Langues Médiévales Ibériques: Domaines espagnol et portugais. Turnhout: Brepols
Publishers, 2012. (Collection L’Atelier du Médiéviste 12)
RECENSÃO
BOISSELIER, Stéphane; DARBORD, Bernard; MENJOT, Denis; avec la collaboration de
George MARTIN, Jean-Pierre MOLÉNAT et Paul TEYSSIER - Langues Médiévales
Ibériques. Domaines espagnol et portugais. Turnhout: Brepols Publishers, 2012.
(Collection L'Atelier du Médiéviste 12).
Maria Francisca Xavier*
*Universidade Nova de Lisboa, FCSH - Departamento de Linguística / Centro
de Linguística da Universidade Nova de Lisboa, 1060-061 - Lisboa, Portugal.E-
mail: mf.xavier@fcsh.unl.pt
O livro em epígrafe resulta de extenso trabalho de uma equipa de especialistas
conhecedores de ampla, linguística, cultural e tipologicamente diversificada
documentação medieval ibérica. Nesta obra, contudo, as fontes textuais
apresentadas e objeto de tratamento são quase exclusivamente escritas em
castelhano e em português antigos, as duas línguas românicas que assumem
estatuto de línguas oficiais nacionais de Espanha e de Portugal respetivamente.
Obviamente, por razões de ordem política e administrativa, estas são as línguas
medievais ibéricas em que foi escrita a maioria da documentação da época com
relevância para o estudo dos aspetos linguísticos e socio-culturais
caracterizadores de cada um daqueles dois países. No entanto, os autores
salientam que muitos textos em castelhano incluem especificidades de outras
variedades românicas ibéricas, nomeadamente do leonês, aragonês, navarro e
galego. E esta última, embora pertencendo ao domínio político espanhol, está
naturalmente associada ao português, visto poder ser considerada a mesma
realidade linguística no período medieval, a qual se encontra bem ilustrada nos
textos antigos galaico-portugeses.
A diversidade linguística e socio-cultural da Península Ibérica medieval, bem
como a abundância ou falta de fontes históricas, foram aspetos ponderados pelos
autores que fundamentam as suas decisões sobre quais as línguas a integrar
neste livro, que tipos de textos e quais os aspetos a abordar tendo por base
documentação fiável e relevante para facultar e ilustrar as suas escolhas.
No livro foram também incluídos e estudados textos escritos em moçárabe, língua
românica que coexistia com o árabe no sul da Península Ibérica e que foi sendo
substituída pelo castelhano ou pelo português após a Reconquista. O interesse
dos aspetos revelados pelo estudo de um conjunto significativo de
"jarchas", textos líricos populares desta língua desaparecida,
justifica a inserção do moçárabe na obra.
No entanto, o basco, a língua mais antiga da Península Ibérica, ainda hoje de
origem desconhecida, está ausente tanto desta publicação como de outro projeto
futuro, por serem quase inexistentes textos escritos nesta língua no período
medieval.
Também a exclusão deste livro de documentação e estudo do catalão medieval é
justificada pelos autores não por razões políticas, mas pela grande dimensão e
importância das fontes escritas naquela língua antiga, que, a ser incluída,
iria desequilibrar o livro. Assim, anuncia-se desde logo outra publicação que
conterá textos e respetivos estudos tanto da documentação em catalão antigo
como da documentação escrita em línguas de oc do sul da França, as quais são
todas elas línguas românicas geográfica e linguisticamente muito próximas.
Os autores pretendem que o livro constitua "um instrumento de trabalho
que se destina a todos que se interessam e querem trabalhar sobre a civilização
medieval da Península Ibérica"1, pretensão plenamente justificada tanto
pela excelente seleção de textos nas línguas medievais selecionadas para a
referida obra, como pela correspondente bibliografia criteriosamente escolhida.
Também de grande utilidade para iniciantes na leitura e estudo das fontes
textuais medievais das mesmas línguas, todas acompanhadas de traduções em
francês contemporâneo, deverão ser as informações históricas e socio-culturais,
e os comentários filológicos e linguísticos, em particular relativos a aspetos
fonológicos, à correspondência entre fonética e grafia, ao léxico e a algumas
propriedades da sintaxe que caracterizam as línguas e as distinguem umas das
outras.
Dois capítulos introduzem as línguas principais e uma importante seleção
bibliográfica dos dois domínios medievais ibéricos - o espanhol e o
português. O primeiro capítulo, intitulado "Les langues vulgaires, les
pratiques d'écriture et leur cadre historique dans la Péninsule ibérique
au Moyen Âge", inclui duas secções, correspondendo a primeira ao domínio
castelhano e a segunda ao domínio português. O segundo capítulo apresenta, de
forma organizada e com curtas notas, "Bibliographie générale et
instruments de recherche" relativos a cada domínio.
No primeiro capítulo, o texto selecionado, o estudo linguístico e os tópicos
abordados em cada secção são muito diferentes. Na primeira é apresentada
"Uma lição de castelhano medieval" para a qual foi escolhida a
parte narrativa da fábula do lobo e da cegonha do "Libro de los
gatos", uma tradução espanhola anónima do século XIV. No seu comentário
linguístico, Bernard Darbord extrai deste pequeno texto, seguido de tradução
francesa, atestações das características mais salientes do castelhano medieval.
Em seguida, o autor descreve sinteticamente a mudança do latim para o espanhol
medieval relativa ao sistema fonológico e a algumas características gerais da
morfologia e da sintaxe, aspetos que irão ser realçados nos comentários
linguísticos que acompanham os textos tratados nas duas partes em que está
dividido o grosso do património textual publicado neste livro. Na segunda
secção sobre o domínio português, destinada a ilustrar o uso das línguas e as
fontes escritas no Portugal medieval, parte-se de "Uma lição de galego-
português" de Paul Teyssier sobre o documento datado mais antigo escrito
em português, que se conhece, o Testamento de Afonso II de 1214. Nesta secção
estão transcritas em linhas paralelas as duas das treze cópias do Testamento de
Afonso II, que chegaram até nós, a de Lisboa e a de Toledo, editadas por
Avelino Jesus da Costa. A estas segue-se uma tradução francesa da versão de
Lisboa.
A dimensão histórica e física do Testamento de Afonso II não se pode comparar
com a do excerto da fábula do lobo e da cegonha da secção anterior, utilizado
para ilustrar o castelhano medieval, nem os autores manifestaram tal intenção.
Stéphane Boissellier, em colaboração com Bernard Darbord, responsáveis pela
segunda secção, apresentam nesta uma estrutura muito mais desenvolvida do que
se encontra na primeira secção do primeiro capítulo. Começam por fazer um
comentário geral sobre a inadequação dos grafemas latinos a alguns sons do
galego-português medieval, exemplificando com dados do Testamento e realçando
as principais oscilações nas grafias atestadas nas duas cópias do Testamento;
apresentam 117 comentários linguísticos sobre formas e expressões extraídas de
ambas as cópias do Testamento que ilustram particularidades da língua vulgar; e
desenvolvem em seis subsecções informações relevantes sobre: 2.1."O
quadro histórico geral da formação da língua portuguesa"; 2.2."O
galego-português na Romania ibérica"; 2.3."Os textos em galego-
português (de 1200 a 1350). Os usos escritos do vernáculo"; 2.4."Os
textos literários portugueses entre 1350 (fim da poesia lírica) e 1572
(publicação em Lisboa de Os Lusíadas)"; 2.5."O universo dos
escritos pragmáticos em português (1214-ca 1500): usos sociais da escrita e
tipologia)"; 2.6."A língua portuguesa do século XIV ao século
XVI".
A seguir aos dois primeiros capítulos, o livro inclui duas partes com três
capítulos cada, onde se encontra uma importante seleção de documentação
relativa aos dois domínios ibéricos. Todos os textos são acompanhados de uma
tradução em francês, de informações de âmbito geral e específico, de
comentários de natureza histórica, filológica e linguística, e de bibliografia.
A primeira parte inclui um conjunto de "Textos pragmáticos: escritos para
regular, governar e viver em sociedade", a segunda parte contem
"Textos literários: escritos para instruir, convencer, distrair e
testemunhar".
Concordando com os autores considero que a obra constitui, efetivamente, um
instrumento de trabalho valioso para iniciantes ou especialistas da Idade Média
ibérica, facultando a leitura de uma grande quantidade de textos escritos nas
referidas línguas antigas, assim como informações e comentários relevantes,
adequadamente sustentados em bibliografia especializada.
COMO CITAR ESTE ARTIGO
Referência electrónica:
AVIER, Maria Francisca - "Recensão: BOISSELIER, Stéphane; DARBORD,
Bernard; MENJOT, Denis; avec la collaboration de George MARTIN, Jean-Pierre
MOLÉNAT et Paul TEYSSIER - Langues Médiévales Ibériques.Domaines espagnol
et portugais. Turnhout: Brepols Publishers, 2012. (Collection L'Atelier
du Médiéviste 12)". Medievalista [Em linha]. Nº17 (Janeiro - Junho 2015).
[Consultado dd.mm.aaaa]. Disponível em http://www2.fcsh.unl.pt/iem/
medievalista/MEDIEVALISTA17/xavier1707.html
Data do texto: 15 de Setembro de 2014
Notas
1
Esta citação e os títulos em português, entre aspas, foram traduzidos por mim.