Caracterização da população que recorre a uma consulta de psicoterapia
hospitalar
ABSTRACT
This study aims to realize a survey and organization of all information
relating to the population that appealed to the Consultation Psychotherapy of
the Psychiatry Service, Hospital de Santa Maria - North Lisbon Hospital Centre
in the period january 2009 to february 2012, in order to describe their
psychological and psychopathological characteristics and the association of
demographic, social, cultural and psychological. The sample, consists of 994
elements, mainly women. The nosological psychiatric diagnoses (DSM IV TR) Axis
I with the highest percentage are Depressive disorders, followed by Anxiety. On
Axis II the highest percentage are on the Boderline Personality Disorder,
followed by the Dependent and Histrionic. Among various factors identified as
triggers of psychological distress, we highlight the marital conflict and
emotional. Concerning the problems of childhood and adolescence, violence and
family disputes get the highest percentages in all age groups. Proposals are
made for the organization of screening in outpatient psychotherapy and valued
the relationship between physicians and clinical psychologists and patients
with rapid signaling criteria for psychological counseling. The study reveals a
clear need for an investment in primary care, integrating a psychological
approach.
Keywords- Mental Health, Epidemiology, Psychotherapy, Clinical Psychology,
Psychiatry
Estudos realizados no âmbito do Pacto Europeu para a Saúde Mental e Bem-estar
(WHO Europa, 2008) indicam um aumento das doenças mentais, que referem afetar
cerca de 11% da população europeia. Os valores indicados mostram o impacto
destes problemas em vários grupos, assinalando que 50% das doenças mentais têm
inicio na adolescência e atingem 10% a 20% da população de jovens adultos e que
25% das famílias têm um ou mais membros com perturbação mental. Nos países
desenvolvidos é já possível constatar que a depressão é a segunda causa mais
significativa no número de anos vividos com doença (NHS, 2011).
O conhecimento das populações que recorrem a tratamento psicológico integra
entre outros aspetos a caracterização das determinantes socio-demográficas, de
diagnóstico, de fatores de risco na história pessoal e de causas na procura de
tratamento (Estupiña, Labrador & García Vera, 2012; Madianos, Zartaloudi,
Alevizopoulos & Katostaras, 2011; Pirkis, et al., 2011; Read & Bantall,
2012).
Relativamente à distribuição por géneros, um estudo da Clínica Universitária de
Psicologia da Universidade Complutense (Estupiña et al. , 2012), caracteriza a
população que recorre a intervenção psicológica encontrando 65% de mulheres
numa amostra inicialmente constituída por 1305 elementos. Já em investigações
anteriores (Labrador, Estupiña & García Vera, 2010), os mesmos autores
analisam uma amostra de 856 indivíduos que recorrem à consulta de psicoterapia,
dos quais 78,8% são mulheres. Dados Australianos recolhidos nos Serviços
Públicos de Saúde Mental entre 2006 e 2010 (Pirkis et al., 2011), apresentam
alguns aspetos da população que recorre a consultas de psicoterapia,
verificando-se numa amostra de 113.107 indivíduos uma frequência de 70,4% do
sexo feminino. Quanto à escolaridade Labrador et al. (2010) referem uma amostra
com 50,3% de estudos de nível médio/superior, nomeadamente 50,3% bacharelato,
licenciatura e mestrado. Estudos de Pirkis et al. (2011) apuram 48,1% de
estudos médios/superiores dos quais 23% escola secundária e 25,1% licenciatura.
Os diagnósticos clínicos apresentam predominantemente perturbações de ansiedade
e do humor. Os estudos de Estupiña et al. (2012) encontram uma percentagem de
50% de perturbações da ansiedade, do humor e relacionais, 17,7% das quais com
comorbilidade diagnostica. Em estudos anteriores os mesmos autores (Labrador et
al., 2010) apuram 31,9% de perturbações da ansiedade, 9,5% de perturbações do
humor e 5,5% de perturbações da personalidade. A amostra estudada por Pirkis et
al. ( 2011) apresenta uma distribuição por quadros depressivos (29,8%),
ansiosos (15,6%) e de comorbilidade ansiosa e depressiva (26,8%). Nestes
estudos com a população espanhola (Estupiña et al, 2012; Labrador et al., 2010)
as idades médias são respetivamente 25,3 e 29,7. Numa amostra da população
australiana (Pirkis et al., 2011) 42,5% tinham idades compreendidas entre os 18
e os 25 anos.
Relativamente à comorbilidade com as perturbações de personalidade, os estudos
(DSM-IV TR, 2002) mostram uma prevalência no diagnóstico de personalidade
borderline em 10% da população acompanhada em ambulatório e em 20% em
internamento e 10 a 15% para personalidade histriónica tanto em ambulatório
como em internamento.
Estudos realizados por Newton-Howes (2010) (1) em indivíduos com doença
psiquiatrica no Reino Unido, referem uma percentagem de 40% de pelo menos uma
perturbação da personalidade em comorbilidade com outros quadros
psicopatológicos. A prevalência é de 7,8% para a perturbação de personalidade
paranoide, 5,0% para a esquizoide, 8,5% para a borderline, 3,2% para a
histrionica e 16,0 para a dependente. Segundo os autores as perturbações de
personalidade apesar de comuns são frequentemente subdiagnosticadas.
Stevenson, Datyner, Boyce e Brodaty (2011) num estudo abrangente junto de um
grupo australiano de indivíduos com diagnóstico psiquiátrico, concluem a
presença significativa de comorbilidade de perturbações de personalidade
transversal em todas as idades, sendo essa prevalência de 71,9% no grupo de
adultos.
A par da caracterização socio-demográfica e diagnóstica, o conhecimento das
causas desencadeantes do adoecer psicológico tem sido pesquisado em diferentes
abordagens., em 2009 a OMS (WHO, 2009) realizou um estudo aprofundado sobre os
determinantes sociais da saúde mental. Destacou a importância decisiva de
condições sociais como o estatuto social e económico, o nível educacional, a
pobreza e as redes de suporte social, e do papel de determinantes psicológicos,
nomeadamente as emoções, a cognição, o funcionamento social/relacional e a
coerência/sentido para a vida.
Read e Bantall (2012) enfatizam a importância dos acontecimentos adversos na
infância como fatores de risco na predisposição para os problemas de saúde
mental. Clark, Rodgers, Caldwell, Power e Stansfeld (2007) consideram as
perturbações na infância e adolescência como preditoras de perturbações do
humor e da ansiedade na idade adulta. Não obstante, os autores apuram
correlações mais significativas entre os problemas na idade adulta jovem e na
meia idade, concluindo que os distúrbios de saúde mental em jovens adultos,
constituem fator de prognóstico mais reservado na meia idade do que os
distúrbios em idades inferiores. Stevenson et al. (2011) referem o papel
determinante dos acontecimentos adversos na infância como fatores de risco na
predisposição para os problemas de saúde mental, incluindo a psicose.
Variáveis como o género, a idade de aparecimento de sintomas e a escolaridade
são importantes no reconhecimento precoce da necessidade de procura de ajuda
psicológica (Madianos et al., 2011). Num estudo realizado num Centro de Saúde
Mental em Atenas, as mulheres mais jovens e com um maior grau de escolaridade,
apresentam uma menor duração de perturbação mental não tratada, procurando
tendencialmente ajuda no período até 12 meses após o início dos sintomas. Nour,
Elhai, Ford e Frueh (2009) referem que o estado civil é relevante na procura de
serviços de saúde mental, quer em relação à intervenção médica quer
psicoterapêutica. De acordo com os autores, as pessoas casadas recorrem em
maior número a serviços especializados em saúde mental. Estupiña, et al. (2012)
identificam as perturbações de ansiedade e do humor e os problemas relacionais,
como as principais causas para a procura de ajuda especializada.
Sobre a população portuguesa os dados publicados (Comissão Nacional para a
Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental, 2007) afirmam que não existem
estudos de morbilidade psiquiátrica geral na população que recorre a cuidados
de saúde, apenas estudos parciais, que se referem a amostras populacionais de
diferentes áreas geográficas do país, a diferentes dispositivos de atendimento
(ambulatório, internamento, centros de saúde) e a caracterizações de
perturbações psiquiátricas específicas (perturbações do humor, alcoolismo e
dependências, perturbação do comportamento alimentar, entre outros).
Em Portugal, a região de Lisboa e Vale do Tejo é a que apresenta maior número
de profissionais de saúde mental (741) na área de intervenção clínica
hospitalar com adultos (Eurotrials, 2009). Desta região faz parte o Centro
Hospitalar Lisboa Norte que integra o Hospital de Santa Maria. Foi realizado o
levantamento e organização de informações de arquivo relativas à população que
recorreu à Consulta de Psicoterapia do Serviço de Psiquiatria deste Centro
Hospitalar, no período 2009-2012.
O objetivo deste estudo é descrever as populações que recorrem a serviços de
saúde mental, e promover a comunicação entre os profissionais envolvidos no
tratamento do utente.
MÉTODO
Participantes
Foram utilizados os registos das folhas-tipo de sinalização a partir do arquivo
e os documentos-tipo da triagem. A sinalização é realizada pelo médico
psiquiatra e a triagem pela psicóloga clínica. Foram compilados os dados de
todos os doentes sinalizados desde janeiro de 2009 a fevereiro de 2012, de
forma anónima, codificada.
São critérios de exclusão para a consulta de psicoterapia: (1) idade inferior a
21 anos e superior a 65 anos; (2) perturbação psiquiátrica com duração superior
a 10 anos; (3) comorbilidade com consumo regular de substâncias ou álcool; (4)
perturbação da personalidade como foco de intervenção; (5) baixos recursos
cognitivos; (6) recusa ou resistência a aderir a um processo psicoterapêutico;
(7) insucessos prévios em pelo menos duas psicoterapias; e (8) necessidade
predominante de apoio psicossocial ou de suporte afetivo, sendo pois expectável
que estes critérios anulem a expressão destas condições nos resultados obtidos.
O número total de elementos de arquivo que constituem a amostra é de 994.
Material
Foi elaborada uma grelha de análise para compilação de dados, com as seguintes
variáveis:
1) dados sócio-demográficos: número de processo, idade, sexo, escolaridade,
estado civil, se vive sozinho ou acompanhado;
2) antecedentes pessoais: problemas na infância e adolescência, personalidade
prévia;
3) dados clínicos: data de início das queixas, data de início de acompanhamento
psiquiátrico,
4) data de sinalização para acompanhamento psicoterapêutico,
5) existência de psicoterapia anterior,
7) motivo(s) do próprio para procurar ajuda especializada,
8) diagnóstico nosológico psiquiátrico (Eixos I e II, DSM-IV TR).
Foram consideradas quatro faixas etárias, (21 a 30 anos, 31 a 40 anos, 41 a 50
anos e 51 a 65 anos). Em relação à escolaridade foram considerados 5 grupos: 1º
ciclo, 2º ciclo, 3º ciclo, ensino secundário e ensino superior. Foram
considerados com habilitação equivalente ao ensino secundário, os elementos que
possuíam frequência universitária (sem conclusão da licenciatura).
Nos registos de triagem, os problemas na infância e adolescência são
identificados por transcrição direta do registo da resposta a uma questão do
tipo: ao longo da sua infância e adolescência existiram problemas
significativos?
Foram considerados quatro intervalos relativos à idade dos sujeitos: dos 0 aos
3 anos, dos 4 aos 7 anos, dos 8 aos 12 anos e dos 13 aos 18 anos. Em cada um
destes intervalos, os problemas identificados foram listados exaustivamente.
Foram considerados 36 tipos de problemas. A coexistência de dois ou mais
problemas foi contemplada.
Os traços de personalidade prévia, que constam dos registos de triagem, foram
obtidos através do registo de resposta aberta do tipo: Como descreve a sua
personalidade, antes do inicio destes problemas/doença?
Procedeu-se a uma análise de conteúdo das respostas, que permitiu identificar 9
pares de características em oposição (exs: alegre vs triste, introvertido vs
extrovertido) e um conjunto de características residuais. A coexistência de
duas ou mais condições foi contemplada.
A recolha de informação sobre a data do início das queixas psicológicas teve
por objetivo saber qual o intervalo de tempo decorrido entre o início das
dificuldades sentidas pelo doente e a procura efetiva da consulta de
psiquiatria e também definir qual o intervalo de tempo decorrido entre o início
do tratamento psiquiátrico e a sinalização realizada pelo médico assistente
para psicoterapia.
Os descritores identificados pelos elementos da amostra como desencadeantes de
desequilíbrio psíquico, foram obtidos nos registos de triagem através de uma
resposta aberta do tipo: Que fatores pensa terem contribuído para as
dificuldades sentidas?
A análise de conteúdo realizada, permitiu definir 29 categorias e registar
todos os factores indicados por cada indivíduo. A coexistência de duas ou mais
condições foi contemplada.
Procedimentos
O levantamento da informação clínica foi realizado no período compreendido
entre dezembro de 2011 e fevereiro de 2012, durante o qual foram examinados 994
folhas-tipo de sinalização para a consulta de psicoterapia e 724 documentos de
triagem.
Os 270 indivíduos que faltaram à consulta de triagem durante o período do
estudo, foram caracterizados apenas com os dados existentes nas folhas-tipo de
sinalização.
O anonimato de todos os utentes foi garantido neste estudo, tendo sido apenas
registado os números de processo. O número de processo foi atribuído por ordem
sequencial em relação à data da primeira consulta de triagem.
A informação obtida foi inserida e analisada com auxílio do software Excel e
posteriormente SPSS.19.
A partir da base de dados em SPSS, foi realizada uma estatística descritiva,
que inclui frequências e percentagens para categorias de respostas resultantes
da análise de conteúdo.
RESULTADOS
A amostra global foi constituída por informação de arquivo relativa a 994
utentes, a maioria é do sexo feminino (74,2%) de idade entre os 21 anos e os 65
anos, com uma média de 39,5 anos e desvio padrão de 12,15. A distribuição pelos
grupos etários corresponde às seguintes percentagens: grupo 1 ( 21-30 anos) -
27%; grupo 2 (31-40 anos) ' 27,7%; grupo 3 (41-50 anos) ' 25,6%; e grupo 4
(mais de 50 e até 65 anos) ' 19,7%.
Os graus de escolaridade são muito variáveis, com predomínio do ensino
secundário (39,6%) e superior (23,7%).
Relativamente ao estado civil, os indivíduos casados (38,2%) e os solteiros
(35,6%) apresentam as percentagens mais elevadas, seguidos das situações de
divórcio (21,1%).
85% partilha habitação.
As percentagens obtidas permitiram apurar uma taxa de falta à consulta de
triagem de 27,2% (n=270). Em 6,2% dos sujeitos não foi considerado existirem
critérios para acompanhamento psicoterapêutico, tendo sido reencaminhados para
outros dispositivos do sistema de saúde.
Quanto ao tempo que decorreu entre o início das queixas e a consulta de triagem
para acompanhamento psicoterapêutico, a maior percentagem refere-se aos 5
primeiros anos (59,4%), com destaque para os primeiro (21,6%) e segundo (13,8%)
anos. 18,0% recorre a esta consulta após 6 a 10 anos de queixas e verifica-se
uma diminuição progressiva do número de sujeitos à medida que aumento a
distância temporal entre o início das queixas e a procura de ajuda psicológica.
O tempo que decorreu entre o início do acompanhamento psiquiátrico e a
sinalização para a consulta de triagem de psicoterapia, foi inferior a um ano
em 49,7% dos casos, foi de 1 a 3 anos em 19,5%, e de 3 e 5 anos em 9,2%.
Quanto à existência de acompanhamento psiquiátrico prévio, tal não ocorreu em
62% dos elementos da amostra. No que diz respeito ao acompanhamento
psicoterapêutico, não tiveram acompanhamento anterior 70,3% dos casos.
Dos fatores identificados pelo próprio como desencadeantes de sofrimento
psicológico que conduziram à procura de ajuda especializada, destacam-se:
conflitos conjugais (14,5%), morte de familiar (12,9%), doença física (10.4%) e
problemas laborais / desemprego (9,8%). O conjunto das situações de divórcio
(5,3%) e de ruturas afetivas (5,3%), é mencionado por 10,6% da amostra.
Em relação aos problemas da infância e da adolescência, a violência e os
conflitos familiares são os dois fatores com maior percentagem em todos os
grupos etários.
Na violência familiar foram incluídas situações de violência em relação aos
filhos e cônjuge e apenas ao cônjuge. Em todos os grupos etários a percentagem
de violência dirigida à família nuclear é superior à dirigida ao cônjuge. Ao
aumento do escalão etário corresponde um aumento progressivo dos conflitos
familiares assinalados. A partir dos 8 anos surge o isolamento social entre os
fatores mais assinalados. No grupo etário entre os 13 e os 18 anos surgem os
problemas psiquiátricos ou psicológicos do próprio.
As características da personalidade prévia com maiores percentagens foram, por
ordem decrescente: alegre (29,7%), introvertido (14,6%), nervoso (14,4%),
sociável (12,9%), inibido (12,8%), triste (10,8%), extrovertido (10,3%),
confiante (10,1%), inseguro (8,6%), impulsivo (6,5%) e instável (6,4%), isolado
(6,4%) e ativo (5,1%).
No que respeita aos diagnósticos nosológicos psiquiátricos (DSM IV TR, Eixo I),
os resultados foram agrupados em patologias específicas, visando facilitar a
sua compreensão. Em 66,1% da amostra verificou-se uma Perturbação do Humor como
diagnóstico principal (DP) e em 15,4% como diagnóstico secundário (DS). Foram
encontradas Perturbações de Ansiedade em 22,3% da amostra como DP e em 18,5%
como DS. Esquizofrenia e outras Perturbações Psicóticas foram assinaladas como
diagnóstico principal em 4,6% e como diagnóstico secundário em 0,3%. As
perturbações de adaptação registaram um valor percentual de 3,4 como
diagnóstico principal e de 1,8 como diagnóstico secundário.
Ainda relativamente aos diagnósticos nosológicos psiquiátricos (DSM IV TR, Eixo
II), verificou-se que 62,1% da amostra não apresenta perturbações da
personalidade. As perturbações de personalidade mais frequentes foram, por
ordem decrescente, a Borderline (15,7%) a Dependente (7,9%) e a Histriónica
(7,6%). Sobre a existência de doença física crónica, registaram-se 13,7% de
respostas afirmativas. 88,3% dos elementos da amostra não refere consumo de
substância psicoativas (álcool, e/ou tóxicos) e nos restantes 11,7% são
referidos consumos pontuais.
DISCUSSÃO
Não foram encontrados estudos epidemiológicos nacionais sobre populações
sinalizadas para consultas de psicoterapia, o que impossibilita uma análise
comparativa com os resultados apurados neste estudo. A análise dos dados fará
uso de características apuradas em estudos internacionais.
Um primeiro resultado a salientar é o predomínio de elementos do sexo feminino
na amostra. Este dado é sustentado por estudos realizados em vários países
(Estupiña et al, 2012; Pirkis et al, 2011) e poderá ter justificações várias.
Poderá ser indicador de maior resistência por parte dos homens à intervenção
psicoterapêutica ou de que existe maior frequência de problemas emocionais nas
mulheres, o que reflete os dados epistemológicos sobre ansiedade e depressão
(Borooah, 2010).
O nível de escolaridade é tendencialmente elevado, tendo 63,3% dos indivíduos
uma qualificação académica ao nível do ensino secundário e superior. Este valor
é concordante com os apresentados por Labrador et al. (2010) e Pirkis et al.
(2011) e poderia ser justificado pelo facto de se tratar de uma população
sinalizada para consulta de psicoterapia, na qual são critérios de exclusão,
entre outros, baixos recursos cognitivos, recusa ou resistência a aderir a um
processo psicoterapêutico e necessidade predominante de apoio psicossocial.
A conclusão da pesquisa de Nour et al. (2009), segundo a qual a prevalência de
procura de intervenção psicoterapêutica é mais elevada em indivíduos casados, é
confirmada no presente estudo, tendo sido apurado que 85,5% dos indivíduos da
amostra vivem acompanhados, 21,1% são divorciados e 1,9% são viúvos, sugerindo
que as pessoas que não vivem sós sejam encorajadas pelo(a) companheiro(a) a
procurar ajuda.
A taxa de falta à triagem de 27,2% sugere uma dificuldade de adesão à proposta
médica de acompanhamento psicoterapêutico.
Acrescentando a este valor os 6,2% que são reencaminhados por não reunirem
critérios para psicoterapia, verifica-se que 33,4% das consultas de triagem
agendadas funcionam como primeira linha de exclusão. Tal facto impede a
acumulação de faltas em consultas de psicoterapia e possibilita um atendimento
mais célere para situações que reúnam critérios clínicos e motivacionais.
Os resultados sugerem uma articulação eficaz entre o psiquiatra assistente e a
consulta de psicoterapia, sendo o tempo que decorre entre o início do
acompanhamento psiquiátrico no serviço e a realização da triagem para
psicoterapia inferior a um ano em 49,7% dos casos sinalizados. Este facto
deverá ser um dos critérios a considerar na definição de políticas que visem
combater a elevada percentagem de anos vividos com incapacidade referida pela
literatura (WHO Europe, 2008).
Em 54,7% da amostra, a idade de encaminhamento situa-se entre os 21 e os 40
anos. Por se tratar de uma sinalização para acompanhamento psicoterapêutico,
este dado não deverá ser interpretado como coincidente com idade de
aparecimento das perturbações.
Considera-se a possibilidade da população não recorrer a Serviços de Saúde em
fase inicial de queixas e de, quando o faz, procurar os Serviços de Saúde
Primários.
A valorização das primeiras queixas, dos contextos de referência e das suas
implicações no desenvolvimento pessoal, permite salientar a importância dos
Serviços de Saúde Primários e a necessidade de melhorar a articulação com as
consultas de especialidade.
Intervenções articuladas poderão ser determinantes na abordagem de perturbações
ligeiras e constituir o suporte preventivo de posteriores quadros disfuncionais
e de cronicidade.
Uma análise dos fatores identificados pelos doentes como desencadeantes de
sofrimento psicológico que justificaram a procura de consulta de psiquiatria,
permite sublinhar os problemas relacionais na família (actual ou de origem) com
um valor percentual de 37% e as doenças físicas e/ou psiquiátricas com 18,7%.
Estes valores sugerem que uma elevada percentagens de indivíduos atribui a
acontecimentos recentes de vida a justificação do seu sofrimento psicológico.
Nos problemas da infância e adolescência verifica-se que os conflitos e
violência familiar estão presentes em todos os grupos etários considerados,
oscilando entre os 15,8% e 6,3% e os 15,1% e 10,7% respetivamente.
Entre os 8 e os 12 anos assistimos a referências ao mal-estar do próprio,
nomeadamente com indicação de isolamento social (7,5%).
Entre os 13 e os 18 anos a tendência para mencionar o sofrimento próprio
aumenta, mantendo-se o isolamento social com algum destaque (9,1%) e surgindo
problemas psiquiátricos e/ou psicológicos do próprio (7,9%). Estes dados são
corroborados pelos de Clark et al. (2007) e de Stevenson et al. (2011), que
salientam a importância de perturbações na infância e adolescência como
preditoras de perturbações na idade adulta.
O destaque dado às dificuldades familiares, na atribuição de causalidade dos
quadros clínicos, suporta a necessidade de programas de prevenção em saúde
mental focados na família. Um papel essencial a este nível deverá ser
desenvolvido pelas equipas dos Centros de Saúde e equipas hospitalares de
Intervenção Comunitária.
Os dados da personalidade prévia parecem assinalar duas grandes tendências. Por
um lado, traços de extroversão, alegria e confiança, em situações em que as
dificuldades psíquicas parecem marcar uma linha de corte com o funcionamento
anterior. Por outro, traços frequentes de introversão, tristeza, nervosismo e
insegurança, parecendo indicar uma linha de continuidade com o adoecer
psicológico e/ou psiquiátrico.
Ainda relativamente aos dados da personalidade prévia, são mencionadas
características que poderão configurar eventuais sinais depressivos e ansiosos.
Nas características da personalidade no âmbito da ansiedade, apurámos
percentagens mais elevadas na atribuição negativa (ex. calmo vs ansioso ' 3,5%
vs 14,4%). Verifica-se o inverso para os traços que possam estar eventualmente
associados a uma linha depressiva (ex. alegre vs triste ' 29,7% vs 10,8%).
Nas consultas de atendimento psicológico, uma abordagem compreensiva do
sofrimento, implica uma avaliação (na triagem) dos fatores significativos em
idades prévias, para complementar a identificação de desencadeantes próximos do
adoecer actual.
A organização de uma triagem em consulta de psicoterapia deverá contemplar este
princípio, por forma a espelhar a atribuição de causalidades e os recursos
psíquicos individuais, condição de sinalização para acompanhamento
psicoterapêutico ajustado às necessidades do indivíduo.
Os resultados obtidos no diagnóstico nosológico psiquiátrico do Eixo I, fazem
sobressair a depressão major (29,3%), a distímia (14,6%), a perturbação
depressiva sem outra especificação (15,8%), a perturbação de ansiedade
generalizada (7,9%) e a perturbação de pânico (7,7%).
Estes valores são concordantes com os apurados em outros estudos (Pirkis et
al., 2011), quer quanto às percentagens mais elevadas, quer quanto ao fato de a
maior percentagem de comorbilidade contemplar perturbações de ansiedade e
depressivas. A existência de comorbilidade de diagnósticos num número elevado
de situações clínicas, aponta a necessidade de abordagens dirigidas à
sintomatologia prioritária e mais incapacitante.
As Perturbações de Personalidade estão presentes em 37,9%, valores muito
superiores aos indicados noutros estudos (DSM IV TR, 2002; Labrador, Estupiña
& García Vera, 2010). Como indicado no DSM IV TR, as perturbações de
personalidade mais frequentes são a Borderline e a Dependente.
A análise dos registos de arquivo permite um conhecimento mais aprofundado da
população sinalizada para a Consulta de Psicoterapia, quer quanto ao peso
relativo das perturbações, quer quanto aos seus determinantes, sejam eles
fatores imediatos (queixas atuais) ou dados do desenvolvimento na infância e
adolescência.
A realização de estudos epidemiológicos, permite identificar fatores de risco
associados à doença mental, contributo essencial para otimizar políticas e
estratégias de intervenção em saúde mental.
A reter:
1) São predominantemente as mulheres com idades entre os 21 e os 40 anos, com
um nível de escolaridade elevado e que vivem acompanhadas, que recorrem a
psicoterapia e aceitam a intervenção.
2) A valorização das primeiras queixas, do contexto e das suas implicações no
desenvolvimento e no desempenho, a par com uma intervenção primária ao nível
dos indicadores de desajustamento individual e/ou relacional/familiar, poderá
ser um contributo significativo na contenção de posteriores quadros
sintomáticos e de perturbação da saúde mental.
3) Revela-se pertinente a integração de uma abordagem psicológica, aumentando o
número de profissionais de psicologia nos Centros de Saúde e nas Equipas
Hospitalares de Intervenção Comunitária.
O estudo apresenta como pontos fortes a dimensão da amostra, o facto da amostra
ser aleatória, ter sido recolhida durante um período de tempo longo e os
doentes terem sido observados através da mesma grelha de análise. Apresenta
como limitação não ter medidas longitudinais de avaliação do trabalho clínico,
facto que será colmatado pelo estudo em curso de avaliação longitudinal de
outcome destes doentes.