação
No que diz respeito às fontes de informação , assiste-se actualmente a mudanças
significativas a este nível. Verifica-se que os jovens dão grande importância à
Internet, tal como verificaram diversos autores (Borzekowski, & Rickert,
2001; Hansen, Holly, Resnick, e Richardson, 2003). No entanto, a Internet nem
sempre transmite informação correcta. Grande parte dos jovens entrevistados,
especialmente os mais carenciados, não saberem o que significa consulta de
planeamento familiar, não conhecem as principais IST´s e não sabem como se
podem proteger. Estes resultados são independentes do ESE, tal como é sugerido
pelos grupos focais. Considera-se que estes dados são extremamente
preocupantes, já que o estilo de vida actual (início precoce da vida sexual,
muitos parceiros sexuais, poucas relações estáveis) contribui para que os
jovens sejam um alvo fácil das IST's (Charlotte, Fitzjohn, Herbison, &
Dickson, 2000).
Influência dos pares
A influência dos pares exerce uma importância significativa nas decisões dos
jovens, tal como defendem alguns autores ( Borges, Latorre, & Schor, 2007;
Martins, Nunes, Muñoz-Silva; & Sanchez-Garcia, 2008). No presente estudo,
verifica-se a existência de um desfasamento entre a idade estimada e a idade
real do início da vida sexual dos jovens. Tendo em conta a existência de uma
influência dos comportamentos dos pares, é importante salientar que as
estimativas erradas que os jovens fazem acerca da vida sexual dos seus pares
pode ter consequências nos seus comportamentos e, em especial no caso dos
alunos da escola, estas estimativas podem levar os jovens a antecipar o início
da sua vida sexual por pensarem que os seus colegas/amigos já são sexualmente
activos. Verifica-se que são os rapazes quem exerce mais pressão para que os
outros tenham uma vida sexual activa. Estes resultados vão de encontro aos de
Arilha e Calazans (1998, cit. por Vieira, 2008) e são mais comuns entre os
rapazes de classe média-alta (grupos focais do externato).
Crenças/atitudes sobre sexualidade
Um dos aspectos a salientar relaciona-se com as crenças e atitudes associadas
aos doentes com VIH/SIDA. Relativamente aos conhecimentos sobre a doença, a
maior parte dos jovens mostra ter conhecimentos correctos, sendo as raparigas e
os jovens provenientes de meios diferenciados aqueles que têm mais
conhecimentos correctos acerca dos modos de transmissão. Estes resultados foram
observados nos estudos HBSC 2006, tendo sido identificada uma evolução positiva
nos conhecimentos dos jovens em 2006, em comparação com o estudo HBSC 2002
(Matos et al, 2006). No entanto, a atitude perante os doentes é geralmente
discriminatória, apesar de reconhecerem que se trata de um contra-senso (a
proximidade física e a amizade não constituem risco de contágio) muitos jovens
admitem que não seriam capazes de se sentar a lado de um doente com VIH/Sida
nem de manter uma amizade. Nos grupos focais, são os rapazes, especialmente
aqueles que são provenientes de famílias mais diferenciadas, quem apresenta uma
atitude mais discriminatória. A principal razão referida é o medo, admitido
como irracional (pois estes jovens sabem quais as formas de contágio). Por
outro lado, as raparigas (independentemente do ESE) apresentam uma atitude mais
tolerante perante os doentes com VIH/SIDA, justificando esta atitude com um
sentimento de segurança relativamente à qualidade dos conhecimentos que têm
sobre os modos de transmissão. São também referidos valores como a amizade e o
interesse em ajudar o outro para justificar esta atitude.
Relação com a escola
A melhor forma de combater os inúmeros problemas associados a uma sexualidade
pouco responsável passa pela prevenção e mudança de comportamentos ( Dias,
Matos, & Gonçalves, 2002; Matos et al, 2003a ), sendo fundamental que a
Escola reúna esforços para a organização de uma intervenção a este nível. Tal
como defendem alguns autores (Malik, Oandasan, & Yang, 2002) é fundamental
a criação de inúmeras estratégias de promoção da saúde nesta faixa etária.
Os alunos, independentemente do género, cultura ou condição social, consideram
fundamental a existência de educação sexual nas escolas, referindo que existem
alguns aspectos importantes a ter em conta. Os jovens referem que a educação
sexual deve começar na infância e em casa. Os pais devem ter uma atitude de
naturalidade, manter um ambiente descontraído, não fazer juízos de valor e não
agir com comportamentos repressivos. Para os jovens que fizeram parte do
estudo, a educação sexual deve iniciar-se no 1º Ciclo e prolongar-se até ao
final da adolescência. Os grupos devem ser pequenos e as sessões devem ser
dinamizadas por técnicos com formação específica na área. Dadas as limitações
do estudo, nomeadamente a dimensão da amostra e o facto de se tratar de uma
avaliação qualitativa, os resultados devem ser interpretados com cuidado. Seria
benéfico se fossem realizados mais grupos focais noutras escolas, o que
permitiria entrevistar um maior número de alunos. Relativamente à intervenção,
também se considera que deveria alargar-se a um maior número de turmas e a
diferentes faixas etárias. O delineamento de um estudo longitudinal, que
permitisse acompanhar os alunos ao longo de vários anos também permitiria uma
investigação da sua evolução, assim como uma acção preventiva mais sólida.
A educação sexual é fundamental no âmbito de qualquer programa de promoção da
saúde do adolescente. É importante que se continuem a desenvolver esforços para
que se construam programas de educação sexual cada vez mais eficazes, que não
se limitem a ter como base ideias demasiado estanques e pré-concebidas, optando
preferencialmente por uma intervenção através uma visão mais abrangente do
indivíduo e tendo em conta a comunidade onde está inserido, a sua família, a
sua escola, os seus pares e as suas características individuais.