Validação para Portugal da Escala de Perceção de Saúde Organizacional (EPSaO)
O cronómetro taylorista e a produção em série fordista, pela forma como
influenciaram a qualidade de vida dos trabalhadores, despertaram, precocemente,
a atenção da psicologia. Volvido um século, a atenção mantém-se, as
organizações contemporâneas, com as suas exigências em termos de aumentos de
produtividade, downsizing, relações de trabalho, e articulação entre a vida
pessoal e profissional, continuam a ter impacto no bem-estar dos colaboradores
(Rosseau, 1997).
Estes novos paradigmas ocasionam o aparecimento de novos elementos para a
investigação do comportamento organizacional e de novos significados para
conceitos já existentes. Um dos temas que emerge destes novos paradigmas é a
saúde organizacional.
Este termo tem origem em Bennis (1966) e está ligado à noção de efetividade
organizacional e aos critérios de saúde mental dos indivíduos. Contudo, esta
definição não foi consensual, surgindo, mais tarde, autores a distinguir a
saúde da organização e a saúde do colaborador (e.g. Shoaf, Karwowski, &
Huand, 2004; Williams, 1994; Wilson, Vandenberg, Richardson, & McGrath,
2004). Outros, preferiram definir a organização saudável como aquela que não
gera stress (Cox & Howath, 1990). Por seu turno, Assmar e Ferreira (2004),
Peterson e Wilson (2002) e Quick (1999) defendem uma interdependência entre
saúde organizacional e a saúde dos trabalhadores.
Um contributo fundamental advém dos trabalhos de Gomide Júnior, Moura, Cunha e
Sousa (1999), conscientes da proliferação de significados, sobretudo a partir
da década de noventa, e alicerçados nos pressupostos de Schein (1965), Bennis
(1966) e Fordyce e Weil (1971), propuseram que este conceito diga respeito à
capacidade da organização desenvolver altos níveis de adaptabilidade e
flexibilidade às exigências externas ( ) e ( ) promover alto grau de integração
entre os empregados e as ( ) equipas de trabalho (p. 11). Em suma, uma
organização saudável será aquela capaz de ser percecionada como um sistema
integrado de pessoas, interagindo com outras organizações e com a envolvente,
conforme o padrão de relações estabelecidas nos vários níveis.
Shoaf et al.(2004) referem que a saúde organizacional influencia diretamente a
qualidade de vida dos trabalhadores, sobretudo, ao nível do mal-estar. Este
construto torna-se particularmente interessante no estudo do impacto de uma
variável organizacional na saúde dos trabalhadores, variável essa que se situa
na fronteira entre os contributos da psicologia organizacional e da psicologia
da saúde.
A saúde organizacional pode ser aferida através da EPSaO (Gomide Júnior &
Fernandes, 2008), versão validada a partir da inicialmente desenvolvida por
Gomide Júnior et al. (1999) e cuja validação para a população portuguesa
constituirá o objetivo deste estudo.
MÉTODO
Participantes
Inquiriram-se 437 indivíduos, com média de idades de 41,04 anos (DP=9,67),
pertencendo a maioria ao género feminino (n=311, 71,2%). Quanto às
habilitações, o grau mais e menos comum foi, respetivamente, a licenciatura
(n=221, 50,6%) e o doutoramento (n=22, 5%).
Material
A EPSaO (Gomide Júnior & Fernandes, 2008), apresenta 27 itens, uma escala
de Likertde 5 pontos (1 ' Discordo totalmente; 5 ' Concordo totalmente) e dois
fatores, integração de pessoas e equipas ' 20 itens ' e flexibilidade e
adaptabilidade a exigências externas ' 7 itens. A consistência interna desta
escala é superior a 0,70.
Procedimento
A escala em análise encontra-se em Língua Portuguesa, estando adaptada para a
população brasileira. Assim, procedeu-se a um enquadramento cultural dos itens,
substituindo-se expressões/palavras brasileiras, por outras adequadas à
realidade portuguesa. Para aferir a qualidade desta ação efetuou-se um pré-
teste a 50 indivíduos (van Widenfelt, Treffers, Beurs, Siebink, & Koudijs,
2005).
Antes da aplicação da EPSaO os participantes preencheram o documento de
consentimento informado. Posteriormente, foi aplicada a versão em papel e lápis
desta escala.
RESULTADOS
Para identificar a estrutura fatorial deste instrumento realizou-se uma análise
fatorial exploratória em componentes principais, recorrendo ao programa SPSS
20, considerando-se os fatores com eigenvalues superiores a 1,5. Conduziu-se,
igualmente, uma factorização do eixo principal com rotação Direct Oblimin.
Consideraram-se os fatores com eigenvalues superiores a 1,5 e os itens com uma
carga fatorial igual ou superior a 0,40.
Para testar a estrutura fatorial resultante da factorização do eixo principal
com rotação Direct Oblimin,conduziram-se algumas análises fatoriais
confirmatórias. Inicialmente, testou-se um modelo de referência com dois
fatores de primeira ordem correlacionados ' integração de pessoas e equipas, e
flexibilidade e adaptabilidade a exigências externas. Definiu-se que cada item
devia integrar o fator onde foi identificado, estabelecendo-se que a carga
fatorial do primeiro item de cada subescala seria de 1,00. No quadro_1
encontra-se a análise descritiva uni e multivariada.
A não normalidade da distribuição dos itens definiu-se como um valor de
assimetria e curtosesuperior a 3 e 10, respetivamente (Kline, 2011). A
normalidade da distribuição multivariada foi determinada pelo valor normativo
estimado de Mardia inferior a 5, o que não se verificou neste caso. Assim,
todas as análises fatoriais confirmatórias, efetuadas pelo programa EQS V6.1,
conduziram-se através do método Satorra-Bentler (Byrne, 2006).
Para analisar se a estrutura fatorial deste instrumento é melhor concetualizada
com dois fatores de primeira ordem correlacionados, analisaram-se dois outros
modelos. O primeiro, um fator de segunda ordem, onde se incluíam a integração
de pessoas e equipas, e a flexibilidade e adaptabilidade a exigências externas
como fatores de primeira ordem. A carga fatorial do primeiro item de cada
subescala foi de 1,00. Definiu-se que o peso dos fatores de primeira ordem, no
de segunda ordem, era de 1,00. O segundo modelo propunha um fator
unidimensional. Os itens foram definidos para integrar o único fator e a carga
fatorial do primeiro item foi de 1,00.
O ajustamento dos modelos aferiu-se através da versão robusta do S-Bx2, que
apresenta algumas limitações. Como tal, recorreu-se aos índices, *CFI, *RMSEAe
SRMR. O bom ajustamento de um modelo considera-se quando dois destes índices
respeitam os valores mínimos de cut-off: CFI =0,95; RMSEA=0,06; e SRMR=0,08 (Hu
& Bentler, 1999).
Na solução padronizada de cada modelo, comparou-se a carga fatorial com os
valores propostos por Comrey e Lee (1992). A identificação dos parâmetros não
especificados foi examinada utilizando o Univariate and Multivariate Lagrange
Multiplier Test, com opções PEEe GVF.
A comparação dos modelos aninhados baseou-se noS-Bx2 (Bentler, 2005; Byrne,
2006) e *CFI (Cheung & Rensvold, 2002). Um *CFI superior a 0,01 indica
modelos significativamente distintos (Byrne, 2006). Os modelos não aninhados
compararam-se pelos valores de *CFI e *AIC. Um *CFI elevado e *AICreduzido
demonstram um bom ajustamento.
A fiabilidade deste instrumento baseou-se no coeficiente ómega de fiabilidade
ponderada () (Bacon, Sauer, & Young, 1995), comparando-se o seu valor com
um cut-off de 0,70.
A análise fatorial exploratória em componentes principais revelou uma adequação
da amostra (KMO=0,95). Estes resultados indicaram, ainda, a extração de quatro
fatores que explicavam 62,55% do total da variância. Nesta análise somente dois
fatores apresentaram eigenvaluessuperiores a 1,5, explicando 54,75% da
variância.
Os resultados da factorização do eixo principal com rotação Direct Oblimin
demonstraram que apenas dois fatores possuíam eigenvalues superiores a 1,5
(quadro_2).
A análise destas cargas fatoriais demonstrou que o primeiro e segundo fatores
possuíam, respetivamente, 18 e 8 itens. Contrariamente ao original, verificou-
se que o item 18 se situava no segundo fator. Já o item 19, não possuía uma
carga fatorial adequada. A correlação interfator era de 0,67 (p <0,001),
sugerindo um elevado grau de variância partilhada entre os fatores ou a
existência de um fator de ordem superior que os explica. Assim, o ajustamento
da estrutura fatorial da EPSaO, que incluía dois fatores de primeira ordem
correlacionados, foi testado contra dois modelos, segunda ordem e
unidimensional.
Os resultados da análise fatorial confirmatóriarelativamente ao modelo de
referência, dois fatores de primeira ordem correlacionados, revelaram um ajuste
pobre (SBx2(298)=1036,51, p<0,001, *RMSEA=0,07, SRMR=0,06, *CFI=0,85,
*AIC=440,51), à semelhança dos restantes modelos. O modelo de segunda ordem
exibiu os resultados: SBx2(298)=1036,43, p <0,001, *RMSEA=0,08, SRMR=0,06,
*CFI=0,85, *AIC=440,53. Tendo em conta que os graus de liberdade eram iguais
para estes modelos, a comparação efetuada baseou-se nos valores de *CFI,
revelando-se a inexistência de diferenças significativas em termos de
ajustamento (*CFI=.000). Por outro lado, o modelo unifatorial apresentou um
ajuste pobre em relação ao modelo de referência (*CFI= -0,08) e de segunda
ordem (*CFI= -0,08, *AIC=381,19).
A adequabilidade dos parâmetros de estimação foi identificada através da
análise do seu sinal e significância estatística, obtendo-se um sinal positivo
e significância. A carga fatorial dos itens no seu fator encontra-se no quadro
3.
Os resultados do Univariate and Multivariate Lagrange Multiplier Test com PEEe
GVF, revelaram a existência de potenciais covariâncias significativas entre os
erros de medida dos itens: 25/24, 11/10, 2/1, 27/26, 25/11 e 14/15. Para testar
a significância destas covariâncias, testaram-se vários modelos que as incluem.
O modelo de referência apresentava dois fatores de primeira ordem
correlacionados, tendo-se especificado as covariâncias entre os erros de medida
dos itens. Testou-se, igualmente, o ajustamento dos modelos de segunda ordem e
unidimensional.
Os resultados da análise fatorial confirmatória do modelo de referência
demonstraram que o ajuste obtido é bom (SBx2(292)=750,61, p<0,001, *RMSEA=0,06,
SRMR=0,05, *CFI=0,91, *AIC=166,61). Resultados semelhantes registaram-se no
modelo de segunda ordem (SBx2(292)=750,60, p<0,001, *RMSEA=0,06, SRMR=0,05,
*CFI=0,91, *AIC=166,60). Sendo os graus liberdade destes modelos iguais, a
comparação entre ambos realizou-se através do *CFI, verificando-se que não
existem diferenças estatisticamente significativas no ajustamento (*CFI=0,00).
Por outro lado, o modelo unidimensional apresentou um pobre ajustamento
comparativamente ao modelo de referência (*CFI=-0,05) e de segunda ordem
(*CFI=-0,05, *AIC=250,91).
A adequação dos parâmetros de estimação foi identificada com recurso à análise
do seu sinal e significância estatística, existindo sinal positivo e
significância. A carga fatorial dos itens nos fatores reespecificados encontra-
se no quadro_4.
As cargas fatoriais dos itens cumpriram o definido inicialmente. Relativamente
ao modelo de referência, a correlação interfatores foi de 0,76 (p<0,001). No
modelo de segunda ordem, observou-se que os dois fatores de primeira ordem
registaram uma excelente carga no fator de ordem superior. Em cada um dos
modelos, a maioria dos erros de medida das covariâncias foi estatisticamente
significativo (p<0,001), à exceção dos itens 25/11.
Quanto à fiabilidade, o coeficiente para a escala e respetivas subescalas foi
superior a 0,70.
DISCUSSÃO
A dimensão amostral teve em consideração os pressupostos de Ribeiro (2008),
utilizando-se mais que cinco sujeitos por cada item.
Respeitando o procedimento original dos autores, a análise fatorial
exploratória em componentes principais, demonstra que a estrutura fatorial
original se adapta à população portuguesa.
Os resultados das análises fatoriais confirmatórias dos três modelos, (a)
modelo de referência; (b) modelo de segunda ordem; e (c) modelo unidimensional,
sugerem, igualmente, a manutenção da estrutura fatorial original.
A reespecificação dos modelos, através da adequação dos parâmetros de
estimação, conduziu a uma melhoria no seu ajustamento, porém a manutenção da
estrutura original apresenta algumas vantagens, permitindo a realização de
comparações transculturais, nomeadamente com estudos brasileiros. Todavia,
sugere-se que, em futuros estudos, esta questão seja explorada.
A escala e respetivas subescalas apresentaram uma consistência interna superior
a0,70, o que prova que estamos perante um instrumento adequado para a avaliação
do conceito de saúde organizacional.
O estudo deste tema, do ponto de vista organizacional, pode revelar-se crucial
para responder a problemáticas como a baixa produtividade, o aumento das taxas
de erros ou menor flexibilidade para responder aos desafios da envolvente
externa. Assim como é vital, na ótica da psicologia da saúde, para a diminuição
de sintomas de mal-estar e promoção do bem-estar.