O Flanco Sul sob tensão: a nato e revolução portuguesa, 1974-1975
O Flanco Sul sob tensão:a nato e revolução portuguesa,1974-1975
Pedro Aires Oliveira
*
Durante as primeiras décadas da Guerra Fria, a maior parte das potências da
nato coexistiram sem grandes problemas com o carácter não-democrático do regime
português. Após a queda de Caetano, contudo, o predomínio alcançado pela
esquerda marxista na nova situação política em Portugal, e do Partido Comunista
em especial, colocou uma série de dilemas aos responsáveis ocidentais. Este
artigo procura descrever e interpretar a atitude da NATO relativamente às
implicações que um triunfo das forças alinhadas com a URSS poderia trazer para
a coesão da Aliança. Argumenta-se que a atitude mais moderada assumida pelos
parceiros europeus foi determinante para persuadir a Administração Ford a
seguir uma política que combinasse pressões e incentivos para com as
autoridades portuguesas. No fim, sublinha-se como esta política foi um dos
factores internacionais que contribuiu para a consolidação da democracia em
Portugal.
Palavras-chave: NATO, Portugal, Revolução dos Cravos, transição democrática
The Southern Flank under pressure: NATO and the Portuguese revolution, 1974-
1975
In the first decades of the Cold War, nato’s major powers coexisted in a fairly
easy way with the un-democratic nature of the Portuguese regime. After the
collapse of Caetano’s dictatorship, however, the ascendancy of the Marxist
left, and of the Communist Party in particular, created a whole set of dilemmas
to the Western powers. This article describes how several NATO’s members
equated the implications of a possible triumph of the Moscow orientated left in
Portugal to the cohesion of the Alliance. The article argues that the cautious
and moderate stance assumed by the European partners was vital to persuade the
Ford administration in Washington to accept a policy towards the Portuguese
based on a combination of pressures and inducements. As the article tries to
show, this policy may be seen as one of the key international factors that
helped to bring about the consolidation of Portugal’s democracy.
Keywords: NATO, Portugal, Carnation’s Revolution, democratic transitions
A seguir à II Guerra Mundial, a participação de Portugal no clube restrito dos
fundadores da NATO constituiu um dos seguros de vida do regime autoritário de
Salazar[i]. O Estado Novo pôde beneficiar do facto de as principais potências
ocidentais terem preferido apostar em autocratas que lhes oferecessem garantias
de estabilidade, em vez de arriscarem uma política de promoção de abertura
democrática. Durante as primeiras décadas de vida da organização, a linguagem
inovadora da sua carta fundadora, nomeadamente o seu compromisso com a
«democracia, a liberdade individual e o primado da lei», serviu sobretudo para
emprestar uma fachada respeitável a uma estratégia de contenção do comunismo
sustentada por uma coligação militar. Para além de Portugal, regimes de
credenciais democráticas tão duvidosas quanto a Grécia e a Turquia foram também
convidados no início da década de 1950, numa altura em que os Estados Unidos se
preparavam para encetar uma relação militar particularmente estreita com o
general Franco. Revelações ocorridas após a queda do Muro de Berlim vieram de
resto pôr a nu uma faceta mais controversa da Aliança – a cobertura dada a
redes clandestinas que, a pretexto de preparar a resistência da Europa
Ocidental a uma eventual ocupação pelos exércitos do Pacto de Varsóvia,
desenvolveram um conjunto de acções menos ortodoxas (i.e., terroristas) com o
intuito de desacreditar partidos comunistas e organizações de extrema-esquerda
(a famosa «estratégia da tensão» em Itália)[ii].
Tal não significa, porém, que o relacionamento do Estado Novo com a NATO tenha
estado isento de tensões e atritos, sobretudo a partir da década de 1960 – tema
desenvolvido com mais detalhe noutro artigo desta revista. A política
salazarista de resistência à descolonização, e o consequente envolvimento de
Portugal num conflito armado nos seus territórios ultramarinos, impopular entre
amplos sectores da comunidade internacional, esteve na origem de sérias
desavenças diplomáticas com os Estados Unidos e outros aliados. Em inúmeras
reuniões da NATO, foi com um misto de enfado e irritação que alguns
responsáveis ministeriais de países-membros ouviram os portugueses reclamar uma
maior solidariedade para o seu combate anticomunista em África. A reorientação
das Forças Armadas Portuguesas para os teatros africanos, onde se travava um
conflito com características muito distintas daquele que seria de esperar que
ocorresse nas áreas abrangidas pelo Pacto do Atlântico, levou também a que a
partir de 1961 o contributo de Portugal para a Aliança conhecesse uma redução
significativa. Com a desarticulação da divisão independente do Exército afecta
à NATO, o empenhamento português na Aliança ficou praticamente circunscrito a
missões de luta anti-submarina e de patrulhamento do Atlântico, no âmbito da
STANAVFORLAND. Esta «vocação marítima» de Portugal seria aliás premiada por
vários parceiros da Aliança (Estados Unidos, França e Alemanha), que
participaram activamente na modernização da Armada portuguesa entre finais da
década de 1960 e inícios da década seguinte. Em 1967, o ano em que o canal de
Suez foi encerrado à navegação na sequência da Guerra dos Seis Dias, Portugal
acolheria aliás o Quartel-General do IBERLAND, a terceira zona operacional do
ACLAND. Embora o regime português tenha tentado, sem sucesso, vender a ideia de
um alargamento do perímetro de actuação da NATO ao Atlântico Sul, a verdade é
que as incursões cada vez mais frequentes da Marinha soviética nas águas do
Mediterrâneo e do Atlântico não deixaram alguns responsáveis da aliança
indiferentes à relevância do «triângulo estratégico português» em finais da
década de 1960. A renovação do Acordo de Defesa Luso-Americano em 1971
constituiu um sinal importante da distensão que o regime português, então
encabeçado por Marcelo Caetano, conseguiu alcançar no relacionamento com alguns
aliados-chave da NATO, uma década volvida sobre a eclosão da guerra colonial.
Em finais de 1973, no contexto da crise do Médio Oriente, Portugal acabou mesmo
por dar um importante contributo para a coesão da NATO, ao permitir que a Força
Aérea americana usasse a Base das Lajes como ponto de escala na ponte área a
Israel, numa conjuntura em que todos os outros aliados europeus dos Estados
Unidos se recusaram a conceder esse tipo de facilidades. De qualquer forma, nas
vésperas do 25 de Abril, as relações políticas entre Portugal e alguns dos seus
parceiros da NATO continuavam ensombradas pelas querelas em torno da guerra
colonial[iii]. Escandinavos e holandeses persistiam em assumir posições muito
críticas da política portuguesa, ao passo que o trabalhista Harold Wilson, de
regresso a Downing Street em Março de 1974, se comprometera a pedir a expulsão
de Portugal da organização em virtude da orientação «fascista» do seu regime
[iv].
As restantes secções deste artigo procurarão descrever e interpretar a atitude
dos membros da NATO relativamente à evolução do processo revolucionário em
Portugal. Através de uma série de episódios concretos procuraremos relacionar
as alterações que a détente foi impondo aos equilíbrios internos da organização
com os desafios que a mudança de regime em Portugal colocou à sua coesão
política. Trata-se de um estudo com um carácter muito provisório em virtude das
fontes limitadas que nos foi possível usar. Nem os arquivos da Aliança na
Bélgica, nem o arquivo da delegação portuguesa na NATO (até à data ainda não
remetido ao Arquivo Histórico-Diplomático do MNE no tocante a documentação
posterior a 1974), foram consultados. As fontes primárias a que recorremos
foram essencialmente britânicas e, indirectamente, norte-americanas – com os
inevitáveis enviesamentos de perspectiva daí decorrentes.
A NATO E O PRIMEIRO EMBATE DA REVOLUÇÃO
Embora ocorrendo em simultâneo com uma grave recessão económica, a transição
democrática em Portugal pôde todavia beneficiar de um enquadramento político
internacional relativamente auspicioso[v]. A primeira metade da década de 1970
foi um período marcado por uma ascendência de partidos social-democratas e
democrata-cristãos, ambos fortemente apostados em aprofundar a dimensão
política da construção europeia, a qual acabara de conhecer um significativo
impulso com o alargamento da Comunidade Económica Europeia (CEE) em 1973.
Muitas destas formações partidárias estabeleceram rapidamente ligações com as
novas organizações que despontaram em Portugal e foram um factor decisivo na
sua consolidação ao longo do período revolucionário. Embora comprometidos com o
consenso atlantista que se formara desde finais dos anos de 1940, a maioria dos
governos europeus ocidentais estava empenhada em exibir uma maior assertividade
relativamente à liderança americana e em garantir que a détente não redundaria
num condomínio gerido pelas duas superpotências. Em 1973, o ano do início da
retirada americana do Vietname, essa autonomia europeia manifestar-se-ia na
recusa de praticamente todos os membros da NATO assistirem Washington no seu
envolvimento na guerra israelo-árabe[vi]. Por outro lado, a entrada em
funcionamento da Cooperação Política Europeia, um mecanismo de consulta para as
questões de política externa estabelecido na sequência dos relatórios Davignon
de 1970 e 1973, sinalizava a determinação dos países comunitários em actuar de
forma conjunta, e com mais peso, na arena internacional[vii]. O próprio
funcionamento da NATO não deixava de reflectir estas tendências. De uma
organização militar centralizada e hierarquizada, a Aliança Atlântica evoluíra,
desde finais da década de 1960, para um formato mais flexível e
descentralizado, em que os procedimentos de consulta mútua e debate político
tendiam a adquirir maior relevância[viii]. Um dos resultados dessa evolução foi
a predisposição dos estados-membros para enfatizar os valores democráticos
comuns (mesmo que as mais das vezes apenas num plano retórico) e encorajar a
normalização das relações Leste-Oeste dentro do espírito da détente. Uma NATO
politicamente mais coesa foi porventura uma das premissas-chave dos progressos
da Ostpolitik e das várias iniciativas no domínio do controlo armamentista
levadas a cabo pelas duas superpotências entre finais da década de 1960 e
inícios da de 1970.
Foi pois com um alívio universal que a generalidade dos parceiros da NATO
acolheu as notícias do golpe militar em Lisboa a 25 de Abril de 1974, por
coincidência num dia em que uma esquadra da Aliança realizava manobras de
rotina no rio Tejo[ix]. A queda de Caetano e o anúncio de que as novas
autoridades iriam adoptar um novo rumo para a sua política ultramarina removiam
um dos persistentes factores de tensão entre Portugal e os seus aliados. No seu
périplo-relâmpago por várias capitais europeias entre finais de Abril e inícios
de Maio, Mário Soares, actuando como emissário da Junta de Salvação Nacional,
sossegou os seus interlocutores relativamente ao respeito das novas autoridades
pelos compromissos internacionais de Portugal, desde logo a participação na
NATO.
Em 18 de Junho, na cimeira da Aliança em Ottawa, reunião marcada pela aprovação
de uma declaração em que os estados-membros reiteravam a sua dedicação aos
princípios da «democracia, respeito pelos direitos humanos, justiça e progresso
social», Soares não perdeu de resto o ensejo para enfatizar um ponto que
durante demasiado tempo o Ocidente tendera a negligenciar, pelo menos no
tocante ao seu país:
«Para a Aliança Atlântica, a existência de um Portugal livre e progressivo,
fiel aos valores que nos são comuns, será uma garantia suplementar de
colaboração fecunda. Porque a luta pela liberdade é indivisível e não podemos
compreender que no mundo dito livre possam continuar a ter aceitação regimes
que não respeitem os direitos do homem, nem as regras da democracia consagradas
na nossa Aliança.»[x]
Entre alguns líderes social-democratas, esse ponto não deixaria de ser
reconhecido. Harold Wilson, em conversa privada com Palma Carlos e Soares, em
Bruxelas, regozijou-se com o facto de a cimeira comemorativa dos vinte e cinco
anos da NATO coincidir, precisamente, com as importantes mudanças ocorridas em
Portugal. Se algo mantivera a Aliança de pé esses anos todos, afirmou então o
primeiro-ministro britânico, fora o espírito de solidariedade entre os seus
membros – a percepção de que o ataque a um deles seria imediatamente seguido de
uma resposta enérgica por parte dos restantes. O mesmo espírito de
solidariedade teria de existir caso o novo Portugal democrático viesse a ser
alvo de um qualquer ataque[xi].
Em sintonia com a relativa moderação que prevaleceu até Setembro de 1974,
vários órgãos de imprensa nacionais regozijavam-se com a participação de Soares
e Palma Carlos nas reuniões de alto nível da NATO, conforme se pode depreender
deste comentário saído numa revista de grande circulação: «De todo o noticiário
sobre as reuniões de Bruxelas e Ottawa ressalta que Portugal […] adquire,
rapidamente, o respeito perdido numa longa noite de fascismo e caminha
aceleradamente para o lugar a que tem direito no mundo político internacional.»
[xii]
Com a entrada em funções do II Governo Provisório (18 de Julho), liderado por
uma figura que não tardou a ser identificada como muito próxima do Partido
Comunista, o brigadeiro Vasco Gonçalves, a situação política em Portugal
passará a ser seguida com maior apreensão pelas grandes potências ocidentais,
em particular os Estados Unidos. O facto de essa evolução coincidir com a
eclosão de uma grave crise político–militar na ilha de Chipre, pondo em
confronto dois membros da NATO, a Grécia e a Turquia, a par de outros
desenvolvimentos políticos em Itália (possibilidade de uma coligação
governamental entre democrata-cristãos e comunistas), levou a que a
Administração americana e o seu secretário de Estado, Henry Kissinger,
começassem a temer pela estabilidade do Flanco Sul da Aliança[xiii].
A ansiedade sentida pelos Estados Unidos é confirmada pelo desenlace do 28 de
Setembro, de que vem a resultar a demissão do general Spínola e a acentuada
guinada à esquerda do processo revolucionário. O ambiente festivo da transição
política em Portugal começava a dar lugar a uma atmosfera mais carregada, da
qual o espectro da guerra civil não estava ausente. No balanço aos
acontecimentos em Lisboa, uma análise da CIA considerava que a derrota de
Spínola se ficara a dever à coordenação estreita entre o MFA e o PCP e concluía
que, para todos os efeitos, o País estava agora debaixo do controlo destas duas
forças. Um outro organismo, o Bureau of Intelligence and Research, ligado ao
Departamento de Estado, sublinhava por seu turno «o fenómeno sem precedentes de
umas Forças Armadas orientadas para a esquerda num país ocidental e membro da
NATO»[xiv].
Essa percepção da influência inédita dos comunistas num país da Aliança
Atlântica estaria na base de uma das intervenções mais drásticas dos Estados
Unidos no decurso da transição portuguesa: o afastamento de Portugal de uma das
estruturas da NATO, o Grupo de Planeamento Nuclear (GPN). Estabelecido em 1966,
o GPN nascera da iniciativa de uma Administração americana apostada em fazer
acreditar aos restantes membros que poderiam ter uma palavra a dizer no
planeamento nuclear da organização, numa altura em que a credibilidade do seu
empenhamento na defesa da Europa começava a ser questionada por alguns aliados.
No organismo tinham assento representantes das quatro maiores potências que
integravam as estruturas militares da organização (Estados Unidos, Reino Unido,
República Federal da Alemanha e Itália), e de outros três países cooptados
segundo um critério rotativo. Da sua agenda constavam habitualmente temas como
a partilha dos recursos nucleares da Aliança, troca de informações e
modalidades de comunicação em situações de emergência. Acima de tudo, o GPN
cumpriu uma importante função política numa conjuntura em que o abandono da
França da estrutura militar integrada, e as controvérsias suscitadas pelo
envolvimento americano no Vietname, ameaçavam pôr em causa a coesão da
organização. Era, enfim, um bom exemplo da cultura de consenso e consulta que a
NATO de alguma forma sempre tentara cultivar, não obstante a inevitável
tendência para a hierarquização imposta pela assimetria de poder entre os seus
membros[xv].
Dada a natureza sensível dos assuntos discutidos nesta estrutura, não tardou a
que os responsáveis norte-americanos, na sequência das alterações políticas em
Portugal, equacionassem a possibilidade de alguns dos segredos da organização
irem parar às mãos do Pacto de Varsóvia. Ainda durante a vigência do I Governo
Provisório, o registo central das informações NATO havia sido deslocado do
Ministério dos Negócios Estrangeiros para o Ministério da Defesa Nacional,
decisão que a Embaixada americana considerou perigosa para a salvaguarda da
segurança dos documentos. Essa avaliação chegará mesmo a motivar a visita de
uma equipa de inspecção da NATO a Lisboa para aferir os riscos de potenciais
«fugas de informação»[xvi]. Dessa visita viria depois a resultar uma série de
restrições ao fluxo documental que passava a ser enviado para Portugal,
nomeadamente os da categoria ATOMAL e COSMIC .
O general Costa Gomes, sucessor de Spínola na Presidência, e um militar com
velhas ligações à NATO (na década de 1950 estivera colocado no SACLANT, em
Norfolk, Virgínia), será então alvo de um assédio persistente da diplomacia
americana com o intuito de garantir uma retirada de Portugal do GPN[xvii]. Para
não ofender o brio patriótico dos militares portugueses, e evitar oferecer à
esquerda comunista um trunfo de propaganda, os americanos e o secretário-geral
da organização, Joseph Luns, encontram uma saída diplomática para o problema:
adiar para o ano seguinte a reunião do GPN agendada para Roma em Novembro. Era
uma forma de adoçar o pedido endereçado de seguida a Costa Gomes para que
Portugal entretanto se afastasse voluntariamente do organismo. Essas démarches
serão bem sucedidas. A 2 de Novembro, o Presidente português sossegou o
Departamento de Estado ao anunciar que iria instruir o representante de
Portugal em Bruxelas, o embaixador Freitas Cruz, a retirar-se do GPN. Mas sem
deixar de acrescentar que, assim que os mecanismos de segurança fossem
restabelecidos, «acharia ofensivo para Portugal que continuasse a ser negado o
acesso a material da NATO»[xviii].
Apesar de terem alcançado os seus objectivos, os responsáveis norte-americanos
puderam contudo constatar o embaraço que o afastamento de Portugal causara
junto de outros membros da organização. Na medida em que o GPN era tido como um
dos símbolos da cultura de consulta e consenso que a NATO encorajava, os
métodos escolhidos pelos americanos para lidarem com um potencial problema de
segurança não foram bem recebidos pela maioria dos restantes estados-membros. A
possibilidade de essas medidas, uma vez tornadas públicas, fragilizarem a
posição das forças moderadas e pró-ocidentais em Portugal foi um dos aspectos
frisados por alguns embaixadores numa reunião «informal e privada» realizada em
Bruxelas, sob a presidência de Joseph Luns. Segundo algumas opiniões, haveria
um expediente alternativo à simples exclusão de Portugal ou ao adiamento da
reunião, como a realização da mesma mas com uma agenda que evitasse assuntos
mais sensíveis[xix]. O mal-estar gerado pela situação transparece aliás de uma
entrevista concedida por Mário Soares a vários jornais europeus, no início de
Dezembro, nomeadamente quando este se refere ao adiamento da reunião do GPN:
«Algumas comissões que trabalham em "segredos ultra-secretos" de
natureza nuclear puseram o problema da presença de comunistas no Governo
português. Contentamo-nos em tomar em consideração a atitude da NATO sobre esta
questão.»[xx]
PRESSIONAR, MAS COM TACTO
Os acontecimentos do 11 de Março, e a nova guinada à esquerda daí resultante,
vão emprestar uma outra urgência às implicações do processo revolucionário
português para a Aliança. Nas várias capitais dos países da NATO, o receio de
que os comunistas e a «esquerda totalitária» (para usarmos uma expressão em
voga na época) viessem a confiscar o rumo democrático do País torna-se bem
real. As nacionalizações de vastos sectores da economia, a detenção e o exílio
de figuras proeminentes da direita, e a dissolução generalizada da autoridade
do Estado, deixam as chancelarias ocidentais inquietas. Por outro lado, as
passagens do programa do MFA relativas aos compromissos internacionais de
Portugal pareciam ser desmentidas pelas declarações de equidistância de figuras
proeminentes do Movimento face aos dois blocos da Guerra Fria, bem como pelas
frequentes visitas que alguns deles agora faziam a países socialistas, quer na
Europa, quer no Terceiro Mundo[xxi]. Embora o PCP se abstivesse de pôr em causa
a pertença de Portugal ao Pacto do Atlântico, e se soubesse que um segmento
importante do MFA considerava inviável qualquer ruptura a esse nível, a verdade
é que a ascendência da esquerda marxista em Portugal não podia deixar de abrir
um debate sobre o sentido da participação do País numa aliança com as
características da NATO. Tanto mais que mesmo nos elementos em quem os governos
da organização apostavam para manter Portugal na sua órbita era possível
detectar um sentimento atlantista menos arraigado do que seria desejável.
Partidos que ideologicamente se situavam então entre o centro e a esquerda,
como o PPD de Sá Carneiro, preconizavam no seu programa uma diminuição
progressiva da contribuição portuguesa para a NATO, assim como um encerramento
gradual das bases militares estrangeiras em território nacional[xxii]. O
próprio Mário Soares chegou a certa altura a confidenciar ao embaixador
britânico em Lisboa que, «enquanto socialista», a manutenção da NATO e do Pacto
de Varsóvia lhe parecia prejudicial para o aprofundamento da détente - um sinal
de que as tentações «neutralistas» estavam longe de ser um exclusivo da
esquerda marxista[xxiii].
Na sede da organização em Bruxelas, várias reuniões privadas de embaixadores
tiveram lugar em finais de Março para estudar medidas susceptíveis de
influenciar o processo político em Portugal. Dessas reuniões ressalta uma
preocupação evidente com a ingerência dos países do bloco comunista em Lisboa,
mas também uma divisão em torno das modalidades que a NATO deveria seguir para
alcançar os seus objectivos. Assim, no rescaldo do 11 de Março vários membros
pronunciaram-se contra a possibilidade de uma démarche colectiva visando
exortar os responsáveis portugueses a manterem a data das eleições para a
Constituinte e a garantir as indispensáveis condições de pluralismo para o
sufrágio. O receio de que isso pudesse ser denunciado pelos comunistas como uma
«ingerência» nos assuntos internos de um Estado soberano foi o argumento
avançado por países como a França, o Canadá ou a Dinamarca. Os aliados foram
também sensíveis à linha exposta pelo chefe da missão portuguesa junto da NATO,
Freitas Cruz, o qual, a título particular e confidencial, sugeriu como mais
promissor o método das abordagens bilaterais, de preferência realizadas por
países governados por socialistas. Algumas diligências de países da NATO foram
efectivamente realizadas em finais de Março, pouco antes da formação do IV
Governo Provisório, havendo sempre o cuidado de evitar que as palavras de
incentivo à democratização pudessem ser entendidas como o desejo de interferir
na composição do novo executivo[xxiv].
Este tornou-se de resto um dos pomos de discórdia entre americanos e europeus.
Enquanto que o secretário de Estado Kissinger se revelou sempre exasperado com
a presença de elementos comunistas no Governo de Portugal, e inclinado a usar
de meios mais drásticos para resolver esse problema (a hipótese de expulsar
Portugal da NATO chegou mesmo a ser equacionada em finais de Março)[xxv], os
europeus deram mostras de estarem preparados para aceitar as consequências
dessa situação, embora nem sempre pelas mesmas razões[xxvi]. Para alguns
responsáveis americanos, um regime de esquerda impregnado de ideias
neutralistas, mesmo que nominalmente fiel à carta da organização, mais depressa
se revelaria «incompatível com os propósitos defensivos essenciais da NATO do
que aquilo que havia sucedido com as ditaduras de direita»[xxvii]. Escrevendo
com algum recuo relativamente à Revolução portuguesa e ao desafio do
eurocomunismo, Kissinger sintetizou com clareza a sua posição a este respeito:
«A questão-chave não era o grau de independência dos partidos comunistas
europeus relativamente a Moscovo, mas a sua ideologia e organização comunistas.
Nem a sua dinâmica interna nem os seus programas eleitorais me pareciam
compatíveis com a democracia ou com os propósitos estabelecidos da Aliança
Atlântica. Nenhum partido comunista europeu – nem mesmo o italiano – apoiava a
Aliança Atlântica […] O sistema de consultas fechadas entre aliados, baseado em
objectivos partilhados e filosofias compatíveis, sairia enfraquecido, se é que
não se desmoronaria. A troca de informações altamente classificadas e o
planeamento militar integrado ficariam em risco. Muitos destes factores
enfraqueceriam também o movimento de integração europeia.»[xxviii]
A incógnita que pairava relativamente ao futuro político imediato de Portugal,
e a aproximação da cimeira da NATO agendada para Maio, em Bruxelas, levaram a
que alguns governos equacionassem os cenários mais pessimistas no tocante à
posição portuguesa no sistema de defesa euro-atlântico. Em finais de Março, o
Defense Policy Staff do comité dos chefes de estado-maior britânicos elaborou
uma nota em que alguns desses cenários eram expostos com detalhe. Segundo os
peritos britânicos, a saída de Portugal da Aliança teria um impacto pouco
expressivo do ponto de vista militar, em virtude do carácter essencialmente
simbólico do contributo português para as missões da NATO nos últimos catorze
anos e do estado geral de indisciplina que reinava entre as suas Forças
Armadas. No entanto, os danos já seriam de outra ordem se a perda de bases no
Atlântico e outras facilidades no território continental fosse contabilizada. O
aeródromo das Lajes, por exemplo, era relevante para as operações marítimas da
NATO e vital para os planos americanos de reforço militar da Região Sul. O
facto de os americanos terem podido usar as Lajes durante a Guerra do Yom
Kippur não deveria também deixar a NATO indiferente, já que uma recusa
portuguesa teria com certeza levado Washington a pressionar outros aliados, com
todas as tensões acrescidas que daí poderiam advir para a Aliança. Aeródromos
portugueses em Espinho e no Montijo eram igualmente relevantes para a
capacidade de vigilância da NATO nas áreas consignadas ao EASTLANT e IBERLANT;
embora existissem alternativas, considerava-se que a aliança perderia
flexibilidade neste domínio. A este cenário teria ainda de ser acrescentada
outra variável: a possibilidade de os soviéticos virem a desfrutar de
facilidades militares no Atlântico, uma região do globo onde apenas dispunham
de dois pontos de apoio, um em Cuba e outro (muito menos significativo) na
Guiné-Conacri. Se Moscovo passasse a contar com bases nos Açores, na Madeira e
em Cabo Verde, isso proporcionaria à Marinha soviética uma cadeia de
facilidades que cobriam todo o Atlântico Sul e as rotas comerciais
transatlânticas. Uma ameaça adicional teria ainda de ser levada em conta caso
os soviéticos pudessem estacionar aeronaves em bases situadas no território
continental português. Embora a real eficácia de um ataque a partir dessas
bases fosse uma questão difícil de avaliar, no mínimo Moscovo ganharia um
instrumento de diversão, dificultaria os reabastecimentos americanos à Europa e
melhoraria as suas capacidades de recolha de intelligence[xxix]. Sensivelmente
na mesma altura, um estudo americano, elaborado com o contributo de vários
departamentos, concluía também pela contínua relevância dos Açores para a
projecção de poder dos Estados Unidos, embora não classificando as ilhas como
de «prioridade um» no quadro das bases americanas no exterior[xxx].
No entanto, os problemas levantados pela situação portuguesa para a segurança
ocidental não se esgotavam neste cenário. De certa maneira, um governo de
predomínio comunista em Lisboa que optasse por permanecer na NATO poderia
trazer mais problemas à Aliança do que se decidisse abandoná-la. Este era o
cenário mais temido pelos americanos: uma desagregação por dentro da aliança
ocidental, minada pelo vírus do neutralismo e do pacifismo. Numa sessão
restrita dos ministros da CENTO em Ancara, em finais de Maio, Kissinger
confidenciou aos seus interlocutores britânicos que em seu entender «o perigo
não reside tanto numa tomada do poder pelos comunistas, mas num governo de tipo
jugoslavo que escolhia ficar na NATO, em larga medida para se proteger dos
Estados Unidos, que encarava como um inimigo. Um tal desenvolvimento encerrava
perigos para a Itália, Grécia e Espanha»[xxxi]. Também um relatório do Joint
Intelligence Committee, o organismo coordenador dos serviços de informação
britânicos, sublinhava essa eventualidade: um governo fortemente susceptível à
influência comunista em Portugal tornaria mais difícil a outros estados-
membros, como a Itália ou mesmo a França, resistirem à participação de
comunistas nos seus executivos. O mesmo relatório apontava ainda para esse
cenário poder vir a fomentar as tendências neutralistas nos países
escandinavos, assim como na Holanda, Grécia e, possivelmente, Turquia[xxxii].
Enquanto Kissinger favorecia o célebre «método da vacina» como a maneira mais
eficaz para prevenir tais desenvolvimentos (dar Portugal como «perdido» para o
Ocidente e confiar no efeito dissuasor desse afastamento), tanto a Embaixada
americana em Lisboa como a maioria dos governos europeus ocidentais mantinham
esperanças num desfecho favorável aos sectores moderados, civis e militares, em
Portugal. Este contraste de visões vai naturalmente reflectir-se em vários
dossiers.
Um dos mais delicados foi, indubitavelmente, o do separatismo açoriano.
Conforme obras recentes têm revelado, a atitude americana durante alguns
momentos críticos do PREC foi, no mínimo, ambígua[xxxiii]. A 23 de Abril,
elementos do Conselho Nacional de Segurança receberam em Washington o líder da
Frente de Libertação dos Açores, enquanto que no mês seguinte, na cimeira da
NATO em Bruxelas, Ford procurou averiguar junto de Helmut Schmidt qual seria a
reacção europeia a um apoio americano à independência dos Açores. Pela sua
parte, os britânicos desconfiaram que a CIA muito provavelmente já teria uma
qualquer operação em marcha para concretizar aquilo que um editor do New York
Times designou como uma espécie de «Taiwan no Atlântico»[xxxiv]. Tais cenários
constituíram sempre um tabu para a maioria dos europeus – por um lado, pelos
efeitos desastrosos que um tal desenvolvimento acarretaria para a transição
política em Portugal no caso de ser detectado qualquer apoio ocidental ou
americano aos separatistas açorianos (ponto de vista expresso por Schmidt ao
Presidente Ford)[xxxv]; por outro, pelo efeito perturbador que inevitavelmente
produziria para o diálogo Leste-Oeste, numa altura em que a Conferência sobre a
Segurança e Cooperação na Europa (CSCE) se preparava para definir as
circunstâncias (muito excepcionais) em que as fronteiras do continente poderiam
ser alteradas.
Outro ponto de clivagem significativo ocorreu quando, a pretexto da caducidade
do acordo relativo às bases americanas em Espanha, a Administração Ford tentou
promover a associação do país vizinho à NATO, o que poderia ser igualmente
entendido como uma opção em reserva para «compensar» o Flanco Sul da
organização de uma eventual saída de Portugal. Essa hipótese, que chegou a ser
ventilada no discurso do Presidente Ford na cimeira de Bruxelas, deparou-se
contudo com uma oposição liminar de praticamente todos os europeus[xxxvi]. Não
só qualquer entendimento com Franco estaria fora de questão em virtude do
cadastro do seu regime em matéria de direitos humanos (às memórias da guerra
civil vinha agora juntar-se a ferocidade da resposta governamental às acções
dos separatistas bascos), como seria prematuro pensar sequer na admissão da
Espanha à NATO sem a prévia implantação de reformas democráticas nesse país
[xxxvii].
DE BRUXELAS A HELSÍNQUIA
Estas divergências entre aliados ficaram bem patentes nas abordagens que uns e
outros adoptaram naquele que terá sido um dos pontos altos dos contactos entre
a NATO e algumas das figuras-chave da Revolução portuguesa: a Cimeira de
Bruxelas de 30 de Maio de 1975, cujos trabalhos decorrem em simultâneo com os
ecos do «caso República». A cimeira, convocada a pedido da Administração Ford
para preparar a Conferência de Helsínquia, agendada para Agosto, foi precedida
de um conjunto de diligências e declarações públicas dos norte-americanos que
traduziam um endurecimento da sua atitude relativamente ao Governo gonçalvista.
Como referiu Ford numa entrevista a vários jornalistas europeus: «Não vejo como
se pode ter uma presença comunista significativa numa organização que foi
criada com o objectivo de enfrentar o desafio comunista do Leste.»[xxxviii]
Como é hoje sabido, na cimeira os americanos assumiram boa parte das despesas
no tocante aos pedidos de esclarecimento colocados a Vasco Gonçalves acerca da
evolução política em Portugal. Mas alguns representantes europeus também não
estiveram com contemplações. Nas sessões de trabalho, a questão de se saber se
uma ditadura de esquerda (e de direita, no caso da Espanha) poderia fazer parte
da Aliança foi abertamente discutida, com vários representantes a enfatizarem a
ligação entre a defesa, a détente e a democracia. Nas conversas à margem da
cimeira, contudo, alemães e britânicos tentaram moderar a impetuosidade dos
seus congéneres americanos e fazer-lhes ver que Portugal não era – por enquanto
– um caso perdido. Podia vir a ser, mas esse ponto ainda não chegara, pelo que
quaisquer conversas sobre o seu afastamento da NATO eram extemporâneas e
contraproducentes. Para satisfação dos historiadores, o bom humor não esteve
ausente. Alguns registos de conversa contêm pequenas pérolas, como uma troca de
impressões entre Callaghan e Schmidt, na qual o primeiro se refere a Gonçalves
como «um teórico marxista com um aspecto esguio e faminto» e o segundo descreve
Rosa Coutinho como «uma mistura entre o Erich von Stroheim e um guarda-costas
nova-iorquino»[xxxix].
O «Verão Quente» português será aliás um período particularmente fértil em
acções concertadas dos europeus ocidentais. A 16-17 de Julho, por exemplo, o
Conselho de Ministros da CEE ratificou o princípio da condicionalidade política
no tocante a eventuais ajudas a conceder a Portugal (dinheiro que só seria
disponibilizado em troca de avanços palpáveis no sentido da democratização). Em
Agosto, a iniciativa diplomática europeia esteve novamente em evidência, desta
feita na Cimeira de Helsínquia – o ponto culminante da détente na Europa e uma
demonstração clara da apetência dos membros europeus da NATO para estabelecerem
um nexo entre a segurança e as questões dos direitos humanos. A realização da
cimeira foi inclusivamente precedida por um assédio contínuo dos líderes
moderados portugueses aos governos ocidentais, no sentido de levá-los a
explicar aos soviéticos que o sucesso da CSCE estava dependente de uma não-
interferência em Portugal. Embora os dirigentes portugueses sugerissem que a
pressão ocidental pudesse ir ao ponto de ameaçar Moscovo com o cancelamento do
terceiro e último estádio da Conferência (uma medida que seria acompanhada pela
realização de manobras militares da NATO em Portugal), essa hipótese não foi
bem acolhida pelas chancelarias ocidentais. Algumas das principais potências
europeias tinham demasiados interesses envolvidos no sucesso de Helsínquia e
não estavam dispostas a desbaratar anos de paciente trabalho diplomático por
causa de uma crise cujo desfecho não era líquido que jogasse a favor dos
soviéticos e dos seus aliados locais. De recordar que a inclusão dos direitos
humanos na agenda da Conferência havia sido uma concessão soviética à aceitação
europeia da inviolabilidade das fronteiras saídas da II Guerra Mundial, o
aspecto mais controverso de todo o processo. Até à reunião na Finlândia, os
europeus estavam empenhados em garantir uma outra cedência da URSS: o
estabelecimento de um sistema de conferências que monitorizasse a implementação
das decisões acordadas na Acta Final[xl].
A relutância europeia em satisfazer os pedidos portugueses não excluiu contudo
a realização de uma série de diligências firmes junto da liderança soviética.
Vários governantes preveniram Brezhnev de que a NATO encararia a evolução da
situação em Portugal como um teste à boa fé soviética para com a détente.
Paralelamente, os líderes europeus não deixaram escapar a ocasião para, uma vez
mais, sensibilizarem os seus congéneres americanos relativamente à vantagem de
manterem um apoio contínuo aos moderados. Por outro lado, se Vasco Gonçalves
havia sido o «bombo da festa» em Bruxelas, em Helsínquia a «vítima» foi Costa
Gomes, alvo de um inquérito particularmente cerrado de Wilson e Schmidt sobre
as peculiaridades da governação gonçalvista em Portugal[xli]. Uma pressão que
muito provavelmente terá levado o Presidente português a medir muito bem, nas
semanas críticas que se seguiram à cimeira, as consequências de um afastamento
de Portugal do padrão político preconizado pelos seus aliados ocidentais.
Como já foi salientado por alguns autores, embora não seja de excluir que os
arquivos soviéticos possam ainda trazer algumas novidades a respeito da conduta
da URSS no Verão Quente português, dispomos já de um conjunto apreciável de
testemunhos que sugerem que o Kremlin terá levado a sério os avisos ocidentais
(embora até que ponto isso se tenha traduzido num esforço efectivo para
«disciplinar» o PCP seja uma questão mais difícil de averiguar). Pela sua
parte, Costa Gomes reteve os três argumentos avançados por Brezhnev para
aconselhar Portugal a não se afastar do modelo de sociedade prevalecente no
mundo ocidental: a sua posição geográfica, a sua pertença à NATO e a filiação
católica da maioria da sua população[xlii].
INFORMAÇÕES INSEGURAS
Enquanto a situação permanecia incerta em Portugal, os responsáveis da NATO, e
em especial o seu secretário-geral, haviam detectado em meados de Julho um novo
problema relacionado com Portugal e a segurança das informações da organização.
A questão colocava-se com o acesso português aos aspectos nucleares das
conversações para a Redução Mútua e Equilibrada das Forças dos dois blocos
militares da Guerra Fria (MBFR>, no seu acrónimo anglo-saxónico), uma das
iniciativas geradas pela atmosfera de détente no início da década de 1970. Após
a retirada portuguesa do GPN, o representante português em Bruxelas acordara em
se ausentar das reuniões em que a Opção III do MBFR seria debatida[xliii], mas
uma vez que as conversações tinham lugar em Viena havia a possibilidade de o
embaixador português em Viena, e membros do seu staff, terem acesso a
documentação classificada. Sensivelmente na mesma altura, a secção de
intelligence da NATO informava também o gabinete do secretário-geral da sua
apreensão relativamente à possibilidade de documentação confidencial
distribuída a Portugal estar a ser encaminhada para a URSS[xliv]. A apreensão
dos responsáveis pela segurança das informações aumentara após se terem dado
mudanças no pessoal português colocado no quartel-geral da organização e ter
sido anunciada a nomeação de Vasco Gonçalves para chefe de estado-maior-general
das Forças Armadas. E em finais de Agosto, o Washington Post dava conta do
assédio da delegação militar cubana em Lisboa a oficiais portugueses com vista
à obtenção de segredos da NATO. O jornal aludia à mudança de códigos operada
pela NATO desde a chegada dos comunistas e seus simpatizantes ao poder em
Lisboa, bem como à restrição do fluxo documental mais sensível distribuído a
Portugal, mas de acordo com o diário americano isso não seria suficiente para
estancar completamente o fluxo de informações classificadas[xlv].
As consequências de eventuais fugas de informação com origem em Portugal haviam
já sido objecto de um exame ponderado nalguns círculos da NATO. Em Maio, o
Defense Policy Staff britânico desdramatizava as consequências de alguns
segredos militares serem passados à URSS: como organização essencialmente
defensiva, a NATO tinha relativamente poucas oportunidades para conceber
grandes surpresas tácticas ou estratégicas, além de que qualquer alteração
significativa das suas políticas poderia ser detectada sem o concurso de
sofisticados serviços de intelligence. Mas isso não significava que a NATO não
devesse fazer um esforço para ocultar dos soviéticos as suas dificuldades
políticas e militares. Para conservar a sua capacidade de dissuasão, a NATO
precisava de manter Moscovo na dúvida quanto às suas capacidades e intenções.
Num registo cauteloso, o estudo considerava que a maioria dos países da NATO
poderia aprovar medidas de compromisso nesta matéria (segurança das informações
classificadas), sem deixar contudo de procurar que Portugal desempenhasse um
papel útil na Aliança[xlvi].
Mas esse papel parecia cada vez mais difícil de precisar em virtude da enorme
incerteza que continuava a envolver o processo político em Portugal. Se, por um
lado, a composição do VI Governo Provisório e a divulgação do Documento dos
Nove constituíam sinais promissores, por outro, a escalada política promovida
pelo PCP e a extrema-esquerda, a par das profundas divisões no seio da
instituição militar, mantinham os responsáveis da NATO de sobreaviso. Em
Setembro, a presença portuguesa numa reunião em que os americanos poriam os
seus aliados europeus ao corrente das suas posições nas negociações SALT, e o
início de uma nova ronda de conversações MBFR em Viena, causou apreensão
nalguns círculos da Aliança. Uma vez mais, a postura cooperante do chefe da
delegação portuguesa junto da NATO (e, ao que tudo indica, do próprio ministro
dos Negócios Estrangeiros, Melo Antunes) suavizou o impacto de novas medidas
discriminatórias. Freitas da Cruz aceitou que todos os documentos classificados
acima de «secreto» deixassem de lhe ser remetidos por norma, e todos os
funcionários portugueses colocados no quartel-geral da organização se
ausentariam das reuniões em que tais documentos fossem discutidos. Uma excepção
seria aberta para documentos directamente relacionados com a segurança
portuguesa, ou tidos por essenciais para a permanência de Portugal na aliança.
No tocante à participação portuguesa no grupo ad hoc das negociações de Viena,
a cargo do embaixador Eduardo Condé, foi possível chegar a uma solução que, nas
palavras de um diplomata britânico, salvaguardava «a honra e a segurança».
Condé, que nas conversas com os seus colegas alegou sempre falta de tempo para
tomar uma parte mais activa nas conversações MBFR[xlvii], ficaria autorizado a
participar nas sessões do grupo ad hoc, mas sempre que algum assunto mais
sensível fosse abordado o secretário do grupo teria a possibilidade de remeter
a sua discussão para outra reunião em que o representante português não
estivesse presente. Além disso, Condé não teria permissão para trazer
documentos para a embaixada, à excepção de papéis emanados das sessões
informais ou plenárias[xlviii].
Todas estas preocupações começaram a esbater-se após os acontecimentos do 25 de
Novembro, o Termidor da revolução portuguesa. Os elementos pró-ocidentais do VI
Governo Provisório saíram vitoriosos dessa crise e, gradualmente, os militares
agrupados em torno de Eanes começaram a restaurar alguma disciplina nos
quartéis. Contudo, estes desenvolvimentos não foram suficientes para que a NATO
removesse as restrições adoptadas relativamente ao acesso português a
documentação mais sensível. Mesmo numa estimativa optimista, considerou-se que
iria ainda levar algum tempo até que a influência dos moderados se difundisse
pelos vários escalões da hierarquia, diminuindo assim a possibilidade de
informação classificada ir parar às mãos erradas[xlix]. Somente em 1980 é que
as medidas cautelares adoptadas em 1974-1975, incluindo a exclusão portuguesa
do GPN, seriam finalmente revogadas.
A TRANSIÇÃO, A DÉTENTEE A NATO
Em vários aspectos, a transição democrática em Portugal beneficiou de uma
conjugação auspiciosa de factores produzidos pela evolução que o sistema
bipolar conhecera a partir de meados da década de 1960. Embora os historiadores
da Guerra Fria continuem a debater os múltiplos significados da détente[l], é
consensual considerar-se que uma das suas consequências foi a emergência de uma
atitude mais assertiva dos membros europeus da NATO face ao parceiro sénior da
Aliança[li]. Essa assertividade assumiu diversas expressões. A Ostpolitik
prosseguida pelos governos liderados pelo SPD na Alemanha foi uma delas. A
rejeição do «unilateralismo americano» foi outra (vide crise do Yom Kippur). E
o novo impulso da integração europeia – um projecto acarinhado pelos Estados
Unidos desde os seus primórdios – também se enquadra dentro deste contexto.
Como observou Lawrence Kaplan, a «combinação de um adversário soviético tido
como mais razoável e a percepção da fraqueza americana na Guerra do Vietname
encorajou uma independência entre os europeus que não tinha sido possível nas
primeiras duas décadas da história da NATO»[lii]. Esta ambição europeia de
encontrar um novo espaço de manobra nas estruturas rígidas da Guerra Fria
manifestou-se, por exemplo, no Relatório Harmel (1967), que proclamou a
compatibilidade entre as preocupações com a segurança militar e a procura de um
desanuviamento das tensões com o Bloco de Leste. Gradualmente, a segurança
europeia começou também a ser perspectivada como algo que não deveria ser
dissociado de outros fins, como a promoção dos direitos humanos e a democracia.
A ligação entre os desenvolvimentos ocorridos na Europa meridional após 1974 e
a causa da autodeterminação dos povos da Europa Central e de Leste esteve
sempre presente na mente dos dirigentes alemães ocidentais e constituiu um
poderoso incentivo ao seu envolvimento nos processos de transição democrática
em Portugal, Espanha e Grécia[liii]. Embora sem hostilizar estas iniciativas
europeias, Washington não deixou contudo de alimentar alguns receios quanto às
suas consequências. A possibilidade de a Ostpolitik produzir uma RFA
«neutralista», de orientação imprevisível num cenário de crise com a URSS,
chegou inclusivamente a ser equacionada pela administração Nixon. Igualmente
preocupante, na óptica dos Estados Unidos, foi a crescente aproximação entre
alguns partidos social-democratas e comunistas em estados europeus como a
França e a Itália. Se a isto somarmos os ressentimentos da Turquia em relação à
atitude do Congresso americano na sequência da crise de Chipre, as apreensões
de Kissinger relativamente à ascendência dos comunistas em Lisboa tornam-se
mais fáceis de entender. Em plena ressaca do Vietname, a teoria dos dominós,
neste caso aplicada à Europa do Sul, parecia reter ainda algum sortilégio entre
os artífices da política externa dos Estados Unidos.
Ao proporcionar a europeus e americanos um fórum para trocarem pontos de vista,
a NATO foi essencial para atenuar as clivagens entre os aliados ocidentais.
Graças à cultura de consulta e consenso prevalecente nas suas estruturas, a
Aliança permitiu que os europeus moderassem as inclinações mais impetuosas do
secretário de Estado americano, que a dada altura chegou a dar Portugal como
«perdido» para o Ocidente. Depois da saída forçada de Portugal do GPN, as
situações melindrosas criadas pelo predomínio da esquerda marxista em Lisboa
foram tratadas caso a caso e sempre com o cuidado de não comprometer a posição
dos representantes dos partidos moderados nos governos provisórios. Os europeus
procuraram igualmente dissuadir Washington de um encorajamento ou apoio ao
separatismo açoriano, um desenvolvimento que figuras como Mário Soares
consideraram susceptível de levar à saída de Portugal da NATO[liv].
Com o advento do VI Governo Provisório, e depois com a «normalização
democrática» possibilitada pelo desfecho do 25 de Novembro, a NATO viria também
a desempenhar um papel significativo no processo de consolidação do regime
estabelecido pela Constituição de 1976. Esse papel assumiu duas facetas
fundamentais. Por um lado, o apoio à reconversão das Forças Armadas
Portuguesas, uma instituição em busca de uma nova missão uma vez encerrado o
ciclo do império e das guerras travadas para o defender. Confirmado no programa
do I Governo Constitucional, o empenhamento de Portugal na NATO carecia contudo
de meios financeiros para se concretizar. Aqui, como é sabido, foi
especialmente importante a contribuição dos Estados Unidos. Em 1977, o
Congresso norte-americano disponibilizou um pacote de 30 milhões de dólares
destinado a equipar a brigada mista independente, criada um ano antes no Centro
de Instrução Militar de Santa Margarida para poder vir a cumprir missões no
Comando Sul da Europa (um apoio que reuniria também o contributo de outros
aliados, com especial relevo para a República Federal da Alemanha)[lv]. Por
outro lado, e não obstante o peso político que as forças armadas continuavam a
desfrutar em países como a Turquia, é razoável supor-se que a tendência
dominante no seio da Aliança para uma subordinação dos militares ao poder
político possa ter produzido algum efeito na aceitação pelos oficiais
portugueses dessa regra básica das modernas democracias pluralistas. Mais a
mais, como já foi notado,
«a participação acrescida das FAP [Forças Armadas Portuguesas] nas actividades
da Aliança, sobretudo através de exercícios conjuntos, teve a consequência de
aumentar a capacidade técnica dos oficiais, criando uma lógica de
profissionalização que permitiu cimentar uma cultura do militar-operacional que
se sobrepôs à cultura do militar político»[lvi].
Eis pois como uma aliança militar pode ser decisiva para a «civilização» de um
regime político.
[i] Sobre a entrada de Portugal na NATO, cf. TEIXEIRA, Nuno Severiano – «Da
neutralidade ao alinhamento. Portugal na fundação do Pacto do Atlântico». In
Análise Social.Vol. XXVIII, N.º 120, 1993, pp. 55-80, e TELO, António José –
Portugal e a NATO. O Reencontro da Tradição Atlântica.Lisboa: Cosmos, 1995.
Para o desconforto que o convite a Portugal para integrar o núcleo original do
Pacto do Atlântico gerou entre alguns países, como o Canadá e os escandinavos,
e de alguns membros do Congresso americano, cf. KAPLAN, Lawrence S. – NATO
1948.The Birth of the Transatlantic Alliance.Lanham, MD: Rowman &
Littlefield, 2007. Depondo numa sessão executiva do Senado em 1948, Theodor C.
Achilles, o chefe da Secção Europa Ocidental do State Department, conseguiu
dissipar algumas reticências relativamente à inclusão de Portugal argumentando
que o regime de Salazar era autoritário mas não totalitário: «Se é uma ditadura
é porque as pessoas o elegeram livremente.» Como nota Kaplan, este seria o
mesmíssimo argumento que na década de 1980 a Administração Reagan, num período
igualmente tenso da Guerra Fria, usaria para justificar o seu apoio a ditaduras
autoritárias amigáveis (p. 210).
[ii] Sobre a NATO e as redes stay behind cf. o estudo de GANSER, Daniele –
NATO’s Secret Armies.Operation Gladio and Terrorism in Western Europe.Londres:
Frank Cass, 2005.
[iii] Para o relacionamento do regime com a NATO após 1961, cf. TELO, António
José – Portugal e a NATO. O Reencontro da Tradição Atlântica,assim como
TEIXEIRA, Nuno Severiano – «Portugal e a NATO: 1949-1989». In Análise Social.
Vol. XXX, N.º 133, 1996, pp. 803-818, assim como os vários capítulos do 4.º
volume da Nova História Militar de Portugal (Lisboa: Círculo de Leitores,
2004), dirigida por Nuno Severiano Teixeira e o n.º 89 (1999) da Nação e Defesa
assinalando os cinquenta anos da Aliança Atlântica. Recentemente, Pedro Manuel
Santos analisou o impacto da crise colonial nas relações entre Portugal e os
seus aliados numa tese de mestrado ainda inédita, Portugal e a NATO. Diplomacia
em Tempo de Guerra (1961-1968). Lisboa: ISCTE, 2007 (policopiado).
[iv] Sobre as razões que levaram Wilson a propor a saída de Portugal da NATO
(um debate exaltado com Sir Alec Douglas-Home aquando da visita de Marcelo
Caetano a Londres, em pleno furor provocado pelas revelações dos massacres de
Wiriyamu, em Julho de 1973), cf. OLIVEIRA, Pedro Aires – Os Despojos da
Aliança. A Grã-Bretanha e a Questão Colonial Portuguesa, 1945-1975. Lisboa:
Tinta da China, 2007, pp. 393-394.
[v] A literatura sobre os factores internacionais da transição para a
democracia em Portugal conta já um número apreciável de títulos. Uma boa
introdução encontra-se em MAXWELL, Kenneth – A Construção da Democracia em
Portugal. Lisboa: Presença, 1999. Ver também FERREIRA, José Medeiros – «O 25 de
Abril no contexto internacional». In Relações Internacionais. N.º 2, 2004, pp.
143-158. Para situar o fenómeno da democratização da Europa do Sul na trama da
Guerra Fria, cf., entre outros, JUDT, Tony – Pós-Guerra.História da Europa
desde 1945.Lisboa: Edições 70, 2007.
[vi] Sobre este ponto, cf. RYNNING, Sten – «NATO and the Broader Middle East,
1949-2007. The history and lessons of controversial encounters». In Journal of
Strategic Studies. Vol. 30, N.º 6, Dezembro de 2007, pp. 905-927.
[vii] Sobre o arranque da Cooperação Política Europeia, cf. URWIN, Derek W. –
The Community of Europe. Londres: Routledge, 1996, 3.ª ed., pp. 148-149.
[viii] Sobre esta evolução da NATO, cf. WENGER, Andreas, NUENLIST, Christian, e
LOCHER, Anna – Transforming NATO in the Cold War. Challenges Beyond Deterrence
in the 1960’s. Londres: Routledge, 2007.
[ix] TELO, António José – «Portugal e a NATO: 1949-1976». In Nação e Defesa.N.º
89, 1999, p. 117.
[x] Cf. SOARES, Mário – Democratização e Descolonização.Lisboa: Dom Quixote,
1975, p. 59.
[xi] The National Archives (TNA). PREM 16/241. Record of a conversation between
the Prime Minister and the PM of Portugal after dinner at the British Embassy
in Brussels on 25 June 1974.
[xii] «NATO: relações atlânticas têm uma nova carta». In Flama, 5 de Julho de
1974.
[xiii] Para uma análise contemporânea da crise do Flanco Sul, cf. CSIA European
Security Working Group – «Instability and change on NATO's Southern Flank». In
International Security. Vol. 3, N.º 3, Inverno de 1978-1979, pp. 150-177. A
desclassificação de documentação diplomática relativa a 1974 começa a dar
ensejo a novas abordagens. Cf., por exemplo, ASMUSSEN, Jan – Cyprusat War.
Diplomacy and Conflict during the 1974 Crisis. Londres: I. B. Tauris, 2008.
Para as apreensões de Kissinger, veja-se o terceiro volume das suas memórias,
Years of Renewal (Nova York: Touchstone, 1999, pp. 192-241 e 599-634).
[xiv] GOMES, Bernardino, e SÁ, Tiago Moreira de – Carlucci vs Kissinger. Os EUA
e a Revolução Portuguesa. Lisboa: Dom Quixote, 2008, pp. 80-81.
[xv] Sobre o nascimento do Grupo de Planeamento Nuclear, cf. PRIEST, Andrew –
«From hardware to software: the end of the MLF and the rise of the Nuclear
Planning Group». In WENGER, Andreas, NUENLIST, Christian, e LOCHER, Anna –
Transforming NATO in the Cold War. Challenges Beyond Deterrence in the 1960’s,
pp. 148- 161.
[xvi] CARDOSO, Pedro – «Antecedentes e repercussões da entrada de Portugal na
NATO». In FERREIRA, José Medeiros (coord.) – Política Externa e Política de
Defesa do Portugal Democrático.Lisboa: Colibri, 2001, pp. 154-155. Agradeço
também ao general Abel Cabral Couto, à época a chefiar a 3.ª repartição do
Estado-Maior do Exército, alguns esclarecimentos prestados sobre esta questão
(entrevista realizada a 31 de Janeiro de 2009).
[xvii] Sobre as ligações de Costa Gomes à NATO, e este episódio em particular,
cf. a biografia de RODRIGUES, Luís Nuno – Marechal Costa Gomes. No Centro da
Tempestade.Lisboa: Esfera dos Livros, 2008, pp. 213-217.
[xviii] O cerco a Costa Gomes está bem documentado em SIMAS, Nuno – Portugal
Classificado. Documentos Secretos Norte-Americanos.Lisboa: Aletheia, 2008. A
citação é da p. 71.
[xix] Ibidem,pp. 72-73.
[xx] Entrevista ao suplemento «Europa», publicado em simultâneo no Le Monde e
em outros jornais europeus, 3 de Dezembro de 1974, reproduzida em SOARES, Mário
– Democratização e Descolonização.
[xxi] Para o envolvimento político dos militares nesta fase da Revolução, cf.
REZOLA, Maria Inácia – Os Militares na Revolução de Abril.O Conselho da
Revolução e a Transição para a Democracia em Portugal (1974-1976).Porto: Campo
da Comunicação, 2006
[xxii] Cf. VASCONCELOS, Álvaro – Portugal, Paradoxo Atlântico. Lisboa: Fim de
Século, 1993, p. 67.
[xxiii] Desabafo de Mário Soares relatado em telegrama da Embaixada britânica
em Lisboa, de 16 de Outubro de 1975, citado na colectânea de documentos
organizada por HAMILTON, Keith, e SALMON, Patrick – Documents on British Policy
Overseas. Series III, Volume V. The Southern Flank in Crisis, 1973-
1976.Londres: Routledge, 2006, p. 379
[xxiv] Cf. correspondência da Delegação do Reino Unido junto da NATO e outra
documentação do Foreign Office em TNA. FCO 9/2288.
[xxv] Nomeadamente numa reunião entre Ford e Kissinger, cujos excertos mais
acutilantes são reproduzidos em GOMES, Bernardino, e SÁ, Tiago Moreira de –
Carlucci vs Kissinger. Os EUA e a Revolução Portuguesa, pp. 177-178.
[xxvi] No caso dos franceses essa tolerância deverá ser mesmo vista como uma
prefiguração da «teoria da vacina», articulada pelo secretário de Estado
americano. Numa reunião restrita em Bruxelas, a 22 de Março, o representante
francês na NATO, por exemplo, argumentou que talvez fosse preferível permitir
um assalto comunista ao poder em Lisboa, do que assistir a uma deriva gradual a
favor dos comunistas, que não poderia senão dar alento a Mitterrand e à
esquerda italiana. Cf. HAMILTON, Keith, e SALMON, Patrick – Documents on
British Policy Overseas. Series III, Volume V. The Southern Flank in Crisis,
1973-1976, p. 405.
[xxvii] Opinião expressa por Helmut Sonnenfeldt, o conselheiro mais próximo de
Kissinger no State Department, a Roy Hattersley, ministro de Estado no Foreign
Office, a 18 de Junho de 1975. Cf. HAMILTON, Keith, e SALMON, Patrick –
Documents on British Policy Overseas. Series III, Volume V. The Southern Flank
in Crisis, 1973-1976, p. 405.
[xxviii] KISSINGER, Henry – Years of Renewal, pp. 627-628 (minha tradução).
[xxix] «Note by the Defence Policy Staff of the Chiefs of Staff Committee. A
preliminary assessment of the military consequences if Portugal withdraws from
NATO, 26 de Março de 1975». Reproduzido em HAMILTON, Keith, e SALMON, Patrick –
Documents on British Policy Overseas. Series III, Volume V. The Southern Flank
in Crisis, 1973-1976, pp. 409-415.
[xxx] «National Security Study Memorandum 221: US Security Interests in the
Azores» (8 de Abril de 1975), citado em GOMES, Bernardino, e SÁ, Tiago Moreira
de – Carlucci vs Kissinger. Os EUA e a Revolução Portuguesa, pp. 195-196.
[xxxi] HAMILTON, Keith, e SALMON, Patrick – Documents on British Policy
Overseas. Series III, Volume V. The Southern Flank in Crisis, 1973-1976, p.
447.
[xxxii] «Report by the Joint Intelligence Committee. The Outlook for Portugal
and its Relationship with the Western Alliance», 26 de Junho de 1975.
Reproduzido (apenas o sumário) em HAMILTON, Keith, e SALMON, Patrick –
Documents on British Policy Overseas. Series III, Volume V. The Southern Flank
in Crisis, 1973-1976, pp 453-457.
[xxxiii] Para além dos livros recentes de Bernardino Gomes e Tiago Moreira de
Sá e de Nuno Simas, veja-se também o 3.º volume da História de Portugalde José
Mattoso, FERREIRA, José Medeiros (coord.) – Portugal em Transe. Lisboa: Círculo
de Leitores, 1994, nomeadamente pp. 185-189.
[xxxiv] Cf. referência em HAMILTON, Keith, e SALMON, Patrick – Documents on
British Policy Overseas. Series III, Volume V. The Southern Flank in Crisis,
1973-1976, p 450.
[xxxv] E admitido aliás pelos serviços de informação norte-americanos. Cf. (o
muito truncado) «Intelligence Alert Memorandum "Possible coup attempt by
Azorean separatists"», do director da CIA, W. H. Colby, 31 de Maio de
1975, em www.foia.cia.gov. Para a reacção de Schmidt, cf. SCHMIDT, Helmut – Men
and Power. A Political Retrospective.Londres: Jonathan Cape, 1990, p. 168
[xxxvi] Cf. KISSINGER , Henry – Years of Renewal, pp. 633-634.
[xxxvii] NA. FCO 9/2289. Cf. telegrama da Delegação britânica junto da NATO
reportando as reacções à proposta americana na sessão restrita dos chefes de
Governo da Aliança, 31 de Maio de 1975.
[xxxviii] GOMES, Bernardino, e SÁ, Tiago Moreira de – Carlucci vs Kissinger. Os
EUA e a Revolução Portuguesa, p. 234.
[xxxix] TNA. FCO 9/2293. Excerto de conversa entre James Callaghan e Helmut
Schmidt, 30 de Maio de 1975.
[xl] WENGER, Andreas, e MASTNY, Vojtech – «New perspectives on the origins of
the CSCE process». In WENGER, Andreas, MASTNY, Vojtech, e NUENLIST, Christan –
Origins of the European Security System.The Helsinki Process Revisited.
Londres: Routledge, 2008, p. 18.
[xli] Cf. o relato do próprio primeiro-ministro britânico em WILSON, Harold –
Final Term. The Labour Government 1974-1976. Londres: Weidenfield &
Nicolson, 1979, pp. 168-173. O cerco a Costa Gomes está também bem documentado
em RODRIGUES, Luís Nuno – Marechal Costa Gomes. No Centro da Tempestade, pp.
266-273.
[xlii] Cf. depoimento de Costa a Gomes em CRUZEIRO, Maria Manuela – Costa
Gomes. O Último Marechal.Lisboa: Editorial Notícias, 1998, p. 306.
[xliii] A «Opção III» era a opção que a NATO havia elaborado desde 1972 para as
negociações com o Pacto de Varsóvia, e que contemplava uma redução do seu
arsenal nuclear na Europa. A NATO propunha-se eliminar algumas das suas armas
nucleares de longo alcance em troca de uma redução substancial dos tanques
soviéticos. Cf. CARTER, April – Success and Failure in Arms Control
Negotiations. Oxford: Oxford UP, 1989, p. 237.
[xliv] Ver correspondência trocada entre o FCO e várias missões britânicas
(NATO-Bruxelas, Viena) sobre este assunto entre Julho e Setembro de 1975 em
TNA. FCO 9/2289.
[xlv] Notícia do Washington Post de 28 de Agosto transmitida ao FCO pelo
Goverment Communications Headquarters a 9 de Setembro. TNA. FCO 9/2289.
[xlvi] TNA. FCO 9/2289. Cf. Nota do Defence Policy Staff dos Chefes de estado-
maior britânicos. «Military implications for NATO of the security situation in
Portugal», 16 de Maio de 1975.
[xlvii] Na capital austríaca, Condé era também o representante de Portugal
junto da Agência Internacional de Energia Atómica e da Organização das Nações
Unidas para o Desenvolvimentos Industrial.
[xlviii] Sobre esta situação, cf. documentação referida na nota 44.
[xlix] Cf. brief do FCO para a reunião ministerial da NATO em Bruxelas, 11-12
de Dezembro. TNA. FCO 9/2290.
[l] A literatura sobre a détente tem crescido exponencialmente muito graças à
desclassificação de uma grande massa de informação proveniente de vários
arquivos. Para um ponto da situação recente sobre as interpretações e debates
veja-se o número especial da Cold War History de Dezembro de 2008, editado por
Noam Kochavi.
[li] Sobre as divisões entre europeus e americanos através da história da NATO,
e neste período em concreto, cf. KAPLAN, Lawrence F. – NATO Divided, NATO
United.Evolution of an Alliance. Westport, CT: Praeger, 2004, pp. 57-85. Cf
também o breve e elegante ensaio de Sir Michael Howard, «An unhappy successful
marriage» (in Foreign Affairs. Vol. 78, N.º 3, Maio-Junho de 1999, pp. 164-
175).
[lii] KAPLAN, Lawrence F. – NATO Divided, NATO United. Evolution of an
Alliance, p. 58.
[liii] Sobre o envolvimento alemão na transição democrática em Portugal, tema
em investigação por Ana Mónica Fonseca no âmbito de uma tese de doutoramento,
cf. o seu working-paper, «West Germany and the Portuguese transition» (Novembro
de 2008). Disponível em: http://www.ipri.pt/publicacoes/working_paper/
working_paper.php?idp=304. Ver também CASTRO, Francisco de – «A CEE e o PREC».
In Penélope. N.º 26, 2002, pp. 123-157.
[liv] AVILLEZ, Maria João – Soares. Ditadura e Revolução.Lisboa: Público, 1996,
p. 406.
[lv] GOMES, Bernardino, e SÁ, Tiago Moreira de – Carlucci vs Kissinger. Os EUA
e a Revolução Portuguesa,pp. 390-392.
[lvi] RATO, Vasco – «A Aliança Atlântica e a consolidação da democracia». In
FERREIRA, José Medeiros (coord.) – Política Externa e Política de Defesa do
Portugal Democrático, p. 119. Sobre esta problemática, cf. também MAXWELL,
Kenneth (ed.) – Portuguese Defense and Foreign Policy Since
Democratization.Camões Center Special Report N.º 3. Camões Center: Nova York,
1991, e os textos de Luís Salgado de Matos no 4.º volume da Nova História
Militar de Portugal.
*
Docente na FCSH ' UNL e investigador do Instituto de História Contemporânea.
Membro do Conselho Científico do IPRI ' UNL. Autor de Os Despojos da Aliança. A
Grã-Bretanha e a Questão Colonial Portuguesa 1945-1975 (2007).
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Portugal
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