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BrBRCVHe0004-28032004000400004

BrBRCVHe0004-28032004000400004

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0004-2803
Year2004
Issue0004
Article number00004

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Avaliação nutricional de pacientes com cirrose pelo vírus da hepatite C: a aplicação da calorimetria indireta ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO A cirrose é uma doença hepática crônica, caracterizada por processo difuso que envolve fibrose, alteração na arquitetura lobular e regeneração nodular(36). A principal causa de cirrose no mundo ocidental é a infecção crônica pelo vírus da hepatite C (VHC), associada ou não ao consumo excessivo de álcool(38).

A desnutrição é freqüentemente encontrada nos pacientes com hepatopatia crônica de origem alcoólica ou não-alcoólica(4, 21, 22, 23, 24, 25, 27), podendo advir de baixa ingestão alimentar, alteração na síntese, metabolismo e armazenamento de nutrientes, má-digestão e absorção de nutrientes ou ainda, ser secundária à hipermetabolismo(18, 35).

A avaliação do estado nutricional deve ser realizada sistematicamente em todo paciente com doença hepática(2). Os métodos disponíveis são anamnese alimentar, antropometria, métodos bioquímicos e imunológicos e testes compostos(14, 15, 16). Com freqüência, são de difícil valorização nesta população por peculiaridades da doença hepática. A avaliação funcional da nutrição através da dinamometria é simples, barata e eficaz, sendo um método que poderia minimizar as dificuldades na avaliação nutricional em hepatopatas.

O gasto energético basal (GEB) é a quantidade de oxigênio consumida durante o repouso, em jejum. A predição do GEB através de equação padrão de Harris- Benedict (HB), pode trazer resultados seguros em determinadas populações(12), mas não está validada para pacientes com cirrose, que existe grande variação da mensuração do GEB em indivíduos cirróticos, quando comparados a indivíduos normais(19). Uma alternativa é sua mensuração através da calorimetria indireta (CI)(17), método que permite determinar com maior precisão o estado metabólico (41). Não , de acordo com o conhecimento dos autores deste trabalho, estudo em nosso meio que tenha aferido o GEB em indivíduos cirróticos pelo VHC, utilizando a calorimetria indireta, tampouco comparando-a à avaliação nutricional através da dinamometria.

MATERIAL E MÉTODOS Realizou-se estudo transversal em pacientes com mais de 18 anos, com cirrose secundária ao VHC, em acompanhamento ambulatorial no Serviço de Gastroenterologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), RS. O diagnóstico de cirrose foi baseado em testes clínicos, laboratoriais, radiológicos e, em alguns casos, histológicos. Excluíram-se pacientes com hepatocarcinoma e aqueles com histórico de consumo excessivo de álcool, bem como os indivíduos sem condições de usar o dinamômetro e aqueles com retardo mental ou alterações neuromusculares nos membros superiores.

A gravidade da doença hepática foi avaliada pela classificação de Child-Pugh (32) e pelo escore MELD ("model of end-stage liver disease")(7, 36).

A coleta de dados foi realizada de janeiro a abril de 2002, sendo estudadas a mensuração do GEB através da calorimetria indireta (CI) a estimação do GEB pela equação de HB e avaliação nutricional. Os indivíduos foram recrutados na primeira consulta do ambulatório da nutricionista responsável pelo projeto e compareceram na data e local agendados entre 7 e 9 horas da manhã, em jejum de 12 horas, para realizar os procedimentos.

Todos os indivíduos concordaram em participar do estudo e assinaram o termo de consentimento informado, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCPA.

Mensuração da taxa metabólica basal (TMB) A medição da TMB foi realizada pela manhã, em sala com temperatura ambiente controlada, baixa luminosidade e sem ruídos, com o indivíduo em decúbito dorsal, após repouso de 20 minutos. Era fixada em seu rosto uma máscara conectada ao calorímetro portátil (Teen 100 - Aerosport Inc., Ann Arbor, Michigan, EUA). O equipamento foi calibrado antes e após cada medida. O consumo de oxigênio (VO2) e a produção de gás carbônico (VCO2) eram medidos durante 25 minutos com o indivíduo permanecendo deitado e sem se movimentar. A medida da TMB/minuto em quilocaloria (kcal/min) era obtida através da equação: kcal/min = {[3,9(VO2)] + [1,1(VCO2)]} descrita por WEIR(43), com os últimos 20 minutos, observando tempo de equilíbrio inicial de 5 minutos, cuja média foi multiplicada por 1440 para se obter a TMB de 24 horas.

Equação de predição A equação de predição de HB foi utilizada para estimar o gasto energético basal de indivíduos enfermos. Esta equação desenvolvida, uma para cada sexo, inclui como variáveis independentes a massa corporal, a estatura e a idade(12).

Avaliação do Estado Nutricional A avaliação nutricional incluiu avaliação nutricional subjetiva global (ANSG) (8, 10), aferição da força do aperto de mão não-dominante por dinamometria (FAM)(2, 42), cujos resultados foram comparados a valores de referência na população deste estudo(3, 5), inquérito alimentar de 3 dias(34) e antropometria (peso e altura, índice de massa corporal 'IMC, prega cutânea do tríceps 'PCT e circunferência muscular do braço 'CMB)(13).

Cálculo da amostra O cálculo da amostra foi realizado através do programa estatístico "Computer Programs for Epidemiologists" (PEPI), versão 3.0, com poder de 80%, intervalo de confiança de 95% e nível de significância de 0,05.

O tamanho da amostra foi determinado em 33 indivíduos, considerando uma diferença de 250 calorias no GEB medido e estimado, e desvio padrão de 320 e 360 calorias.

Análise dos dados A apresentação da amostra foi descritiva, na forma de tabelas, como média, desvio padrão e freqüência. As comparações entre GEB medido pela calorimetria e o GEB estimado pela equação de predição, seguiram o método proposto por BLAND e ALTMAN(6) com estimativa da diferença média e seu limite de concordância de 95% (LC 95%). O nível de significância adotado foi de 5% (a = 0,05). A análise dos dados foi realizada pelo programa estatístico "Statistical Package for the Social Sciences", versão 10.0 (SPSS Inc, Chicago, IL, EUA). A comparação das médias entre o estado nutricional avaliado pela FAM e ANSG e o GEB foi realizado pelo teste t de Student para amostras independentes.

RESULTADOS A amostra foi composta por 34 indivíduos com cirrose pelo vírus C, sendo 18 (52,9%) homens e 16 (47,1%) mulheres, com média de idade de 53,7 anos (41 a 70 anos).

Quanto ao grau de doença hepática, 15 pacientes (44,2%) foram classificados como Child-Pugh A, 12 (35,3%) como B e 7 (20,6%) como C. Apenas quatro (11,8%) indivíduos apresentaram ascite. Em relação ao escore MELD, 33 (97,1%) apresentaram valores inferiores a 20. As características clínicas da população estudada estão descritas na Tabela_1.

Vinte e dois indivíduos (64,7%) responderam e entregaram o inquérito recordatório e em 19 (55,9%) foi possível utilizar os dados da calorimetria indireta. Nos 15 pacientes restantes, os níveis de VO2 e VCO2 encontravam-se abaixo do recomendado, o que possibilitaria a alteração da qualidade dos dados da calorimetria, motivo pelo qual foram excluídos.

A média da ingestão calórica em 22 indivíduos foi de 1613 ± 374,7 kcal/dia, com consumo médio de 60,9 ± 20,6 g proteínas/dia. Na Tabela_2 estão discriminados os valores médios de ingestão diária de macro e micronutrientes, bem como o percentual do ideal para cada indivíduo de acordo com sexo, idade e gravidade da doença(12, 25, 30).

Os parâmetros nutricionais estão descritos na Tabela_3. A média de peso dos indivíduos foi de 70,5 kg e a estatura média de 163 cm, o que correspondeu ao índice de massa corporal médio de 26,6 kg/m2, onde 13 (38,2%) encontravam-se eutróficos e 21 (61,8%) com sobrepeso. Quando avaliados pela ANSG, 22 (64,7%) pacientes estavam bem nutridos e 12 (35,3%) com desnutrição leve. Na avaliação da PCT, seis (17,6%) pacientes tinham algum grau de desnutrição e na CMB dois (5,9%) encontravam-se desnutridos. A mensuração da FAM pela dinamometria demostrou que 27 pacientes (79,4%) encontravam-se em risco nutricional e apenas 7 pacientes bem nutridos. Em relação à desnutrição e gravidade da doença hepática, a FAM detectou desnutrição em 10 pacientes Child A (66,7%) e em 17 Child B e C (84,5%), enquanto que a ANSG detectou desnutrição em 3 pacientes Child A (20%) e em 9 pacientes Child B e C (47,4%).

O valor médio (±DP) da TMB medida foi de 1059,9 ± 309,6 kcal em 19 pacientes, enquanto que a média do valor estimado pela equação foi de 1404,5 ± 150,3 kcal.

Os LC de 95% entre a TMB medida e estimada estão demonstrados no gráfico de BLAND e ALTMAN (Figura_1). A variação do LC 95% foi de 123 a 812 kcal, com diferença média de 344 kcal a mais na TMB estimada por HB.

Na Tabela_4, são comparados os achados da TMB estimada e medida em relação à avaliação nutricional por FAM e ANSG.

DISCUSSÃO A desnutrição é freqüentemente encontrada em pacientes com doença hepática crônica e pode influenciar na sobrevida a curto e longo prazo(2). A maior parte dos estudos avalia pacientes cirróticos independente da etiologia, estudando etiologia viral (vírus B, vírus C), colestática, alcoólica e outras(1, 2, 11), o que é inadequado. Existem poucos estudos onde a prevalência de desnutrição é descrita em cirróticos de origem não-alcoólica(30, 40) e pouco é sabido da avaliação nutricional e do gasto energético basal em pacientes com cirrose secundária à infecção crônica pelo VHC, o que foi avaliado no presente estudo.

Os indivíduos estudados eram pacientes cirróticos ambulatoriais, em sua maioria Child A e B e sem risco de vida apreciável em 3 meses, conforme atestado pelo escore MELD.

A avaliação nutricional é difícil em pacientes cirróticos, os estudos sugerem não haver um padrão-ouro para diagnosticar sua desnutrição.

Nenhum paciente foi considerado desnutrido pelo IMC. Ao contrário, a prevalência de sobrepeso foi alta (62%), talvez influenciada pela retenção hídrica. Nos pacientes classificados com sobrepeso pelo IMC, encontrou-se diagnóstico de desnutrição pela ANSG em 38% e pela FAM 85,7%, portanto, o IMC não parece adequado para avaliar este grupo, o que está de acordo com estudos recentes(33, 44, 45).

Na ANSG, encontrou-se prevalência de desnutrição de 35,3%. Alguns componentes da ANSG são qualitativos, como nível de massa muscular e perda de gordura subcutânea, o que favorece esta avaliação, mas em contrapartida, a estimativa de perda de peso que faz parte da avaliação é difícil de ser determinada na presença de ascite e retenção hídrica(1). Vários estudos utilizam a ANSG na avaliação nutricional em cirróticos, apresentando a desnutrição por ela avaliada e a evolução clínica de pacientes(31).

Nos pacientes estudados, a prevalência de desnutrição pelos métodos de PCT e CMB foi baixa 5,9 e 17,6%, respectivamente, indo ao encontro com outros estudos(1, 2), mas contra outros(33, 36).

A utilidade das proteínas séricas é limitada pela diminuição da síntese hepática, o que dificulta sua aplicação na avaliação nutricional. Ao contrário de outros estudos em que foram utilizadas proteínas séricas(33, 38, 44), como albumina e pré-albumina, este parâmetro não foi avaliado neste trabalho. Boa alternativa para avaliar a desnutrição protéica é a FAM. No presente estudo ela detectou 79,4% de desnutrição, o que vai de encontro com outros estudos em cirróticos(3, 4). Ademais, estudo realizado no nosso meio em 50 pacientes com cirrose, igualmente demonstrou superioridade da FAM no diagnóstico de desnutrição, quando comparado a outros métodos(4). O uso da FAM aumentou consideravelmente o diagnóstico de desnutrição quando comparado à ANSG (79,4 e 35,3%, respectivamente), refletindo provavelmente, a capacidade de diagnosticar a desnutrição em indivíduos sem quaisquer evidências clínicas.

Em cirróticos, uma simples noite de jejum pode ter efeito negativo na homeostase e metabolismo energético e induzir a quebra das reservas endógenas de gordura e proteínas(26). Nos pacientes estudados, a ingestão dietética foi inapropriada tanto em macro, quanto em alguns micronutrientes (Tabela_2). A ingestão calórica dos indivíduos ficou em 80% do recomendado, o que certamente contribui para um estado nutricional deletério. Achados semelhantes foram descritos por DAVIDSON et al.(9), estudando 52 pacientes cirróticos e comparados a controles. Outro estudo recente em nosso meio(46) avaliou a ingestão de 32 pacientes cirróticos internados, com resultados semelhantes. Em relação aos micronutrientes, encontrou-se inadequação em relação à ingestão de cálcio, de magnésio, de ferro e, especialmente, de zinco.

A baixa ingestão alimentar é freqüentemente observada em pacientes cirróticos, independente do estágio da doença. A impressão que se tem é que hábitos culturais e a falta de orientação especializada induzem a restrições desnecessárias de proteínas e de gorduras. A restrição de sal e a conseqüente redução da palatabilidade dos alimentos é mais um fator que interfere na ingestão. Outro fator que contribui para a inapetência e anorexia destes pacientes é a baixa ingestão de zinco, que tem sido associada a menor acuidade do paladar(20). Na presente série observou-se que todos os pacientes tinham ingestão média de zinco abaixo de 35% da RDA.

O GEB foi medido pela calorimetria indireta nos 34 indivíduos estudados. Foi possível utilizar seu resultado em 19 pacientes. Nos 15 restantes, o equipamento de medição não conseguiu captar adequadamente as trocas gasosas, reduzindo seus valores e alterando a qualidade dos dados.

No presente estudo o GEB medido pela calorimetria indireta, foi mais baixo que o estimado pela equação de HB, o que está de acordo com alguns estudos prévios (28, 37). Opiniões diferentes foram descritas por outros autores que encontraram aumento do GEB medido em relação ao estimado(19, 40). Essas observações controversas podem ser explicadas pela heterogeneidade da população de pacientes, por problemas metodológicos associados à medição do GEB e da avaliação nutricional(40).

Alguns estudos descrevem a presença de hipermetabolismo em cirróticos desnutridos. No estudo em questão não houve diferença significativa entre o GEB medido e estimado em pacientes cirróticos bem nutridos e desnutridos.

Na análise pelo método de BLAND e ALTMAN(6) os dados obtidos entre o GEB estimado e medido não concordam entre si (Figura_1). Estes resultados necessitam de confirmação com amostras maiores.

CONCLUSÕES A desnutrição foi freqüente nos pacientes cirróticos estudados e a FAM parece ser o método mais sensível para o seu diagnóstico. A ingestão calórico-protéica foi inadequada nesses pacientes. Considerando que o GEB estimado foi superior ao medido e a necessidade de oferecer um maior aporte calórico a estes pacientes, a utilização da equação de predição talvez possa substituir o uso da calorimetria indireta nestes pacientes.

AGRADECIMENTO Ao Fundo de Incentivo a Pesquisa e Eventos (FIPE) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, pelo apoio financeiro.


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