Diplomacia económica e empresas de bandeira os casos da Galp e da Unicer em
Angola
O contexto económico e político mundial sofreu nas últimas décadas mudanças
significativas que impeliram os estados a procurarem encontrar novas abordagens
em defesa dos seus interesses, nomeadamente económicos e políticos. Contudo, o
surgimento de novos actores não estatais, com destaque para as empresas cada
vez mais internacionalizadas em consequência do processo de globalização,
introduziu novos contornos na forma de actuação do Estado e até das próprias
empresas. A recomposição dos poderes político e económico a nível mundial e
regional trazem responsabilidades acrescidas para a defesa dos interesses
estratégicos dos estados sendo a componente económica incontornável. Nunca,
como agora, a diplomacia económica assume papel de tão grande relevância
enquanto componente essencial da política externa e em apoio à
internacionalização das economias e das empresas.
Embora com grande atraso relativamente ao que se pratica em muitos outros
países, Portugal parece ter timidamente despertado para esta importante questão
nos anos 1990. Desde o início deste século diversas tentativas para encontrar
um modelo de diplomacia económica têm vindo a ser ensaiadas. Face às
características dominantes do funcionamento da administração pública
portuguesa, com uma departamentalização estanque e um excesso de burocracia que
dificulta a adaptação à evolução da realidade, não se estranha a visão e o peso
estatocêntrico, estreito e limitado, do caso português. Nesta óptica, a
diplomacia económica é praticamente reduzida à «utilização da capacidade de
influência política dos Estados a favor dos seus interesses económicos nos
mercados internacionais»[1], secundarizando-se quer a vertente económica, quer
a importância crescente dos actores não estatais. E como o peso político de
Portugal nas relações internacionais é reduzido, a situação só tende a piorar.
Rashid[2] destaca que existe uma clara tensão entre os sectores privado e
governamental em diversas questões da diplomacia económica quando os governos
chamam a si todos os assuntos. A questão é, então, de considerar os agentes
estatais mas também os não estatais e de tomar em consideração igualmente as
diferentes dimensões da diplomacia económica contemporânea/pós-moderna e,
consequentemente, os papéis desempenhados pelos intervenientes dessas novas
dimensões[3]. E esta última questão é, na actualidade, o core da problemática
da diplomacia económica contemporânea.
A importância crescente do papel das empresas nacionais em mercados externos
implica alguma forma de articulação com os interesses de Estado, isto é, entre
os instrumentos de apoio à internacionalização das empresas, às estratégias
destas e a política externa. Exige-se deste último uma postura activa, não
necessariamente de protagonismo desenfreado mas antes de discrição. Numa altura
em que os países procuram penetrar e consolidar a presença das suas empresas em
novos e mais dinâmicos mercados externos, Portugal também não ficou
indiferente. Assim, é propósito deste artigo abordar a diplomacia económica
portuguesa em apoio à estratégia de duas empresas ' a Unicer do sector
cervejeiro e a Galp do sector petrolífero ' em Angola, o quarto maior mercado
de destino das exportações portuguesas em 2008 e que ocupa o primeiro lugar no
espaço extracomunitário da União Europeia. As estreitas relações económicas
entre os dois países e empresas (Portugal é desde sempre o principal fornecedor
de Angola, tendo registado na década de 1990 uma quota média de 25-30 por cento
ao ano e já neste século de 15 por cento), é em grande parte explicado por uma
«inércia negocial»[4] fomentada por ambos os lados, no que tem sido acompanhada
por uma rede de cumplicidades políticas e económicas que se cruzam com
interesses empresariais e que influenciam, quer em Portugal quer em Angola, o
comportamento das empresas dos dois países e das respectivas políticas
bilaterais de Estado.
Por outro lado, o facto de estas duas empresas representarem aquilo que são
empresas de bandeira' portuguesas e que aqui é tomado num sentido lato. Não se
trata de considerar exclusivamente empresas estratégicas nacionais. A novidade
está em considerar a par de uma empresa estratégica, das maiores de Portugal,
internacionalizada e de um sector sensível como é o petróleo ' a Galp ', uma
outra de grande dimensão ' a Unicer ' e num produto de consumo corrente '
cerveja ' mas que em Angola será das primeiras, se não mesmo a primeira, a que
o consumidor angolano associa o nome de Portugal, sendo por isso bastante
competitivo[5]. Hábitos culturais e uma longa história que vem dos tempos
coloniais ajudam a perceber a grande aceitação do produto e da sua origem por
parte do consumidor angolano. Ora isto confere ao produto um brand e à empresa
um enorme valor intangível[6]. Em síntese, a Galp está presente no upstream
petrolífero angolano, estará na liquefacção do gás natural e é a única empresa
estrangeira com quem a Sonangol, empresa estatal angolana do sector
petrolífero, tem uma joint-venture na distribuição de combustíveis, enquanto a
Unicer detinha, em 2008, uma quota de 79 por cento nas cervejas importadas,
sendo ainda a maior empresa portuguesa exportadora, em valor, para Angola.
O objectivo deste artigo é, a partir da exposição do caso das duas empresas
portuguesas, verificar em que medida a diplomacia económica portuguesa actuou
tendo em conta o interesse nacional e os interesses empresariais? O que se pode
retirar de ilações em termos de efectiva diplomacia económica do Estado
português? Que articulação se conseguiu constatar entre a diplomacia económica
do Estado e a business diplomacy das empresas? Haverá pontos comuns e
especificidades nos dois estudos de caso? Que lições podem ser retiradas? Para
atingir este propósito, o artigo encontra-se estruturado do seguinte modo: numa
primeira parte sintetizam-se aspectos pertinentes referentes à articulação
entre diplomacia económica e diplomacia empresarial, seguindo-se uma síntese da
evolução e características da arquitectura institucional da diplomacia
económica em Portugal. Numa terceira parte abordar-se-ão os casos da presença
da Unicer e da Galp no mercado angolano e, finalmente, apresentam-se as
conclusões.
DIPLOMACIA ECONÓMICA E BUSINESS DIPLOMACY: QUE NEXO?
Actualmente é impensável que os interesses económicos de um Estado possam ser
melhor defendidos sem uma actuação constante e activa das suas estruturas
governamentais. Destacam-se, naturalmente, os ministérios encarregados pela
política externa e pela actividade económica. Poucos países não atendem a esta
nova realidade[7]. Como sublinham Ögütçü e Saner «os países ricos e países em
desenvolvimento consideram de modo similar a captação do investimento directo
estrangeiro e a promoção das exportações como a essência da defesa dos seus
interesses no estrangeiro»[8]. O modo como é feita a articulação mostra a
existência de diversos modelos[9]. A globalização criou um ambiente pós-moderno
onde diversos actores não estatais actuam paralelamente à diplomacia
tradicional, interagindo e influenciando, por vezes decisivamente, esta última.
A capacidade de adaptabilidade dos estados a esta nova realidade não é fácil
mas impõe-se[10]. Exige-se uma nova mentalidade por parte dos funcionários
diplomáticos e como sublinham Ögütçü e Saner, «num mundo globalizado, a
diplomacia económica apela cada vez mais para menos geopolítica e para mais
economia»[11]. Necessita-se, assim, de quadros e técnicos ligados à actividade
diplomática, sejam eles tutelados directamente pelo ministério responsável da
política externa seja do ministério da economia ou do comércio externo. É que a
construção de relações económicas e comerciais tornou-se o centro da diplomacia
[12]. Assim, e com toda a probabilidade, a diplomacia económica falhará na
ausência de pessoas com qualificações específicas, quer no governo quer no
sector privado, e que possam compreender e ajudar a negociar questões
económicas de interesse nacional[13], o que inclui os interesses específicos
das empresas nacionais.
Consequentemente, encontramos o Estado na actual diplomacia económica em duas
dimensões: a) em sentido restrito, bilateralmente na negociação Estado a Estado
e, multilateralmente, na construção dos sistemas da governação mundial, nas
organizações internacionais económicas; b) na diplomacia comercial, sendo que
esta se refere ao trabalho das missões diplomáticas em apoio às empresas do seu
país para que tenham êxito e contribuam para os objectivos gerais de
desenvolvimento nacional[14]. Ou seja, na defesa dos interesses económicos (e
ainda assim políticos) do país, seja em mercados externos seja no mercado
nacional[15]. Significa isto que, ao contrário da diplomacia convencional, o
reconhecimento da necessidade de uma diplomacia comercial implica «uma rede de
actores públicos e privados que gerem relações comerciais através de canais e
processos diplomáticos»[16] e com o intuito de «explorar as vantagens
comparativas e rentabilizando as oportunidades internacionais criadas pela
diplomacia económica»[17]. Para muitos países, ainda há poucas décadas atrás, a
diplomacia comercial era vista como o buraco negro' pelos diplomatas que
procuravam uma carreira rápida e que não era nada comparativamente ao trabalho
político[18]. Por outro lado, a actuação e a eficiência da diplomacia económica
depende de diversos factores endógenos e exógenos[19], e que se não forem
correctamente considerados podem deitar por terra todo o trabalho. Entre os
primeiros destacam-se o tamanho e o potencial do mercado do país de destino,
sendo que quanto maior estes, mais importante se torna a diplomacia económica.
Entre os segundos destaca-se o relacionamento bilateral dos países, quer seja o
relacionamento estrutural, isto é, histórico, quer a proximidade conjuntural
dos governos. Se assim é, mais sentido têm a importância e a análise da
diplomacia económica portuguesa no mercado angolano.
Embora na interpretação pós-moderna de diplomacia económica o Estado continue a
ser elemento incontornável, reconhece-se, porém, e como consequência das
alterações sistémicas de uma globalização acelerada, que os estados deixaram de
ter «o exclusivo [ ] do relacionamento internacional»[20], dividindo
competências e protagonismo com outros organismos, estatais (de âmbito central
ou regional/local) ou privados[21]. E tal como Muldoon destaca, «a globalização
está a empurrar as empresas transnacionais e as ong a aumentarem o espaço que
ocupam na ordem internacional, desafiando a estrutura hierárquica
estatocêntrica do sistema internacional»[22], pelo que «o Estado, mais do que o
topo da hierarquia, é agora uma parte importante da rede»[23].
As empresas ganharam, assim, uma notoriedade e influência assinaláveis.
Desenvolvem uma intensa actividade diplomática mais ou menos autónoma. Contudo,
pela sofisticação que isto envolve, são as pequenas e médias empresas
relativamente às grandes empresas que mais necessitam de uma eficiente
diplomacia económica e comercial. Mas isto não significa que as grandes
empresas, mesmo as multinacionais, não necessitem muitas das vezes de um
empurrão' dos representantes do Estado e seus diplomatas[24].
Procurando distinguir os níveis de actuação dos dois principais actores '
Estado e empresas ' alguns autores, com destaque para Carrière[25] e Saner e
Yiu[26], propõem uma classificação que ajuda a clarificar esta questão. O
primeiro apresenta a diplomacia económica contemporânea como compreendendo duas
dimensões distintas: a diplomacia económica de chancelaria (ou diplomacia
macroeconómica) e a diplomacia económica do terreno (ou diplomacia
microeconómica). A diplomacia macroeconómica dizendo respeito à diplomacia
económica de enquadramento que realiza a construção de sistemas ou regimes
internacionais, tendo como actor central o Estado, enquanto a diplomacia
microeconómica está mais próxima da diplomacia económica contemporânea e tendo
como actor central as empresas. Neste aspecto, Saner e Yiu[27] não fazem uma
distinção tão clássica e compartimentada como Carrière propõe. O Estado tem uma
actuação na vertente da diplomacia económica mas também através da diplomacia
comercial, esta bastante ligada ao mercado e interagindo directamente com as
empresas. Mas, paralelamente, estas últimas desenvolvem uma diplomacia própria,
interna, a corporate diplomacy, e que diz respeito à cultura da empresa, à
adaptação à cultura específica do país onde actua e ao relacionamento entre a
casa-mãe e as diversas filiais ou ramos da empresa[28]; e uma externa, a
business diplomacy, que trata do relacionamento da empresa com os outros
actores (external stakeholders), bem como de aspectos relacionados com a
definição de políticas e estratégias de negócios, recolha e tratamento de
informação pertinente[29]. O seu objectivo é claro: tornar o ambiente externo
que envolve as suas subsidiárias favorável à actividade empresarial[30], o que
implica saber fazer a gestão de competências estratégicas' ao nível da
empresa. Ou seja, «muitos dos atributos de um gestor de diplomacia de negócios
(business diplomacy manager) são comparáveis aos de um diplomata político»[31].
Em suma, e procurando fazer a síntese destes dois níveis de envolvimento e
fazer sobressair a necessidade da sua articulação, Yeung define diplomacia
económica como «as relações inter-estatais através das actividades específicas
das empresas»[32].
EVOLUÇÃO DA ARQUITECTURA INSTITUCIONAL DA DIPLOMACIA ECONÓMICA PORTUGUESA
Ainda que seja usualmente desconhecido ou pouco referido, o momento fundador da
proto diplomacia económica portuguesa moderna aconteceu em 1949, com a criação
do Fundo de Fomento de Exportação[33] (ffe). Este organismo, que atravessará
todo o período do Estado Novo sob a tutela do Ministério da Economia (em
partilha de autoridade com o Ministério das Finanças), foi o primeiro
responsável pela acção comercial portuguesa nos mercados externos, mas contendo
um dos males modernos que subsiste, pois, como destaca Lopes, «as delegações do
ffe em cada país pouco comunicavam com a embaixada portuguesa nesse país»[34].
Imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 1974, foi assumida a necessidade da
reforma das instituições da promoção económica externa[35]. Pretendeu-se a
substituição do ffe por um novo organismo, o Instituto Português de Fomento à
Exportação (ipfe)[36]. Ainda que a sua criação tenha sido publicada em 1977,
este nunca conheceu a luz do dia[37]. Neste mesmo ano foi também criado o
Instituto do Investimento Externo (iie), com vista à captação de Investimento
Directo Estrangeiro (ide), uma vertente da acção económica externa até então
inexistente em Portugal[38].
A conjuntura deste período, com governos politicamente frágeis, impediu a
realização de qualquer reforma institucional coerente e que consolidasse uma
«diplomacia económica» moderna.
O programa do VI Governo Constitucional (01/1980-01/1981), com maioria
parlamentar do psd, do cds e do ppm, iniciou uma nova fase na acção económica
externa portuguesa: foi o primeiro a colocar os interesses económicos do País
como centrais da política externa e a assumir nesta uma dimensão económica. Não
obstante, a diplomacia económica portuguesa continuou fora do mne. Foi durante
este Governo que se assistiu a uma experiência sui generis de diplomacia
económica: Francisco Sá Carneiro nomeou Pedro Pires de Miranda embaixador
itinerante para questões de petróleo. Esta nomeação, ainda que oportuna num
momento em que o país precisava de garantir o seu abastecimento em petróleo, é
implicitamente um indiciador do reconhecimento da inoperância e da desadequação
dos serviços portugueses da acção económica externa. Em 1982, finalmente, o ffe
deu lugar ao Instituto do Comércio Externo de Portugal (icep), na tutela do
Ministério da Indústria, Energia e Exportação[39].
Ainda que nos anos seguintes não se registem grandes novidades, o ministro dos
Negócios Estrangeiros do IX Governo Constitucional (Bloco Central, 1983-1985),
Jaime Gama, foi quem primeiro fez referência à diplomacia económica[40].
Em 1989 (XI Governo Constitucional, 1987-1991, do psd e gozando de maioria
absoluta), iniciou-se um processo de alargamento de competências do icep,
absorvendo a promoção e gestão do ide e do Investimento Directo Português no
Estrangeiro (idpe), anteriormente na tutela do iie. Para além destas
transferências de competências, o acompanhamento e controlo do ide transitaram
do iie para o Banco de Portugal, onde ainda hoje se mantêm[41].
A melhoria verificada na economia portuguesa criou o ambiente para o reforço
dos mecanismos de apoio às empresas, pelo que o XII Governo Constitucional
(1991-1995), de maioria absoluta psd, aprovou o Programa de Apoio à
Internacionalização das Empresas Portuguesas (paiep)[42]. Grande parte da sua
execução fica com o icep, enquadrando-se o paiep no âmbito da política externa.
[43] O ciclo de concentração de competências no icep fica completo em 1992
absorvendo a área turística. Estas alterações ditaram a nova denominação do
instituto: «ICEP ' Investimentos, Comércio e Turismo de Portugal»[44].
Os passos seguintes foram dados pelos programas dos XIII Governo Constitucional
(ps, 10/1995-10/1999) e XIV Governo Constitucional (ps, 10/1999-03/2002), com a
coordenação do modelo institucional de diplomacia económica a passar para o mne
e a promoção do intercâmbio de funcionários entre mne e icep.
Em 1997, com o XIII Governo Constitucional (PS, 10/1995-10/1999), foi aprovada
a «Nova Política para a Internacionalização»(npi)[45], um redimensionamento do
paiep para adaptar a diplomacia económica à globalização, apelando também à
coordenação interministerial entre as pastas dos Negócios Estrangeiros, das
Finanças e da Economia[46]. Também no quadro da npi, é aprovada a criação de
uma sociedade, o Fundo para a Internacionalização das Empresas Portuguesas
SGPS, S.A. (fiep)[47] constituída pelo Estado e por agentes privados, para
apoiar projectos de internacionalização de empresas portuguesas[48].
Ainda na prossecução da npi, em 2000, com o XIV Governo Constitucional (ps, 10/
1999-03/2002) é realizada uma nova alteração no icep, definindo-se quatro áreas
de actuação específica: o investimento, o comércio externo, o turismo e a
comunicação e imagem. Assiste-se, de novo, à alteração da denominação para
«ICEP Portugal ' Investimento, Comércio e Turismo»[49]. O mesmo diploma prevê,
finalmente, dezoito anos depois de ter sido reconhecido o problema, a
articulação da rede de delegações do icep com a rede de missões diplomáticas e
consulares do mne!
O programa do XV Governo Constitucional do psd e do cds (2002) trouxe como
novidade a integração da diplomacia económica como um eixo estratégico da
política externa portuguesa, assumindo o mne uma nova importância, ainda que em
articulação com o Ministério da Economia (me): era a «Nova Diplomacia
Económica»ao tempo do ministro dos Negócios Estrangeiros, António Martins da
Cruz. O primeiro passo para a prossecução deste objectivo foi a criação da
Agência Portuguesa de Investimento (api) para a gestão do investimento em
Portugal (acima de tudo o ide)[50] e do Instituto de Turismo de Portugal (itp),
para fomento da actividade turística. Além da alteração da arquitectura do
sistema de captação de ide, «reformulou-se todo o sistema público de apoio à
promoção comercial externa, incluindo um novo conceito de diplomacia
económica», devendo ser «concentrados esforços em mercados alvo»[51]. As
alterações «emagreceram» o icep e este mudou de novo de nome para ICEP Portugal
[52]!
No plano interno, o icep passou a ser tutelado pelo me, ficando responsável
pela ligação com os agentes da internacionalização da economia, públicos e
privados. No plano externo, previa-se um icep com dupla tutela, mne e me, e com
ligação profunda à rede diplomática e consular. Além da integração das redes
mne/icep, os delegados deveriam passar a ter duplo reporte, tendo sido prevista
a sua integração em carreira técnica a criar no mne, com posterior injecção dos
melhores delegados na carreira diplomática, possibilitando a transformação em
Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Comércio Externo[53].
A 6 de Janeiro de 2004, com o XVI Governo Constitucional (07/2004 a 03/2005), é
aprovada em detalhe a «Nova Diplomacia Económica», esclarecendo-se que, em
matérias económicas, os embaixadores poderão receber instruções indistintamente
do ministro dos Negócios Estrangeiros ou do ministro da Economia e deverão
prestar informações destas matérias através dos canais já existentes no mne e
no me (conselheiro técnico para a diplomacia económica, colocado junto do
ministro). Cada embaixador deveria dispor de um plano anual de acção comercial,
elaborado com o icep e aprovado pela dupla tutela e sujeito a avaliação[54].
Estava assim fechada a primeira fase da «Nova Diplomacia Económica».
Dada a curta duração deste governo, as novidades seguintes chegaram com o
programa do XVII Governo Constitucional (2005-2009) de maioria absoluta ps, e
que marca uma diferença substancial em relação ao que se vinha fazendo.
Constata-se ali uma única referência à diplomacia económica sem que lhe tenha
sido dada substância programática e, ainda por cima, no capítulo do plano
nacional do Turismo! Aliás, o novo ministro dos Negócios Estrangeiros (Freitas
do Amaral) dizia que a «Nova Diplomacia Económica» «não era pura e simplesmente
aplicável»[55]. Foi decidido que a api passasse a denominar-se AICEP (Agência
para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, I.P.)[56], absorvendo as
competências do icep[57], alterando-se a denominação do itp para «Turismo de
Portugal, SA»[58] e ficando todos estes organismos na tutela do Ministério da
Economia e Inovação (mei).
De modo a esclarecer o alcance destas alterações, o Governo aclarou que a
diplomacia económica é matéria de dupla tutela mne/mei e tem como objectivos a
promoção de Portugal em matérias de comércio, investimento e turismo. Neste
modelo compete ao mne: sedimentar a imagem externa de Portugal e representar os
interesses nacionais; detectar oportunidades de investimento, devendo alertar
as entidades responsáveis; e estreitar os contactos entre as comunidades de
empresários portugueses no estrangeiro. Ao mei compete a promoção da Marca
Portugal; o fomento das exportações; a internacionalização das empresas
portuguesas; e a promoção do País enquanto destino turístico. Os delegados da
aicep dependem dos embaixadores apenas enquanto agentes diplomáticos e para
efeitos protocolares[59]. Por fim, se a api dava um claro pendor ao ide,
esquecendo-se o idpe, cabe agora à aicep conceder todo o «apoio a projectos de
internacionalização de empresas portuguesas, independentemente da sua dimensão
e natureza jurídica»[60].
EMPRESAS DE BANDEIRA E DIPLOMACIA ECONÓMICA: A UNICER E A GALP
Quer a Unicer quer a Galp desde há muito que actuam no mercado angolano. A
primeira, estabelecida ali desde antes da independência e com outro nome, foi
nacionalizada quer em Portugal quer em Angola na sequência do processo
revolucionário em ambos os países, primeiro em Portugal (1975) e depois em
Angola (1976). A Unicer encontra no mercado angolano o principal destino para a
sua produção de cerveja, exportando igualmente água engarrafada. A segunda, a
Galp, tem um historial semelhante. Também actuava na Angola colonial, foi
nacionalizada em Portugal e depois parcialmente privatizada. Desde há alguns
anos que está presente no sector da distribuição de combustíveis em Angola
(através da joint-venture Sonangalp com a empresa estatal angolana Sonangol) e
no upstream, detendo algumas participações em blocos petrolíferos. Mais
recentemente, conta com uma participação no projecto do Gás Natural Liquefeito
(gnl)[61].
Cada uma destas empresas tem interesses empresariais específicos e estratégias
próprias para o mercado angolano. É evidente a importância que reveste para
Portugal uma actuação de sucesso destas duas empresas. Tem a diplomacia
económica portuguesa correspondido a esse desiderato?
O SECTOR DAS CERVEJAS EM ANGOLA: O CASO DA UNICER
O final da guerra civil angolana (2002) criou as condições para o crescimento
económico do país, extensível ao mercado cervejeiro: entre 2003 e 2008 o
consumo de cerveja aumentou 124 por cento (677 Ml), prevendo-se que duplique em
2015[62]. Este aumento da procura tem sido satisfeito pela produção local, que
correspondeu a 53 por cento e a 79 por cento do consumo interno em 2003 e 2008,
respectivamente, prevendo-se que em 2015 represente 90 por cento. A diminuição
da quota das importações implica maiores dificuldades de penetração das
exportações, ou seja, maiores barreiras para a actividade de exportação da
Unicer .
A história da Unicer em Angola remonta à década de 1940, quando a Companhia
União Fabril Portuense (cufp) detinha cerca de 60 por cento do capital da
cervejeira Cuca. Após o 25 de Abril de 1974 e a independência de Angola (1975)
inicia-se o ciclo de nacionalizações nos dois países[63], terminando a ligação
[64]. Com o final da guerra civil em Angola (2002), a empresa portuguesa,
entretanto reprivatizada em 1989 e denominada Unicer, decide voltar àquele
mercado.
O regresso a Angola foi marcado pelo sucesso comercial das marcas da Unicer
(Super Bock, Cristal e Carlsberg), sendo a Cristal a mais vendida, logo seguida
da Super Bock. Em 2003, a quota da Unicer era cerca de 32 por cento entre as
cervejas importadas e 15 por cento do mercado local, tendo continuado a
crescer. Assim, em 2008, a sua quota no mercado no consumo doméstico passou a
17 por cento e, de forma notável, a 79 por cento entre as importadas. O sucesso
em Angola, muito assente numa inteligente escolha de distribuidores, levou a
administração a cedo apostar na produção local, consciente de que a política de
contentores exportados estava condenada ao fracasso a prazo[65].
O primeiro anúncio público da intenção da Unicer em construir uma unidade de
produção em Angola aconteceu em Outubro de 2003, quando o então ceo, Ferreira
de Oliveira, comunicou aquela possibilidade[66] com um investimento entre 80 a
120 milhões de euros[67]. A intenção inicial era a de avançar detendo 100 por
cento da nova unidade[68]. Em Abril de 2005 é anunciado que o projecto apenas
aguarda a aprovação do Conselho de Ministros angolano, expectável até ao Verão
desse ano[69]. Em Março de 2007, já com António Pires de Lima como ceo, é
reafirmada a vontade de construir uma fábrica em Angola, colocando-se, porém, a
possibilidade de o investimento não se vir a concretizar dado o arrastar do
processo[70]. Em Março de 2008, a nova unidade é aprovada pelo Governo
angolano. O modelo torna-se conhecido: parceria com três grupos angolanos
(Giasope, Emprominas e Imosil), cada um com 17 por cento[71], ficando a Unicer
com 49 por cento da «can» (nome da nova holding)[72]. Prevê-se que a nova
unidade produza as marcas Super Bock e Cristal e uma nova marca a criar para o
mercado angolano[73] e com o objectivo de combater a cerveja líder do mercado,
a Cuca[74], ironicamente a marca onde a empresa que deu origem à Unicer detinha
60 por cento do capital antes de ser nacionalizada A fábrica a construir será
instalada no município de Cabiri, junto ao rio Bengo, a cerca de 60 quilómetros
de Luanda[75]. Apesar do processo estar aprovado, Pires de Lima ainda foi a
Luanda em Setembro de 2008 para acelerar o processo e finalmente a 14 de
Outubro de 2008 é noticiado o arranque da construção da fábrica da Unicer
durante o ano de 2009 (iniciando a sua produção durante o segundo semestre de
2010)[76]. A mesma notícia anuncia um investimento em duas fases: uma primeira
em que serão investidos 74,6 milhões de euros e, uma segunda, nos dois ou três
anos seguintes, na qual se prevê investir mais 29,8 milhões de euros.
Finalmente, e dentro da estratégia de afirmação da empresa em Angola, a Unicer
assinou um contrato com a Federação Angolana de Futebol, válido para o período
2008-2010 (renovável por dois períodos de um ano) e através do qual se torna
patrocinador da selecção angolana. A sua cerveja Cristal será a cerveja oficial
e as águas Caramulo a água oficial do campeonato africano de futebol a realizar
em Angola em Janeiro de 2010.
O CASO DA GALP
A empresa petrolífera portuguesa Galp tem ligações históricas com Angola já que
antes da independência existia ali uma empresa portuguesa. Com a independência
de Angola deu-se a nacionalização do seu capital. Em Portugal ocorreu o mesmo.
A empresa Petrogal surgiu e está na base da Galp Energia.
Durante anos a empresa portuguesa exportou combustíveis refinados para o
mercado angolano. A tímida abertura política e económica que se esboçou em
Angola durante a década de 1980, motivada pelas grandes dificuldades económicas
sentidas no país e a braços com uma guerra civil, coincidiu com a governação em
Portugal de um partido de direita, o psd, mais pragmático do ponto de vista dos
interesses empresariais e menos complexado relativamente às relações com as ex-
colónias. E no caso de Angola, era grande a animosidade que os governos
conduzidos pelo Partido Socialista suscitavam ali. É neste contexto que Cavaco
Silva, então primeiro-ministro, envia a Luanda ao II Congresso do mpla/pt, o
ministro dos Negócios Estrangeiros, Pires de Miranda. Estava dado o grande
sinal político para começar a enterrar o fantasma do passado, após o exorcismo
político-económico dos anos que se seguiram à independência da ex-colónia[77].
A ida de Pires de Miranda veio a revelar-se um triunfo político para Portugal e
um exemplo de como a intervenção ao mais alto nível do Estado pode dar um
contributo significativo na defesa de interesses económicos. Tratava-se de uma
empresa maioritariamente pública, é certo. Na sequência da sua deslocação, os
contactos feitos junto do presidente da Sonangol, Hermínio Escórcio, permitiram
criar uma base de confiança e definir as bases que levariam, mais tarde, à
entrada da petrolífera portuguesa, pela primeira vez, no upstream angolano[78].
Na sequência destas negociações, em 1992 foi rubricado o acordo para a
exploração do Bloco 14. De acordo com um importante membro do Partido
Socialista, então na oposição, tratou-se de «uma boa decisão»[79] e que
permitiu que o primeiro-ministro Cavaco Silva e o Presidente da República Mário
Soares «apesar das diferenças, no essencial souberam convergir na interpretação
dos interesses nacionais».
De então para cá, a empresa tem vindo a aprofundar a sua presença em Angola.
O grupo Galp Energia está neste mercado através da actividade de duas empresas
principais: a Petrogal Angola, Lda. e a Sonangalp, Lda. A Petrogal Angola é
detida pela Petrogal, SA (88,7 por cento) e pela Galp Exploração, SA (11,3 por
cento) e assegura a gestão das participações das restantes empresas e a
comercialização de lubrificantes. A Sonangalp, criada em 1992, é detida pela
Petrogal Angola (49 por cento) e pela Sonangol (51 por cento). A sua actividade
centra-se na distribuição e comercialização de combustíveis líquidos e
lubrificantes e na exploração de postos de abastecimento e estações de serviço.
O grupo detém ainda uma participação minoritária (0,44 por cento) na Fina '
Petróleos de Angola, que tem por actividade a refinação, armazenagem e
distribuição de produtos petrolíferos[80].
No upstream, a Galp Energia iniciou a sua actividade no Bloco 14 em 1999 (campo
do Kuito) onde detém uma quota de nove por cento (10 mil barris/dia). Na
exploração offshore está ainda presente no Bloco 32 (com cinco por cento), no
Bloco 33 (cinco por cento) e no Bloco 14K/A-IMI. No onshore, tem uma
participação de 20 por cento no Bloco Cabinda Centro, cuja fase de pesquisa já
se iniciou e uma participação de 10 por cento no Bloco 1 (campo de Safueiro),
embora estes dois últimos pareçam ter pouco interesse comercial, ao contrário
do Bloco 14, da grande expectativa do Bloco 32 e do fiasco' que parece ser o
Bloco 33. A Galp está ainda na expectativa de poder aceder a novos blocos e de
ser considerada pela primeira vez como operadora. Concorreu ao leilão que o
Governo angolano lançou nos finais de 2007 (três blocos onshore e sete
offshore), com resultados esperados para Março de 2008, mas que, até hoje,
continua sem decisão governamental. Entretanto, em 2008, conseguiu integrar o
consórcio de empresas petrolíferas que estão no importante projecto do gás
natural liquefeito (lng) no norte de Angola (Soyo). Uma vez mais é um
investimento de interesse estratégico para a Galp e para Portugal, já que
haverá a possibilidade de poder vir a diversificar as suas fontes de
abastecimento de gás natural até agora concentradas na Argélia (cerca de 40 por
cento) e na Nigéria (os restantes 60 por cento).
Perante a atenção crescente ao mercado angolano e que até há pouco tempo
representava o único país onde a Galp explorava petróleo (recentemente foram
feitas importantes descobertas no Brasil onde a empresa tem várias concessões),
não é de todo de estranhar a solução que foi encontrada em 2004, quando se
tornou claro que o Estado português se ia desfazer de parte da sua participação
na empresa, quota essa detida através da Parpública. Na altura a empresa
petrolífera angolana Sonangol manifestou interesse em poder entrar na
petrolífera portuguesa. Ao invés de o Estado português vender essa participação
à eni, conseguiu-se chegar a um acordo entre os accionistas e que foi assinado
em Dezembro de 2005 entre a Amorim Energia, a eni e a ren e que veio a
concretizar-se em Setembro de 2006[81]. Deste modo, a Amorim Energia, detida em
55 por cento pela Amorim Holding e em 45 por cento pela Esperaza (constituída
pela Sonangol e por Isabel dos Santos, filha do Presidente angolano), adquiriu
a participação da ren e detém actualmente 33,34 por cento da Galp. O Estado
português mantém uma posição de sete por cento através da Parpública, sendo uma
parte uma golden share, e do principal banco português, público, a cgd, que
possui um por cento.
É evidente que o interesse estratégico e empresarial de contar com a Sonangol
como parceiro na Galp pode ser tão ou mais importante que a afinidade cultural
entre os dois países, embora esta não deixe de ter algum significado: «por
diversas ocasiões, a Galp manifestou que a proximidade cultural que emerge em
alguns dos mercados em que está presente, nomeadamente nos países de língua
oficial portuguesa, poderá consubstanciar-se numa vantagem comparativa»[82].
A COMPARAÇÃO DOS DOIS CASOS
No caso da Unicer, a estratégia que delineou parecia boa. Começar a conquista
do mercado pela criação de imagem de marca e, posteriormente, passar à fase de
produção local de modo a não ferir as suas próprias marcas[83]. Contudo, a
estratégia teve um lapso de análise inicial e que provocou o primeiro momento
de arrastamento do processo: a intenção inicial da empresa de abrir a unidade
em Angola sem envolvimento de parceiros locais[84]. Esta decisão inicial
contrariava a intenção dos dirigentes angolanos de promoção de parcerias com
empresários angolanos, se necessário com protecção temporária de alguns
sectores de actividade[85]. Este erro de percepção mostrou claramente como a
falha da business diplomacy da empresa, ao não tomar em conta o meio, a
cultura, as instituições locais, onde a actividade da empresa-mãe vai actuar,
pode fazer perigar o projecto[86]. Ora o envolvimento da diplomacia portuguesa
seria crucial nesta fase de arrastamento do processo. O seu produto ' cerveja '
é, em Angola, associado a qualidade e a Portugal. De poucos mais se poderá
dizer o mesmo, o que lhe confere um sentido de empresa de bandeira e para o
qual a diplomacia portuguesa deveria estar atenta. Ajudar a empresa, alertando-
a para o perigo de uma estratégia de recusa de parceiros locais, seria, como se
viu, evitar gastar tempo e dinheiro[87].
Durante todo o processo a burocracia da diplomacia económica portuguesa, o mne,
esteve afastada. A icep/api/aicep esteve ausente[88]. Contudo, na fase final do
processo, aquando da aprovação pelo Conselho de Ministros de Angola, foi
solicitado apoio ao Governo português[89]. Mas este não se envolveu. Ao que se
apurou, mesmo quando as notícias eram claras e evidentes sobre o arrastar do
processo em Angola, não houve da parte do Estado português um gesto no sentido
de saber o que poderia fazer pela empresa. Curioso é também o facto de a ccipa
(Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola) não ter tido também qualquer
actuação neste processo: por um lado, a Unicer não o solicitou e, por outro,
também aquela associação não se dirigiu a este seu associado indagando no que
poderia ajudar. Acresce ainda que o facto de a Unicer ser detentora de uma
excelente imagem de marca em Angola, pode tê-la feito sobrevalorizar uma
vantagem comparativa que podia ter algum sentido do ponto de vista estático mas
de acordo com a perspectiva dinâmica do crescimento do mercado angolano se
revelou insuficiente[90]. Por outro lado, o não recurso ao Estado português por
parte da empresa é demonstrativo de uma cultura empresarial na qual as empresas
não estão habituadas a ter apoio a este nível, e por isso não o solicitam. Mas
também pode ser revelador do comportamento das grandes empresas que por vezes
pensam dispor de meios próprios suficientes e eficazes, a sua business
diplomacy, quando afinal não é assim, para além de não quererem divulgar certas
informações que, do seu ponto de vista, podem ser usadas por potenciais
concorrentes. Isto pode explicar, por exemplo, o facto de não terem recorrido à
ccipa ou a outra associação empresarial.
A situação da Galp foi bastante diferente. Ao contrário da Unicer que é uma
empresa privada, os primeiros contactos da Galp a meio dos anos 1980 são
efectuados quando a empresa é maioritariamente pública. Esta é uma empresa de
bandeira por razões diferentes das que se assinalaram para a Unicer, mas que o
é pela sua dimensão no tecido empresarial português e num sector estratégico.
Do sucesso que foi o abrir da porta do sector petrolífero no mercado angolano
sob a responsabilidade de Pires de Miranda, então ministro dos Negócios
Estrangeiros entre 1985 e 1987, até à conjugação de esforços no início deste
século e que envolveu pressões de bastidores ao tempo do Presidente da
República, Jorge Sampaio, e do primeiro-minist ro, Durão Barroso, tendente a
impedir a venda dos activos petrolíferos da Galp em Angola, toda esta
actividade mostra um envolvimento forte e directo dos mais altos responsáveis
do Governo e do Estado português num contexto ddiplomacia económica. A
negociação da entrada no capital da Galp pela empresa petrolífera angolana
Sonangol conjuntamente com a filha do Presidente angolano, Isabel dos Santos, é
elucidativo, uma vez mais, que a decisão empresarial tout court teve o respaldo
total do Estado português. Ou seja, a este nível, a diplomacia económica da
responsabilidade do Governo português esteve sempre presente e em apoio à
business diplomacy da própria empresa. Porém, não tem sido um caminho fácil.
Da parte de Angola, o Governo sempre utilizou o recurso petrolífero como arma
para obter ganhos político-diplomáticos e económicos, no mínimo apelando a um
comportamento recíproco. A tomada de posição na Galp, por parte da Sonangol e
da filha do Presidente angolano, é disso evidente no caso da vertente
económica. Mas as negociações com Portugal, por exemplo, relativas à
participação da Galp no Bloco 34, colocaram no prato da balança, mesmo que
indirectamente, a obtenção de condições favoráveis na renegociação da dívida
externa de Angola a Portugal. O negócio acabou por não se concretizar, pesem
embora as pressões políticas portuguesas o que originou dois flops económico-
diplomáticos. O primeiro, com a ida a Angola de António Guterres, então
primeiro-ministro, em Outubro de 1997, e, o segundo, em Dezembro de 2000, com a
viagem de Jaime Gama, ministro dos Negócios Estrangeiros, acompanhado do
presidente da Galpenergia. O não angolano foi claramente uma posição política
de Angola com consequências ao nível económico[91]. De novo o antagonismo
ancestral: um Governo socialista e uma condescendência, segundo Angola, para
com a Unita, então opositor armado na guerra civil angolana. Em cada uma das
negociações foi necessária a intervenção directa do Executivo de Lisboa para
garantir que não se verificasse uma marginalização dos interesses portugueses
[92], nesta ou noutra área, e muitas vezes sem sucesso como se mostrou atrás.
CONCLUSÃO
Um breve balanço do modo como evoluiu o conceito de diplomacia económica em
Portugal e a forma de a operacionalizar deixa entrever uma história, na melhor
das hipóteses, com mal-entendidos a nível conceptual e institucional. Para
atenuar esta constatação deve ser referido que o caso português não se tem
afastado muito do que se assiste em outros países. Segundo Saner e Yiu[93] e
Barston[94], as reacções das burocracias diplomáticas têm sido diversas,
havendo mne que tentam bloquear a divisão de tarefas com outros ministérios ou
que relutantemente as aceitam. Ou ainda, e de acordo com Sridharan[95],a
conduta errática de alguns membros do Governo, os excessos da burocracia do
Estado e a falta de preparação de funcionários e empresários, têm sido factores
que contribuem para uma constante perda de oportunidades, tendo também
prejudicado seriamente a imagem do país.
A redução da diplomacia económica às visitas de Governo e de Estado tem sido
uma das principais e caricaturais imagens que são transmitidas. Inoperância?
Incapacidade de gizar um modelo e de compreender o seu alcance nos tempos que
correm? É certo que as démarches que são feitas aquando dessas visitas devem
ser encarados como passos legítimos naquilo que a diplomacia económica abarca.
Mas o problema existe quando a tentação de obtenção de dividendos políticos
internos através de uma excessiva mediatização do facto, faz parecer a
deslocação como a chave milagrosa de abertura do mercado externo ou da captação
de investimento. O que leva a uma segunda questão: a redução da diplomacia
económica a este protagonismo, tornando-o o modelo[96]. Esta ideia de
actividade casuística como sendo a diplomacia económica não pode encontrar
melhor formulação senão na afirmação em Julho de 2008 de Manuel Pinho, ministro
da Economia e da Inovação, de que o «governo actua como uma direcção comercial
de luxo»! Porém, como salienta Silva,
«nem tudo o que releva das relações económicas exteriores faz
automaticamente parte da política económica externa, mas apenas o que
está inserido num conjunto de programas ou medidas coerentes e
articulados [ ] não medidas avulsas ou apenas respostas a situações
pontuais, através de instrumentos historicamente limitados»[97].
Decorre daqui que o que é necessário é a conjugação da actuação ao nível do
Governo e da acção empresarial, sabendo cada um o que deve e como fazer. Os
estudos de caso aqui apresentados são bastante interessantes à luz da
necessidade desta conjugação de esforços. Empresas de bandeira, representativas
da tradição (cerveja) e do modernismo em Portugal (petróleo), vão a par no
mercado angolano[98]. Jogar com aquilo que são marcas reconhecidas e outras que
podem dar uma nova imagem de Portugal, deve estar presente no modelo de
diplomacia económica dirigido a Angola. Neste caso deveria ter havido um
enfoque na necessidade de utilizar uma bandeira com branding[99] (a cerveja),
conjugada com um rebranding que dá uma nova imagem de Portugal num sector
considerado estratégico, o petrolífero[100]. No fundo é tomar consciência que
há aqui um ganho com a presença destas empresas em Angola que vai muito para
além do seu valor intrinsecamente económico.
Deste modo, a comparação destas duas situações permite evidenciar alguns
aspectos interessantes e que podem servir de ilações para a definição mais
rigorosa do modelo de diplomacia económica em Portugal.
Em primeiro lugar, deve ser dispensada a mesma atenção à actividade das
empresas quer sejam elas privadas, públicas ou com participação de capital
público[101], o que não foi o caso. A tentação para priorizar as empresas
públicas já tem antecedentes[102].
Segundo, uma maior atenção deve ser dada à entrada e manutenção de uma empresa
num mercado externo, exigindo-se profissionalismo, competências e
qualificações, sejam diplomáticas ou técnicas, de apoio às empresas
portuguesas. Isto é, as diplomacias comercial e económica devem deixar de ser
aspectos subalternos para passarem a integrar o núcleo duro da diplomacia.
Terceiro, é essencial o apoio prestado pela diplomacia económica ao sector
empresarial em três dimensões fundamentais: informação, relações públicas e
consultoria[103] não ficando à espera, por exemplo, que seja a representação da
União Europeia a fazê-lo[104]. Quarto, deve existir uma maior sintonia entre a
representação diplomática no exterior e as instituições nacionais vocacionadas
para o comércio externo e o investimento, que falhou claramente com a Unicer.
Quinto, a criação de uma nova atitude comportamental e cultura de prestação de
serviço público por parte dos organismos do Estado, embaixadas e outras
instituições, à comunidade empresarial. Sexto, sendo a capacidade de diplomacia
negocial de uma empresa de cariz multinacional (a Galp) muito superior à de
outras (a Unicer), então maior é a necessidade de conjugação de esforços da
diplomacia económica e da business diplomacy[105]. Sétimo, sendo que há
negócios que só se realizam por intervenção quer dos diplomatas económicos,
quer dos Governos[106], pode considerar-se que também as empresas de maior
expressão necessitam do apoio destes diplomatas. O caso da Galp foi
paradigmático. Na prática, a dualidade de critério na acção da diplomacia
económica portuguesa nestes dois casos foi absurda. Oitavo, deve acabar-se com
a ideia de que a acção económica externa de altos dignatários do Governo e do
Estado é o modelo de diplomacia económica, situação que se torna pior quando se
secundariza o papel dos actores privados. Nono, deve existir uma articulação
das medidas de apoio à internacionalização da economia e das empresas
portuguesas com a acção da diplomacia económica, específica da política
externa. Décimo, é importante que as empresas, aquando da sua diplomacia
negocial, tenham perfeita consciência dos actores locais, sejam governamentais
ou não, das redes, das suas conexões, de modo a poderem inserir-se da melhor
maneira ao tomarem em consideração as especificidades políticas, económicas e
culturais locais[107]. Aconteceu na Galp, não ocorreu com a Unicer. Finalmente,
mas não menos importante, a necessidade de se construir um modelo que não se
altere casuisticamente conforme mudam os governos, mas que dê coerência na
organização interna e na acção, seja ele de cariz unificado, parcialmente
unificado, de concorrência entre instituições, ou outro[108]. Mas que seja
perene.