Ética, Direito, Economia e Mercados de Valores Mobiliários (MVM)
1 - Ética, Direito, Economia e «mercados de valores mobiliários»: realidades
concretas de um só mundo no qual interagem, de modo constante e complexo, uma
série de factores económicos, sociais, políticos, culturais e mentais que não
se podem separar de modo artificial
1.1 – Intróito e primeiro andamento
Diz-nos Costa Andrade:[1] «Os estudos de criminologia (46) têm, com efeito,
revelado a frequência com que os delinquentes de “colarinhos brancos” praticam
os crimes contra a economia a coberto da racionalização da lealdade aos valores
últimos da vida económica, só por eles autenticamente interpretados e
assumidos.». Esta «interpretação económica» hegemónica de um só sentido agora
travestido no presente de uma certa globalização poderia nos levar à seguinte
máxima: «não existe qualquer coincidência entre, por um lado, ética e/ou moral
e, por outro lado, problemas e/ou ciências jurídico-económicas».[2] E o assunto
estava resolvido. Não nos podemos esquecer, contudo, do grande jurista alemão,
e Professor de Direito, Gustav Radbruch, no qual a experiência nacional-
socialista produz uma tal impressão, que o obriga a repensar as ideias que
tinha sobre o positivismo. G. Radbruch vê na separação do Direito e da moral o
fundamento no qual se apoiou o nazismo para concretizar, sob a «legalidade»,
algumas das maiores atrocidades contra a Humanidade. A. De Mello Bandeira
refere mesmo o seguinte:[3] «Uma autoridade que não siga o Plano de Deus,
demoniza-se.». Uma formação posititivista em excesso levou juízes e advogados a
ficarem sem defesas argumentativas contra uma «legalidade injusta». Assim, diz-
nos G. Radbruch que uma lei que contrarie os princípios básicos da moralidade
«não é Direito», ainda que se verifique uma «validade formal».[4] E todavia,
também não é por mero acaso que se volta a falar em ética no contexto do
sistema económico capitalista. Que não apenas de «ética nos negócios». Depois
de grandes escândalos de gestão e/ou financeiros nas «economias mais avançadas»
[5] fala-se em «recuperar uma cultura ética». É frisado que «não existe
qualquer contradição entre ética e performance e/ou desempenho» económicos.
[6] O Estado português plasmou, aliás, na lei, em relação ao EGP[7], o
seguinte: «Ética § Os gestores públicos estão sujeitos às normas de ética
aceites no sector de actividade em que se situem as respectivas empresas.».
[8] É o EGP que rege os órgãos de administração das empresas públicas. E, como
se sabe, as «empresas públicas» podem ser «sociedades constituídas nos termos
da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais
possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma directa ou indirecta, uma
influência dominante».[9] E são também empresas públicas as entidades com
natureza empresarial.[10] Temos ainda que recordar aqui as cooperativas.[11] A
maior parte das cooperativas pode também trabalhar com(o) empresas. Sendo que a
sua autonomia é um factor essencial. As cooperativas regem-se, também, por
princípios éticos que podem constituir igualmente a Economia em todos os seus
sentidos, nomeadamente se prosseguirem fins económicos! Fala-se, a propósito,
em «verdadeira atmosfera ética dos princípios cooperativos».[12] E onde o
«escopo lucrativo» não é (aqui) elemento essencial![13] Ora, vale a pena
transcrever aqui uma das conclusões da Aliança Cooperativa Internacional no
Congresso de Manchester, Inglaterra, de 1995: «As cooperativas baseiam-se nos
valores de auto-ajuda, responsabilidade individual, democracia, igualdade,
equidade e solidariedade. Fiéis à tradição dos seus fundadores, os membros das
cooperativas assumem os valores éticos da honestidade, transparência,
responsabilidade social e altruísmo.». Também os princípios cooperativos
[14] estão impregnados de ética e, até, utopia: no contexto da social
democracia e/ou socialismo democrático, ambos no contexto do Estado de Direito
Social, democrático, verdadeiro e livre. Nove anos atrás, em 1998, disse o,
então, Presidente do Banco Mundial James Wolfensohn:[15] «enquanto falamos da
crise financeira, em todo o mundo 1300 milhões de pessoas subsistem com menos
de um dólar por dia; 3000 milhões vivem com menos de dois dólares; 1300 milhões
não têm água potável; 3000 milhões carecem de serviços de saneamento; e 2000
milhões não têm electricidade. Façamos algo para acabar com este sofrimento,
não nos detenhamos na análise financeira: não nos detenhamos na arquitectura
financeira e nas reformas do sistema financeiro. Agora temos a oportunidade de
estabelecer um debate global sobre tudo isso, é certo, mas também sobre os
fundamentos do desenvolvimento». A globalização, ao permitir a fusão financeira
cada vez mais mundial, dificulta o acesso ao crédito e/ou ao empréstimo por
parte de pequenos empresários e empresas. É a economia desumanizada na qual
reina uma sobre-especulação. Luciano Nascimento S. identifica um conflito
histórico e afirma o seguinte[16]: «A sociedade do terceiro milénio, (…),
presencia a sua subdivisão no embate entre civilização capitalistaversus
civilização comunitária, que quer representar os modelos de sociedade fechada
(capitalista) e sociedade aberta (comunitária) (…), sendo que os modelos são
incompatíveis.». As estatísticas, como vamos observando nos jornais de todos os
dias, são claras a nível mundial: os ricos cada vez estão mais ricos e os
pobres cada vez mais pobres. Ora, o poder económico-financeiro está cada vez
mais concentrado: «Ricos mais ricos, pobres mais pobres».[17] Afirma João Paulo
II:[18] «… a liberdade económica é apenas um elemento da liberdade humana.
Quando aquela se torna autónoma, isto é, quando o homem é visto mais como um
produtor ou um consumidor de bens do que como um sujeito que produz e consome
para viver, então ela perde a sua necessária relação com a pessoa humana e
acaba por a alienar e oprimir.». Instado Abbé Pierre a comentar o facto, v.g.,
dos EUA terem 30.000.000 (trinta milhões!) de habitantes a viver abaixo do
mínimo vital e a UE (então, a 12 países) cerca de 40.000.000 (!) de pessoas nas
mesmas condições, entre os quais estariam milhões de desempregados, muitos sem
qualquer subsídio, foi dada a seguinte resposta: «Moralmente, de certeza que é
esse o insucesso principal das democracias ocidentais. Porque se cada um não
olha senão para si e não inventa acções para tornar útil os que não têm
ocupação, então será a degradação. É preciso que cada um se prepare para a
partilha».[19] A pobreza pode ser material, mas também pode ser ética e/ou
moral. Ou seja, a pobreza pode ser económica, social, política, cultural e/ou
mental. O bourgeois, i.e. o «burguês», é aquele, aliás, que se serve a si mesmo
e, de um modo indirecto, o Estado e/ou a comunidade.[20] O cidadão grego é
aquele que serve o Estado e, de um modo indirecto, se serve a si mesmo. O
cidadão em Hegel é o que, no plano ético, serve o Estado servindo a si mesmo e,
ao servir a si mesmo, tem como fim servir o Estado. Só a totalidade
constituiria a verdade, tanto na teoria como na prática. Sendo que a passagem
da «moralidade» à superação de esta – a eticidade – possui um fundamento
ontológico: a vinculação da universalidade e das suas determinações
particulares.[21] A «eticidade» seria, em Hegel, pois, «o conceito de liberdade
que chegou a ser o mundo existente (Vorhandenen) e a natureza da
autoconsciência».[22] Ora, o «Estado moderno» caracterizaria um «Estado de
classes». Ou seja, não seria ainda o «Estado hegeliano» em plenitude, pois aqui
não haveria classes, mas a manifestação da própria sociedade civil. E como nos
diz Eros R. Grau,[23] «O Direito posto por esse Estado moderno, Estado burguês,
encontra seu fundamento de legitimidade exclusivamente na violência, sem nenhum
compromisso ético… Por isso mesmo é que a justiça não é assunto a ser tratado
no quadro do direito moderno.». E o mercado passaria a ser um projecto
político, i.e., um «princípio de organização social». Mas é preciso ter algum
cuidado, pois a ausência de ética e/ou justiça e/ou de política, poderá levar
ao fim da liberdade e, por conseguinte, ao fim da verdade e, portanto, ao fim
da democracia. Liberdade e verdade surgem, pois, como pontos centrais de
qualquer discussão (jurídico-)científica. Refere João Paulo II:[24] «É tarefa
do Estado prover à defesa e tutela de certos bens colectivos como o ambiente
natural e o ambiente humano, cuja salvaguarda não pode ser garantida por
simples mecanismos de mercado. Como nos tempos do antigo capitalismo, o Estado
tinha o dever de defender os direitos fundamentais do trabalho, assim diante do
novo capitalismo, ele e toda a sociedade têm a obrigação de defender os bens
colectivos que, entre outras coisas, constituem o enquadramento dentro do qual
cada um poderá conseguir legitimamente os seus fins individuais.». Não é
porventura por mero acaso que, em certo contexto jurídico próximo da teoria de
Feinberg – in «Harm to Others», 1984 -,[25] a pena poderia ser entendida como
uma comunicação com o autor, o qual seria «entendido como uma pessoa idónea a
emitir juízos morais». Não obstante, poder-se-á, e/ou dever-se-á, distinguir
entre Direito e ética individual.[26] Mesmo que se considere a vontade da acção
como porção do ilícito, a prescrição normativa subsistiria como mandato
jurídico. De este modo, em esta perspectiva, a infracção permaneceria como um
ilícito que não se atenuaria e/ou agravaria segundo bitolas éticas e
individuais. A ética surgiria, assim, no âmbito da culpa, como farol da
formação da vontade. Mas seria uma ética social e não uma ética e/ou moral
individual. É que o Direito procura estabelecer exigências às pessoas em prol
do bem comum, rectius, aquilo que seria «expectável do cidadão no seio da
sociedade». Pelo que, a ética individual, ainda segundo esta visão do problema,
não deveria ter influência na velha e na nova teoria da ilicitude. Seja como
for, aquilo que nos parece de realçar é que a ética – independentemente do nome
que se lhe queira outorgar: v.g. por meio de princípios jurídicos - permite
pelo menos ajudar a resolver ab initiouma multiplicidade de falhas e/ou lacunas
intrínsecas ao Direito positivado e à própria Economia, «ciência social»
(muito) imperfeita. Além de isso, a ética individual tem que ter em conta a
ética colectiva e a ética colectiva tem que considerar a ética individual. A
tutela jurídico-penal e constitucional (constitucional) de bens jurídicos
individuais tem que respeitar a tutela jurídico-penal e constitucional
(constitucional) de bens jurídicos colectivos, e vice-versa.
1.2 – Introdução e desenvolvimento
Trata-se de saber, pois, se já existe ou se deve existir alguma relação entre a
ética e o sistema económico capitalista e, mais em concreto aqui, os mercados
de valores mobiliários.[27] E que tipo de relação e/ou influências são essas
(?). A credibilidade de uma empresa, v.g., poderia ser considerada como um
activo intangível. O qual, contudo, geraria resultados bem tangíveis: a
transparência que os processos e recursos das relações com os investidores –
situados em um plano de interacção entre os mercados de valores mobiliários e
as empresas cotadas – pretendem impulsionar com o permanente incremento da
claridade informativa, i.e., a credibilidade da empresa.[28] Desde já podemos
adiantar que onde está o Ser Humano como ser (in)social, pleno das suas
(in)capacidades e/ou (in)imputabilidades, está, de modo necessário e aqui sem
uma rígida correspondência, a ética e/ou a sua falta. Tomás De Aquino iria
porventura mais longe ao afirmar que «O Direito está inserido na moral e o
ponto da inserção é precisamente a ideia de justiça.». Mas também não recusaria
afirmar que o legislador não deve se deixar seduzir pela tentação de tutelar
com os meios do Direito penal todas as infracções à «moral objectiva».
[29] Existiria mesmo, todavia, uma «ética profissional do mercado» e uma práxis
ética da indústria de valores (v.g. mobiliários e/ou outros instrumentos
financeiros) fundada em uma axiologia social de valores que persuade a conduta
dos sujeitos participantes no mercado.[30] A «auto-regulação» e/ou «auto-
controlo» é, aliás, uma característica ética e/ou deontológica que não pertence
apenas à zona dos mercados de valores mobiliários, mas também a outras áreas do
Direito.[31] O Direito penal vale como «uma triste necessidade num mundo de
seres imperfeitos que são os homens».[32] Significa isto que existe algures,
ainda que em termos não absolutos, uma determinada «perfeição». É que a
«imperfeição» existe em contraste com algo, i.e., com a «perfeição». Assim como
a «perfeição» se verifica na medida em que estamos em presença alhures de uma
«imperfeição». Em termos absolutos não existe, quer a «perfeição», quer a
«imperfeição». É uma soma de tautologias. Mas também são factos ao nível das
ideias. E existe com certeza - ou deve existir - «uma utopia». Ainda que, por
eventual aparência, nos surja como uma mera «meta (in)alcançável». Advertirão,
entretanto, alguns dos maiores protagonistas do «jogo» do mercado português
que: «a moral e/ou ética não jogaria bem com as leis e/ou os regulamentos do
mercado; quem se devotasse a essas questões não poderia jogar nos mercados de
valores mobiliários e/ou nas bolsas.». Compreendendo em toda a sua amplitude,
por um lado, o «alcance exacto» de esta afirmação no seio do capitalismo «puro
e duro» dos «mamíferos “racionais”», diríamos que a moral e/ou ética não têm
que «jogar» ou «deixar de jogar» com as leis do mercado». É natural que o
mercado exija – para satisfação do seu interesse – o afastamento ou a
diminuição de qualquer entrave social, político e/ou moral ao processo de
acumulação de capital. Mas o mercado também exige uma actuação estatal para
garantir a fluência das suas relações e - em frontal contradição - exige que
essa actuação seja mínima.[33] A ética e/ou moral podem existir, como podem não
exisitir, no mundo que não é só do mercado e nas leis do mercado com
independência de qualquer vontade e/ou desejo e mesmo quando – porventura - se
verifica uma pretensa negação no «Direito positivado». Muitos dos próprios
princípios constitucionais desfrutam de uma certa «ética jurídica» em si mesma:
uma «ética constitucional» e/ou de Princípios Constitucionais. Por isso, entre
outras razões, se fala também, v.g., na possibilidade de existirem normas
constitucionais «(in)constitucionais». Não é por mero acaso, porventura, que
tirando as referências às origens de «índole religiosa» (pagãs, cristãs e/ou
muçulmanas?) da Europa – aqui por coincidência ou não, no nosso entendimento –
Bernard Cassen apelidou o projecto de Constituição Europeia, já entretanto
chumbado (e, depois, «recauchutado»), como de uma «Constituição para santificar
a lei do mercado.».[34] A «Europa» - rectius o mercado - seria a nova «deusa-
recuperada dos ventos da mitologia» que resolveria todos os problemas dos
«europeus»! Por outro lado, são lógicas pelo menos duas premissas: 1) quem se
«dedicar aos problemas da ética e/ou moral» «pode jogar na Bolsa»: nenhuma lei
e nem sequer nenhum princípio moral e/ou ético o proíbem e/ou o poderiam
impedir; 2) mesmo aqueles que «não se dedicam aos problemas da ética e/ou
moral» e «jogam na Bolsa» poderão estar a operar, no tempo e no espaço, em um
ambiente ético e/ou moral, quer queiram e/ou o afirmem, quer não o queiram e/
ou, até, o neguem: seja pelo simples facto de existirem no mundo do Direito,
seja pelo facto de agirem no contexto das regras e/ou regulamentos do mercado
e/ou seus «códigos» deontológicos, no tempo e no espaço. Por muito mínimas que
sejam essas mesmas «regras».[35] Mesmo o «capitalismo selvagem», quiçá
«globalístico»,[36] está submetido a um certo número de regras: nem que sejam
as «“normas” dos mais fortes»: «a leoa predadora segue certos passos de caça
para capturar a gazela».[37] O «estádio seguinte», a guerra, já se caracteriza
por uma ausência ainda maior de regras e de ética e/ou moral. Mas mesmo aqui,
no contexto da guerra e/ou do «terrorismo», existem «regras» e/ou, pelo menos,
pretensas «éticas e/ou morais» mais ou menos «finalistas». Pense-se, v.g., na
regra da rendição e da «bandeira branca» e/ou da troca de prisioneiros. A
genética, como a própria palavra indica, pode ser vista como uma «ética». Como
se sabe, Valentim Landmann[38] afirma algo de muito curioso quando diz que o
Direito se mistura com o crime e que o crime - assim que é rejeitado pelo
Direito - cria «Direito» «dentro de» si (!). Ainda que seja, por vezes, a
«ética e/ou moral» do caos, o caos não é um fim em si mesmo. Pois a própria
morte, ainda que por meio do eventual suicídio, constitui, quer se queira quer
não, a passagem para um novo estádio. Ora, o Direito penal deve contribuir para
vencer o caos no mundo.[39] Deve o Direito penal colocar fim à arbitrariedade
das pessoas por meio de uma limitação apropriada e/ou adequada da sua
liberdade. Mas isto somente pode, porventura, ser realizado de uma forma
compatível com o estado da cultura do povo e com os direitos dos indivíduos.
Como afirma Jorge De Figueiredo Dias, o Direito penal não tem uma função de
tutelar a virtude ou a moral. Estaríamos, afinal, perante o «pluralismo ético-
social das sociedades contemporâneas». A perspectiva racional traduz-se, de
facto, na função de tutela subsidiária de bens jurídicos dotados de dignidade
penal, i.e., bens jurídico-penais.[40] Pluralismo ético-social, sublinhe-se!
Ora, como já se viu, determinadas funções supra-individuais dos mercados de
valores mobiliários possibilitam autonomizar uma determinada função «ético-
social» dos mercados, como contribuição para o bem comum, no que concerne às
funções económicas particulares.[41] Designadamente, como também vimos, quando
se estivesse a falar, portanto, em «capacidade funcional do mercado de
capitais» estaríamos então, igualmente, a articular a ideia da sua própria
(confiança na) capacidade de defender essa função social.[42] E a nossa
perspectiva defende que existem bens jurídico-penais colectivos e/ou complexos,
com uma ressonância constitucional bem delimitada, que são tutelados pelo
Direito penal do mercado de valores mobiliários. Logo, também está em causa, em
esta área do Direito do mercado de valores mobiliários, a tutela de bens
jurídicos supra-individuais e/ou colectivos nos quais também co-habitam, pelo
menos - como podem não co-habitar! -, funcionalidades «ético-sociais». Quando o
Direito penal não puder garantir mais a ordem e a segurança, surgirá o risco de
os cidadãos tomarem conta - sem qualquer «fundamento científico»: o que seria
típico de um «Estado de não Direito» -, da justiça, de modo que os mais fortes
acabarão por se impor aos mais débeis, sem mais.[43] A tutela de bens jurídicos
individuais e/ou colectivos, do ponto de vista jurídico-penal, permite evitar,
se for encarada com rigor e ambivalência, esse perigo. No enquadramento
jurídico anglo-americano do Harm Principle e/ou «Princípio do dano» - que
«corresponderá» no Direito alemão, mutatis mutandis, ao bem jurídico -, o
«dano» poderá ser explicado como uma conduta que despreze um «interesse». E o
«interesse» poderá ser entendido como um «recurso» e/ou «capacidade» e/ou
«meio» e/ou «bem, expediente» sobre cuja integridade tem a pessoa respectiva
envolvida uma pretensão, i.e., uma Anspruch (reivindicação e/ou direito). Ora,
para confirmarmos se uma «capacidade» e/ou «meio» pertencem a determinada
pessoa e quais são as condições sob as quais existe um desprezo de esse «bem»
e/ou «recurso», existiriam vários caminhos a tomar. O trilho do «ordenamento
jurídico primário» como, v.g., o «Direito civil» e/ou os próprios pressupostos
éticos.[44] Finalmente, a existência dos chamados «fundos éticos» demonstra que
a ética - e/ou moral - pode «jogar» bem (como pode não «jogar» bem, aqui e ali
e em cada caso e/ou momento concretos), e até já «joga», de certo modo, como
estamos a ver, com as leis do mercado.
1.3 – A chamada «protecção penal de valores» e/ou o «moralismo»
Gerhard Seher[45] refere, «entre outros raciocínios», que as «chamadas normas
moralistas» se fundariam no facto de não fazerem uma remissão para uma relação
de «autor-vítima». Não existiria sanção devido à lesão de uma pessoa, mas para
proteger os valores em si mesmos. Seria, pois, debaixo da «batuta moralista»
que se poderia(m) distinguir diversos critérios de legitimação. Ora, seria essa
protecção de valores de acção que uniria esses diversos critérios. É aqui,
pois, que fala, entre outras ideias, do «princípio da exploração» e/ou «do
aproveitamento», i.e. «Ausnutzungsprinzip». Seria em «este ensejo» que se
desencadearia a ideia de que ninguém poderia obter vantagens sobre uma situação
de necessidade alheia. Ou sob o aproveitamento de uma deficiência organizativa
do sistema social. A proibição, v.g., de realizar negócios com informação
privilegiada e/ou «abuso de informação privilegiada» e/ou insider trading
«conduziria, com precisão, a essa ideia». O mesmo aconteceria em relação a
outras normas jurídicas sancionatórias que se baseariam na «chantagem» e/ou em
certas «coacções». O que não podemos desde logo afirmar e/ou concluir, com
certeza, na nossa opinião, é que por estarmos afinal perante «normas com a tal
origem identificada como “moralista”», deixaríamos, pura e simplesmente, de
sancionar comportamentos que, v.g., exploram e/ou se aproveitam das debilidades
organizativas do sistema social. Se a origem da tutela do Estado de Direito -
Social, democrático, livre e verdadeiro - desfrutar de uma qualquer
reminiscência «moral» e/ou ética, pois que assim seja: tutelemos de modo
universal, então, e levemos a sério tal tarefa em termos práticos, no seio do
Estado de Direito Social, democrático, livre e verdadeiro. Se o próprio
capitalismo conduz parte da subsistência do Estado de Direito Social a, v.g.,
uma série de fundos de investimento e/ou acções, porque razão não se haveria (o
que seria contra a Constituição constitucional) de tutelar a confiança no
funcionamento, o mais possível eficiente, dos MVM e/ou outros instrumentos
financeiros, os quais, por conseguinte, têm uma função social eminente? Lugar
onde, como a Constituição constitucional manda, o poder político dirige, ou tem
que dirigir, o poder económico e não o contrário (a organização económico-
social assenta no princípio fundamental da «Subordinação do poder económico ao
poder político democrático»: cfr. art. 80.º da Constituição da República
Portuguesa), sob pena do universo continuar, na «crista da onda» e/ou do
«rebentamento da bolha», a ser regido pelo Polemos, i.e., para o filósofo
Heráclito, a «Lei que rege o Universo»: a guerra, em grego. «Polemos reina o
mundo, Polemos criou o mundo»! A guerra como característica natural dos
alicerces do velho sistema comercial e/ou, depois, económico e capitalista.
Seja a guerra pela água, seja a guerra pelo petróleo ou gás, seja a guerra por
muitos outros recursos humanos ou naturais como os próprios alimentos! Seja a
guerra entre, por um lado, especuladores – dos valores mobiliários, dos
produtos petrolíferos ou até dos alimentos mais básicos ou bens essenciais! -
e/ou, por outro lado, investidores não especuladores, nos mercados de valores
mobiliários e/ou bolsas.
2 – Ética nos mercados de valores mobiliários e capitalismo
Quando se fala aqui de ética estaríamos a nos referir aos próprios Seres
Humanos e à sua consciência e não, como urge ser óbvio, aos mercados em si
mesmos. A ética e/ou moral do mercado seria, pois, o resultado da ética e/ou
moral dos seus sujeitos.[46] Não é por obra do acaso que a doutrina anglo-
americana problematiza sobre a «prevenção de integração» como modalidade da
«prevenção geral positiva» identificando-a como a Moral-Educational-Effect of
the Criminal Law, i.e., o «Efeito-Educacional-Moral do Direito penal» e/ou do
«Direito Criminal».[47] Cremos, contudo, que, no contexto da doutrina europeia
continental, já se faz, e se deve fazer, sem confundir, uma separação clara
entre prevenção geral positiva e prevenção especial positiva. Como menciona
João Paulo II:[48] «A empresa não pode ser considerada apenas como uma
“sociedade de capitais”; é simultaneamente uma “sociedade de pessoas”, da qual
fazem parte, de modo diverso e com específicas responsabilidades, quer aqueles
que fornecem o capital necessário para a sua actividade, quer aqueles que
colaboram com o seu trabalho. Para conseguir este fim, é ainda necessário um
grande movimento associado dos trabalhadores, cujo objectivo é a libertação e a
promoção integral da pessoa.». À primeira vista diríamos que «o Homem é
imperfeito e o mercado é perfeito». Contudo, o Homem seria tendencialmente
«perfeito» e os mercados, como aliás vemos em vários locais de este trabalho,
seriam afinal (muito) «imperfeitos»: desde logo se detecta, v.g., a existência
de «informação assimétrica».[49] E de «exuberância irracional». O «ideal e/ou a
utopia» deveria ser que, tanto o Homem como o mercado, caminhem no seu inerente
desenvolvimento para a «perfeição» e/ou para uma «perfeição cada vez mais
elevada». Essa «(im)perfeição» não existe - contudo e na nossa opinião - em
termos absolutos. Subsistiria uma ética que a consciência postula para além da
«lei positiva»? Seria suficiente que o empresário dos mercados de valores
mobiliários cumprisse a legislação e optimizasse o seu lucro e/ou minimizasse
as suas perdas? Ao empresário caberá sempre defender os interesses dos
respectivos accionistas mesmo contra determinados requisitos éticos? Desde um
certo período histórico pareceria evidente, sem embargo, que a empresa não
deveria somente maximizar a criação de valor para os respectivos accionistas,
mas sim para todos os agentes sociais. Estariam em causa outros interessados na
e da empresa: as administrações públicas, os empregados, os provedores, os
cidadãos, o próprio meio ambiente (ecologia da natureza e/ou ecologia humana e/
ou ecologia social)[50] e os seus beneficiários, as organizações
(inter)nacionais governamentais e não-governamentais, entre muitos outros
vectores. Não é admissível, v.g., que certa mão de obra opere sequer -
porventura mão de obra infantil em alguns casos que são visíveis, com
sistematicidade, nos órgãos de comunicação social - ou opere em condições
consideradas como inaceitáveis do ponto de vista humano, ainda que as leis de
um determinado país permitam tal actuação. Diz-nos João Paulo II o seguinte:
[51] «Todavia o lucro não é o único indicador das condições da empresa. Pode
acontecer que a contabilidade esteja em ordem e simultaneamente os homens, que
constituem o património mais precioso da empresa, sejam humilhados e ofendidos
na sua dignidade.». Em um mundo globalizado, as actuações éticas podem
possibilitar, pois, o alcançar de interesses mais amplos na/e da sociedade do
que aqueles interesses que, inclusive, surgem ou surjam plasmados no «Direito
positivo».[52] Existiriam mesmo uma série de condutas nos mercados de valores
mobiliários que se apresentariam como destituídas de ética.[53] Quanto à
intervenção nos MVM verificar-se-ia, como fomos vendo, uma «actividade directa
e atentatória contra a livre formação dos preços». Sucederia, também, uma
intervenção alheia à margem do MVM que teria fortes influências: a) fraude
fiscal, burla, apropriação indevida, falsificação documental, entre outros
factores; b) operações fraudulentas e/ou com «ânimo de enriquecimento próprio»
– profissionais, ou não, e à custa de investidores incautos nos mercados de
valores mobiliários – executadas «por fora» dos próprios mercados de valores
mobiliários mas através do sistema financeiro, com relação ou por referência a
operações principais de mercado; c) utilização de quaisquer actividades de
alteração contabilística e/ou «maquilhagem» financeira e/ou patrimonial das
empresas cotadas e/ou de investimento: imagem que seria determinante para a
racionalização das decisões de (des)investimento nos mercados de valores
mobiliários; d) as «operações societárias» e/ou de corporate finance–
habitualmente em «intragrupo» - propensas a obter uma posição de domínio no
mercado e/ou de controlo corporativo e/ou de imagem de competência e/ou
publicitária e que são favoráveis à manipulação eventual dos preços no MVM ou
para sustentação legal em face da administração supervisora de posições
patrimoniais e/ou situações financeiras adversas. Investiguemos, porém, em
outros locais. No contexto da teoria do bem jurídico, não é fácil explicar qual
a razão da criminalização, v.g., de certos «delitos de conduta», i.e.,
Verhaltensdelikte. Invoque-se, designadamente, a «profanação de cadáver» e/ou
de «lugar fúnebre» e/ou de «uma qualquer» «protecção da paz dos defuntos». Não
se contesta que existem certos deveres éticos entre os vivos que «residem em
tratar com dignidade os “seus remanescentes” uma vez falecidos». E isto, mesmo
que se coloque em causa porque é que há-de ser este um assunto do Estado e/ou
merecedor de ser tratado pelo Direito penal.[54] Estariam, afinal, em causa
«sentimentos de “piedade”» e um «sentimento moral colectivo».[55] O mercado -
e/ou a economia de mercado – encerra também, contudo e como já vimos, uma série
de contradições em si mesmo. E, em última instância, tratar-se-ia da
assistência a uma «tragédia cómica»: o Estado de classes seria legitimado pela
garantia da liberdade, a qual - sobretudo depois do 11 de Setembro de 2001 - é,
«mesmo a propósito», a próxima vítima.[56] Se já não foi – foi mesmo! -, v.g.,
no caso da célebre prisão da baía de Guantánamo, e/ou em outras prisões
«ilegais», «ainda piores», espalhadas por esse mundo afora, e nas quais, em
certos casos, se torturou contra os mais elementares Direitos Humanos e as
«Convenções de Genebra». Os Estados de Direito, sociais, democráticos, livres e
verdadeiros – dignos de esse nome -, têm que defender não só as pessoas, como
também os Princípios constitucionais constitucionais, mesmo perante
sanguinários terroristas! Ou quando soldados norte-americanos, de «ar pacato e
afável», tipo modelo de anúncio de hambúrguer ou de refrigerante açucarado,
torturaram até à morte no Afeganistão e no Iraque, pessoas que tinham sido
presas… por engano ou por má indicação, e/ou informação para desviar as
atenções, e que, por conseguinte, estavam, inclusive, totalmente inocentes,
como depois foi reconhecido pelos próprios, entretanto «julgados»![57] Mas os
Estados de Direito, sociais, democráticos, livres e verdadeiros, têm que
defender não só as pessoas, como também os Princípios constitucionais
constitucionais!
2.1 – Possíveis perigos do problema da ética económico-financeira
De um certo ponto de vista, as questões de abuso de mercado passaram a ser,
pois, um problema de ética económica e de mercado. Ora, é aqui que as
exigências do público surgem com um papel central na adopção, v.g., da
proibição germânica, não só do abuso de informação e/ou insider trading, mas
também da manipulação do mercado.[58] Não só a vox populi, como o próprio
mundo, esperavam, então, que a Alemanha – centro financeiro com ambições
internacionais – dispusesse de proibições em termos de abuso de mercado e,
também, com uma supervisão estatal. Já que esse seria um indicador de que
estaríamos perante um mercado financeiro seguro. E corresponderia isso, de modo
notório, às expectativas do público investidor e à sua ideia geral de «jogo
justo» e/ou fair-play.[59] Ora, isto pode ser perigoso para o Estado de Direito
Social, democrático, livre e verdadeiro. O público viu o cardápio, quis e
exigiu, de entre o menu, a proibição de certas práticas de abuso de mercado. O
legislador, um tanto ou quanto «paternalista» e, em especial, populista, fez a
vontade à «criança». O problema é que «efficit ignavos patris indulgentis
natos».[60] Se isto realmente aconteceu de esta forma, o legislador ter-se-ia
degenerado em uma entidade executora de grupos de interesse e de movimentos
«gerais» de entre a sociedade.[61] As consequências seriam, pois, assustadoras.
O legislador decretaria, a fim de satisfazer do modo mais rápido possível as
expectativas por parte da sociedade, leis – no geral muito vagas – para criar
um «mecanismo de compensação» social. Mas, quais seriam afinal os «rigorosos
critérios jurídico-científicos» utilizados para se saber quando essas
expectativas existem? Ainda que a sociedade exigisse ao legislador pontos de
referência e de orientação rígidos em todas as áreas da vida, este desejo não
se poderia materializar na legislação sem uma análise e uma reflexão
consistentes das consequências porventura resultantes. Pense-se logo, v.g., no
Direito constitucional. Acontece que o Direito penal não é nem pode ser uma
panaceia e/ou medida higiénica para fenómenos sociais e populares indesejados.
Pelo que, nas ciências jurídicas e, rectius, no Direito penal, não se poderia e
não se pode dar um seguimento ao desejo supramencionado de forma automática,
ide est, à la carte! V.g.: quando se cometem cada vez mais infracções e/ou
crimes económicos, a solução do problema não se encontra, apenas e somente, em
descrever estes «delitos» quanto ao tipo legal e de os punir cada vez mais,
porque assim, quanto muito, trata-se os sintomas, mas não se afastam os
motivos, as causas. Podemos pré-concluir até aqui, pois, que nem tudo são rosas
no mundo da ética. E que ética?
2.2 – Os fundos éticos nos mercados de valores mobiliários
Continuemos a tentar encontrar, pois, aqui e ali, ao nível enunciativo, éticas
concretas, reais e definidas no espaço e no tempo. Os fundos éticos são apenas
uma das espécies de fundos.[62] Refere João Paulo II, mutatis mutandis, o
seguinte:[63] «Mas aludo também ao facto de que a opção de investir num lugar
em vez de outro, neste sector produtivo e não naquele, é sempre uma escolha
moral e cultural.». Porque não, v.g., a criação de um fundo ético na Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa ligado à defesa e conservação da língua
portuguesa, e/ou à pobreza dos falantes de esta língua, que seja formado por
empresas de língua portuguesa? À questão dos fundos éticos não é alheio um
especial interesse dos órgãos administradores e/ou reguladores das bolsas nos
investimentos que se apresentam como «responsáveis do ponto de vista social».
[64] O índice bolsista Footsie for Good – até como o próprio nome indica: i.e.,
o Footsie «para o bem» e/ou «o bom» e/ou «o benéfico» - surge, sobretudo, com
objectivos que se pretendem assumir como éticos. No respectivo sítio virtual da
inter-rede ficamos a saber, inclusive, que: «Todas as rendas de licença da
Série de índice FTSE4Good são doadas à UNICEF».[65] Este índice exclui empresas
com «efeitos sociais negativos» como as «armas, a energia nuclear e/ou o
tabaco», entre outros exemplos. E, depois de estudar com pormenor cada uma das
«empresas candidatas», procura incluir «as que se orientam por critérios de
acordo com os Direitos Humanos, aspectos sociais e ecológicos». Já antes
fizemos, aliás, uma referência ao fundo ético denominado «FTSE4Good
Environmental Leaders Europe 40 Index».[66] Segundo a própria instituição, este
índice foi criado para ser usado como base de produtos de investimento
institucional e de retalho para investidores que procuram o seguinte nas
organizações respectivas: «investimento em empresas europeias que demonstrem as
melhores práticas em gestão ambiental; minimização dos riscos ambientais de
entre os seus departamentos e/ou «pastas»; compreensão da melhor capitalização
dos benefícios de uma administração ambiental forte: eficiência ecológica e
imagem melhorada de marca; e/ou encorajamento activo para que as empresas sejam
mais responsáveis». Em um período mais recente ficamos a saber que foi
introduzido um «novo juízo ético»: o «critério de contribuição de cada empresa
para minorar os efeitos nefastos nas mudanças climáticas mundiais». Já a lista
dos índices «FTSE4Good Index Series» dá maior importância à «transparência da
gestão nas empresas» em causa e à «criação de produtos socialmente responsáveis
de investimento». Este índice pode ser utilizado de quatro formas: a)
«Investimento»: como «base para financiamento de produtos e instrumentos
financeiros socialmente responsáveis»; b) «Pesquisa»: como «ferramenta de
pesquisa para identificar companhias socialmente responsáveis»; c)
«Referência»: como instrumento de referência que proporciona querer aspirar e
superar um padrão corporativo global transparente e de desenvolvimento da
responsabilidade nas empresas; d) «Marcando o nível»: como «índice da “marca de
nível” e/ou “teste padrão” para seguir o desempenho de «portfólios» de
investimentos que são «responsáveis do ponto de vista social». Porque não criar
também índices de fundos éticos formados por empresas que combatem, com medidas
concretas e precisas, o desemprego?[67] Porque não criar índices de fundos
éticos formados por empresas que combatem a pobreza? Porque não criar índices
de fundos éticos formados por empresas que fomentam a paz entre os Povos e/ou
Países? Porque não criar fundos éticos formados por empresas que promovem a
qualidade de vida de crianças e jovens em risco? Os exemplos a dar podem ser
infindáveis. A formação dos investidores desempenhará sempre, contudo, um papel
crucial. Existem já, de facto, uma série de critérios para abordagem dos
índices conexionados com «questões éticas», entre outros, como v.g.:[68] a)
FTSE4Good Factsheet (critérios de responsabilidade social e afins); b)
FTSE4Good Inclusion Criteria (critérios de inclusão e afins); c) FTSE4Good
Uranium Mining Criteria (critérios de minimização do uso de urânio e afins); d)
FTSE4Good Countering Bribery Criteria (critérios de oposição ao suborno e/ou
corrupção); e) FTSE4Good Climate Change (critérios de oposição às mudanças
climáticas mundiais e /ou locais). Os índices éticos dão grande relevo aos
Direitos Humanos universais. Outro índice com grande êxito é, v.g., o FTSE4Good
Japan. É claro que tudo isto, no meio de um certo sistema económico capitalista
vigente global que evita reformas estruturantes de fundo, pode soar, aqui e
ali, um pouco como a «ética do cinismo» ou o «cinismo da ética», uma vez que
tudo seria, afinal, «publicidade enganosa»! Não fazer nada, nem nada tentar,
seria, contudo, o auge, isso sim, do cinismo económico, em violação, aliás, do
«cinismo» greco-filosófico, e perspicaz, de Antístenes e/ou Diógenes.
2.3 – Códigos de conduta interna e/ou deontológica, transparência e/ou o papel
dos investidores como instrumentos éticos nos mercados de valores mobiliários
Os códigos internos de certas organizações empresariais e/ou os códigos
deontológicos de determinadas profissões impedem que os horizontes das pessoas
envolvidas sejam apenas aqueles que estão plasmados na «legislação positiva».
Um dos exemplos mais relevantes é o «Código Ético dos Analistas de Investimento
do Merrill Lynch». Este código «procura» (pelo menos nas intenções) «colmatar
os desvios nos bancos e empresas nos seus objectivos sociais». «Sem esquecer,
porém, os interesses da indústria de valores».[69] E tem três níveis: a)
genérico; b) profissional frente à profissão; c) frente ao empregador. Em
relação à transparência podemos ter em consideração diversos factores: a
publicidade dos actos e/ou informações relevantes das empresas e/ou dos seus
empresários; as auditorias e supervisões internas das empresas constantes dos
«Códigos de bom governo» mas não, em vários aspectos, do Direito das
Sociedades; e o auto-controlo empresarial, entre outros factores; desde que se
verifique a hipótese de coadjuvação sancionatória e, em ultima ratio, penal.
Enfim, o valor da reputação em si mesma da organização empresarial em causa
surge como uma peça importante no fomento do comportamento ético. O papel dos
investidores surge como ponto fulcral. O investidor ético pode ser aquele que
retira os seus investimentos das chamadas «empresas e/ou multinacionais
opressoras»: é uma forma de «rebelião» eficaz. O «investidor socialmente
responsável» não investe, v.g., em empresas que atacam os Direitos Humanos, os
menores ou os idosos, o ambiente, o desenvolvimento sustentado, os animais, a
natalidade e/ou maternidade e/ou paternidade entre outros. Deveria porventura
existir «formação ética, em causas e ideias, dos investidores». A opinião
pública - como «“Príncipe” da Humanidade», nas palavras de Abbé Pierre -
poderia decidir quais as empresas que merecem investimento. E estas poderiam
acabar por se democratizar no seu seio. O termo «deontológico» é, por vezes,
mesmo utilizado com o intuito de identificar o carácter ético da conduta no
mercado.[70] Não será correcto, do ponto de vista deontológico, v.g.,
recomendar assumir certos riscos e ignorar o «binómio óptimo» entre
rentabilidade e risco dos eventuais clientes.[71] Todo o profissional, das
instituições e/ou mercados financeiros, deve dar uma estimativa em relação aos
objectivos e experiência de cada cliente quanto à sua relação individual entre
a avidez do rendimento e a aversão - e/ou alternativas e/ou capacidade de
choque - face às potenciais perdas, antes de produzir quaisquer recomendações.
Não é aceitável - em uma perspectiva deontológica, mas que também acaba por ter
fortes consequências económicas e sociais – recomendar créditos e/ou publicitar
financiamentos, inclusive, com formas agressivas de publicidade, a rasar a
(i)legalidade e/ou (in)eticidade, em determinadas alturas que podem ser
localizadas no tempo e no espaço com «suficiente ciência». V.g. os picos
bolsistas e/ou as épocas em que a taxa de juros, para usufruir de crédito, está
muito baixa, sendo que, a seguir, só pode subir e subir muito. O que, por si
só, deveria justificar a emissão de alertas específicos, pelo Estado e/ou as
suas intituições mas também pelos privados e/ou particulares, dirigidos aos
investidores.[72] Mas, como diz João Paulo II, «Não se pode pretender que as
dívidas contraídas sejam pagas com sacrifícios insuportáveis.».[73] Quando, por
conseguinte, e de modo simultâneo, se está também perante clientes com
manifestas dificuldades financeiras, ludopatas do «jogo» e/ou, em termos
econométricos e económico-científicos, perto, portanto, do rebentamento de
«bolhas artificiais», quer nos mercados de valores mobiliários, quer nos
mercados imobiliários. A «analogia ética e/ou deontológica» deveria, aliás, ser
aplicada em todas as situações similares à anterior pelos respectivos
responsáveis.
2.4 – Ética e mercados de valores mobiliários: mais alguns possíveis
desenvolvimentos pré-conclusivos
Como já vimos, existem sempre perigos associados a uma ética económico-
financeira instantânea que se traduza apenas em um produto de escolha de
conteúdos por uma qualquer vox populi representativa de um mero consumo
massificado e compulsivo «da moda». Onde o Povo, do qual todos fazemos parte,
afinal, tal e qual como outrora no circo romano – imbuído de uma «inteligência
de multidão “em rebanho”» -, clama sempre, ou quase sempre, «por mais sangue!».
Acontece que as leis podem ser ineficazes em alto grau e o «derrame de sangue»
desproporcionado e/ou destituído de fundamentação jurídico-científica,
afectando mesmo inocentes. Assim, as leis de este género, que não permitiriam
resolver as respectivas questões jurídicas, não cumpririam o seu objectivo. Mas
iriam transferi-lo para os aplicadores da lei, i.e., os juízes, e exigiriam de
esses mesmos magistrados uma fundamentação através das suas próprias avaliações
– que correriam também o perigo, de per se, de se revelar(em) arbitrárias por
natureza – e não por meio de leis que seriam, igualmente, indefinidas.[74] Os
magistrados ficariam, pois, cercados no momento da aplicação da lei e na busca
de fundamentação. Não obstante, de este modo deixaria de ser possível encontrar
um vínculo e/ou uma limitação do poder judicial ao Direito estabelecido pelo
poder legislativo, pois o Direito e a sua concretização passariam a ser
efectuados pelo poder judicial. A consequência poderia ser desastrosa: a
soberania da lei, que «cria e/ou justifica a liberdade», já não poderia ser
concretizada, porque as leis indefinidas no seu conteúdo impossibilitariam um
prognóstico da reacção estatal em relação a um acto deliberado e, por
conseguinte, deixariam os indivíduos inseguros em relação à legitimidade das
suas acções. Permaneceria, pois, pelo menos, uma questão: até que ponto a lei
seria capaz de atingir os objectivos ambicionados de «protecção» de uma certa
«capacidade de funcionamento das bolsas de valores», v.g., não apenas alemãs,
mas de outros ordenamentos jurídicos continentais europeus, como também o
«aumento da protecção do investidor» através da protecção preventiva e da
consequente perseguição de delitos de abuso de mercado. Tentar dar uma resposta
inequívoca corresponderia a fazer especulação. «Na verdade, existiriam
tendências evidentes que demonstrariam que a perseguição de crimes e/ou delitos
económicos não seria comparável ao tratamento dos restantes delitos e/ou crimes
penais».[75] Tanto o estatuto socioeconómico do criminoso por crime de abuso de
mercado, como também o crime e/ou delito em si, no qual o prejuízo e/ou lesado
são raramente identificáveis, conduziriam a que o comportamento fosse
geralmente considerado como «imoral», mas «nunca como criminoso». Não se pode
esquecer, sem embargo de tudo o que foi dito, que o Direito objectivo se revela
sempre de uma aberta indeterminação (maior ou menor, dizemos nós) na sua
regulativa validade normativa, «que só decisório-judicativamente em concreto se
vai normativamente determinando – isto é, constituindo.».[76] E ainda, contudo:
por um lado, a ética melhoraria a «eficiência».[77] Por outro lado, o impulso
ético – que não apenas nos chamados «mercados emergentes»: na nossa opinião -
deveria provir (também) do sector público constituindo (igualmente) uma
responsabilidade da classe política. É inadmissível, v.g., aquilo que se
assiste em algumas OPV e/ou (re)privatizações, por esse mundo afora, nas quais
o próprio Estado - e/ou Governo - está envolvido, como «autor e/ou cúmplice»,
fazendo aquilo que poderia ser considerado, em alguns casos, como «publicidade
enganosa» junto do público (sempre em renovação a nível geracional), em grande
parte, incauto. É que, por vezes, o investidor não está consciente do
desfasamento entre o ciclo bolsista e o ciclo económico.[78] Assim como da
intensidade dos efeitos negativos que poderão cair sobre o seu património
devido ao desconhecimento do momento cíclico no qual é concretizado o
investimento. Instante cíclico este sobejamente (re)conhecido pelos
profissionais da praça. Conclusão que sobressai do facto da sua acção
publicitária se tornar desde logo frenética aquando das emissões nos processos
de colocação de acções. Procedimentos os quais se apresentam, muitas e muitas
vezes – «com grande oportunismo» –, como coincidentes com a decadência do ciclo
bolsista. V.g., algures em Julho de 2007 – alguns dias dos quais de chuva e
frio em Portugal e com uma camada de ozono de retalhos (!) -, estávamos em
face de um pico bolsista: os índices apresentavam em quase todas as praças
bolsistas do mundo valores muito similares aos de 2000, assim que tinha
rebentado a última grande bolha.[79] Ora, a «coincidente» belicosidade na
publicidade de venda de produtos financeiros com aplicações bolsistas e/ou de
OPV e/ou de OPA surgia e surge, em todos os OCS e locais de anúncio, com
extrema agressividade e ainda com mais amplitude. O objectivo era e é atrair
mais investidores ainda sem os avisar do risco que é investir durante um zénite
bolsista. «Um pico que pode picar!». O que depois, como se sabe, veio de novo a
acontecer.[80] Parece, pois, que não basta cumprir o Direito positivo. Sobra
ainda espaço para a deontologia e/ou ética profissionais. Em este contexto
surgiria como essencial a correcção dos eventuais défices democráticos e/ou a
prevenção dos fenómenos de «corrupção» que não apenas, na nossa opinião, nos
chamados «mercados emergentes». Mesmo onde se julga estar já bem implantado o
processo democrático, não seria aliás despiciendo aplicar, no seio de um Estado
de Direito, um sistema de democracia – ainda mais - participativa. Não só na
promessa eleitoral, mas também no cumprimento efectivo dos programas
apresentados. A sistemática mentira política contribui para o minar da própria
democracia. As finanças poderiam ser, afinal, um instrumento activo, em grande
e concreta escala, que serviria a cooperação e o desenvolvimento (das pessoas
e) dos (países) mais desfavorecidos.[81] Não só os «agentes sociais», como os
«colaboradores» das empresas e das Universidades que conheceriam os mecanismos
de desenvolvimento do mercado e as suas potencialidades para o desenvolvimento,
deveriam ser aptos, pois, a congregar conhecimentos técnicos e dotes de
sensibilidade social. Seriam colocados, por conseguinte, ao alcance de todos,
os mesmos instrumentos dos quais, em este último caso, já se socorreriam, até
aqui, os beneficiários habituais do sistema financeiro. Rectius, em esta última
situação, os «beneficiários habituais» são aqueles que protagonizam uma certa
visão selvática do sistema económico capitalista respectivo. Afinal a Economia
seria – e é!!! - uma ciência social. Boaventura Sousa Santos que o diga quando
ajudou a fundar a Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e, em
particular, a Licenciatura em Sociologia. Mas, na medida em que este fim se vai
desvanecendo – a expressão «finanças sociais» começaria a surgir como
contraditória. Em um mundo onde morrem milhões e milhões e milhões de pessoas
de fome, e/ou de escassez, dolosa e/ou negligente em elevado grau,[82] a
abstracção da Economia deixaria de ter sentido. Não se poderia confundir
«desenvolvimento» com «crescimento económico». Não se poderia pretender aplicar
modelos externos que, por via globalizante, fariam esquecer as particularidades
económicas, sociais, políticas, culturais, mentais e/ou históricas e
psicológicas de um certo e característico Povo. A globalização surgiria como um
processo de ideias que poderiam ser capitalizadas por uns e/ou por outros. O
perigo estaria aí: globalizar os Direitos e os Deveres fundamentais Humanos é
óptimo; globalizar o capitalismo selvagem é péssimo e conduz à autodestruição.
Seria para já, no entanto, dizemos nós, a «globalíssima» «trindade» da
«liberalização, desregulamentação e privatizações» - J. Estefanía e A. P. Ureña
[83] -, onde o «deus» («menor») seria o «dinheiro e/ou a facturação per se» que
surgiria, agora, a tomar a dianteira de um modo selvático e insocial. Os países
mais ricos do mundo já teriam percebido que a massificação da emigração em sua
direcção significaria que, pelo menos, as suas, mais ou menos, «volumosas
dádivas» não chegariam para evitar a aposta no desenvolvimento integral dos
povos e/ou países mais pobres, onde, por vezes, os fundos também são desviados
para os mais abastados. Sendo a Economia uma ciência social, não seria de
somenos importância fazer uma distinção entre finanças sociais (rectius
redistribuição dos recursos económicos) e finanças especulativas (rectius
riqueza monetária, financeira e/ou «virtual»). Se as finanças fossem utilizadas
com fins de cooperação e desenvolvimento seria possível criar uma determinada
espécie de ética empresarial. As finanças sociais buscariam o bem estar social
global utilizando os instrumentos financeiros já existentes. Mas com fins bem
distintos. Existiriam muitas formas de objectivar o bem estar real dos outros.
Assim, a sua totalidade e/ou muitas, de entre essas feições, poderiam ser úteis
segundo o seu particular modo de actuação. De que configuração um certo sistema
económico poderia ser (ainda mais) útil aos «outros»? Estas finanças sociais
utilizariam, pois, armas similares aos sistemas financeiros capitalistas, mas
com objectivos bem diferentes. O tecnicismo deveria dar lugar, por conseguinte,
ao humanismo, por forma a que as finanças, doravante sociais em termos práticos
- na teoria, a Economia é uma Ciência Social: repete-se! -, passariam a
incorporar, por «direito próprio», características sociológicas, filosóficas e/
ou éticas. Rectius a reconstrução de uma busca da dimensão humana perdida. A
ideia de criação de uma «figura informativa imparcial» que visasse a defesa do
investidor não poderia ser descartada. Este defensor do investidor – a par,
também, de, v.g., em outro campo jurídico, de um defensor do contribuinte[84]:
os impostos contribuem igualmente para a regulação e/ou funcionamento, não
apenas seguro, dos MVM - deveria estar encarregue, entre outras coisas, de
transmitir ao mercado advertências cíclicas bolsistas e/ou económicas de modo a
orientar o «investidor médio».[85] E porque não, v.g., um código de defesa do
investidor e um código de defesa do contribuinte?[86] Não será isso, contudo,
um perigo para uma minoria financeira altamente privilegiada em termos
monetaristas? Interessará isto ao puro sistema económico capitalista? Não
cremos. Pois, quanto mais universal for a riqueza dos bens, tanto melhor para
todos no mundo local e mundial e/ou global. Esta medida anterior poderia ser
implantada em paralelo com o estabelecimento de centros supranacionais de
informação sobre esses mesmos ciclos por meio, v.g., de organizações
internacionais como a Organização Internacional das Comissões de Valores
Mobiliários. Organização esta que passaria a ser uma espécie de «Nações Unidas
das Finanças». Instituições como o Fundo Monetário Internacional e/ou o Banco
Mundial deveriam dispor, v.g., de seguros mundiais para cobrir os eventuais
danos das catástrofes ocorridas em países e/ou locais onde fosse impossível
existir um qualquer seguro pertencente a um cariz mais típico do «capitalismo
reinante». Seria na confiança do público no bom funcionamento dos MVM que se
fundaria a «moderna economia financeira».[87] Afirmar-se-ia que se a «moral
social» se relaxa, a «moral económica» se reforçaria. Existiria, pois, um
retorno à moral e à ética do mercado. Concordando, em qualquer caso e afinal,
por pura inevitabilidade, que a Economia é uma ciência social. Também os fundos
de investimento conexionados com seguros pessoais e direccionados a empresas
com objectos sociais éticos, como v.g. o microcrédito, podem aqui ser úteis.
3 – Ética e mercados de valores mobiliários: o microcrédito como
desenvolvimento conclusivo
É em este contexto que o microcrédito, tão bem protagonizado como pessoas como
Muhammad Yunus – fundador do primeiro «Banco de pobres» e «prémio “Nobel” da
Economia» -, surgiria, e surge, como ponto ético fundamental do desenvolvimento
económico.[88] O microcrédito proporcionaria, e proporciona, que milhares de
milhões de pessoas por todo o mundo possam criar a sua subsistência e,
inclusive, gerar riqueza. Existem hoje cerca de 6.000.000.000 de habitantes no
planeta Terra sendo que 2.000.000.000 (dois mil milhões!) subsistem abaixo do
limiar da pobreza. Se fizermos um cálculo da existência de cerca de 500.000.000
«chefes de família», podemos constatar que, já hoje, cerca de 100.000.000 são
beneficiários de microfianciamentos. Ora, serão estes mesmos 100 milhões que,
segundo as previsões, ultrapassarão a pobreza nos próximos anos.[89] Por isso,
a banca do futuro será, de modo necessário, uma banca social. No sistema
económico capitalista puro, a atracção dos capitais não derivaria «tanto»,
afinal, de necessidades de desenvolvimento, mas mais das opiniões de
investidores e/ou vontades dos especuladores. As empresas estariam alienadas
pelos resultados imediatos: máximo retorno e mínimo risco no mais curto espaço
de tempo possível. As finanças sociais procurariam, pois, inverter esta lógica
perfunctória. No que concerne aos «mercados primários» poderiam ser realizadas,
por um lado, emissões de valores e ampliações de capital em empresas formadas
em países em desenvolvimento com capital accionista inicial autóctone. Por
outro lado, poderiam ser constituídos os supramencionados fundos (e sociedades)
éticos. No que diz respeito aos «mercados secundários» seria tida em
consideração a própria negociação do capital e de empréstimos emitidos pelas
sociedades antes referidas. Também os produtos derivados poderiam ser muito
úteis do ponto de vista social e em conexão, v.g., com certas zonas do mundo. É
bom lembrar que pessoas como o Professor M. Yunus foram durante muitos anos, e
por muitas vezes, criticadas e, até, ostracisadas pelos seus «pares» da
Economia. E isto apesar da Economia ser uma «Ciência Social». Mas, como dizia
M. Yunus, a mais perigosa das realidades é pensar que existe apenas uma
realidade! E não podemos ver os «pobres» como «meros indivíduos invejosos que
querem somente consumir o que os outros produziram»! Nada de mais absurdo e
errado! A promoção dos pobres – sejam eles pobres materiais e/ou pobres éticos,
dizemos nós – é um momento único para o crescimento moral, cultural e,
inclusive, económico da Humanidade inteira (afirma Yunus). M. Yunus ainda diz
outras coisas interessantes, com profunda ironia, como as seguintes: «pode
acontecer que os melhores cérebros do mundo voem sobre as nuvens e não percebam
a vida na terra» e/ou «o Banco Mundial devia contratar gente que perceba os
pobres e a sua vida». Seria cada vez maior o número de pessoas que se questiona
(m) sobre o que fazem afinal instituições como os bancos, as gestoras de fundos
de investimento e/ou as seguradoras, entre outras, com os recursos que lhes são
entregues? Boa pergunta! Certo, certo, parece ser a ideia de que continua a
valer a pena lutar, e/ou fazer investigação científica, por ideais. De aí se
retiraria, e se retira, a ideia da utilidade da nossa passagem por este mundo.
Tanto mais feliz, quanto menos inútil for! Como nos diz, novamente, Abbé
Pierre,[90] «O pior, o maior mal é a pessoa sentir-se inútil, supérflua na
Humanidade. Essa é a pior pobreza, sentir que se está a mais, que ninguém tem
necessidade de si. E como não se é essencial, há um fundo ao qual se vai todos
os meses estender a mão para que nos dêem de comer.». A rejeição económico-
profissional resulta como irracional e contraditória, pois já sabemos que a
Economia é uma ciência social. Parece, pois, que a (in)utilidade da pessoa
humana e a precariedade e/ou qualidade no emprego se tornaram, de certa forma,
mais do que os próprios bens e/ou o dinheiro, nas fronteiras entre um novo
poder, agora reforçado, e uma nova linha de explorados e/ou excluídos. Talvez,
por isso mesmo, se fale hoje tanto em «liberalização do despedimento» e
«flexibilização» a toda a força, mesmo sem Estado Social devidamente
implantado, mesmo sem consultar o Povo, mesmo, por vezes, com promessas
políticas pré-eleitorais de sentido claramente oposto. Quem tem o poder de
despedir passa a ter um poder acrescido de julgamento sobre a «utilidade dos
outros». É mais uma «conquista» da Razão técnico-instrumental no «seu melhor».
E quanto menos justificações tiver que invocar para exercer o despedimento
«tanto melhor». O que ajuda a perpetuar uma globalização hegemónica de um só
sentido na qual o capitalismo «sagrado» selvagem não admite ser colocado em
causa. A sua «inteligência» é única e hegemónica. Invocando até «motivos
ideológicos e/ou políticos»[91] e, portanto, «pseudo-justificações» que surgem,
inclusive, contra os mais elementares Direitos Humanos Universais consagrados
na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Carta das Nações Unidas. A
propriedade privada dirige-se à própria Pessoa Humana. Dizia já, aliás, por um
lado, João Paulo II:[92] «O maior problema, portanto, parece ser a obtenção de
um acesso equitativo ao mercado internacional, não fundado sobre o princípio
unilateral do aproveitamento dos recursos naturais, mas sobre a valorização dos
recursos humanos.». E como é que, por outro lado, é financiado o microcrédito?
A totalidade do crédito estava avaliada, em 2005, em 8.000.000.000 de dólares:
oito mil milhões de dólares (por ano!). O que representa menos de um minuto das
transacções em bolsa mundiais.[93] Tendo sempre em consideração que, em
qualquer caso, os MVM são tanto ou mais transparentes, também nos seus
respectivos dados, quanto melhor ficam explicados os movimentos cíclicos dos
mesmos. Ora, a transparência ocupa, pois, um lugar importante por meio da
«explicação dos movimentos cíclicos».[94] Dinheiro este que provém do Banco
Mundial e da UE, de doadores privados, mas também dos próprios pobres que fazem
economias para financiar o desenvolvimento das suas actividades. Sendo que «70%
dos devedores são mulheres e as mulheres são melhores pagadores do que os
homens.». M. Yunus diz que «quando uma mulher pobre pede emprestado, a sua
primeira prioridade é reembolsar o empréstimo, a segunda é tratar das crianças,
a terceira é tratar do marido e a quarta é tratar de si própria; quando um
homem pede emprestado, então, pelo contrário, as prioridades são as mesmas, mas
pela ordem inversa.»! E a taxa de reembolso é de 98%, i.e., bem maior do que
nos bancos tradicionais. É caso para também aqui invocar o humorista francês
Coluche: «os ricos pedem emprestado, enquanto os pobres reembolsam.»! Porque
não se estruturam, v.g., índices bolsistas e/ou dos mercados de valores
mobiliários cujo ponto nevrálgico constitutivo sejam as empresas - e,
nomeadamente as instituições financeiras -, que, de uma ou outra forma, mais
contribuem para a concessão e/ou desenvolvimento do microcrédito?
3.1 – Ética, Paz Social, Corrupção
Diz-nos João Paulo II o seguinte:[95] «A obrigação de ganhar o pão com o suor
do próprio rosto supõe, ao mesmo tempo, um direito. Uma sociedade onde este
direito seja sistematicamente negado, onde as medidas de política económica não
consintam aos trabalhadores alcançarem níveis satisfatórios de ocupação, não
pode conseguir nem a sua legitimação ética nem a paz social.». M. Yunus
estabelece mesmo, como já sabemos, uma relação entre pobreza e terrorismo. E a
pobreza, como se sabe, convive com a corrupção (inter)nacional. Organizações
mundiais não-governamentais como a Transparência Internacional[96] consideram
essencial uma luta também da sociedade civil contra a corrupção global.
[97] Pois a corrupção tem um poderoso impacto em todos os cidadãos do mundo. E
é preciso estimular uma mudança no mundo. As cinco prioridades mundiais da luta
contra a corrupção são para esta organização as seguintes: a) corrupção
política; b) corrupção em contratos internacionais; c) corrupção no sector
privado; d) convenções internacionais para prevenir a corrupção; e) pobreza e
desenvolvimento.
3.2 – Direito penal, ética e «Educação e/ou Formação no Ensino Superior»:
conclusões
De tudo o que fomos falando e investigando ressalta-nos uma ideia fundamental:
a importância da «Educação e/ou Formação do Ensino Superior»[98] na
«Constituição» («constitucional») de uma consciência crítica e ética. Inclusive
em termos práticos. É preciso que haja um forte investimento na
consciencialização do ilícito em obediência à Constituição (constitucional) e
ao Estado de Direito Social, democrático, livre e verdadeiro. Será um
importante contributo para a construção de uma sociedade mais honesta, de leal
concorrência e, por isso, mais justa e solidária. A Universidade e/ou o Ensino
Superior deverão ter sempre um papel fundamental que nunca se poderá confundir
com esta ou aquela lógica empresarial. Deverá haver um lugar insubstituível
para a investigação. Deverá haver também um lugar insubstituível para a
formação teórica e/ou prática. Soa ridículo, por vezes, que, v.g., a formação
dos trabalhadores nas empresas seja obrigatória, mas, de modo simultâneo, seja
monopolizada por empresas «criadas oportunamente na “hora H”» pelos próprios
grupos económicos e/ou empresariais. Por vezes, visando, também, razões
fiscais. São, pois, empresas «de entre» e/ou «da casa». Assim, a «formação
obrigatória» será, em muitos casos - com honrosas excepções! – apenas aquela
formação, aqui e ali deficiente, porque muito limitada e por vezes
desenquadrada, que os grupos económicos queiram dar aos seus próprios
trabalhadores. E, sobretudo, em termos mentais! Os gastos e/ou lucros e/ou os
benefícios fiscais serão, pois, controlados por meio de uma «legítima e legal
eficácia milimétrica» que, no entanto, apenas irá proporcionar, em muitos dos
casos, uma «formação hegemónica de um só sentido cultural e mental» tão ao
gosto mecânico de uma certa globalização capitalista. Porventura, a formação
outorgada pelas Universidades e/ou o Ensino Superior (ou, se fosse o caso, de
outro grau) deveria ser obrigatória para todos os trabalhadores e/ou, pelo
menos, facultativa e, de preferência, complementar, em relação à formação
predeterminada, e imposta, pelas próprias organizações económicas. Ganhava, por
um lado, toda economia, sociedade, cultura, política e mentalidade e ganhavam
todos os trabalhadores. E, máxime, toda a sociedade! E ganhavam, por outro
lado, as Universidades e/ou o Ensino Superior, v.g., português, que tanto se
queixa - e com toda a razão - da falta, para não dizer por vezes ausência, do
financiamento propugnado contudo pela própria raiz mais funda da Constituição
constitucional! Tais políticas constituem uma verdadeira afronta à Constituição
constitucional. Outra situação que nos parece deveras bizarra - e mesmo
irracional do ponto de vista científico, mas também, profundamente pragmático e
válido para todo o mundo público e conhecido – é a maior parte dos cursos de
Economia e/ou Gestão, incluindo os chamados, e importantes, Master and Business
Administratione/ou «Mestre e Administração do Negócio», darem pouca monta, e/ou
não darem qualquer importância, às questões de Direito penal económico.
Contribuindo, assim, de forma decisiva para «a tão útil», e oportunista,
«inconsciência do ilícito» que visa, em muitas das vezes, a (já prevista e
planeada) absolvição em Tribunal. Qualquer economista e/ou gestor deveria, por
conseguinte, ter uma formação, não somente básica, nas importantíssimas
questões de Direito penal económico. Deveria mesmo ser obrigatória. Um grande
gestor e/ou economista deveria ter sempre uma profunda formação em Direito
penal e/ou criminal, rectius económico. Pergunta-se como pode um gestor e/ou
economista ser um «bom gestor e/ou economista» - e/ou cumprir as
correspondentes leis com rigor, as quais cada vez são mais (!) – se não sabe o
que é, v.g., o «branqueamento» «de capitais» ou valores afins com proveniência
ilícita? O que é o «crime de colarinho branco e/ou azul»? O que é o «Direito
penal fiscal»? O que é o «Direito penal financeiro»? O que é o «Direito penal
do mercado»? O que é o «Direito penal das sociedades comerciais»? O que é o
«Direito penal do ambiente»? O que é o «Direito penal do consumidor»? O que é o
«Direito penal da concorrência»? O que é, afinal, o «abuso de posição
dominante»? Quais são e como se aplicam as leis que regulam o fenómeno da
«corrupção»? O que é o «Direito penal médico» e/ou «farmacêutico» quando a
medicina e/ou o «universo medicamentoso» se transformam, em certos momentos e
locais, em «mais alguns negócios a somar a outros tantos»?[99] Quais são afinal
as normas e/ou as tipicidades e ilicitudes que se encontram plasmadas em estes
campos jurídicos, entre outros? E isto, pois, entre muitos outros sectores. E
não se diga também que um (ou mais) «departamento jurídico» interno e/ou um ou
mais escritórios de advogados externos – que muitas vezes primam pela «cega
obediência hierárquica» (sob pena de despedimento!), no seio da Razão técnico-
instrumental, e não, como deve ser no Estado de Direito, Social, pela
obediência à lei justa de origem democrática – de, dizíamos, uma dada empresa
e/ou grupo económico, colmata essa, bem visível, falha da formação capitalista
e financeira. Que o digam, v.g., Kenneth Lay da Enron; Bernie Ebbers da
WorldCom, Richard Scrushy da HealthSouth; Samuel Waksal da ImClone; Frank
Quattrone da Credit Suisse First Boston; Nancy Temple da Arthur Andersen;
Dennis Kozlowski da Tyco; e/ou Martha Stewart.[100] Ou, mais tarde, Jérôme
Kerviel e Bernard Madoff! Todas estas pessoas tiveram e/ou têm problemas graves
com a justiça criminal (económica). Não teria sido melhor que tivessem tido,
pelo menos em alguns casos, uma formação «ético-penal» obrigatória «preventiva»
na área de regulação e/ou regulamentação jurídica - v.g., nos casos concretos,
norte-americana - do «crime económico» e/ou «Direito penal económico»? Se os
EUA, e outros países, têm, v.g., alguns dos «melhores cursos» de Economia e/ou
Gestão e/ou MBA do mundo, qual é a razão porque não é obrigatória uma formação
intensiva e séria, em muitos dos casos reais, no âmbito da legislação sobre
«crime económico»? Pois, no nosso entendimento, os cursos e/ou pós-graduações
(e/ou similares) de «prevenção (ou «gestão»!) na fraude», de carácter apenas
económico e/ou até «policial», não bastam! Repare-se que a (agora mais
conhecida em Portugal) «Association of Certified Fraud Examiners» existe já nos
EUA (Austin, Texas) desde 1988 e os resultados não foram, até agora, grande
coisa! Há grandes empresas, quer no mundo, quer em Portugal que desprezam em
termos absolutos a formação na área do Direito penal económico. É que o poder
de decisão reside, em termos muito práticos - nos modelos actuais que se
integram no sistema económico capitalista em causa -, na administração e/ou
gestão. Incluindo o poder de pura direcção que vai bem mais além do mero
Direito positivo do trabalho. Por isso propomos que das estruturas curriculares
de Economia e/ou Gestão, na licenciatura e/ou na pós-graduação como v.g. nos
(«melhores» ou nos «assim, assim», do ponto de vista, claro, da «Razão técnico-
instrumental») MBA – e, por fim, não apenas nas que se arvoram como «sendo as
melhores do mundo» - passe a fazer parte um indispensável naipe de cursos e/ou
«cadeiras» da área do Direito penal económico e/ou de empresa. É isso que temos
vindo a dizer desde, pelo menos, 2003-2004. Formação essa que terá que ser
superior e outorgada por comprovados especialistas de Direito penal económico.
Por forma a que - ajudando a formar uma consciência ética e/ou jurídico-penal,
construtiva, local e mundial - se possam, em grande parte dos casos, evitar
violações de leis na área do Direito penal económico. Em termos de Direito
penal do ambiente, v.g., é essa, em termos globais, uma urgência prioritária em
termos absolutos: não basta(m) as, muitas das vezes, meras «cosméticas» de
política ambiental no seio das empresas e/ou «lavagem verde» ou «greenwashing».
Em muitos dos casos com fins apenas de cotização bolsista. Sob pena de virmos
todos a sofrer de catástrofes ainda e/ou já (in)sondáveis. Violações essas, em
muitos dos casos, decididas por economistas e/ou gestores que – considerados
capitalistas «arrojados» e/ou «avançados», mas com pouca e/ou nenhuma formação
jurídica e ética - sofrem de profunda e crassa ignorância na área científica do
Direito penal e/ou criminal, rectius, no Direito penal económico, para não
falar já em casos de dolo comprovado nos Tribunais. Com essa formação
obrigatória em Direito penal económico existiria uma forte tendência para que
todos os entes individuais e/ou colectivos ficassem a ganhar em termos de
cultura da licitude democrática, de preferência, participativa e contínua.
Nomeadamente, o Estado e a Justiça, os próprios dirigentes empresariais, as
empresas, o meio ambiente local e/ou mundial, a população em geral e/ou as
próprias Universidades e/ou o Ensino Superior. Enfim, ganharia o projecto de
ajuda à formação de uma reforçada consciência crítica ético-jurídica. Sendo,
porventura, mais fácil de encarar, inclusive, o eventual problema da
consciência da ilicitude em Direito penal (económico). Bem sabendo nós, em tom,
inclusive, de uma certa autocrítica, que nem sempre o Direito penal pode
contribuir para uma qualquer e/ou determinada consciência. Existe, v.g., pelo
menos um caso - porventura excepcional, mas «paradigmático» nas suas sui
generis características -, que deu à luz no país de origem da regulamentação em
termos de «abuso de mercado», que nos daria indícios de que o Direito penal não
contribuiu, afinal e em aquele tempo e espaço, para a formação da consciência.
[101] Pense-se, v.g., no caso do corretor Mike Milken ocorrido nos EUA.[102] M.
Milken foi condenado por delitos contra as leis dos valores mobiliários norte-
americanas nos anos oitenta e, em 1991, iniciou uma pena privativa de liberdade
de dois anos. Contudo, depois de cumprir a pena, recebeu honorários, «tipo
euromilhões», no valor de $50.000.000 (cinquenta milhões de dólares) pela sua
actividade como consultor da Turner Broadcasting System Inc.. O multimilionário
Ted Turner, conhecido pelas suas posições de «crítica política» (!), Presidente
do conselho de administração de famosíssimas empresas de «média e
entretenimento», «queria assim mostrar o seu agradecimento a M. Milken pelos
serviços prestados nos anos oitenta.»! Será que teria mais algo a dizer? Ou não
tinha dito tudo? Trata-se também, pois, de um problema a nível social. Mas
também, diríamos nós, económico, político, cultural e mental. Máxime mental.
Onde a imposição do Estado de Direito, Social, democrático, livre e verdadeiro,
tem que existir. Do ponto de vista jurídico ressaltam, pois, as dificuldades na
investigação, assim como a necessária, mas complicada instrução que podiam, e
podem continuar a levar, a um prognóstico pessimista. Não se trata aqui, pois,
de qualquer movimento de «eticização» e/ou «purificação» do Direito penal, no
sentido de se operar «de novo a coincidência entre o núcleo das proibições
jurídico-penais e os preceitos primários do tradicional jusnaturalismo
essencialista e idealista.».[103] Não esquecendo, em qualquer caso, que nem o
conhecimento da proibição, nem a consciência do desvalor moral, cultural ou
social do facto, podem ter uma validade directa e/ou imediata como consciência
da ilicitude relevante para a culpa jurídico-penal. Não se nega em termos
absolutos, contudo, que existem áreas do Direito penal em sentido amplo, nas
quais o fundamento ético e subsequente desvalor da ilicitude apresentam, em
determinados casos, mais evidências.
Recentemente, na última encíclica papal, de 29 de Junho 2009, o Papa Bento XVI
fala-nos de «Caritas in Veritate», ou seja, de e do «Amor na Verdade», e mais
ainda, sobre a riqueza (ou pobreza) espiritual e material humanas, citando a
encíclica «Populorum progressio» do Papa Paulo VI, publicada em 26 de Março de
1967: i.e., a realização do «desenvolvimento integral do homem todo e de todos
os homens»…
«O mal do passado foi os homens tornarem-se escravos. O perigo do futuro é que
eles se tornem robôs.»
Erich Fromm
Diríamos robôs, entre outros factos e em determinados sentidos, da voragem
totalitarista da Razão técnico-instrumental globalista, hegemónica, de um só
sentido e da sua agressão opressora e, sobretudo, auto-destrutiva, v.g., no
universo do (bem jurídico colectivo constitucional constitucional) meio-
ambiente.
«Globalização» dos Direitos e deveres fundamentais individuais e colectivos?
Sim;
Globalização da destruição do devir contínuo do Estado de Direito, que deverá
ser cada vez mais Social, mais democrático, mais livre e mais verdadeiro, no
mundo? Não, obrigado.
«Nenhuma democracia, nenhuma comunidade politicamente organizada, nenhum Estado
é possível se as leis que nele regem não são obedecidas, mas nenhum é
suportável se for preciso, por obediência, renunciar à Justiça ou tolerar o
intolerável1. Quando a lei é injusta, é justo combatê-la e por vezes pode ser
justo resistir-lhe ou violá-la, mas este combate é sobretudo de ordem moral2.»
Germano Marques Da Silva[104]
Trata-se, pois, de tutelar a capacidade funcional e cada vez mais social dos
MVM e/ou outros instrumentos financeiros; e a confiança em essa capacidade; e,
por conseguinte, igualmente, de proteger a confiança no próprio processo de
formação dos preços nos MVM e/ou outros instrumentos financeiros, acabando por
envolver - ainda que de modo reflexo - os interesses dos investidores e a
defesa dos seus patrimónios.
Notas
[1] Andrade, M. Da Costa, in «A Nova Lei dos Crimes Contra a Economia…», 1985,
pp. 69-105; e in «Direito Penal Económico E Europeu…», Coimbra, 1998, p. 403.
[2] Sinal de que estas questões estão na «ordem do dia» é, v.g., a opinião de
Ferreira, Rogério Fernandes, in «Gestão e Ética», www.negocios.pt , Lisboa, 15/
10/07, comentando um colóquio ocorrido em Lisboa no mês anterior sobre o mesmo
tema. Este autor conclui: «“por melhor ideados que sejam doutrinas e sistemas
económicos e político-sociais, na prática, tem havido sempre falhanços. Isso
deve-se em particular ao mau desempenho dos executores e de quem deveria zelar
pela doutrina proclamada ou sistema preconizado.». Outro colóquio importante e
internacional sobre esta matéria foi aquele que ocorreu sobre a «Ética e
profissões: desafios da modernidade», Universidade Lusíada de Lisboa, Portugal,
23/11/07. O tema da «Ética, economia e gestão» coube a Félix, António Bagão.
[3] Bandeira, André Sopas De Mello, in conclusões de «O mal no princípio da
autoridade - o problema do dever da obediência em treze, 1 – 7, de Epístola aos
romanos, de S. Paulo», F.D.U.Clássica de Lisboa, 1997, e: «S. Paulo, de acordo
com o relato dos Actos dos Apóstolos, invoca a respeitabilidade das autoridades
judaicas («γέγραπται γαρ ότι αρχοντα του λαου σου ουκ ερεις κακως» - Act 23,1 a
5). Mas em caso de conflito, já S. Pedro diz que “temos de obedecer a Deus
mais que aos homens” («πειθαρχειν δει θεω μαλλον η ανθρώποις.» - Act 5,29) e é
preciso ter em consideração que as versões de Pedro e Paulo se encontram mais
ou menos inseridas no mesmo contexto, o que não põe em causa o respeito de
ambos pelos Poderes.».
[4] Radbruch, Gustav, in «Arbitrariedade Legal y Derecho Supralegal»,Buenos
Aires, 1962. Palavras de Vasquez, María Izabel Azaretto De, in Prólogo do
livro.
[5] Um dos últimos foi, v.g., o da de «Société Général», no qual o suposto
«autor ou co-autor» de uma fraude de quase € 4,9 mil milhões, Jérôme Kerviel,
31 anos. Para mais desenvolvimentos sobre certas medidas que lhe foram
aplicadas, www.welt.de , jornal Die Welt, Alemanha, 28/1/08, «Bakenskandal in
Frankreich § Börsenhändler Kerviel auf freiem Fuβ». Mais recentemente, o
«escândalo financeiro» superou todas as expectativas e «bateu recordes
mundiais»: «Maddoff detido por fraude que pode chegar a 50 mil milhões de
dólares § Bernard L. Madoff, ex-presidente da Nasdaq e um dos investidores mais
activos nos últimos 50 anos, foi ontem detido pelo FBI após confessar que o seu
negócio era um “esquema Ponzi gigante” que teria causado perdas de 50 mil
milhões de dólares (38 mil milhões de euros) aos clientes.» (cfr.
www.jornaldenegocios.pt , 12/12/2008)! Era só, o próprio «presidente» do
Nasdaq!
[6] Cfr. as afirmações de Peter Löscher, o então novo chefe da Siemens in
www.iht.com (Herald Tribune), 5/7/07, que prometia recuperar uma «cultura
ética». Artigo jornalístico por Dougherty, Carter, in «New Siemens Chief says
he’ll recover ethical culture». Este escândalo teve contornos astronómicos:
«Sete anos de corrupção e caixas negras cujo valor ultrapassa já os 420 milhões
de euros, é o pesadelo do grupo alemão Siemens e as surpresas não param à
medida que a investigação avança. Ontem foi detido preventivamente… Os
investigadores suspeitam do envolvimento de uma dúzia de pessoas nesta fraude,
actuais e antigos assalariados do grupo de Munique, que utilizaram estes fundos
para pagar luvas contra a obtenção de contratos internacionais.». Cfr. http://
www.euronews.net, 24/7/2007. A instituição TI ou «Transparência Internacional»,
com sede em Berlim, estaria entretanto a ponderar - na época apontada -, a
expulsão da bávara Siemens.
[7] Estatuto do Gestor Público (Portugal).
[8] Cfr. o art. 36.º do EGP, Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27/3. E, também, o n.º
1 do art. 37.º («Boas práticas»).
[9] Em virtude da detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto e/ou
direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de
administração ou de fiscalização.
[10] Quanto a isto tudo, cfr. artigos 15.º, 3.º e 23.º do DL n.º 300/2007, de
23/8, o qual alterou o Decreto-Lei 558/99, de 17/12. Já antes, para uma visão
crítica, Abreu, J. M. Coutinho De, in «Sobre as novas empresas públicas (Notas
a propósito do DL 558/99 e da L 58/98)», BFD, Coimbra, 2003, pp. 555-575. Foi,
aliás, a partir do último DL referido que o «conceito de empresa pública
estadual» passou, no Ordenamento Jurídico Português, a abranger «entes de
natureza societária». E, as empresas públicas, societárias ou não – ou as
cooperativas -, não têm por conditio sine qua non da sua existência o escopo do
lucro. Logo a ideia de que todas as empresas, em uma economia de mercado, agem
segundo uma «lógica de mercado» é falsa. Embora também possam visar esse
objectivo. Orlando De Carvalho falava no «rédito».
[11] Cfr. art. 82.º da CRP. Existem em Portugal, como se sabe, três sectores de
propriedade dos meios de produção: público, privado e cooperativo e social.
[12] Cfr. a definição legal de «cooperativa» no CCoop. Aí ressaltam várias
características, como v.g., aquelas que nos são apontadas por Namorado, Rui, in
«Introdução ao Direito Cooperativo», Coimbra, 2000, pp. 186 e ss..
[13] Abreu, J. M. Coutinho De, in «Curso de Direito Comercial», Almedina,
Coimbra, 2006 (2009), pp. 274 e ss..
[14] Para leitura e breve comentário dos princípios cooperativos, Namorado,
Rui, in «Introdução ao Direito Cooperativo», Almedina, Coimbra, 2000, pp. 188 e
ss..
[15] Wolfensohn, James, in Conferência «The other crisis», Reunião dos
Governadores, Outubro de 1998; e Ureña, António Partal / Jiménez, Javier W.
Ibáñez, in «Finanzas Sociales: Innovación Financiera para la Cooperación
Internacional», Marcial Pons, Madrid, 2002, pp. 77 e ss..
[16] Silva, Luciano Nascimento, in «A (Moderna) Criminalidade Econômica», in
AA.VV., in «Ciências Jurídicas», Apresentação de A. Castanheira Neves e
Organização: Gonçalo S. De Melo Bandeira, Rogério M. Varela Gonçalves,
Frederico Viana Rodrigues, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 393 e ss. e pp. 439-
440.
[17] Cabral, F. Sarsfield, in, jornal Diário de Notícias, Lisboa, 21/1/06,
http://dn.sapo.pt .
[18] In Encíclica Papal «Centesimus annus § Ioannes Paulus PP. II § «IV. A
Propriedade Privada e o Destino Universal dos Bens.», Vaticano, 1 de Maio de
1991.
[19] Entrevista de A. Marujo a Abbé Pierre, 5-7-95 e 22/1/06, in jornal
Público, Porto.
[20] Salgado, Joaquim C., in «A ideia de justiça em Hegel», 1996, p. 366; e
Grau, Eros R., in «Mercado, Estado e Constituição», BCEFD, Coimbra Editora,
Coimbra, 2004, pp. 107 e ss..
[21] Cordon, J.M. Navarro / Martinez, T. Calvo, in «História da Filosofia…»,
1990 (1983), Lisboa, pp. 223 e ss..
[22] In «Filosofia do Direito», § 142.
[23] Ibidem: «… a ausência da política é inadmissível.».
[24] Ibidem.
[25] De acordo com a teoria de J. Feinberg para que uma conduta possa adquirir
relevância penal não deve ser apenas lesiva, mas também «wrongful» (i.e.
injusta, ilegal, ofensiva e/ou ilícita), pelo menos no sentido de ser realizada
com dolo e/ou, em algumas situações, com negligência. Hirsch, A. Von, in «Der
Rechtsgutsbegriff und das “Harm Principle”», Nomos Verlagsgesellschaft, Baden-
Baden, 2003, pp. 13 e ss. (p. 15).
[26] Jescheck, H.-H./Weigend, T., in «Lehrbuch des Strafrechts § Allgemeiner
Teil § Fünfte Auflage», Duncker & Humblot, Berlim, 1996, p. 244.
[27] A ética (do latim ethica e do grego ηθική, i.e., ethiké) pode ser
entendida no campo da Filosofia (é especulativa; e apenas «normativa» no seu
método analítico) como uma disciplina que busca determinar a finalidade da vida
humana e os meios de a alcançar, instituindo juízos de valor que
possibilitariam destrinçar entre o «bem e o mal». A ética é também entendida,
pois, como sub-ramo da axiologia. A ética também pode constituir o conjunto de
«princípios morais» pelos quais um qualquer indivíduo regeria, no tempo e no
espaço, a sua conduta profissional e/ou pessoal. Os juízos de apreciação se
referem, por conseguinte, à conduta humana. Muito perto de este último sentido,
a ética pode ainda ser confundida, pois, com a moral tout court. Não obstante,
a ética também pode ter, v.g., um significado de «código deontológico». E mesmo
de uma «ciência da moral». A ética tem sido aplicada, v.g., na ciência
política, na economia, no marxismo e nos negócios. A ética defronta-se com
dilemas como este: «o que pode ser bom para a orca pode não ser bom para certos
peixes» e vice-versa. Fala-se de éticas «tão díspares» como «ética republicana,
ética religiosa, ética aristocrática». A «ética filosófica» tem uma profunda
influência económica, social, política, cultural e/ou mental em toda a História
da Humanidade. Seja em via de tese, antítese ou síntese e/ou outras categorias
imagináveis, por presença ou ausência. Por afirmação ou negação e/ou destrinça.
Pense-se, v.g., em Sócrates, Platão, Aristóteles, Santo Agostinho, S. Tomás De
Aquino, Guilherme De Ockham, Cusa, Giordano Bruno, Francisco Bacon, Copérnico,
Kepler, Galileu, Descartes, Espinosa, Leibniz, Locke, Berkeley, Hume, «Newton»,
Voltaire, Diderot, Montesquieu, Rosseau, Kant, Chateaubriand, Fichte,
Feuerbach, Hegel, Schopenhauer, Kierkegaard, Marx, Engels, Comte, Dilthey,
Nietzche, Mill, Freud, Husserl, Bergson, Dewey, Unamuno, Lenine, Russel,
Whitehead, Scheler, Ortega y Gasset, Heidegger, Wittgenstein, Antero De
Quental, Jaspers, Carnap, Ayer, Mounier, Marcuse, Sartre, Ryle, Levi-Strauss,
Chardin, Adorno, Luhmann, Habermas, Popper, Agostinho Da Silva, entre muitos
Outros. Todos se preocupam, de uma ou outra forma, mais ou menos crítica, com a
moral e/ou a ética.
[28] Bermúdez, F. Blanco / Jiménez, J. Ibáñez in «La Ética en el Âmbito de las
Relaciones entre Emisores e Inversores», Madrid, 2002, pp. 155 e ss..
[29] Aquino, Tomás De, in «Summa Theologica», 1.ª 2.ƨ, q. 96, art. 2 e Dias,
Jorge De Figueiredo, in «Direito Penal § Parte Geral § Tomo I…», Coimbra
Editora, Coimbra, 2004, pp. 106 e ss. (segunda edição, actualizada e aumentada,
de 2007, Coimbra Editora, Coimbra).
[30] Jiménez, Javier W. Ibáñez, in «Ética y Normas de Conducta Profesional en
el Mercado de Valores», Madrid, 2002, pp. 25 e ss..
[31] Pense-se, v.g., no Direito Comercial e das Sociedades Comercais; no
Direito do Consumo; no Direito do Ambiente, entre muitas outras zonas.
[32] Cfr. o Alternativ-Entwurf eines Strafgesetzbuches de 1966 – ou seja, o
«Projecto Alternativo do Código Penal» alemão - sobre a justificação racional
do sentido da pena criminal.
[33] Grau, Eros Roberto, ibidem. Eros R. Grau ainda afirma que os «arautos do
liberalismo político estão, ingenuamente ou não, ao serviço do liberalismo
económico». Contudo, não pensamos nós que a solução possa estar, também, em um
eventual capitalismo (selvagem), de esta vez, de Estado.
[34] In «Une Constitution pour sanctuariser la loi du marché», 1/2004, pp. 6-7;
e Grau, Eros Roberto, ibidem. Entretanto, em 13/12/07, seria assinado o chamado
«Tratado» constitucional e da União Europeia, «de Lisboa». Veremos como cada
país destinatário irá reagir. Já se sabe que a Irlanda o reprovou no primeiro
referendo e aprovou no segundo. Sendo que na maior parte dos países nem sequer
existiu um referendo!
[35] Georg Jellinek afirmaria que o Direito constituiria um «mínimo ético». O
que «conferiria à tutela penal um carácter…fragmentário e lacunoso, a
contrastar com a natureza (tendencialmente) completa e total da tutela
religiosa e da tutela moral.». Dias, J. De Figueiredo, in «Direito Penal §
Parte Geral § Tomo I…», Coimbra, 2004, pp. 106 e ss.; e segunda edição,
reformulada, em 2007, Coimbra Editora, Coimbra.
[36] «A economia global assistiu ao piorar da qualidade de vida de um grande
número de seres humanos, e ao desvanecimento paralelo do estado de bem estar»:
Dale, R., in «The Regulation of International Banking», Englewood Cliffs, 1984,
pp. 228 e ss..
[37] Não deixando de salvaguardar aqui o princípio da presunção de inocência,
ficaram famosos, pela negativa, v.g., os casos espanhóis da «AVA» e da
«GESCARTERA». A agência de valores AVA burlou inúmeros clientes. O banco
«SOCIMER», em conluio, comprava supostas dívidas em países emergentes, que a
AVA revendia a clientes espanhóis, financiando o SOCIMER metade do investimento
com garantia dos próprios títulos. O real financiador não era o SOCIMER, mas
uma série de bancos que custeavam, na ausência do conhecimento dos clientes,
90% do preço de compra (o SOCIMER pagava 10%). Custo o qual, junto aos 50%
desembolsados pelos clientes, sobrefinanciava a AVA. AVA a qual podia desviar
os excessos recebidos para operar por conta própria. A AVA incorreu em perdas
quando desapareceu o verdadeiro emissor: uma sociedade constituída em 1996 no
«paraíso fiscal» das Ilhas Caimanes. No caso GESCARTERA, vários administradores
e directores desviaram dinheiro de, pelo menos, 1200 clientes para destinos
desconhecidos, simulando como justificação perante os mesmos e em face da CNVM
compras e vendas «reais» de acções, as quais, na verdade, eram operações
diferenciais «a descoberto» (situação financeira e/ou contável em que o «dever»
supera o «haver») liquidadas «intra dia». Para captar fundos, ofereciam
garantias falsas. De este modo, o sistema de «Mutualidade da Polícia», e/ou
«Previdência», investiu € 9.000.000, 00 em um produto estruturado com uma
rentabilidade prometida de 6% mais a revalorização do IBEX ao vencer o prazo do
investimento. Com o principal garantido por supostos certificados emitidos pela
«LA CAIXA», e falsos na sua autenticidade e selo, por valor de € 15.000.000,
00. Entre os afectados estava o próprio Arcebispado de Valladolid, cujo
secretário, E. Peralta, ainda conseguiu, «retirar 6 milhões de euros porque a
CNVM o advertiu em 1999 que estava em cima de uma pista de fundos desviados»
(cfr. o jornal «El PAÍS», Madrid, Economia, 26/7/2001, p. 45). Jiménez, Javier
W. Ibáñez, Madrid, ibidem. No caso GESCARTERA teria sido detectada, inclusive,
uma «dupla contabilidade». Pois os respectivos clientes, que não foram
declarados, seriam, afinal, mais de 2000. E a «empenhada» auditoria financeira
nada detectara!
[38] In «Das Böse. Geschichte eines Urphänomenes», Munique, 1985, pp. 301 e
ss..
[39] Jescheck, H.-H./Weigend, T., ibidem, Berlim, 1996, pp. 2-3.
[40] Dias, J. De Figueiredo, 2004 (e, depois, em 2.ª edição, 2007), Coimbra
Editora, Coimbra, ibidem.
[41] Carné, Melé, «Aspectos éticos de los mercados de valores», 1996, pp. 486 e
ss. e Pinto, F. De Lacerda Da Costa, in «O Novo Regime Dos Crimes E Contra-
Ordenações No Código Dos Valores Mobiliários», Almedina, Coimbra, 2000, p. 19.
[42] V.g. fundos éticos, planos de poupança reforma, entre outros, relacionados
agora com os mercados de valores mobiliários. Os fundos éticos têm uma
importância cada vez maior nos mercados de valores mobiliários: cfr., v.g.,
http://www.ftse.com/ . Relacionado com o bem jurídico colectivo «meio-
ambiente», v.g., «FTSE4Good Environmental Leaders Europe 40 Index».
[43] Jescheck, H.-H./Weigend, T., ibidem, Berlim, 1996, p. 2.
[44] Hirsch, Andrew Von, ibidem (pp. 16-17). Qual a razão, v.g., de uma pessoa
ter direito à propriedade privada (sobretudo, sem limites de acumulação…)? É
preciso indagar, p.e., não só os pressupostos constantes do Código Civil
português, mas também, caso seja útil, a discussão filosófica sobre as bases
normativas da «propriedade privada» (v.g. Waldron, in «The Right to Private
Property», 1988 e/ou, em outras perspectivas, mais críticas, as obras de Karl
Marx, como v.g. «Das Elend der Philosophie», 1847; «Manifest der kommunistichen
Partei», 1948; «Das Kapital. Kritik der politischen Oekonomie», 1867-1894,
entre outras).
[45] In «Prinzipiengestützte Strafnormlegitimation und der Rechtsgutsbegriff»,
Nomos Verlagsgesellschaft, Baden-Baden, 2003, pp. 39 e ss. e 47 e ss..
[46] Pastor, F. Zunzunegui, in «Abuso de Mercado», Madrid, 2002, pp. 131 e ss..
[47] V.g. Andenaes, in «Punishment and Deterrence», Michigan-E.U.A., 1982; e
Hirsch, Andrew Von, ibidem, Nomos Verlagsgesellschaft, Baden-Baden, pp. 13 e
ss..
[48] Ibidem.
[49] Fernández-España, Juan Fernández-Armesto, in «La Ética en los Mercados de
Valores, Problema Crucial de las Sociedades y Sistemas Capitalistas
Contemporáneos», Madrid, 2002, pp. 17 e ss..
[50] Quantas vezes o Homem não acaba «… por provocar a revolta da natureza,
mais tiranizada que governada por ele»? João Paulo II ibidem. E ainda:
«…empenhamo-nos demasiado pouco em salvaguardar as condições morais de uma
autêntica“ecologia humana”…. bem como a devida atenção a uma “ecologia social”
do trabalho.».
[51] Ibidem.
[52] Pensemos, v.g., em um administrador de uma certa empresa que, por motivos
éticos ambientais, não contribui para a maximização dos benefícios da mesma.
Responsabilidade?
[53] Jiménez, Javier W. Ibáñez, ibidem, Madrid, 2002.
[54] Hirsch, Andrew Von, ibidem (p. 52). Não cremos, contudo, que se possa
afirmar, sem mais, que as características implicadas em esta questão não possam
ser solucionadas nem pela teoria do bem jurídico nem pelo «princípio do dano».
[55] Cunha, J.M. Damião Da, in «Comentário Conimbricense…», em anotação ao art.
254.º do C.P. («Profanação de cadáver ou de lugar fúnebre»), Coimbra Editora,
Coimbra, 1999, p. 653; e também Faria, Paula R., in «Aspectos Jurídico-Penais
dos Transplantes», Universidade Católica Portuguesa Editora, Porto, 1995, p.
127.
[56] Grau, Eros Roberto, ibidem.
[57] Cfr. programa televisivo de origem inglesa e norte-americana - sobre a
tortura utilizada pelos próprios militares norte-americanos contra as chamadas
«Convenções de Genebra» - que foi exibido no dia 1/3/2008, no Canal 2,
televisão estatal portuguesa, cerca das 23.00 horas.
[58] Haouache, G. Gordon, in «Börsenaufsicht durch Strafrecht. Eine
Untersuchung zur straf-und verfassungsrechtlichen Problematik der
strafrechtlichen Sanktionierung des Insiderhandels durch das
Wertpapierhandelsgesetz...», PETER LANG,Frankfurt am Main(...),1995-1996, p.
156.
[59] Assmann, H.-D., in «Künftiges Insiderrecht», Verlag Dr.OTTO SCHMIDT,Köln,
1994, p. 202.
[60] «O muito mimo perde os filhos».
[61] Haouache, Gerhard Gordon, in «Börsenaufsicht...», ibidem.
[62] Que se diferenciam, v.g., dos «exóticos». Com o acumular das suspeitas de
que se ia formando uma bolha artificial bolsista, nos começos de 2007, foram
sendo criados outros fundos de investimento, i.e., hedge funds, ou seja,
«fundos de colocação do e/ou ao risco». E os investidores voltam-se inclusive
para «activos exóticos». Cfr., v.g., Werdigier, Julia, in «Bored with hedge
funds? More investors turning to “exotic assets”», www.iht.com , 13/7/07. V.g.,
uma galeria londrina ia vender cerca de 4.000 fotografias de grande valor
histórico e cultural (desde Malcom X até Pablo Picasso). Mas os compradores não
ficarão com as fotos… é um negócio peculiar.
[63] Ibidem.
[64] Fernández-España, Juan Fernández-Armesto, ibidem; e Ureña, António Partal
/ Jiménez, Javier W. Ibáñez ibidem, Marcial Pons, Madrid, 2002.
[65] Cfr. http://www.ftse.com/ em 11/7/2007. Se não existir corrupção na
UNICEF, então não se podem colocar as dúvidas, v.g. aqui, de Bello, C. Del
Moral, in «Ética y Conducta en el Mercado de Valores», Madrid, 2002, pp. 179 e
ss. (p. 200).
[66] Cfr. http://www.ftse.com/: «FTSE4Good Índice 40 dos Líderes Europeus
Ambientais».
[67] Nunes, A.J. Avelãs, in «Neo-Liberalismo § Globalização E Desenvolvimento
Económico» BCEFD, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, p. 287, refere com interesse
em relação ao sistema económico capitalista: «A mão-de-obra está desempregada –
escreve Keynes – no sentido de que há homens sem emprego desejosos de trabalhar
por um salário real inferior ao praticado». É, assim, que o nível de emprego é
determinado pela procura efectiva. O volume do emprego determina, pois, os
salários reais.
[68] Mais informações cfr. http://www.ftse.com/ .
[69] Gil-Gallardo, J.L. De Mora / Jiménez, J.W. Ibáñez in «Condutas
professionales y conflitos de interesses», Madrid, 2002, pp. 119 e ss.. Somos,
contudo, muito cépticos quanto à «tese utópica» perfilhada por este autor
quando afirma que «apenas com níveis mais elevados de liberdade e independência
na contratação se consegue reduzir os prejuízos que derivam das falhas do
mercado». Sem regulação e/ou regulamentação, em última instância, estamos em
crer que o mercado se auto-destruiria. A realidade dos inúmeros escândalos
financeiros que têm rebentado, um pouco por todo o mundo, demonstra a falência
dos sistemas isolados de «auto-controlo» e/ou «auto-regulação». O Estado surge
como indispensável regulador. Aliás, o banco norte-americano Merril Lynch
acabou por ser comprado pelo Bank of America devido ao facto de ter apresentado
um «prejuízo inesperado» no valor de 15,4 mil milhões de dólares! John Thain,
antigo presidente do Merril Lynch, acabou por aceitar sair do Bank of America,
pois só na decoração do seu gabinete pessoal gastara 1,2 milhões de dólares
(!): www.jornaldenegocios.pt , 22/1/09. Um ano antes na 38.ª edição do Fórum
Económico Mundial de Davos, na Suíça, John Thain, comentando a fraude no
Société Générale, onde esteve envolvido Jérôme Kerviel, comentara o seguinte:
«Seja qual for o sistema de segurança, é impossível prevenir a fraude» § «… o
maior pesadelo de qualquer gestor»: www.jornaldenegocios.pt , 22/1/08. Ironias
do «destino»?
[70] V.g., a COB francesa nas suas «informações» anuais. Hannoun in «La
déontologie des activités financières: contribution aux recherches actuelles
sur de néo-corporatisme», Revue Trimestrielle de Droit Commercial (et de Droit
Economique,depois de 1980, França), n.o 42, 1989, França, 1989, p. 418; e
Jiménez, J.W. Ibáñez, ibidem.
[71] Jiménez, Javier W. Ibáñez, ibídem, Madrid, 2002.
[72] Cfr., v.g., como paralelo, a notícia com título «infeliz», in
www.correiodamanha.pt , Lisboa, 20/7/07: «Crédito 2, 235 mil milhões de
cobrança duvidosa...».
[73] Ibidem.
[74] Haouache, G. Gordon, in «Börsenaufsicht...», Frankfurt am Main(...), 1995,
p. 156.
[75] Peters, Peter A., in «Das deutsche Insiderstrafrecht unter
Berücksichtigung strafrechtlicher Konsequenzen für Kreditinstitute und
prozessualer Durchsetzung», PETER LANG, Alemanha, 1997, p. 123. Este autor
cinge a sua análise à negociação com informação privilegiada e/ou «abuso de
informação e/ou insider trading».
[76] Neves, A. Castanheira, in «Apresentação», in AA.VV., in «Ciências
Jurídicas…», Apresentação de A. Castanheira Neves e Organização: Gonçalo Sopas
De Melo Bandeira, Rogério Magnus Varela Gonçalves, Frederico Viana Rodrigues,
Almedina, Coimbra, 2005, pp. 17 e ss..
[77] Butz, A. De Luna / Jiménez, J.W. Ibáñez in «La Ética de los Mercados
Emergentes», Madrid, 2002, pp. 63 e ss..
[78] Martínez, R.J. Ruiz / Jiménez, J.W. Ibáñez, in «El Inversor como Víctima
de la Publicidad Financiera», Madrid, 2002, pp. 95 e ss..
[79] V.g. cfr. www.welt.de, Berlim, 13/7/07.
[80] Em Janeiro e Fevereiro de 2008 ocorreram grandes baixas dos índices
bolsistas de todo o mundo.
[81] Ureña, António Partal / Jiménez, Javier W. Ibáñez, ibidem.
[82] Deveria porventura existir um crime ao nível local e/ou global que
tipificasse condutas de destruição de alimentos e/ou outros bens essenciais em
massa (apreciável) como, v.g., as toneladas de sobras e/ou quebras dos mini,
super e hipermercados de todo o mundo e de outras instituições que, em muitos
casos, não são aproveitadas por ninguém. Apenas algumas «cadeias» exercem a
doação. Uma certa «fiscalização destrutiva de alimentos sãos», também deixa,
por vezes, muito a desejar, atingindo os mais pobres.
[83] Ibidem.
[84] Em tom crítico, compreendendo a «introdução e a extinção da figura do
defensor do contribuinte, com existência legal entre 1999 e 2003», em Portugal,
pois «era vista mais como uma instância burocrática do que como uma efectiva
garantia», Nabais, J. Casalta, in «Direito Fiscal», Coimbra, 2006 (agora,
2009), pp. 361 e ss..
[85] Martínez, Ramón J. Ruiz / Jiménez, Javier W. Ibáñez, ibidem.
[86] Criticando essa possibilidade, de novo, Nabais, J. Casalta, in «Direito
Fiscal», Almedina, Coimbra, 2006 (agora, 2009), pp. 361 e ss., pois isso seria
uma sobreposição com as garantias já previstas na LGT. Em Espanha, v.g., as
críticas dirigidas à Ley General Tributaria estiveram na base da revogação, em
2004, «dessa lei e da integração do seu conteúdo na nova versão da Ley General
Tributaria».
[87] Pastor, Fernando Zunzunegui, ibidem.
[88] Os microcréditos são contratos de abertura de crédito e/ou empréstimos e/
ou descontos de tipo inferior ao mercado e/ou sem garantia com um compromisso
fiduciário de restituição a largo prazo e/ou com renovação automática. O
retorno é baseado, sobretudo, na confiança, sendo desnecessárias as garantias
reais e/ou avais. A banca «normal», por hábito, não empresta dinheiro se não se
oferecem garantias. O público alvo principal dos microcréditos são os pobres.
[89] Cfr. www.visaooline.clix.pt, revista portuguesa, 27/9/05, entrevista a
Jacques Attali, fundador e Presidente da «Planet Finance», o qual é um banco
mundial de microcrédito. Já foi fundado, inclusive, o «Planet Finance Portugal»
cuja «Comissão de Honra» é constituída por pessoas como Fernando Nobre, Cavaco
Silva, Víctor Constâncio, Mira Amaral, António Guterres, Marçal Grilo, Carlos
Monjardino, Horta E Costa. No Conselho Fiscal está Medina Carreira e na
Assembleia Geral o Padre Vítor Melícias. Devemos dizer aqui, contudo, porque
vem a propósito, que gestos ético-económicos como, v.g., o abaixamento
voluntário do salário do Governador do Banco de Portugal seriam muito bem
acolhidos pelo - nas palavras de Abbé Pierre - «Príncipe da História da
Humanidade», ou seja, a opinião pública nacional e internacional. Já para não
falar nos salários ou nas reformas de alguns gestores de empresas, os quais são
manifestamente exagerados!
[90] Cfr. entrevista de A. Marujo a Abbé Pierre, 5-7-95 e 22/1/06, Porto,
Público.
[91] Cfr. notícias em http://www.tsf.pt, rádio portuguesa, em 20/7/07 com os
seguintes títulos: «Confederações querem possibilidade de despedimento por
razões ideológicas § As confederações patronais pretendem que venha a ser
possível o despedimento por motivos políticos ou ideológicos, defendendo por
isso o fim do artigo da Constituição que impede esta possibilidade. Em
comunicado, estas confederações defendem ainda a limitação da greve aos
interesses colectivos profissionais.» e «Todas as razões deveriam ser válidas
para despedimentos, diz CAP.»!!!
[92] Ibidem.
[93] Cfr. Jacques Attali ibidem.
[94] Martínez, Ramón J. Ruiz / Jiménez, Javier W. Ibáñez, ibidem.
[95] Ibidem.
[96] Em Junho de 2009 é referido o seguinte como conclusão do 5.º relatório da
«Transparência Internacional»(!!!): «Portugal é um dos piores alunos no combate
à corrupção e continua a perpetuar práticas pouco transparentes que incentivam
o crime económico internacional.» § «Portugal encontra-se na pior categoria de
um conjunto de três e onde se inserem os países que “pouco ou nada” fizeram
para aplicar o compromisso firmado em 1997 a nível internacional.».
[97] A congénere portuguesa chama-se Associação Portuguesa de Ética e
Transparência (APET) e foi fundada em 13/5/98 pelo advogado e jornalista Artur
Victória.
[98] E não somos os únicos: Bello, Cecilio Del Moral, ibídem, Marcial Pons,
(Madrid, 2002).
[99] Quanta as vezes as «poupanças» na Saúde ou as «experimentações» abusivas
não resultam na morte prematura ou em graves lesões? V.g., «O Estado de Kano,
na Nigéria, aceitou receber 75 milhões de euros da Pfizer para terminar um
processo em que a famacêutica é acusada de provocar lesões permanentes a várias
crianças em que testou um medicamento contra a meningite.»: v.g. www.destak.pt
, 15/05/2009.
[100] Green, Stuart P., «Lying, Cheating, and Stealing § A Moral Theory of
White-Collar Crime», Oxford University Press, EUA, 2006, xi e ss.. Este autor
identifica, contudo e de modo crítico, a existência de uma complexa relação
entre o «crime de colarinho branco» e a «moral».
[101] Peters, Peter A., in «Das deutsche Insiderstrafrecht...», ibidem, 1997,
p. 123.
[102] Cfr. notícia no jornal alemão Frankfurter Allgemeinen Zeitung, 2/10/1995,
p. 29.
[103] Rejeitando também essa «coincidência», Dias, Jorge De Figueiredo, in «O
Problema da Consciência da Ilicitude em Direito Penal», Coimbra Editora,
Coimbra, 1969, 2000 (6.ª Edição, 2009), pp. 119 e ss.; e p. 278 onde, evocando,
por um lado, Welzel, nos acrescenta com muito interesse que, «na doutrina da
culpa jurídico-penal vale uma “ética da responsabilidade” antes que uma “ética
do sentimento”»; e, por outro lado, A. Castanheira Neves, o qual identifica uma
«responsabilidade para com o direito» na base da «consciência ética
(especificamente: consciência axiológico-jurídica) do homem – de cada um de nós
e de todos nós». E ainda pp. 392 e ss..
[104] In «Introdução ao Estudo do Direito», Universidade Católica Portuguesa
Editora, Lisboa, Portugal, 2.ª Edição, 2007, pp. 49-50.