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EuPTHUHu1645-00862014000100010

EuPTHUHu1645-00862014000100010

variedadeEu
ano2014
fonteScielo

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Lesão medular traumática: impacto das variáveis sociodemográficas no ajustamento e saúde mental dos sujeitos afectados

ABSTRACT Spinal Cord Injury (SCI) is one of the most devastating injuries physically and psychologically, with significant disabling and permanent clinical manifestations. Objectives: To understand how important are socio-demographic variables on psychological adjustment and mental health of affected individuals. Method: 168 individuals with SCI living in the Portuguese territory completed a socio-demographic and clinical questionnaire, the Brief COPE to assess used coping strategies, and the HADS to screen anxiety and depression symptoms. Results: The results of this study demonstrate that there are significant differences when considering the different levels of education (F=2.79; p=.03) and the type of occupation (F=3.31, p=.01). It is possible to verify that as educational level increases the use of dysfunctional strategies decreases, being at the level of occupation, the pensioners and the unemployed those who most use these strategies. Moreover, also the severity of anxiety symptoms is dependent on gender (c2 =4.14; p=.04) and education level (c2=18,60; p=.001), being the men and the individuals with lower academic resources those with more severe symptoms. Conclusion: To know the reality of the subjects, victims of traumatic SCI and their specific needs allows health professionals and society in general to obtain accurate knowledge about the best way to support and minimize the weaknesses of this population in order to mobilize the human resources and accurate materials needed for these people with specific needs.

Keywords- Spinal Cord Injury, sociodemographic variables, coping, anxiety and depressive symptomatology

A lesão vértebro-medular (LVM) traduz-se num quadro clínico, fisicamente incapacitante e frequentemente associado a elevados níveis de ansiedade e depressão capaz de conduzir uma parte substancial dos sujeitos lesionados, a dificuldades efectivas no ajustamento emocional e cognitivo, com humor deprimido observado em cerca de 25-30% das pessoas afectadas e transtorno de ansiedade em 20-25% (Chevalier, Kennedy, & Sherlock, 2009; Craigh, Tran, & Middleton, 2009; Hammell, 2010).

A lesão medular é percepcionada como uma situação indesejável que implica o confronto com alterações físicas permanentes e a necessidade absoluta de readaptações a vários níveis (Hammell, 2004; Lopes, 2007). Esta condição clínica é susceptível de alterar objetivos de vida anteriormente realizáveis, no entanto muitos sujeitos são capazes de manter ou recuperar níveis normais de funcionamento psicológico na fase de reabilitação (DeRoon-Cassini, Mancine, Rush, & Bonnano, 2010; Pollard & Kennedy, 2007).

Lopes (2007) afirma que o conceito coping tem vindo a ser integrado no estudo do ajustamento à deficiência física adquirida. A pertinência desta temática reside na justificação de que as pessoas vítimas de uma LVM traumática atravessam vários períodos de transição que podem ser considerados stressantes, entre eles podemos mencionar a título de exemplo, a notícia do diagnóstico, as intervenções cirúrgicas a que são submetidos, o início do processo de reabilitação, a acomodação à cadeira de rodas ou outras ajudas técnicas, o confronto com a acessibilidade (ou não) no seu dia-a-dia, o regresso a casa e processo de reintegração profissional.

Pela sua importância na actualidade, e considerando a ênfase dada às teorias do stress e coping, importa perceber as variáveis envolvidas no ajustamento psicológico dos sujeitos com LVM ponderando que este será em parte explicado por fatores demográficos e sociais. Nesta área de investigação continuam-se a identificar lacunas no conhecimento científico e são recomendadas prioridades de investigação (Arango-Lasprilla, Ketchum, Starkweather, Nicholls, & Wilk, 2011; Post & Van Leeuwen, 2012)

MÉTODO Participantes Recorremos a uma amostra de conveniência que inclui 168 sujeitos vítimas de lesão vertebro-medular traumática, dos quais 127 (75,60%) são do sexo masculino e 41 (24,40%) do sexo feminino.

Material Questionário sociodemográfico e clínico - Este instrumento reúne informações que caracterizam a situação sociodemográfica do participante e as características clínicas da lesão.

Brief COPE ' Consiste numa escala que tem como objectivo avaliar estilos e estratégias de coping e que tem como população alvo sujeitos adultos.

Constituída por 28 itens repartidos por 14 subescalas, as estratégias de coping a considerar são resultado da soma de 2 itens que compõe o questionário de brief COPE. O valor de cada estratégia é dado pela soma dos resultados obtidos em cada item. Assim, dado que cada item é ordenado de 0 a 3, onde 0 indica não utilização e 3 frequente utilização da estratégia, o valor da dimensão vária de 0 a 6, onde um valor mais elevado indica uma maior utilização. Este instrumento foi validado para a população Portuguesa com uma consistência interna que segue padrões idênticos à versão original, com a maior parte das escalas a apresentar uma consistência interna superior de 0,60 (Carver, 1997; Pais-Ribeiro & Rodrigues, 2004).

Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS) ' O objectivo deste instrumento de avaliação prende-se com a medida e rastreio da sintomatologia ansiosa e depressiva. Consiste em duas escalas, uma mede a ansiedade e outra a depressão, cada uma com sete itens, com 4 opções de resposta, cotadas de 0 a 3. Assim, e de acordo com os seus autores, a cotação é feita considerando a presença dos valores entre: 0 e 7 ' normal; 8 e 10 ' leve; 11 e 14 ' moderada; 15 e 21 ' grave. O processo de validação da versão Portuguesa do HADS mostra propriedades métricas semelhantes às de estudos internacionais, para a ansiedade um alfa de Cronbach de 0,76 e para a depressão de 0,81 (Pais-Ribeiro, et al., 2007; Zigmond & Snaith, 1983).

Procedimento Estudo transversal realizado com a colaboração de instituições hospitalares e de solidariedade social, centros de reabilitação e associações, em território português, após autorizações das respectivas direcções e/ou comissões de ética.

A amostra foi recolhida durante o ano de 2012/2013. A participação no estudo foi voluntária e anónima, seguindo os princípios éticos de investigação. Os instrumentos de recolha de dados foram preenchidos pelos próprios participantes, quando incapacitados fisicamente com ajuda de terceiros e sob orientação dos investigadores.

O tratamento dos dados do questionário foi realizado com base nos testes e procedimentos disponíveis no software Statistical Program for Social Sciences (SPSS; versão 20,0 para Windows).

RESULTADOS Variáveis sociodemográficas da amostra A amostra de sujeitos com LVM traumática é constituída por 168 sujeitos, dos quais 127 (75,60%) são do sexo masculino e 41 (24,40%) do sexo feminino.

Aquando do momento da lesão, a idade média dos participantes era de aproximadamente 30,10 anos de idade (DP=14,14). Actualmente está compreendida entre 19 e 74 anos, com média de 41,08 (DP=13,38).

Observando o estado civil destes sujeitos, constatamos que se distribuem da seguinte forma: solteiro(a) (49,40%), casado/união de facto (42,86%) e divorciado/separado (7,74%), nenhum dos participantes era viúvo.

O nível l de escolaridade dos inquiridos varia entre nenhuma escolaridade e o ensino superior e distribui-se da seguinte forma: até ao ensino básico ciclo (26,19%); ensino básico e ciclo (37,50%); curso profissional e/ou secundário (21,43%) e por fim 14,88% com ensino superior.

No que respeita à situação profissional, a nossa amostra distribui-se da seguinte forma: 41,67% estão reformados por invalidez; 27,38% estão empregados (dos quais, 3,60% empregados por conta própria e 0,60% em trabalho não pago); 16,67% estão desempregados (dos quais 8,33% estão desempregados por razões médicas); 8,33% são estudantes em formação profissional e por fim 5,95% afirmam que têm outra situação profissional.

Variáveis sociodemográficas da amostra e estratégias de coping Para abordar as estratégias de coping optamos por agrupá-las seguindo as orientações classificativas de Carver (Carver, 1997; Cooper, Katona, Orrell, & Livingston, 2008).

Tendo em conta os pressupostos deste teórico, ponderou-se as dimensões e obtiveram-se três novas variáveis que estarão representadas ao longo deste estudo. Estas variáveis foram construídas da seguinte forma: • Coping focado no problema resulta da soma das variáveis: coping ativo, suporte instrumental e planeamento, dividindo esta pelo valor máximo que estas poderiam tomar (18) e multiplicando depois por 100.

• Coping focado nas emoções resulta da soma das variáveis: aceitação, Suporte social emocional, humor, reinterpretação positiva e religião, dividindo esta pelo valor máximo que estas poderiam tomar (30) e multiplicando depois por 100.

• Estratégias de coping disfuncionais resultam da soma das variáveis: desinvestimento comportamental, negação, auto-distracção, auto-culpabilização, uso de substâncias e expressão de sentimentos, dividindo esta pelo valor máximo que estas poderiam tomar (30) e multiplicando depois por 100.

O quadro_1 representa o valor da média para as categorias de coping de acordo com as características sociodemográficas do sujeito com LVM traumática. Para o seu cálculo foi utilizado o teste t-student para comparação de dois grupos, e o no caso da comparação de três ou mais grupos, o teste de One-Way Anova.

Ao analisar as variáveis sociodemográficas relativamente à utilização diferentes categorias de coping,verificamos diferenças significativas para as estratégias de coping disfuncionais em relação as variáveis nível de escolaridade (F=2,79; p=0,03) e ocupação (F=3,31; p=0,01).

Podemos constatar que à medida que aumentam as habilitações diminui o recurso às estratégias disfuncionais. No que se refere a ocupação profissional é possível verificar que os reformados por invalidez e os desempregados serão aqueles que mais recorrem a este tipo de estratégias, sendo os empregados seguidos dos sujeitos com outras situações profissionais e dos estudantes, aqueles que menos o fazem, como é possível observar no quadro_1.

Variáveis sociodemográficas da amostra e sintomatologia ansiosa e depressiva Para análise diferencial do quadro_2 foi utilizado o teste do Qui-Quadrado.

Quando optamos por diferenciar os sujeitos, considerando a gravidade dos sintomas que apresentam, em dois diferentes níveis de classificação (normal/ leve e moderada/grave) podemos constatar que a gravidade da sintomatologia ansiosa depende do sexo (c2=4,14; p =0,04) e do nível de escolaridade (c2=18,60; p=0,001).

Assim, existe uma maior percentagem de homens a apresentar sintomatologia ansiosa de maior gravidade (moderada/grave) comparativamente às mulheres.

Relativamente ao nível de instrução, são os sujeitos com menos de nove anos de escolaridade que apresentam mais sintomas, desta natureza e intensidade, sendo que a percentagem de sujeitos afectados por este tipo de sintomatologia desce para cerca de um quarto (26,78%), a partir do nono ano de escolaridade. Quando observamos o quadro_2 percebemos que os sujeitos com um curso superior apresentam, no entanto, mais sintomas que os sujeitos com curso secundário e/ou profissional.

DISCUSSÃO Os resultados deste estudo associam a ausência de ocupação profissional (reformados por invalidez e desempregados), ao uso de estratégias consideradas menos eficazes no processo de adaptação e consequentemente menos eficazes na gestão do stress potenciado pelo quadro clínico, resultante da uma LVM traumática.

A ocupação profissional parece ter um impacto considerável no ajustamento psicológico dos sujeitos com LVM traumática, e nas variáveis que indicam se este está ou não a ser eficaz. Vários estudos tratam esta problemática e investigadores como Koppenhagen, et al. (2008) sugerem que a diminuição da satisfação com a vida, nos sujeitos vítimas de lesão medular, reflecte-se de forma mais acentuada no domínio profissional. A ocupação profissional tem efeito positivo sobre a integração social, a mobilidade, a qualidade e vida e bem-estar psicológico (Fadyl & McPherson, 2010; Ottomanelli, Barnet, & Goetz, 2013.

A baixa taxa de emprego entre os lesionados medulares aparece associada a factores como os transportes, a saúde e limitações físicas, a falta de experiência de trabalho, a educação ou formação, a existência de barreiras físicas ou arquitectónicas, a discriminação por parte dos empregadores e perda de benefícios. (Lidal, Huynh, & Biering-Sørensen, 2007) A dificuldade de inserção no mercado de trabalho constitui uma das grandes preocupações das vítimas de lesão medular, não apenas pela necessidade de adquirem o seu próprio rendimento, bem como pela necessidade de resgatar o seu papel social e identidade. É notória a diminuição efectiva de sujeitos com ocupação laboral após a LVM; Estudos revelam que dos 81,3% sujeitos empregados antes da lesão, apenas 12,5% conseguiu manter o seu posto de trabalho, após o acidente que os vitimou. (Venturini, Decésano, & Marcon, 2007).

A ocupação é de facto identificada como uma das principais problemáticas nesta população (Kennedy, Lude, & Taylor, 2006). Lidal, Hjeltnes, Røislien, Stanghelle, e Biering-Sørensen (2009) consideram importante investir na integração e reconversão profissional desta população, sugerem mais apoio e reconhecem as repercussões positivas que a ocupação profissional tem satisfação com a vida. Pesquisas futuras devem explorar intervenções destinadas a ajudar as pessoas com LVM a obter e sustentar uma ocupação profissional produtiva (Lidal, et al., 2007).

As sequelas físicas, emocionais e sociais que atingem os sujeitos portadores de incapacidades físicas, podem naturalmente associar-se a sintomas depressivos e elevados níveis de ansiedade (Accacio & Ramos, 2004).

Em determinadas circunstâncias, é possível relacionar de forma significativa, a presença deste tipo de sintomatologia com outras variáveis. Assim, podemos observar que a frequência de sintomas de ansiedade e depressão apresentam associações significativas com as variáveis sociodemográficas dos sujeitos com LVM. Este estudo indica a presença de relações significativas relativamente à sintomatologia ansiosa, com as variáveis género e escolaridade.

Algumas investigações apostaram na procura do impacto das variáveis do papel masculino na adaptação a LVM. Schoop, Good, Barker, Mazurek, e Stucky (2007), por exemplo, referem que determinados aspectos relacionados ao tradicional papel masculino, como a capacidade de modelar emoções fortes, pode ser adaptativo num processo precoce de reabilitação. No entanto, outros aspectos, nomeadamente um estilo intrapessoal dominante, poderá ser uma barreira à eficácia da reabilitação.

Contrariamente aos resultados encontrados no nosso estudo, no que se refere à diferença de género e à presença de sintomatologia ansiosa, os trabalhos de Aguado-Díaz, Rodríguez, Carenas, e Martínez (2010) sugerem que não existem diferenças significativas entre géneros, no que se refere as variáveis psicológicos, como a ansiedade, depressão, motivação ou locus de controlo. No entanto, dada a escassa bibliografia disponível nesta área e ao suporte empírico pouco consistente sugerimos, tal como os autores, a necessidade de mais estudos de investigação que abordem esta temática.

Parece-nos importante reconhecer e enfatizar que à medida que aumenta o nível de instrução diminui a presença de sintomatologia ansiosa. Estes dados fazem- nos reflectir sobre o papel que terá a instrução, na aptidão e mobilização mais eficaz de recursos.

De facto, os sujeitos que limitaram a sua escolaridade ao ensino básico apresentam mais sintomas de ansiedade que os sujeitos que progridem para níveis mais elevados de formação. Chamamos no entanto a atenção, para o facto dos sujeitos com um curso superior, revelarem maior incidência desta sintomatologia que os sujeitos com instrução secundária e/ou curso profissional. Acreditamos que tal aspecto prende-se com o facto do investimento e as aspirações pessoais e profissionais dos primeiros terem sido substancialmente maiores e eventualmente mais frustradas perante a realidade e o impacto de uma lesão medular. Sugerimos mais investigação nesta área no sentido de esclarecer a importância do papel da instrução, dos cursos profissionais e o balizamento das expectativas nesta população.

Estudos demonstram resultados semelhantes e sugerem que variáveis como o baixo nível de instrução, o desempregado ou a não frequência de uma instituição de ensino, estão associadas a uma maior morbilidade psicológica, nomeadamente a gravidade da sintomatologia depressiva. Também uma diminuição de actividades prazerosas e gratificantes e uma menor auto-eficácia são preditores de maior gravidade deste tipo de sintomatologia (Bombardier, et al., 2012).

A complexidade desta lesão afecta todas as esferas da vida da pessoa, importa salientar a necessidade de uma abordagem multidisciplinar em que os aspectos psicológicos e sociais consubstanciam o papel central em todo o processo de adaptação (Ruiz & Aguado-Díaz, 2003; Ruiz, Aguado-Díaz, & Rodrígues, 2008). Parece-nos pertinente conhecer a realidade dos sujeitos com LVM traumática no nosso país e enfatizar a necessidade de estudos sobre o impacto psicológico desta condição nestes sujeitos, com vista a contribuir para novas formas de intervenção, mais capazes de perceber e colaborar no ajustamento destes à sua nova condição de vida.

Existem diferenças individuais no recurso as estratégias de coping utilizadas pelos sujeitos lesionados para gerir as situações de stress. Essa diferença é pautada pela intervenção de inúmeras variáveis, nomeadamente as variáveis sociodemográficas como a escolaridade ou a situação ocupacional que parecem ter um papel de relevo em todo este processo.

Este estudo permite também elucidar sobre os sujeitos em situação de maior vulnerabilidade e que incorrem num maior risco de inadaptação. Poderemos assim referenciar, como grupos de intervenção prioritária, aqueles que com mais frequência recorrem a estratégias disfuncionais, nomeadamente os sujeitos sem uma ocupação profissional ou com baixos níveis de escolaridade.

É importante conhecer a realidade dos sujeitos vítimas de LVM traumática e as necessidades específicas desta população, nomeadamente as sequelas e as dificuldades que estas pessoas defrontam para se adaptarem à sua nova condição e retornar a sua vida social e familiar. É o sujeito que tem o papel principal no desenvolvimento das suas capacidades de ajustamento, porém, cabe aos técnicos de saúde, e a sociedade em geral, apoiar e minimizar a suas necessidades específicas, quer através da mobilização de recursos humanos e matérias, quer através de mudanças de atitudes face a problemática da deficiência As limitações deste estudo passam pela dificuldade em reunir uma amostra representativa desta população a nível nacional, facto legitimado pela inexistência de dados estatísticos, uma rede de cuidados diferenciados ou referenciados para esta população ou mesmo instituições vocacionadas para esta problemática.


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