António Teodoro (2003): Globalização e Educação. Políticas Educacionais e Novos
Modos de Governação.
António Teodoro (2003). Globalização e Educação. Políticas Educacionais e Novos
Modos de Governação.
Porto: Edições Afrontamento, 111 páginas.
Esta obra de António Teodoro, intitulada Globalização e Educação. Políticas
Educacionais e Novos Modos de Governação,centra-se na abordagem das questões
educativas, nomeadamente dos debates políticos, a nível nacional e
internacional. O livro faz-nos pensar quem somos, quando integrados no sistema
mundial. E as questões que de imediato se colocam são as seguintes: seremos nós
os verdadeiros construtores das políticas educativas ou elas resultam de
processos de contaminação, fazendo de cada uma meras peças de um puzzleglobal?
A quem se devem as mudanças educativas? Quem contamina quem? Quais são as
forças dominantes neste jogo global? Quais os contextos históricos que
esclarecem os posicionamentos/relacionamentos globais e locais?
Este livro representa um contributo significativo para repensar as funções da
Escola e dos seus actores e o papel do Estado e das organizações
internacionais. É importante relacionar o que se faz na sala de aula, as
capacidades que são desenvolvidas com as forças dos poderes dominantes. Neste
mundo em que vivemos, nada, precisamente nada do que se ensina na sala de aula
é um dado puramente neutro. Importa pois tentar perceber as forças do poder que
nos afectam, como nos limitam ou potencializam certas capacidades, como nos
fazem pensar como pensamos, dando a ilusão que pensamos com a nossa própria
cabeça.
Como diz o autor, a passagem da educação da esfera doméstica para tema central
nos debates políticos (nacional e internacional) coloca problemas ao estudo das
políticas educacionais. Por outro lado, a progressiva massificação que temos
vindo a assistir no último século, veio também colocar novos problemas, veio
abanar os valores que tinham presidido à construção da escola. Isto representa
uma realidade qualitativamente diferente, com a qual todos os intervenientes
têm uma enorme dificuldade em lidar. A escola entrou numa dupla crise: de
regulação (não integra eficazmente) e de emancipação (não produz a mobilidade
social esperada).
António Teodoro sublinha a necessidade de procurar uma outra racionalidade que
responda aos novos desafios da escola para todos, com outros valores, outras
metas, outros procedimentos. É que a gramática da escola- que desde o século
XIX, foi um elemento que consolidou o Estado-Nação (pela primeira vez as
pessoas foram trabalhadas para ter uma identidade colectiva), homogeneizou a
língua e a cultura, formou o cidadão (novo conceito) e construiu a cidadania
nacional - não está a responder às necessidades das novas formas de
cidadania, aos novos contornos do mercado de trabalho e à nova importância do
conhecimento / informação nas sociedades modernas.
Muito embora os discursos sobre a crise da educação escolar sejam tão antigos
como a própria Escola, os factores supostamente geradores da actual crise são
hoje mais amplos e heterogéneos (expansão e internacionalização da economia
capitalista, centralidade dos meios de comunicação de massa que se constituem
como fortes agentes de socialização, diversificação e complexificação dos
problemas sociais, …), e, portanto, há que reconfigurar a expansão da escola
para todoscom a assunção de lógicas de desenvolvimento que não sejam restritas
somente à lógica da cidadania atribuída pelo Estado-Nação.
É com base nesta linha de pensamento, que o autor, reiterando uma visão
sistémica das políticas educacionais, apresenta, no Capítulo I, os pressupostos
metodológicos para a abordagem das políticas educacionais que pressupõe a
mobilização de saberes oriundos de campos disciplinares das Ciências Sociais
(História, Economia, Antropologia, Sociologia e Ciência Política) para uma sua
melhor apreensão e interpretação.
Elegendo como pólo central do livro, As novas formas de regulação transnacional
das políticas de educação, ou uma globalização de baixa intensidade
-temática que constituio Capítulo II - o autor, baseando-se numa pesquisa
empírica realizada em Portugal num arco cronológico situado entre 1955 e 1986,
sinaliza as relações entre as organizações internacionais - OCDE
(19551974), UNESCO (1974-1975), Banco Mundial (1976-1978) e OCDE (1979-1986) -
e a formulação de políticas educativas nacionais (veja-se Quadro na p. 35). As
referidas organizações internacionais funcionam como um elemento de legitimação
e desempenham "um decisivo papel na normalização das políticas educativas
nacionais, estabelecendo uma agenda que fixa não apenas prioridades mas
igualmente as formas como os problemas se colocam e equacionam",
constituindo "uma forma de fixação de um mandato, mais ou menos explícito
conforme a centralização dos países" (p. 33).
O autor sustenta que os efeitos da globalização nas políticas educacionais são
indirectos, agindo por mediação dos Estados nacionais o que vai propiciar que
novas e distintas regras possam ter interpretações diferenciadas, devido à
localização de cada país no sistema mundial. E socorre-se do conceito de
globalização de baixa intensidade,proposto por Boaventura de Sousa Santos, para
designar este modo de regulação nas políticas educacionais. Trata-se de uma
globalização de baixa intensidadeporque, na educação, verifica-se grosso
modo"a mediação obrigatória dos Estados nacionais na formulação das
respectivas políticas, condicionada em geral por fortes movimentos sociais
internos" (p. 61).
No Capítulo III, o autor apresenta - ancorado na teoria de Immanuel Wallerstein
- a perspectiva teórica do sistema mundial moderno e retoma o conceito de
semiperiferia, baseado sobretudo nos trabalhos de Boaventura de Sousa Santos e
da vasta equipa de investigadores do Centro de Estudos Sociais da Universidade
de Coimbra (que têm procedido a um aprofundado estudo de reconstrução teórica
deste conceito). A esta luz, António Teodoro considera que a
"caracterização das sociedades periféricas contém um importante conjunto
de hipóteses de trabalho que podem, designadamente, ajudar a compreender as
razões do atraso na construção da escola para todosem Portugal" (p. 88).
No IV (e último) capítulo, Ética e Educação. A acção do professor e da escola
como tempo e espaço de possibilidade, o autor desenvolve uma reflexão em torno
(i) da centralidade do sistema escolar na construção da modernidade; (ii) das
funções básicas da escola (socialização dos jovens e credenciação da população
para o exercício de funções sociais); (iii) da necessidade de se repensar a
gramática de escola, desenvolvida desde o século XIX de ensinar a muitos como
se fosse um só,e construir evolutivamente uma outra gramática da escola;e (iv)
do alargamento progressivo das funções dos professores "tendendo a
configurar a profissão de professor como a de um trabalhador social"(p.
96).
Neste sentido, o autor defende que as políticas públicas devem equacionar os
professores mediante dois vectores complementares: o professor, como militante
de justiça social, e o professor como pesquisador de sala de aula, capaz de
conhecer os alunos e interagir com a comunidade, de cooperar com os seus pares,
e de construir estratégias de diferenciação pedagógica e produzir
quotidianamente inovação. E, deste modo, admitir que a escola tendo algumas
características de lugar estruturalpossa ser um "espaço público no qual
se podem dotar as futuras (e actuais) gerações com novos mo-dos de pensar a
construção de um mundo mais justo" (p.100).
Em síntese: o livro que recenseámos de António Teodoro procura desocultar e dar
inteligibilidade a diferentes aspectos do processo de construção das políticas
de educação no mundo contemporâneo, não deixando, porém, de apelar à
necessidade de reencantamento do mundo - expressão recuperada pelo autor de
Ilya Prigogine e Isabelle Stengers - como uma das prioridades dos
cientistas sociais.
Este livro recomenda-se a todos os que querem pensar a educação em termos de
regulação social. Quem quiser ter uma perspectiva mais alargada da educação tem
aqui uma boa fonte de inspiração.
José Brás e Maria Neves
zebras@netcabo.pt
maria.neves@netcabo.pt
Revista Lusófona de Educação
Centro de Estudos e Intervenção em Educação e Formação (CeiEF)
Avenida do Campo Grande, nº 376
1749-024 Lisboa
revista.lusofona@gmail.com