Atitudes face à sexualidade nos adolescentes num programa de educação sexual
A educação sexual (ES) é a mais importante forma de prevenção de problemas
ligados à saúde sexual e reprodutiva dos jovens (Ramiro, Reis, Matos, Diniz,
& Simões, 2011). A sua implementação, em contexto escolar, acontece um
pouco por todo o mundo (Kirby & Laris, 2009; Kirby, Laris, & Rolleri,
2007; Kirby, Obasi, & Laris, 2006; Marinho, Anastácio, & Carvalho,
2010; Robin et al., 2004). Estes programas utilizam metodologias diferentes,
uns mais centrados na transmissão de conhecimentos, outros na aquisição de
competências (Kirby, Laris, & Rolleri, 2006); uns liderados por adultos,
outros por jovens (Kirby, Obasi, et al., 2006); e uns com conteúdos mais
abrangentes, e outros mais restringidos à transmissão de conhecimentos
biológicos ou à demonstração de determinados comportamentos relacionados com a
sexualidade (Kirby & Laris, 2009).
Face a esta diversidade, torna-se necessário verificar a eficácia desses mesmos
programas. Para tal, têm sido utilizados vários indicadores. Comportamentos
sexuais, como o início das relações sexuais e a utilização de preservativos,
têm sido dos indicadores mais utilizados, segundo algumas das revisões da
literatura mais recentes (Kirby, et al., 2007; Kirby, Obasi, et al., 2006;
UNESCO, 2010). As atitudes face à sexualidade também têm sido utilizadas para
avaliar o impacto de programas de ES, alguns deles desenvolvidos em contexto
escolar (Aarons et al., 2000; Carrera, Lameiras, Foltz, Núñez, & Rodriguez,
2007; Díaz et al., 2005; Larsson, Eurenius, Westerling, & Tydén, 2006;
Lederman, Chan, & Roberts-Gray, 2004; Lemos, 2002; Piscalho & Leal,
2002; Pontes, 2010; Santos, 2009; Silva & Meneses, 2010; Sousa, Soares,
& Vilar, 2007). O estudo das atitudes face à sexualidade é importante
porque as mesmas são uma predisposição para opinar, sentir e atuar face a
objetos sexuais, situações, pessoas diferentes, normas ou costumes sociais e
condutas sexuais (Diéguez, López, Sueiro, & López, 2005; López, 2009; López
& Fuertes, 1999). A sua pertinência é-nos evidenciada por López (2009), que
refere que a promoção das atitudes face à sexualidade que se consideram
adequadas e a alteração daquelas que não se consideram saudáveis é um dos
objetivos gerais da Educação Sexual (p. 105). A relevância do seu conhecimento
torna-se evidente por nos permitir entender como os jovens se sentem com a sua
sexualidade, e as decisões que poderão tomar na vivência da mesma (Juhasz,
Kaufman, & Meyer, 1986).
Em Portugal a formulação e implementação da ES nas escolas tem-se revelado um
processo longo e complexo, objeto de apaixonados debates ideológicos e pressões
políticas em que intervêm vários atores sociais. (Vaz, 1996, p. 51). A
primeira abordagem formal à ES em Portugal ocorre em 1971, quando foi criada a
comissão interministerial para o estudo da educação e sexualidade. Esta
comissão elaborou, e discutiu, um texto com recomendações para o ensino;
contudo, esse texto nunca foi concluído (Vaz, 1996). Apenas em 1984 se
reconhece, através da Lei n.º 3/84, que o estado garante o direito à ES, como
componente do direito fundamental à educação e que os programas escolares
incluirão, de acordo com os diferentes níveis de ensino, conhecimentos
científicos sobre anatomia, fisiologia, genética e sexualidade humanas, devendo
contribuir para a superação das discriminações em razão do sexo e da divisão
tradicional de funções entre homens e mulheres (p. 981). Apesar de ter sido
publicada inúmera legislação, só em 2009 foi determinada, através da publicação
da lei n.º 60 e, posteriormente, da Portaria n.º 196-A de 2010, a
obrigatoriedade da ES nas escolas portuguesas, através dos projetos de ES na
turma (PEST). Assim, parece-nos importante verificar se um programa que
respeite as orientações da legislação poderá ter impacto nas atitudes face à
sexualidade dos adolescentes.
Assim, o objetivo do nosso estudo é avaliar o impacto que um programa de ES,
respeitando as indicações da lei n.º 60 de 2009 e da Portaria n.º 196-A de
2010, tem nas atitudes face à sexualidade de adolescentes.
MÉTODO
O presente estudo desenvolveu-se num design quasi-experimental. Vários são os
estudos que utilizaram este tipo de metodologia para avaliar o impacto de um
programa de educação sexual na turma (PEST), como Larsson et al (2006), Carrera
et al. (2007) e em Portugal, McIntryre e Araújo (1999), Santos (2009), e Pontes
(2010). De acordo com Ribeiro (2007) e como refere McIntyre e Araújo (1999),
este tipo de programa está bastante próximo do plano experimental, residindo a
principal diferença no facto de, no plano experimental, se controlar a
equivalência dos dois grupos através da aleatorização da amostra,
característica que nem sempre é possível concretizar em certos tipos de
investigação (p. 621). No presente estudo e tal como referido anteriormente,
as amostras não puderam ser aleatórias porque são investigações realizadas em
contexto escolar, em que os sujeitos estão organizados em grupos turma pré
definidos.
Foram assim constituídos dois grupos de estudo, um experimental (GE), com uma
amostra de conveniência e sujeito a intervenção de um projeto de ES, e um
outro, de controle (GC), que não beneficiou de qualquer intervenção. As
características destes grupos, relativas às variáveis em estudo, serão
descritas ao longo deste artigo.
Foram avaliadas, em ambos os grupos e antes e depois da intervenção, as
atitudes face à sexualidade
Participantes
Participaram neste estudo noventa e nove adolescentes, que foram divididos
pelos dois grupos, o GE e o GC. As características dos elementos dos dois
grupos estão descritas no quadro 1.
Quadro 1
Caracterização do grupo experimental e do grupo de controle
O GE é constituído por cinquenta e oito adolescentes, com trinta e três
raparigas e vinte e cinco rapazes, e o GC por quarenta e um adolescentes, com
dezassete raparigas e vinte e quatro rapazes. As idades variam, para os dois
grupos, entre os doze e os catorze anos. A divisão dos grupos corresponde a
três turmas, para o GE, e duas para o GC. Não se verificaram diferenças
estatisticamente significativas, nas variáveis analisadas, entre estes dois
grupos.
Programa de educação sexual na turma
A conceção e implementação do PEST, avaliado no presente estudo, decorreram ao
longo de diversas fases, das quais apenas descreveremos as mais relevantes: a
avaliação diagnóstica; o estabelecimento de finalidades e objetivos; a
determinação da carga horária, a definição da calendarização, e a escolha dos
professores envolvidos, assim como as atividades a desenvolver ao longo das
sessões.
O programa iniciou-se com a avaliação dos interesses e das necessidades dos
adolescentes face aos temas propostos para o seu ciclo de ensino, considerando
a Portaria n.º 196-A de 2010. A metodologia utilizada foi a caixa de perguntas
(Frade, Marques, Alverca, & Vilar, 2009). Os temas mais escolhidos pelos
alunos foram: a dimensão ética da sexualidade humana; a compreensão da
sexualidade como uma das componentes mais sensíveis da pessoa, no contexto de
um projeto de vida que integre valores e uma dimensão ética; o conhecimento das
taxas e tendências de maternidade e da paternidade na adolescência e a
compreensão do respetivo significado; o conhecimento das taxas e tendências das
interrupções voluntárias de gravidez, as suas sequelas e respetivo significado;
a compreensão da noção de parentalidade no quadro de uma saúde sexual e
reprodutiva saudável e responsável.
Após a definição dos temas, foram estabelecidas as finalidades a atingir, tendo
sempre como ponto de partida as propostas pela lei n.º 60 de 2009. De seguida,
determinaram-se os objetivos para cada sessão, tendo como referência os
propostos em Educação Sexual em Meio escolar(ME, MS, APF, & CAN, 2000), e
tendo ainda em consideração os conhecimentos que se pretendiam transmitir, as
atitudes que se procuravam refletir e as competências que se desejavam
desenvolver.
Na conceção e implementação deste projeto foi respeitada a carga horária de
doze horas, como prevista na Portaria n.º 196-A de 2010, organizadas em blocos
de noventa minutos. As sessões foram implementadas durante o segundo período
letivo e foram envolvidos seis professores, incluindo os vários diretores de
turma e professores das áreas curriculares disciplinares e não disciplinares.
A cada sessão deste PEST correspondia a realização de múltiplas atividades, o
que permitia alguma abrangência nos objetivos propostos para as mesmas (ver
quadro 2).
Quadro 2
Objetivos por sessão
Para tal, foi decisiva a utilização de blocos de noventa minutos, relativamente
aos de quarenta e cinco, pelo fato de garantirem, proporcionalmente, mais tempo
para a realização de atividades.
As metodologias utilizadas estão discriminadas por sessão (ver quadro 3), sendo
que todas previam o envolvimento ativo dos participantes, tal como sustentado
pela literatura (Kirby, Laris, et al., 2006; Lopes, 2006; Ramiro, Matos, &
Vilar, 2008; UNESCO, 2008); este tipo de metodologias já tinha sido utilizado
noutros estudos realizados em Portugal (Ferreira et al., 1999; Jesus, 2011;
Oliveira, Fernandes, & Pinheiro, 2003; Pontes, 2010; Santos, 2009; Silva,
2006; Vilaça, 2005).
Quadro 3
Metodologias por sessão
Material
Como instrumento de avaliação utilizou-se um questionário e uma escala. O
questionário tem como objetivo a caraterização sociodemográfica dos
adolescentes, e é constituído por cinco questões de resposta fechada. A escala
corresponde à Escala de Atitudes Sexuais - versão Adolescente, EAS-A (Gouveia,
Leal, Maroco, & Cardoso, 2010), e destina-se a sujeitos com idades
compreendidas entre os 12 e os 18 anos de idade. Esta foi adaptada da escala de
atitudes sexuais (Alferes, 1997), que se baseou na original de Hendrik e
Hendrick (1987). A EAS-A tem como subescalas a permissividade face ao sexo
ocasional sem compromisso, a instrumentalidade ou prazer físico e a
permissividade com amor, e tem também a escala global relativa às atitudes
sexuais. Esta escala é do tipo Likert, variando de 1, completamente em
desacordo, a 5, completamente de acordo. As respostas à escala com pontuações
mais elevadas refletem atitudes utilitárias, e as de menor pontuação refletem o
contrário (Hendrick & Hendrick, 1987, p. 523). Contudo, e contrariamente
ao descrito na escala original e na adaptação de Alferes (1997), a escala por
nós utilizada, EAS-A (Gouveia, et al., 2010), está invertida, pois ela varia de
1, concordo totalmente, a 5, discordo totalmente.
Procedimentos
O instrumento foi aplicado nos dias correspondentes à primeira e última sessões
deste PEST, em contexto de sala de aula, aos adolescentes dos dois grupos.
Procurou-se proporcionar, durante o preenchimento deste instrumento, a
serenidade e a privacidade desejáveis, sendo ainda disponibilizado o apoio
necessário ao esclarecimento de qualquer dúvida.
Foi utilizada estatística descritiva (mediana), bem como o teste não
paramétrico U Mann-Whitney, para comparar grupos independentes, e o teste de
Wilcoxon, para comparar o grupo em dois momentos. Foi empregue o programa SPSS
versão 19.
RESULTADOS
Os resultados obtidos no nosso estudo permite-nos verificar o impacto de um
PEST nas atitudes face à sexualidade de adolescentes, mas também reconhecer a
forma como esse impacto varia com algumas das características desses mesmos
adolescentes.
Constatamos que os adolescentes do GE, após a participação no PEST, revelam
atitudes significativamente mais permissivas face ao sexo ocasional sem
compromisso, do que os adolescentes do GC (ver quadro 4), o que não se tinha
verificado antes dessa participação. Essas atitudes traduzem-se numa maior
concordância face às relações sexuais ocasionais, à masturbação e às relações
sexuais sem componente afetiva (correspondente à subescala de permissividade
face ao sexo ocasional sem compromisso). Com a participação no PEST, o GE
parece alterar significativamente as suas atitudes sexuais, apresentando-se
mais permissivo face ao sexo ocasional sem compromisso, mais instrumentalista,
e mais utilitário relativamente à sua sexualidade. Considera-se na EAS-A que
uma maior instrumentalidade significa uma maior associação entre o sexo e o
prazer, e entre o sexo e as funções corporais (correspondente à subescala de
instrumentalidade ou prazer físico); e que o maior utilitarismo relativo à
sexualidade está associado à maior concordância face a todos os itens que
constituem a escala (Antunes, 2007), e que corresponde à escala global relativa
às atitudes sexuais.
Quadro 4
Impacto do programa de educação sexual na turma nas atitudes face à sexualidade
de adolescentes
Quando analisamos o impacto deste PEST, considerando o sexo dos sujeitos,
verificamos que as diferenças significativas verificadas na primeira avaliação
não se constataram na segunda. Assim, e antes desta participação, as raparigas
apresentavam uma menor concordância com as relações sexuais ocasionais, com a
masturbação e com as relações sexuais sem componente afetiva (correspondente à
subescala de permissividade face ao sexo ocasional sem compromisso), uma menor
associação entre o sexo e o prazer, e entre o sexo e as funções corporais
(correspondente à subescala de instrumentalidade ou prazer físico), e um menor
utilitarismo relativo à sexualidade (corresponde à escala global relativa às
atitudes sexuais).Verificou-se também que as raparigas alteraram
significativamente as suas atitudes face à sexualidade, tornaram-se se mais
permissivas face ao sexo ocasional sem compromisso e mais instrumentalistas
(ver quadro 5).
Quadro 5
Impacto do programa de educação sexual na turma nas atitudes face à sexualidade
de rapazes e raparigas
Quando analisamos o impacto que o PEST teve nos adolescentes com e sem
retenções no seu percurso escolar, verificamos que apenas os adolescentes sem
retenções alteraram significativamente as suas atitudes face à sexualidade,
tornando-se se mais permissivos face ao sexo ocasional sem compromisso (ver
quadro 6).
Quadro 6
Impacto do programa de educação sexual na turma nas atitudes face à sexualidade
de adolescentes com e sem retenções no seu percurso escolar
Na análise do impacto que o PEST teve nos adolescentes com e sem usufruto de
apoio social (ver quadro 7), verificamos que apenas os adolescentes que não
usufruem desse apoio se tornaram significativamente mais permissivos face ao
sexo ocasional sem compromisso. Verificamos também que a frequência do PEST
parece ter induzido diferenças significativas entre os dois grupos, com os
adolescentes com apoio social a manifestarem uma menor associação entre as
relações sexuais com a amizade e o amor, (correspondente à subescala da
permissividade com amor), e os sem escalão, o inverso.
Quadro 7
Impacto do programa de educação sexual na turma nas atitudes face à sexualidade
de adolescentes com e sem o usufruto de apoio social
DISCUSSÃO
Os adolescentes que participaram no PEST revelaram, após a implementação do
mesmo e relativamente aos que não participaram, atitudes de maior concordância
face às relações sexuais ocasionais, à masturbação e às relações sexuais sem
componente afetiva. Após esta participação, os adolescentes associaram mais
facilmente o sexo com o prazer e com as funções corporais.Estes resultados
parecem evidenciar uma mudança no sentido de atitudes face à sexualidade mais
liberais. Esta mudança parece-nos a mais desejável, uma vez que uma atitude
mais liberal face à sexualidade, não só em termos individuais como da sociedade
em geral, tem vindo a ser correlacionada com menores taxas de gravidez na
adolescência, aborto e IST (Pontes, 2010, p. 193). Esta ideia é também
reforçada no relatório do Guttmacher Institute, porque Onde os jovens recebem
apoio social, total informação e mensagens positivas em relação à sexualidade e
às relações sexuais, e têm fácil acesso a serviços de saúde sexual e
reprodutiva, eles assumem comportamentos mais saudáveis e as taxas de gravidez,
aborto e IST são mais baixas. (Darroch, Frost, & Singh, 2001, p. 10).
O impacto deste tipo de projeto nas atitudes face à sexualidade de jovens já
tinha sido descrito na literatura (Aarons, et al., 2000; Carrera, et al., 2007;
Díaz, et al., 2005; Larsson, et al., 2006; Lederman, et al., 2004; Piscalho
& Leal, 2002; Pontes, 2010; Santos, 2009). Contudo, a comparação dos seus
resultados está muito condicionada pela variedade de indicadores utilizados,
bem como pela restrita definição dos mesmos: a atitude de atraso no início das
relações sexuais ou atitude de atraso relativamente a uma primeira gravidez
(Aarons, et al., 2000) não é caraterizada pelos seus autores; as atitudes
relativas a comportamentos sexuais de risco (Lederman, et al., 2004),
correspondem a respostas acerca das condições sob as quais é aceitável ter
relações sexuais; a atitude face à contraceção de emergência (Larsson,
Eurenius, Westerling, & Tydén, 2004), corresponde a cinco respostas, que
alternam entre o concordo totalmente e o discordo totalmente e que exploram as
atitudes face à contraceção de emergência (p. 310); a atitude face à
sexualidade(Díaz, et al., 2005), envolve a concordância ou desacordo com treze
afirmações relacionadas com mitos e tabus frequentemente associados a este
tópico (pp. 591-592); a atitude face à sexualidade (Carrera, et al., 2007),
corresponde a uma adaptação da escala de atitudes face à sexualidade (Fisher et
al., 1988), com treze itens e em que as pontuações mais elevadas correspondiam
a atitudes mais positivas face à sexualidade; as atitudes e opiniões sobre
sexualidade (Santos, 2009), é referente a uma tradução e adaptação do Test de
Actitudes y Opiniones sobre Sexualidad (Millán & Álvarez-Gayou, 2009),
composta por vinte e um itens distribuídos em três fatores, a integração
sexual, os mitos sobre sexualidade e a vivência do corpo sexuado; e a atitude
em relação ao corpo e à sua imagem corporal, a atitude em relação à
homossexualidade, a atitude em relação à interrupção voluntária da gravidez; e
a atitude em relação às questões de género (Pontes, 2010), em que as atitudes
eram classificadas como liberais ou conservadoras. De salientar ainda o estudo
de Piscalho e Leal (2002) que, apesar de se referir a atitudes, não as define.
Assim, parece evidenciar-se que os programas em ES têm impacto nas atitudes
face à sexualidade dos adolescentes, que é necessária uma maior fundamentação
concetual nos indicadores para essas mesmas atitudes, e que a utilização de um
número mais reduzido de indicadores permitiria a comparação dos resultados
obtidos em diferentes estudos.
Na análise do impacto deste PEST nas atitudes face à sexualidade, considerando
o sexo dos sujeitos, verificamos que as diferenças significativas entre rapazes
e raparigas na primeira avaliação não se constataram na segunda, tendo as
raparigas alterado significativamente as suas atitudes. Assim, e após a
frequência do PEST, as raparigas expressaram uma maior concordância face às
relações sexuais ocasionais, à masturbação e às relações sexuais sem componente
afetiva, e estabeleceram também uma maior associação entre o sexo e o prazer, e
entre o sexo e as funções corporais.
Estão descritos na literatura resultados semelhantes, com as raparigas a
revelarem atitudes face à sexualidade menos permissivas (Alferes, 1997;
Antunes, 2007; Coleman & Testa, 2008), que para o primeiro e segundo autor
estariam relacionadas com a diversidade e simultaneidade de parceiros sexuais
(Hendrick & Hendrick, 1987) e para os terceiros estariam relacionadas com o
grau de acordo com seis questões relacionadas com temas e comportamentos
sexuais(Coleman & Testa, 2008, p. 62); atitudes menos liberais (Álvarez-
Gayou, Honold, Millán, & Ortega, 2004), relativas ao grau de acordo, numa
escala de 60 itens, em temas como as expressões da sexualidade, a integração
das componentes somáticas, emocionais, intelectuais e sociais da sexualidade
humana, o apego às normas rígidas da sexualidade, ao apoio a pessoas que foram
oprimidas pela sociedade em geral, e ainda a aceitação de práticas de
interrupção da gravidez durante o primeiro trimestre; atitudes menos associadas
ao sexo sem compromisso (Antunes, 2007; Ramos et al., 2008), avaliadas através
da utilização da versão parcial do inventário psicossexual de Snyder, Simpson e
Ganstead (1986, como citado em Ramos et al., 2008) no fator atitudinal sexo sem
compromisso; ou ainda as atitudes menos associadas ao prazer físico (Antunes,
2007; Saavedra, Nogueira, & Magalhães, 2010), em que, para o primeiro
autor, estariam menos orientadas para a obtenção de prazer meramente físico, e
para o segundo para a mulher, o sexo é encarado no âmbito de um discurso
romântico, ou seja, não como um fim em si mesmo, mas como um meio para alcançar
um fim (p. 145). As diferenças verificadas nas atitudes sexuais poderão dever-
se à forma como os dois sexos encaram a sua sexualidade: na análise ao discurso
de adolescentes, realizada em Portugal por Saavedra at al. (2010), constatou-se
que, para as raparigas, a sua sexualidade é ainda algo que provoca vergonha e
receio, e a sua exteriorização suscita mal-estar; os rapazes, pelo contrário,
divulgam a sua vida sexual como forma de impressionar os seus pares.
Alguns estudos apresentam, contudo, resultados diferentes, como o estudo de
Sousa (2000), em que as raparigas revelam posições mais liberais nas suas
opiniões atitudinais face à sexualidade, através de uma escala que comportava
temas como o amor, o afeto, a sexualidade pré-matrimonial, a virgindade, a
masturbação, a contraceção e a fidelidade; o de Carrera et al. (2007), em que
as raparigas apresentavam uma atitude face à sexualidade mais positiva que os
rapazes; o de Antunes (2007), em que as raparigas demonstraram atitudes mais
positivas que os rapazes na subescala de práticas sexuais, subescala essa
referente às atitudes face ao planeamento familiar, à educação sexual e à
práticas de sexo não convencional; e o de Teixeira, Nelas, Aparício, e Duarte
(2011), em que as raparigas apresentam atitudes face à sexualidade
significativamente mais favoráveis, verificadas através da escala de atitudes
face à sexualidade em adolescentes (Nelas, Silva, Ferreira, Duarte &
Chaves, 2010, como citado em Teixeira et al., 2011).
No presente estudo, as raparigas continuaram a revelar, na segunda avaliação,
atitudes menos utilitárias, embora de forma não significativa. Parece assim
verificar-se a aproximação das atitudes entre os dois sexos. Petersen e Hyde
(2010) já tinham descrito este fenómeno: parecem existir atitudes cujas
diferenças entre os sexos têm tendência a aproximar-se (e outras a afastar-se).
Também Saavedra et al. (2010) constatou essa tendência, porque paralelamente
ao discurso que afirma a manutenção dos estereótipos nas práticas sexuais,
circula outro que enfatiza uma aproximação na construção tanto da sexualidade
feminina como da masculina (pp. 145-146). Tal como no nosso estudo, também no
de Carrera et al. (2007) se verificou, após a participação num PEST, o esbater
das diferenças entre as atitudes face à sexualidade de rapazes e raparigas. Uma
das possíveis explicações para estes resultados poderá ser a menor recetividade
dos rapazes a estes projetos (Measor, 2004; Measor, Tiffin, & Fry, 1996).
Também Saavedra et al. (2010) reforça esta explicação: as raparigas, mais do
que os rapazes, procuram adquirir mais conhecimentos (p. 144).
O aproveitamento escolar dos adolescentes influenciou, também, o impacto do
PEST nas suas atitudes face à sexualidade, porque apenas os adolescentes sem
retenções as alteraram significativamente, expressando uma maior concordância
com as relações sexuais ocasionais, com a masturbação e com as relações sexuais
sem componente afetiva.
Embora não tenhamos encontrado na literatura nenhum estudo que analisasse estas
variáveis, constatamos que o sucesso escolar parece influenciar o impacto deste
PEST. Assim, estes resultados parecem realçar a necessidade de estruturar
intervenções que consigam ser o mais abrangentes possível e, por isso, não
sejam condicionadas pelas competências escolares dos adolescentes.
Verificamos ainda, na análise do impacto do PEST, que apenas os adolescentes
que não usufruem de subsídios escolares alteraram significativamente a sua
atitude face à sexualidade, expressando uma maior concordância face às relações
sexuais ocasionais, à masturbação e às relações sexuais sem componente afetiva,
e também que a participação no mesmo parece ter induzido diferenças
significativas entre os dois grupos, no respeitante à associação entre as
relações sexuais com a amizade e o amor.
Embora também não tenhamos encontrado na literatura nenhum estudo que
analisasse estas variáveis, constatamos que o estatuto económico parece
influenciar o impacto deste PEST. Assim, parece-nos essencial a investigação
desta relação, de forma a assegurar o acesso de todos, e em especial dos mais
desfavorecidos economicamente, à educação para a saúde em geral, e à educação
para a saúde sexual em particular.
Podemos assim concluir que a participação no PEST provocou alterações
significativas nas atitudes face à sexualidade de adolescentes, com os mesmos a
apresentarem uma atitude mais utilitária em relação à sua sexualidade. Podemos
assim considerar que, com um PEST que respeita as indicações da legislação
vigente, é possível influenciar as atitudes dos adolescentes, o que
responsabiliza a escola pelo seu papel (ou ausência dele) no desenvolvimento de
uma sexualidade positiva e responsável nos jovens.
As características dos adolescentes influenciaram o impacto do PEST nas
atitudes face à sexualidade, sendo que as raparigas, os adolescentes com maior
sucesso escolar, e os adolescentes com melhor estatuto económico, se
manifestaram mais sensíveis a essa influência. Estes resultados realçam a
necessidade de se refletir sobre as estratégias a implementar para garantir o
envolvimento dos rapazes neste tipo programa, sobre uma abordagem aos conteúdos
que não condicionasse os alunos com menos competências escolares, e ainda sobre
a compreensão das diferentes dinâmicas induzidas pelo estatuto económico.