Locus de controlo, auto-eficácia e qualidade de vida na diabetes tipo 1
A diabetes mellitus é uma patologia crónica, grave, de evolução lenta e
progressiva, que impõe transformações precisas no estilo de vida das pessoas
(Maia & Araújo, 2002; Ribeiro, Meneses, Meneses & GRUPO-QVD, 1998).
Em Portugal, à semelhança de outros países desenvolvidos, assiste-se a uma
verdadeira pandemia da diabetes pois afeta cada vez mais pessoas, sendo
reconhecida como uma grande causa de morte (Sousa, 2003). A corrupção gradual
e irrecuperável do corpo, a progressiva perda da dignidade do doente, uma
elevada frequência de consultas e de serviços de urgência, fazem da diabetes um
dos problemas de Saúde Pública com elevada magnitude, sendo previsível que
constitua uma das principais causas de morbilidade e incapacidade total ou
parcial durante o século XXI (Candeias et al., 2007; Silva, Ribeiro, &
Cardoso 2006).
A diabetes mellitus tipo 1 ou diabetes tipo 1 é um tipo de diabetes que aparece
mais frequentemente nas crianças e nos jovens e acarreta um tratamento bastante
exigente por parte dos doentes, colocando-o muitas vezes num risco constante de
complicações. Aqui, o papel do doente é fundamental, pois terá que conviver com
a doença toda a vida e esta exige-lhe uma participação ativa ao nível dos
tratamentos diários, o que implica a administração de insulina várias vezes ao
dia, a monitorização da glicemia no sangue, hábitos alimentares restritos em
hidratos de carbono e exercício físico regular.
Tal como acontece na totalidade das doenças crónicas, na diabetes tipo 1 há uma
falta de adesão aos tratamentos por parte das crianças e dos adolescentes
diagnosticados com a doença, sendo que esta problemática constitui uma das
maiores dificuldades tanto para os doentes, como para os profissionais de saúde
(Silva, Ribeiro, Cardoso & Ramos, 2005; Silva, Ribeiro, & Cardoso
2006). Contudo, para compreendermos mais profundamente a adesão terapêutica é
essencial ter em atenção a forma como as crianças e os adolescentes aceitam a
doença e integram o tratamento da diabetes na sua vida diária, pelo que os
factores psicológicos possuem uma grande influência na adesão ao tratamento da
diabetes tipo 1 (Almeida, 2003; Sousa, 2003).
O humor negativo, as competências de coping, o apoio social, os traços de
personalidade, o auto-conceito, a autoestima, o nível de conhecimento sobre a
doença, o locusde controlo e a auto-eficácia são algumas das variáveis
psicológicas que podem influenciar a adesão ao tratamento da diabetes (Almeida,
2003; Silva, Ribeiro, Cardoso & Ramos, 2005; Silva, Ribeiro, & Cardoso
2006). Porém, dada a diversidade de variáveis psicológicas centramo-nos,
somente, no estudo das variáveis locusde controlo e auto-eficácia.
As percepções que as pessoas têm em relação ao controlo que podem desempenhar
sobre o seu comportamento geral e sobre o seu estado de saúde em particular,
são encaradas como um potente determinante das suas atitudes em relação à
saúde. No mesmo sentido, existem estudos que referem que as crianças e os
adolescentes possuem crenças de controlo específicas para a saúde, e que estas
crenças influenciam os comportamentos relacionados com a saúde. Apesar da sua
importância, o locusde controlo é frequentemente utilizado como o único
construto com uma abrangência global capaz de prever comportamentos relativos à
saúde, sendo assim, uma lacuna por colmatar, devendo associar-se a constructos
mais específicos como é o caso da auto-eficácia, que é considerada um construto
mais relevante na predição da saúde (Almeida & Pereira, 2006; Moorea,
Priorb & Bondb, 2007).
As perceções de auto-eficácia representam os juízos que fazemos acerca da
competência que temos para realizar com êxito uma aprendizagem ou uma
actividade específica (Bandura, 1982). O conceito de auto-eficácia tem sido
aplicado em várias áreas de investigação e Wallston (1992) encara-a como uma
variável de grande potencialidade no domínio da psicologia da saúde, sendo
vários os estudos que têm confirmado a importância da auto-eficácia na adesão
aos tratamentos. Almeida (2003) num estudo realizado com adolescentes com
diabetes tipo 1, constatou que os adolescentes com uma maior percepção de auto-
eficácia apresentam uma maior adesão ao tratamento e uma melhor qualidade de
vida. No mesmo sentido, Grey, Boland, Yu, Sullivan-Bollyai e Tamborlane (1998)
verificaram que os adolescentes que referiram que a diabetes tinha um impacto
mais negativo na sua vida apresentavam estratégias de coping desadequadas e uma
menor auto-eficácia. No entanto, os adolescentes que tinham uma maior qualidade
de vida apresentavam menos sintomas de stresse e depressão, uma maior perceção
de auto-eficácia.
Assim, a diabetes tipo 1 pode provocar um grande impacto na vida das crianças e
dos adolescentes. Quando as exigências impostas pela adesão aos tratamentos da
diabetes entram em conflito com o seu desenvolvimento, estes podem decidir não
aderir aos tratamentos por sentirem que essa adesão implica uma ruptura na sua
qualidade de vida (Almeida, 2003).
Perante o exposto e baseando-nos nas dificuldades sentidas pelos profissionais
de saúde que lidam mais de perto com a problemática da diabetes tipo 1, torna-
se importante um conhecimento mais aprofundado desta realidade.
A realização desta investigação é pertinente, pois através da análise da
relação entre o tipo de locus de controlo e da auto-eficácia, exploramos as
crenças e as expectativas das crianças e dos adolescentes em poder influenciar
o seu ambiente, ou seja, em controlar doença e com isso verificarmos a sua
relação com o nível de adesão terapêutica e com a qualidade de vida.
São objetivos do estudo: verificar se existe relação entre fatores psicológicos
(locus de controlo e da auto-eficácia), adesão ao tratamento, e qualidade de
vida das crianças e dos adolescentes com diabetes s tipo 1; verificar se as
crianças e os adolescentes com diabetes tipo 1 que têm uma maior adesão ao
tratamento têm uma melhor qualidade de vida.
MÉTODO
O presente estudo é do tipo correlacional, permitindo analisar as relações
entre as variáveis tal com elas existem naturalmente (Almeida & Freire,
2003; Ribeiro, 2007).
Participantes
No presente estudo participaram 40 indivíduos que constituem uma amostra de
conveniência. Os participantes foram seleccionados de acordo com determinados
critérios de inclusão: Crianças e adolescentes nascidos entre 1991 e 2000
(entre os 9 e 18 anos de idade, inclusivé); Doentes da Consulta de Diabetes
Pediátrica do Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE ' Unidade de Guimarães;
Diagnóstico de diabetes tipo 1 há mais de três meses; Encontrarem-se em regime
ambulatório; Ausência de gravidez; Desenvolvimento intelectual normal.
A amostra foi constituída por 40 doentes com diabetes tipo 1, sendo 14 (35%) do
sexo feminino e 26 (65%) do sexo masculino. A idade dos participantes varia
entre os 9 e os 17 anos, com uma média de 13 anos em ambos os sexos. Constata-
se que 40% dos participantes tinham idade compreendida entre os 9 e os 12 anos
e 60% dos participantes uma idade superior aos 12 anos e inferior ou igual aos
17 anos.
Em relação aos valores da hemoglobina glicosilada, constatamos que a média dos
participantes é de 8,9 (DP=1,63), o valor máximo é 14 e o valor mínimo é 6.
Estes valores servem como um meio para avaliamos a adesão aos tratamentos da
diabetes.
Material
Foi construído um questionário sócio-demográfico e clínico, com o objectivo de
recolher dados sócio-demográficos, variáveis clínicas e o valor da hemoglobina
glicosilada, necessário para avaliar a adesão terapêutica dos participantes
(Questionário Sócio-demográfico e Clínico - Rodrigues & Costa, 2009).
Selecionaram-se ainda, quatro instrumentos já usados, traduzidos e adaptados
por outros investigadores em estudos nacionais com a população diabética. Os
instrumentos foram os seguintes: Escala de Locus de Controlo da Saúde para
Crianças(Parcel & Meyer, 1978;Traduzida por Pereira & Soares, 1997 e
com adaptação portuguesa de Almeida & Pereira, 2006); Escala de Auto-
eficácia Relativa à Diabetes (Grosman, Brink & Hauser, 1987; Traduzida e
adaptada por Pereira & Almeida, 2004); Questionário de Auto-cuidados na
Diabetes (Silva, Ribeiro, Cardoso & Ramos, 2002); Questionário da Qualidade
de Vida e Diabetes (Silva, Ribeiro, Cardos & Ramos, 2004).
Questionário Sócio-demográfico e Clínico (Rodrigues & Costa, 2009)-
desenvolvido propositadamente para o estudo, com o objetivo de recolher dados
sociodemográficos e outras variáveis clínicas consideradas importantes para a
caracterização da amostra. É constituído por nove itens de formato misto, com
questões breves e de escolha múltipla. Os itens dizem respeito ao sexo, idade,
habilitações académicas, profissão, composição do agregado familiar, duração da
doença, presença de complicações crónicas, gravidez, tipo de desenvolvimento
intelectual, e ao valor da hemoglobina glicosilada, obtido através do exame
realizado na consulta de rotina.
Escala de Locus de Controlo da Saúde para Crianças (CHLC - Parcel & Meyer,
1978; Versão Portuguesa de Almeida & Pereira, 2006)- É um questionário de
auto resposta, composto por 14 itens organizados em duas componentes e três
subescalas. A primeira componente situa-se na dimensão da externalização do
locus de controlo, agrupa os 5 itens correspondentes à subescala Outros
Significativos e os 6 itens correspondentes à subescala Outros Poderosos. A
segunda componente refere-se à internalização e engloba os 3 itens para
subescala Locus de Controlo Interno. Cada item consta de uma afirmação sobre
um componente que pode influenciar a saúde/doença, devendo a criança ou o
adolescente optar por responder sim ou não. A escala tem como objetivo avaliar
as crenças relativamente à saúde/doença (Almeida & Pereira, 2006).
Escala de Auto-eficácia Relativa à Diabetes (SEDS ' Grosman et al., 1987;
Versão Portuguesa de Almeida & Pereira, 2004)- É uma escala de
autorresposta constituída por trinta itens, agrupados em três componentes. O
primeiro componente é composto 17 itens referentes à subescala Auto-eficácia
relativa ao tratamento; o segundo componente congrega 9 itens referentes à
subescala Eficácia Social e por fim, ao terceiro componente correspondem e 4
itens que se designa pela subescala Confiança. Este instrumento permite
avaliar a variável auto-eficácia, através das perceções pessoais relativas à
competência, capacidades e meios para os doentes lidarem de modo adequado com
as exigências impostas pela diabetes nas crianças e nos adolescentes. Os itens
são respondidos numa escala de cinco alternativas (1= Não posso, com muita
certeza; 2= Não posso, com certeza; 3= Talvez possa; 4= Posso, com
certeza; 5= Posso, com muita certeza).
Questionário de Auto-cuidados na Diabetes(Silva et al., 2002)- É um instrumento
de autorresposta, constituído por 11 itens, que se distribuem por três
subescalas: Cuidados alimentares (7 itens); Tratamento Insulínico (2
itens); Tratamento Antidiabético (2 itens). As respostas aos itens na
subescala Cuidados Alimentares são dadas numa escala ordinal de cinco opções
e nos itens da sub-escala Tratamento Insulínico e da subescala
Antidiabéticos Orais oferece seis opções de resposta, sendo que quanto mais
elevado o valor obtido, maior será a adesão ao tratamento. O objetivo é avaliar
os auto-cuidados das crianças e dos adolescentes, com o intuito de ser um
indicador da adesão aos tratamentos.
Questionário da Qualidade de Vida e Diabetes (Silva et al., 2004)- É um
instrumento de autor resposta, constituído por 46 itens e inclui a totalidade
dos itens do SF-36 e duas subescalas específicas para a diabetes, sendo que as
suas alternativas de resposta aos itens são as escalas ordinais entre dois e
seis pontos. O SF 36 abrange nove dimensões: Funcionamento Físico (10 itens);
Desempenho Físico, (4 itens); Dor Corporal (2 itens); Saúde Mental (5
itens); Desempenho Emocional (3itens); Funcionamento Social (2 itens);
Vitalidade (4 itens); Perceção Geral de Saúde (5 itens) e Transição de
Saúde (1 item). Os restantes dez itens são específicos para a diabetes, isto
é, para avaliar as preocupações e a satisfação dos doentes, tendo-se criado as
dimensões Preocupação (2 itens) e Satisfação (7 itens).
Este questionário avalia a qualidade de vida de doentes diabéticos, incluindo,
os aspetos gerais e específicos da doença. Salienta-se que no presente estudo,
foram eliminados dois itens que não correspondem à população selecionada (A
sua vida sexual - 12E; A sua capacidade para satisfazer as suas necessidades
económicas 12F), após um pedido de autorização aos autores do questionário.
Para se avaliar as características psicométricas dos instrumentos na presente
amostra, analisamos a sua fidelidade através do alfa de Cronbach, tendo sido
usados os critérios de apreciação dos valores doalfa deCronbach sugeridos por
DeVellis (1991; cit. por Freire & Almeida, 2001). Contudo, excluímos a
análise da validade (e.g., análise factorial) devido ao número reduzido de
participantes na amostra.
Nos quadros_1, 2, 3 e 4 apresentam-se as principais características
psicométricas dos instrumentos utilizados neste estudo.
Procedimentos
Os doentes foram recrutados aquando das Consultas de Diabetes Pediátrica do
Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE, Unidade de Guimarães, que ocorriam
semanalmente. Antes de se proceder à recolha de dados, foram tidos em
consideração os procedimentos éticos da Declaração de Helsínquia e da
legislação em vigor em Portugal, sendo-lhes explicado detalhadamente o âmbito,
a finalidade, a utilidade, a duração do estudo, a participação voluntária,
gratuita e a garantia da confidencialidade dos dados pessoais fornecidos
(Ribeiro, 2002). Realçámos, também junto dos doentes e dos progenitores/
responsáveis, o facto de não partilharmos informações com outros profissionais.
Além disso, foi-lhes informado o direito de recusar a sua participação no
estudo, sem que isso pudesse ter como efeito qualquer prejuízo na assistência
que lhes é prestada nas consultas. Em seguida, pedimos a um dos progenitores/
responsáveis que acompanhavam os doentes à consulta, que autorizasse através do
consentimento informado a participação na investigação. O tempo aproximado de
preenchimento dos instrumentos foi de 20 minutos. Quanto à recolha dos dados
fisiológicos (valor da hemoglobina glicosilada) o teste era feito pelo médico
pediatra no início das consultas, registando-se de imediato o seu resultado.
Após a recolha dos dados, procedeu-se ao tratamento estatístico através do
programa de estatística SPSS (Statistical Package for the Social Sciences -
versão 17).
Numa primeira fase os dados relativos à caracterização da amostra foram
analisados através de estatísticadescritiva, análises de distribuições e
frequências. Para analisarmos as variáveis estudadas, recorremos aos testes das
correlações bivariadas de Spearman com o objetivo de determinarmos o sentido e
a força da associação entre as variáveis.
RESULTADOS
Relação entre locus de controlo e a adesão ao tratamento das crianças e dos
adolescentes com diabetes tipo 1.
Como podemos ver no quadro_5, a subescala Outros Poderosos correlaciona-se
significativa e negativamente com a escala dos Auto-cuidados Totais (rs=-
0,51), com a subescala Cuidados Alimentares (rs=-0,46) e com a subescala
Tratamentos Insulínicos (rs=-0,41). Assim, valores mais elevados na subescala
Outros Poderosos associam-se a valores mais baixos nos auto-cuidados,
incluindo os Cuidados Alimentares e os Tratamentos Insulínicos.
É importante salientar que existe uma associação significativa entre um dos
componentes do locus de controlo e a adesão aos tratamentos, apenas quando é
medida através dos auto-cuidados, pois verifica-se que não existe qualquer
correlação entre as dimensões do locusde controlo e a hemoglobina glicosilada.
Relação entre o locus de controlo na qualidade de vida das crianças e dos
adolescentes com diabetes tipo 1.
A análise das correlações efectuadas (quadro_6) permite-nos concluir que
existem correlações entre algumas sub-escalas do locus de controlo e a
qualidade de vida. Encontrámos assim, uma correlação negativa entre os Outros
Significativos e a Qualidade de Vida Total (rs=-0,32), o que significa que
níveis elevados de Outros Significativos correspondem a uma menor qualidade
de vida.
A subescala Outros Significativos correlaciona-se também, de forma negativa
com a subescala Vitalidade (rs=-0,38) e com a subescala Desempenho
emocional (rs=-0,38). Estes resultados indicam que maiores níveis de locus de
controlo Outros Significativos se relacionam com menores níveis de
Vitalidade e de Desempenho Emocional.
Relativamente à subescala Outros Poderosos existe uma correlação negativa com
a subescala Preocupação (rs=-0,39), significando que um aumento da subescala
Outros Poderosos se associa a uma diminuição da Preocupação.
Os resultados indicam que existem correlações entre algumas sub-escalas do
locus de controlo e a qualidade de vida, contudo, a subescala Locus de
Controlo Interno não se relaciona com nenhuma subescala da qualidade de vida.
Relação entre a auto-eficácia e a adesão ao tratamento das crianças e dos
adolescentes com diabetes mellitus tipo 1.
Os resultados obtidos através de análises de correlações de Sperman, mostram
que não existe qualquer correlação entre a auto-eficácia e a adesão ao
tratamento (medida através dos Auto-cuidados Relativos à Diabetes e da
Hemoglobina Glicosilada).
Relação entre a auto-eficácia e a qualidade de vida das crianças e dos
adolescentes com diabetes mellitus tipo 1.
A análise dos resultados obtidos no quadro_7 demonstram que não existe qualquer
correlação entre a Auto-eficácia Total e a Qualidade de Vida Total, porém,
verifica-se que existem algumas correlações entre as componentes destas
variáveis.
Encontrámos três correlações significativas entre a Auto-eficácia Total e as
sub-escalas da qualidade de vida, entre elas, a correlação negativa e
significativa com a subescala Preocupação (rs=-0,43), a correlação positiva e
significativa com subescala Satisfação (rs=0,48) e com a subescala Transição
de Saúde (rs=0,49). Estes resultados indicam que, maiores níveis de Auto-
eficácia Total se relacionam com menores níveis de Preocupação e maiores
níveis de Satisfação e Transição de Saúde.
A avaliação das relações entre as sub-escalas da auto-eficácia relativa à
diabetes e as sub-escalas da qualidade de vida na diabetes revela a existência
de várias correlações positivas e negativas. Encontrámos uma correlação
negativa entre a subescala Auto-eficácia Relativa aos Tratamentos e a
Preocupação (rs=-0,37), uma correlação positiva e significativa entre esta
subescala da auto-eficácia e a Satisfação (rs=0,44) e também uma correlação
positiva com a Transição de Saúde (rs=0,38). Resultados semelhantes
encontram-se entre a subescala Auto-eficácia Social e as três sub-escalas da
qualidade de vida, que anteriormente analisamos. Assim, encontrámos uma
correlação negativa e significativa entre a Auto-eficácia Social e a
Preocupação (rs=-0,50), uma correlação positiva e significativa entre a
Auto-eficácia Social e a Satisfação (rs=0,46) e uma correlação positiva
desta subescala Auto-eficácia Social e a Transição da saúde (rs=0,32).
Estes resultados indicam que maior Auto-eficácia Relativa aos Tratamentos e
maior Auto-eficácia Social se associam com baixos níveis de Preocupação e
com elevados níveis de Satisfação e Transição de Saúde.
Encontrámos ainda correlações entre a subescala Confiança e as sub-escalas da
qualidade de vida. Constatámos uma correlação positiva entre a subescala
Confiança e a subescala Funcionamento Físico (rs=0,35) e uma correlação
negativa com o Funcionamento social (rs=-0,32). Isto significa que níveis
elevados de Confiança se relacionam com níveis elevados de Funcionamento
Físico e níveis baixos de Funcionamento Social.
Ao analisarmos os resultados verificamos que apesar das escalas totais da auto-
eficácia e da qualidade de vida não se associarem, existem ainda algumas
relações significativas entre estas variáveis.
Maior adesão ao tratamento e uma melhor qualidade de vida nas crianças e nos
adolescentes com diabetes mellitus tipo 1.
Perante os resultados do quadro_8, verificamos que não existe qualquer
correlação entre a Hemoglobina Glicosilada, os Auto-cuidados Totais e a
Qualidade de Vida Total. No entanto, existem algumas correlações entre as
várias componentes destas variáveis.
Encontrámos resultados que nos indicam que a Hemoglobina Glicosilada se
correlaciona negativamente com o Desempenho Físico (rs=-0,35), com a Saúde
Geral (rs=-0,36), com a Vitalidade (rs=-0,36), com a Transição de Saúde
(rs=-0,36) e também se correlaciona negativa e significativamente com a Dor
Corporal (rs=-0,42). Estes resultados indicam que o aumento dos níveis de
hemoglobina glicosilada (valores mais altos indicam pior adesão) se associam a
uma diminuição dos valores de desempenho físico, da saúde geral, da vitalidade,
da transição de saúde e da dor corporal.
Relativamente aos Auto-cuidados Totais encontrámos uma correlação positiva
com o Funcionamento Social (rs=0,31), o que indica que um aumento dos Auto-
cuidados Totais se associa a um aumento do Funcionamento Social. Resultados
semelhantes verificam-se na sub-escala Cuidados Alimentares que se
correlaciona positivamente com o Funcionamento Social (rs=0,32), revelando
que um aumento dos Cuidados Alimentares se associa a um aumento do
Funcionamento Social.
Os Tratamentos Insulínicos estão directamente correlacionados com a Saúde
Geral (rs=0,32), o que significa que o aumento dos Tratamentos Insulínicos
se relaciona com o aumento da Saúde Geral.
Após termos analisado os resultados, constatámos que não existe uma relação
entre a adesão aos tratamentos e a qualidade de vida. Contudo, verificamos que
existem algumas correlações significativas entre algumas componentes das
variáveis em estudo.
DISCUSSÃO
A diabetes mellitus tipo 1 é um dos maiores problemas de saúde pública,
afectando milhares de crianças e adolescentes a nível mundial (IDF, 2007; 2008;
Kaufman & Riley, 2008). As taxas elevadas de não adesão aos tratamentos,
que consequentemente levam ao aparecimento precoce das complicações tardias da
doença, afectam a qualidade de vida destas pessoas (Leite, 2005; Maia &
Araújo, 2002; Silva Ribeiro, Cardoso, & Ramos, 2005; Silva, Ribeiro, &
Cardoso, 2006)
Devido à complexidade do tema abordado, existe uma grande necessidade de
investigarmos os factores psicológicos que influenciam a adesão ao tratamento e
a qualidade de vida.
De uma forma geral, constatamos que as crianças e os adolescentes com níveis
mais elevados de crenças de locus de controlo nos Outros Poderosos são os que
apresentam níveis mais baixos de auto-cuidados alimentares e de tratamentos
insulínicos. Os resultados vão de encontro aos encontrados por Kohlmann et al.
(1993), que verificaram que as pessoas que tinham um locus de controlo baseado
nos Outros Poderosos tinham baixos conhecimentos sobre a diabetes e um pobre
controlo da doença. No mesmo sentido, Hampson (1998) considera que quando a
doença é percebida como não controlável pela pessoa, a adesão ao tratamento é
mais negligenciada. Para os profissionais de saúde que acompanham estes doentes
sublinha-se a necessidade de estar atentos a estes aspectos, pois no caso das
crianças e dos adolescentes que têm um maior número de crenças nos outros
poderosos, o papel dos médicos e dos enfermeiros exerce uma enorme influência
nos seus comportamentos de saúde. Assim, é importante que os profissionais de
saúde tenham em conta as crenças das pessoas com diabetes, pois segundo o
Modelo de Crenças de Saúde poderemos melhorar a compreensão da adesão através
da exploração e mudança das cognições que as crianças e os adolescentes têm
sobre a doença e o seu tratamento (Almeida, 2003; Sousa, 2003).
Os resultados encontrados referem ainda que as crianças e os adolescentes com
níveis elevados de crenças nos outros significativos têm uma menor qualidade de
vida, nomeadamente, menos vitalidade e pior desempenho emocional. Além disso,
as crianças e os adolescentes que têm elevadas crenças de controlo nos outros
poderosos apresentam menos preocupações relativamente ao futuro. Apesar da
exploração deste aspecto ser pioneiro e da inexistência de estudos que
relacionem estas variáveis, as relações encontradas poderão ser pertinentes
para os profissionais de saúde compreenderem com mais pormenor a influência do
tipo de crenças de controlo no bem-estar destes doentes, ou seja, na sua
qualidade de vida.
Verificamos ainda, que não existe qualquer relação entre as percepções de auto-
eficácia e a adesão aos tratamentos, sendo que estes resultados não estão de
acordo com o referido pela literatura, pois há vários estudos que sublinham a
existência de relações entre a auto-eficácia e a adesão terapêutica (Almeida,
2003; Sacco et al., 2005; Senécal, Nouwen & Withe, 2000). No entanto, Grey
et al. (1998) investigaram a influência de factores pessoais (e.g., auto-
eficácia) no controlo metabólico e na qualidade de vida de adolescentes com
diabetes e não encontraram dados significativos sobre a relação entre a auto-
eficácia e o controlo metabólico (medido através da hemoglobina glicosilada) ou
seja, não encontram uma relação entre a auto-eficácia e a adesão aos
tratamentos, o que confirma os resultados obtidos neste estudo.
Os resultados encontrados permitem-nos ainda, constatar que as crianças e os
adolescentes com maior percepção de auto-eficácia total, nomeadamente da auto-
eficácia relativa aos tratamentos e da eficácia social, revelam menor
preocupação relativamente ao futuro, níveis maiores de satisfação com o
tratamento e com a vida e níveis maiores de transição de saúde (o que quer
dizer que os participantes se encontram num estado geral melhor relativamente
há um ano atrás). Estes resultados são em parte concordantes com a literatura,
que refere que uma elevada auto-eficácia está relacionada com uma maior
satisfação com a vida e com o tratamento da diabetes, com uma menor percepção
da interferência da doença no seu quotidiano e com uma maior adesão aos
tratamentos (Senécal et al., 2000). Em geral, estas associações entre a auto-
eficácia e algumas dimensões da qualidade de vida alertam os profissionais de
saúde para a pertinência de se promoverem estratégias para aumentar a percepção
de auto-eficácia das pessoas com diabetes, isto porque além de aumentarem a
qualidade de vida, segundo os estudos de Senécal et al. (2000), aumentam a
adesão terapêutica.
Os dados obtidos referem também, que as crianças e os adolescentes que
apresentam maior percepção de confiança revelam um maior funcionamento físico e
um menor funcionamento social. Relativamente ao funcionamento físico e social a
literatura não é explícita, contudo, existem alguns investigadores que referem
que uma maior auto-eficácia está relacionada com um impacto positivo na vida
dos doentes (Grey et al., 1998). Deste modo, os resultados permitem sugerir aos
profissionais de saúde o uso de estratégias para aumentar a percepção de auto-
eficácia das crianças e dos adolescentes com diabetes tipo 1 pois é importante
o controlo percebido pelos doentes no sentido de aumentar a sua qualidade de
vida.
Relativamente à relação positiva entre a adesão ao tratamento e uma melhor
qualidade de vida nas crianças e nos adolescentes com diabetes tipo 1, os
resultados obtidos indicam que as crianças e os adolescentes com níveis
elevados de hemoglobina glicosilada, com níveis baixos de adesão aos
tratamentos, alcançam níveis baixos de desempenho físico, de saúde geral, de
vitalidade, de transição de saúde e de dor corporal (níveis baixos correspondem
a mais dores e a uma pior qualidade de vida). Estes resultados de forma
indirecta vão de encontro ao que descrito na literatura, ou seja, as crianças e
os adolescentes com níveis baixos de hemoglobina glicosilada têm uma melhor
qualidade de vida (Guttmann-Bauman, Flaherty, Strugger & Mcevoy, 1998). As
crianças e os adolescentes com elevados auto-cuidados, nomeadamente ao nível
dos cuidados alimentares, têm um melhor funcionamento social. No mesmo sentido
as crianças e os adolescentes com mais cuidados nos tratamentos insulínicos
atingem um melhor estado de saúde geral. Encontramos suporte teórico para estes
resultados, pois os estudos referem que a adesão aos auto-cuidados da diabetes,
especificamente os cuidados alimentares e os tratamentos insulínicos, estão
associados a uma melhor qualidade de vida (Silva, 2006). Estes resultados
remetem para a importância de uma intervenção dirigida à diminuição dos valores
da hemoglobina glicosilada. Neste sentido, seria importante a realização de
estudos que tenham como objectivo explorar os factores que influenciam os
valores da hemoglobina glicosilada, pois frequentemente, os profissionais de
saúde focam a sua atenção apenas nesse valor e associam-no de imediato à falta
de cuidados alimentares e de tratamentos insulínicos.
Relativamente à relação entre os auto-cuidados e a qualidade de vida, as
crianças e os adolescentes com elevados auto-cuidados, especificamente nos
cuidados alimentares apresentam um melhor funcionamento social. Os auto-
cuidados relativos aos tratamentos insulínicos associam-se à saúde geral, sendo
que as crianças e os adolescentes com mais cuidados nos tratamentos insulínicos
atingem uma melhor saúde geral. Uma intervenção psicológica destinada à
promoção dos auto-cuidados, ou seja, baseada na motivação, aumentaria a adesão
aos tratamentos e a qualidade de vida das crianças e dos adolescentes com
diabetes mellitus tipo 1.
Face aos resultados obtidos, algumas considerações foram sendo tecidas no
sentido de sugerirmos estratégias para uma intervenção psicológica destinada às
crianças e aos adolescentes com diabetes mellitus tipo 1, com vista à promoção
da adesão aos tratamentos da diabetes e da qualidade de vida. Este tipo de
intervenção deverá centrar-se na mudança de crenças e de comportamentos e
também, no aumento da motivação para a adesão aos auto-cuidados da diabetes,
sendo o Modelo de Crenças da Saúde e a Teoria da Motivação Protetora duas das
possibilidades que os profissionais de saúde têm para uma melhor orientação da
sua intervenção Ogden, 1999. No caso do Modelo de Crenças da Saúde, ele fornece
uma organização das variáveis psicológicas relevante para a compreensão da
adesão aos tratamentos da diabetes e parece ser útil para a promoção da saúde
(e.g., explorar as cognições e através da informação mudar as crenças para a
prática de comportamentos saudáveis) e também para a compreensão da adesão
(e.g., explorar as ideias que os doentes sobre a sua saúde e do tratamento, com
o objectivo de as desmistificar) (Almeida, 2003; Sousa, 2003). Noutra
perspectiva, temos a Teoria da Motivação Protectora, que segundo um estudo
realizado com adolescentes portadores de diabetes mellitus tipo 1, Palardy,
Greening, Ott, Holderby e Atchison (1998) constataram que a adesão terapêutica
(e.g., através da injecção de insulina e de uma alimentação saudável) se
relacionava com a percepção da gravidade, a auto-eficácia e eficácia da
resposta.
Perante os dados obtidos, ainda que limitados, parece-nos importante a
realização de estudos com crianças e adolescentes com diabetes mellitus tipo 1
numa amostra mais alargada para que se possam tirar conclusões mais
generalizáveis e consistentes. Por outro lado, seria relevante o
desenvolvimento de estudos de carácter longitudinal que nos permitissem uma
melhor compreensão sobre a forma como estes doentes lidam com a doença nos
diferentes estádios de desenvolvimento, analisando as possíveis mudanças ao
longo do seu desenvolvimento e também, explorar de que forma a falta de adesão
aos tratamentos desencadeia as complicações crónicas da doença e afecta o bem-
estar destas pessoas. Outra das possíveis limitações deste estudo, é o fato da
amostra não ser homogénea ao nível do sexo e da idade, sendo maioritariamente
constituída por participantes do sexo masculino e por adolescentes. Este estudo
também padece de limitações inerentes aos instrumentos de avaliação utilizados,
nomeadamente, a inexistência de itens específicos para avaliar os domínios do
exercício físico e da auto monitorização da glicemia.
Depois de um conhecimento mais aprofundado sobre a realidade da diabetes
mellitus tipo 1, parece-nos pertinente sugerir a realização de estudos que
explorem a influência da família no doente, e a influência da doença no
contexto escolar e na vida profissional destes doentes. Sugerimos ainda, e com
base nos resultados obtidos neste estudo, o desenvolvimento de estudos sobre o
estado psicológico das crianças e dos adolescentes com diabetes tipo 1 antes de
realizarem a colheita de sangue da hemoglobina glicosilada.