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EuPTHUHu1645-37942013000100008

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variedadeEu
ano2013
fonteScielo

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Africanidade e Arquitectura Colonial: A casa projectada pelo Gabinete de Urbanização Colonial (1944-1974)

As políticas coloniais de Portugal durante o regime do Estado Novo incentivam, a partir da Segunda Guerra Mundial, uma significativa emigração para os territórios africanos sob administração portuguesa. A concentração de populações recém-chegadas torna mais visíveis as carências de alojamento. As respostas dadas pelo regime até à revolução de Abril de 1974 vão evoluir de acordo com as políticas internacionais (que tenderão a pressionar no sentido da formação de novos países) e da própria cultura arquitectónica (que se tornará cada vez mais permeável às culturas locais). Estas respostas tendem primeiro a olhar para a então África portuguesa como um universo indistinto e abstracto, como provam os projectos desenvolvidos em Lisboa até meio da década de cinquenta para estas regiões e que constituem uma das principais fontes documentais deste artigo[1]. Nesse sentido, um tratamento igualmente indeterminado (quanto à identificação regional de cada caso) é aqui mantido por coerência metodológica. Exigências mais específicas, decorrentes das diferentes realidades coloniais, todavia, surgem cedo na imprensa promovida localmente, como são os casos relatados no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa(1948-1973), em Cabo Verde Boletim de Propaganda e Informação (1949-1964), ou em A Voz de S.

Tomé, cuja leitura permite traçar um quadro das expectativas acalentadas regionalmente e que pontualmente se usa como ilustração mais precisa. No entanto, como se refere um pouco mais à frente, os arquitectos portugueses acabam por integrar progressivamente nos seus desenhos elementos inspirados nas construções tradicionais africanas, provando a tal permeabilidade cultural aqui citada. Esta atitude reflecte-se essencialmente na produção de habitação para as populações locais, permitindo antecipar uma abordagem regionalista ou o esboço de diferentes regionalismos africanos, o que se torna exequível quando cada região emergir autonomamente aos olhos dos próprios arquitectos[2].

Neste contexto, o levantamento e a consequente publicação do Inquérito à Arquitectura Popular em Portugal (1955-1961) deve ter servido de forte incentivo.

Até à Segunda Guerra, muitas das residências ocupadas pelos europeus na África subsaariana, onde se localizam os territórios coloniais portugueses, aproximam- se em forma e em condições de salubridade das casas tradicionais locais[3].

Apesar de esforços pontuais do Estado português, principalmente na melhoria do alojamento dos funcionários públicos, manifestos em algumas missões para a construção de moradias em Angola, Moçambique e Guiné[4], esta situação de precaridade é muitas vezes referida em documentos oficiais que no final da guerra enquadram as condições de habitabilidade dos europeus em África[5]. O facto começa a ser repensado num momento inicial do regime por motivos simultaneamente morais e de higiene pública. O acréscimo do número de funcionários públicos deslocados na década de quarenta, em especial para Angola e Moçambique, vai acelerar o processo de construção de habitação de promoção oficial, colocando a questão da racionalização de recursos. Parte da estratégia passa por distinguir a produção de alojamento para funcionários públicos, distribuídos por actividades (saúde, poder judicial, administração e forças militares), da habitação destinada a trabalhadores colonos ou às populações autóctones, mais tarde designadas como economicamente débeis (ou recorrendo a terminologias similares). Segundo o geógrafo Ilídio do Amaral, em Luanda, desde 1948 que se [começa] a encarar a sério a necessidade de resolver o problema do alojamento das classes africanas economicamente débeis (Amaral, 1968, pp. 116-117). O mesmo autor reconhece que o problema se complica quando os ‘muceques' [começam] a ser invadidos por imigrantes brancos (Amaral, 1968, p. 118) reconhecendo que persiste na capital angolana, em plena década de sessenta, uma população de origem europeia que continua a instalar-se em bairros predominantemente habitados pela população dita indígena. Essa população branca integra-se igualmente no quadro dos economicamente débeis.

Mas de se assistir às migrações dos anos sessenta que provocam o cenário descrito por Amaral, com o objectivo de estancar o problema crescente da falta de alojamento, começa por se apostar maioritariamente na residência unifamiliar implantada em novos bairros, periféricos aos centros urbanos, e inspirados nas teorias da Cidade Jardim, promovendo-se conjuntos edificados de baixa densidade [6].

Reforçando as políticas metropolitanas, os governos coloniais começam igualmente a tomar medidas no sentido de colmatar a escassez de oferta de habitação, aqui ainda provavelmente destinada à população europeia, mesmo que tal não seja apontado nos documentos consultados. Admite-se que as casas económicas que na Europa e na América teem dado lugar a uma legislação vasta e complexa [ ] possuem características especiais que haveria, talvez, vantagem em definir mais pormenorizadamente (Carneiro, 1941, s.p.). Ainda que se aceite a definição de projectos-tipo (Fig._1), favorece-se a diversidade como resposta às especificidades regionais.

Casa portuguesa ultramarina Numa primeira fase que continuidade à ocupação territorial iniciada com a Primeira República (1910-1926), as opções estilísticas passam por fixar uma casa colonial de inspiração tradicional portuguesa. Uma das primeiras notícias sobre casas ornamentadas em estilo português (Machado, 1926, p. 56) surge em 1926 em relação à nova cidade do Huambo (Angola, Nova Lisboa, a partir de 1928, e actualmente Huambo) (Fig._2).

Em 1940, na Exposição do Mundo Português, inaugurada em Lisboa, é construído um protótipo de uma casa de colono na secção colonial da autoria do arquitecto Vasco Regaleira. No mesmo evento, são montados dois núcleos: um de aldeias portuguesas e outro de aldeias indígenas. Neste contexto, o imaginário da arquitectura popular do núcleo das aldeias portuguesas cruza-se com a proposta para os futuros colonos europeus em África. A casa de Regaleira é considerada igualmente adequada ao continente africano e ao sul de Portugal. na reconstituição dos aldeamentos indígenas, favorece-se um certo primitivismo figurativo, recorrendo à reprodução da cubata, baseando-se na experiência colonial que muitos portugueses vivem desde o final de Oitocentos. Antes, na feira de Angola, de 1938, o Pavilhão de Arte Indígena tinha precisamente reproduzido uma construção típica africana, fixando um tipo que se vulgariza entre as sociedades metropolitana e colonial.

Cabe aos arquitectos do Gabinete de Urbanização Colonial[7], que inicia a sua actividade em Janeiro de 1945, ajudar a definir tipologias habitacionais de acordo com o perfil das populações a que se destinam. Estas tipologias concentram-se na resolução do problema da casa nos trópicos, ajustando pontualmente cada caso a situações geográficas e climatéricas muito específicas [8]. Note-se que o objectivo do Gabinete é criar conhecimento útil que possa ser reutilizado em novos projectos. A experiência inicial deste organismo dependente do Ministério das Colónias é compilada por um dos seus principais arquitectos, João António Aguiar, em 1952, com a publicação de L'Habitation dans les pays tropicaux, quando este organismo altera o seu nome para Gabinete de Urbanização do Ultramar (GUU) e o Ministério das Colónias passa a Ministério do Ultramar.

O livro de Aguiar reúne documentação sobre a habitação produzida até então nas províncias ultramarinas[9]. Parte-se deste conhecimento para definir modelos mais apurados, quer ao nível do programa e dos materiais, quer do aspecto plástico e das soluções de resposta ao clima. São reunidas três conferências apresentadas ao XXI Congresso da Fédération Internationale de l'Habitation et de l'Urbanisme realizado em Lisboa. Em Organisation des communautés aborda-se o projecto de unidades residenciais indígenas de 5 000 a 15 000 habitantes que funcionem como cidades satélites dos principais centros urbanos consolidados.

A segunda conferência, Disposition des logements, trata a organização do fogo.

Considera-se em paralelo o problema da habitação para africanos e para europeus, na perspectiva dos materiais e métodos de construção, da orientação, do custo, da estética, etc. É aqui que se estabelecem distinções entre programas residenciais para trabalhadores colonos, funcionários (habitação unifamiliar e plurifamiliar), week-end, e para indígenas (casas isoladas e blocos colectivos). Cada programa é demonstrado a partir de projectos-tipo. A última parte, Considérations d'hygiène dans les logements, trata a influência do clima: protecção do sol através de elementos de resguardo das fachadas; refrigeração natural e artificial, etc.

Os portugueses começam a consolidar os seus próprios programas de habitação durante os anos cinquenta, obtendo uma produção homogénea em termos de estrutura funcional e materiais construtivos, mesmo que seguindo figurinos estilísticos diversificados. Aposta-se preferencialmente num portuguesismo africano. No entanto, na maioria dos novos bairros, o projecto continua a resultar de um reajustamento da casa colonial tradicional, fixado em manuais que remetem para práticas construtivas vulgarizadas desde o final do século XIX (por exemplo, Pimentel, 1904), com o recurso à varanda exterior e à cobertura saliente e fortemente inclinada, onde os dispositivos de ventilação e arrefecimento, aplicados quer às coberturas quer aos vãos, se tornam correntes.

Este facto é comprovado tanto pela consulta de projectos destinados à habitação que, por exemplo, os arquitectos do Gabinete de Urbanização desenvolvem até ao final da década de cinquenta[10], como pela visita a bairros consolidados nesta época, casos dos antigos bairros do Largo 5 de Outubro, na cidade da Praia (Cabo Verde Boletim de Propaganda e Informação, 1951, p. 22), ou Vieira Machado, em Bissau, entre outros. Aguiar publica diversos exemplos, nem sempre identificando a sua localização, o que também contribui para que se aceite uma certa uniformização.

após a publicação do livro, é realizado em 1953 um concurso para alojamentos de famílias camponesas deslocadas do meio rural português para os territórios ultramarinos, lançado pela Direcção Geral de Fomento do Ultramar (Concurso para trabalhadores colonos, 1953). O objectivo é encontrar uma solução funcional e estética para a casa do colono português. Solicita-se o desenvolvimento de duas tipologias, sendo de aconselhar a composição acentuadamente rústica e tradicional que se adapte perfeitamente ao caracter e personalidade do colono (Concurso para trabalhadores colonos, 1953, p. 1).

A maioria dos arquitectos que participa está ligado ao GUU e por isso familiarizado com os territórios tropicais e com a imagem que se procura fixar nos projectos de promoção pública[11].As propostas têm como destino imediato as brigadas técnicas de Limpopo (Moçambique) (Fig._3) e de Cunene (Angola). As conclusões analisam os projectos na perspectiva da relação área/conforto e do manuseamento dos elementos arquitectónicos tradicionais dos trópicos, como as varandas. Elogia-se a capacidade em evocar um estilo identificado com a Metrópole sem deixar de atender às particularidades tropicais e africanas[12]: Casa portuguesa? Sim, mas caracterizada pela sua função material totalmente aclimatizada a novas condições Casa portuguesa? Sempre! Mas portuguesa ultramarina. Assim, a seleccionamos, acolhedora e fresca, segura, própria, onde cada prego esteja certo e cada alma tenha repouso (Concurso para trabalhadores colonos, 1953, p. 9).

Na petição que faz ao Ministro do Ultramar da época[13], um dos concorrentes, o arquitecto Mário de Oliveira, exemplifica que na sua proposta, as características arquitectónicas não estão distantes daquelas em que o colono desenvolveu o seu carácter e personalidade (Oliveira, 1953, p. 2). A isto chama facilitar a adaptação do colono ao meio ambiente através de uma arquitectura com que este esteja familiarizado.

Estes arquitectos estão portanto empenhados em reproduzir em África alguns dos modelos de alojamento da Metrópole de forma a manter uma ligação afectiva forte entre Portugal e os seus territórios ultramarinos. São no entanto os princípios de adaptabilidade ao clima que definem as principais decisões de projecto, seguindo-se exigências de economia e bom senso, tendo presente a realidade colonial (recursos, mão-de-obra, etc.).

Os mesmos princípios dominam as realizações promovidas localmente pelas Juntas Provinciais de Povoamento criadas em 1961 por Marcelo Caetano. A filosofia seguida pela Junta Provincial de Povoamento de Angola, por exemplo, assenta na ideia de que importa dar às famílias de povoadores, uma casa que seja não um abrigo, mas também um poderoso elemento de fixação (Junta Provincial de Povoamento de Angola, 1964, s.p.).

Estes colonos não são exclusivamente europeus. As comunidades imigrantes integram igualmente populações oriundas de outras regiões sob administração colonial portuguesa, caso dos emigrantes cabo-verdianos que são encorajados a disseminarem-se pelo território continental africano. São divulgados projectos (na maioria implementados) que podem ser reproduzidos, a exemplo de um manual de boas práticas. Estes partilham o mesmo pragmatismo assente em visões economicistas (na forma e no conteúdo). Implementam-se políticas de responsabilização dos beneficiários da habitação na sua conservação e melhoramento. Publicam-se igualmente propostas qualificadas, de forte expressão moderna[14]. Predominam, contudo, os desenhos que comportam uma certa modernidade não corbusiana[15] e dão maior especificidade aos projectos que o Estado português patrocina face a outras experiências coloniais, resultado da própria singularidade da experiência que os arquitectos do serviço público vão acumulando.

Durante este processo de tropicalização assiste-se a uma alteração significativa de paradigma no campo estilístico. Uma tipologia muito específica a habitação destinada a militares assume particular importância nesta mesma década de sessenta, com o arranque da guerra colonial[16]. Constitui um programa paralelo a que os arquitectos da Direcção de Serviços de Urbanismo e Habitação da Direcção de Obras Públicas e Comunicações (DSUH/DGOPC), herdeira da estrutura do GUU, entretanto desactivado, também se dedicam. Responde-se às novas exigências organicistas que revêem os discursos modernos, preferindo a organização da planta em L e o recurso a materiais locais[17] (Figuras 4 e 5).

Vislumbra-se a influência da publicação da Arquitectura Popular em Portugal, citada.

Casa africana moderna Juntamente com a promoção de habitação para populações europeias surge a casa desenhada especificamente para as comunidades locais, onde o processo de africanização da expressão arquitectónica se torna mais óbvio. No final da década de cinquenta é um dos programas centrais dos arquitectos que integram os organismos oficiais do Estado Novo. As abordagens evoluem desde a interpretação figurativa e literal (Oliveira, 1958), à introdução de materiais industriais na sua concepção (Carvalho & Cunha, 1965). O esquematismo da planta da casa autóctone cruza-se com a racionalidade do pensamento moderno, facto que encoraja os arquitectos a gradualmente tomarem consciência da sua existência. O interesse pelo tema descende das descrições da casa tradicional africana e surge em estudos marginais à arquitectura, como a antropologia, a etnologia ou a geo-grafia.

A Guiné é habitualmente apontada como precursora, não apenas pelos estudos pioneiros de Orlando Ribeiro (que cumpre uma missão ao território guineense em 1947), como pelas publicações patrocinadas pelo Centro de Estudos da colónia.

Destaca-se A Habitação Indígena na Guiné Portuguesa de A. Teixeira da Mota e Ventim Neves (Bissau, 1948), onde se traça um quadro das principais tipologias habitacionais nativas. Inclui-se igualmente um estudo sobre higiene, pelo médico Fernando Simões da Cruz Ferreira, confirmando-se que as casas tradicionais não oferecem protecção contra doenças endémicas.

A par destas descrições, surge o Bairro Indígena de Santa Luzia, erguido nas proximidades da capital guineense por iniciativa oficial e que em 1948 está em fase de construção.A estrutura reticulada do aglomerado pressupõe a vontade de regularizar os assentamentos locais. A casa corresponde a uma simplificação da residência tradicional, assente sobre um rectângulo e com varanda exterior.

O mesmo modelo é melhorado no Bairro da Ajuda (1965-1968), também em Bissau, resultado do trabalho dos técnicos que integram os serviços de Obras Públicas da província. Uma relação directa entre as plantas da casa tradicional (em sentido abstracto, que levantamentos dos anos cinquenta demonstram as variações das diferentes etnias) e a configuração da residência-tipo do novo bairro é assumida em artigo assinado pelo arquitecto Fernando Varanda, precisamente no âmbito das soluções apresentadas pelas entidades administrativas (Varanda, 1968, pp. 34-39). Varanda descreve que a exigência de que se faça uma progressiva assimilação à maneira europeia (Varanda, 1968, p. 35) não se faz através do desenho da arquitectura, mas nos modos de vida introduzidos através, por exemplo, da obrigatoriedade de aquisição de mobiliário (cama, mesa, cadeiras, etc.) que reflicta vivências ocidentais.

Dez anos antes da conclusão da Ajuda, em 1958, a realização de um novo plano de urbanização para a capital guineense trouxera Mário de Oliveira a Bissau.

Durante a viagem, levanta as principais concentrações urbanas nativas (Oliveira, 1962), analisa e descreve as casas tradicionais das diversas etnias guineenses que residem na periferia da cidade. O estudo repercute-se no Plano de Urbanização dos Bairros Populares de Bissau (1959), que propõe a regularização do desenho de três estruturas residenciais a partir dos assentamentos existentes, devidamente enquadradas por equipamentos assistenciais, comerciais, escolares e desportivos. O traçado aproxima-se dos ideais da Cidade Jardim, afastando-se da composição ortogonal de Santa Luzia, mas também da que será assumida na Ajuda, optando por um desenho mais orgânico.

Trabalham-se três tipologias novas de alojamento (casas isoladas, geminadas e em banda) a partir de um módulo quadrangular de cerca de oito metros de lado em planta, com quatro compartimentos e corredor axial, circundado por uma varanda e com cobertura de quatro águas. A cozinha é exterior. Uma vez mais, a tipologia corresponde à simplificação do esquema de funcionamento das casas tradicionais. As casas devem ser construídas pelos futuros habitantes, recorrendo às técnicas e materiais locais. Trata-se de elaborar uma primeira tipologia que interpreta a elementaridade do modelo ancestral, permitindo o seu uso de forma mais generalizada.

Quando o arquitecto lança, em 1962, Problemas Essenciais do Urbanismo do Ultramar, a partir da experiência de Bissau, a abolição do Estatuto do Indigenato é uma realidade. Comunica-se pelo desenho através da aplicação nas cidades coloniais de ideais de multirracialidade. O objectivo é levado à exaustão durante a laboração do Plano Urbano Director da cidade moçambicana de Quelimane, que Oliveira supervisiona em nova missão a África (1963-1964).

Admite-se a existência de um problema de alojamento entre os mais diminuídos economicamente, instalados nas zonas periféricas da cidade (Oliveira, 1965, p.

65). Defende-se que cada habitat deverá evoluir lentamente à medida que o processo cultura-economia se for desenvolvendo (Oliveira, 1965, p. 67), contrariando-se a possibilidade de uma transformação rápida dos modos de habitar. O raciocínio permite valorizar certas disposições dos aglomerados tradicionais, cabendo ao Estado realizar habitações higiénicas tipo palhota dentro de uma perfeita acomodação do espaço de cada habitat, estimulando e incentivando os nativos a compreenderem os problemas de higiene e de cultura (Oliveira, 1965, p. 68) (Fig._6). Sem que perca a sua elementaridade primitiva, a casa assume-se como um meio civilizador. Insiste-se na ideia que sirva de veículo de iniciação das populações africanas nos modos de vida ocidentais.

O alojamento das populações que residem fora dos aglomerados urbanos é outra das faces do problema. Procura-se actuar com pragmatismo, envolvendo os futuros beneficiários na produção da sua própria habitação e aconselhando o uso de materiais locais (económicos, disponíveis e de manuseamento acessível).

Reintroduz-se a planta circular, com inspiração na forma cilíndrica das habitações gentílicas, existentes em muitas aldeias [ ] e tendo em atenção esse aspecto de casa tradicional (Junta Provincial de Povoamento de Angola, 1966, s.p.).

Ao mesmo tempo que se sinalizam alterações na própria arquitectura africana, resultado da adopção de práticas mais progressistas introduzidas pela colonização (Pereira, 1966), também proliferam estudos, como o que o etnógrafo José Redinha desenvolve em A Habitação Tradicional em Angola Aspectos da sua evolução (1973). A pesquisa concentra-se no meio urbano, no musseque de Luanda, que representa o último ciclo étnico da casa nativa (Redinha, 1973, p. 36). A habitação ideal nesta fase actual do problema da habitação deve confinar-se ao edifício térreo, com seu quintal e anexos, sendo desaconselháveis soluções em altura uma vez que a edificação em andares [ ] é contrária ao tipo de vida do nativo (Redinha, 1973, p. 42).

A construção de residências elementares, de um único piso para alojamento das populações locais, vulgariza-se como programa preferencial do Estado Novo. No território guineense, com a guerra colonial, dá-se início à implementação de uma casa-tipo de planta rectangular desenvolvida pelo Exército e que concorre com os modelos desenhados pelos arquitectos[18]. A inspiração directa na casa autóctone é uma das soluções trabalhadas pelos arquitectos da DSUH/DGOPC. Em 1964, para São Tomé são desenvolvidas três tipologias económicas decalcadas das casas tradicionais[19]. Privilegiam a madeira e recorrem a alguns elementos pré-fabricados (vãos, portas e janelas). São ligeiramente elevadas sobre estacas e o acesso faz-se por uma varanda. A estrutura é estudada de modo a que seja possível adicionar novos módulos programáticos. Admitem-se unidades isoladas ou geminadas (Fig._7).

A década de sessenta é contudo favorável à introdução de novas tecnologias, assistindo-se à actualização da casa indígena através da alteração dos sistemas construtivos. Em Angola, Fernão Lopes Simões de Carvalho e José Augusto Pinto da Cunha desenvolvem uma experiência similar para o novo bairro da ilha de Luanda (1963-1966). Nas novas casas-pátio dos pescadores luandenses, o carácter local é uma abstracção para a qual contribuem, em paralelo, técnicas tradicionais e contemporâneas (Fig._8). O novo bairro segue uma implantação ortogonal, respeitando os ventos dominantes, muito embora Simões de Carvalho tenha vindo a desenvolver esquemas mais orgânicos, próximos das implantações autóctones, tornando implícito que, também neste domínio, importa aprender com a tradição.

Considerações finais Com o Estado Novo, as novas necessidades de alojamento na África portuguesa para todos os estratos populacionais obrigam a repensar as estratégias de habitação. As populações indígenas tornam-se destinatárias de habitação de promoção pública. O Estado segue inicialmente o exemplo das grandes corporações que operam em África e que promovem habitação para os seus empregados.

Progressivamente, as experimentações desencadeadas pelas várias leituras das casas tradicionais africanas (cabo-verdianas, guineenses, santomenses, angolanas ou moçambicanas) acabam por produzir uma arquitectura de compromisso, africanizada, e que se destina essencialmente às populações locais. Para do realismo exigido, existem igualmente motivações ideológicas de que os projectos estado-novistas não abdicam, que a casa é um veículo civilizador.

Para as populações civilizadas, os alçados das casas projectadas pelos arquitectos afectos ao GUU mantêm uma certa unidade estilística que indica a transferência de um imaginário metropolitano para as colónias. Componentes tradicionais, como os alpendres ou as coberturas em telha, são tropicalizados. O projecto cumpre os requisitos mínimos funcionais para ser edificado nestas regiões: protecção das fachadas contra a insolação e ventilação cruzada. Os conjuntos implantam-se de acordo com os ventos dominantes, estratégia corrente nos planos urbanos da região.

Paralelamente, na casa do trabalhador colono, que se destina a populações rurais metropolitanas deslocadas para as regiões ultramarinas, acentua-se o reportório tradicionalista apesar da procura de uma solução que possa acentuar o carácter do colono. O que se pretende, ainda que tardiamente, é fixar um modelo ultramarino por analogia com a casa portuguesa.


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