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BrBRCVHe0004-28032007000100011

BrBRCVHe0004-28032007000100011

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0004-2803
Year2007
Issue0001
Article number00011

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Doença hepática não-alcoólica: evolução após derivação gastrojejunal em Y-de- Roux pela técnica de fobi-capella ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLE

Doença hepática não-alcoólica: evolução após derivação gastrojejunal em Y-de- Roux pela técnica de fobi-capella

Nonalcoholic fatty liver disease: evolution after gastric bypass

Alexandre Coutinho Teixeira de FreitasI, II; Diane Teixeira de FreitasIII; Mônica Beatriz ParolinI; Antônio Carlos Ligocki CamposI, II; Júlio Cezar Uili CoelhoI, II IDepartamento de Cirurgia da Universidade Federal do Paraná IIServiço de Cirurgia Geral do Hospital Nossa Senhora das Graças IIIServiço de Nutrição do Hospital Nossa Senhora das Graças, Curitiba, PR Correspondência

INTRODUÇÃO A doença hepática não-alcoólica apresenta alta prevalência na população(9, 16).

Ela consiste de várias situações, desde a esteatose hepática e esteatohepatite, até a cirrose e hepatocarcinoma(20, 32). Atualmente existem evidências de se considerá-la como processo evolutivo(20). A diabetes tipo 2 e a dislipidemia são considerados fatores de risco para a doença(21, 23). No entanto, o fator mais importante é a presença de obesidade(22, 32). Esses fatores, associados à hipertensão arterial, compõem a síndrome metabólica, observada habitualmente na doença hepática não-alcoólica primária(23). A doença hepática não-alcoólica secundária ocorre como conseqüência de cirurgias de derivação intestinal, rápida perda de peso, nutrição parenteral total, medicamentos (amiodarona), lipodistrofia e doença de Wilson(23).

Nos Estados Unidos, de acordo com o National Health and Nutrition Examination Survey III, a prevalência de doença hepática não-alcoólica primária aumenta de acordo com o índice de massa corporal IMC(16). Outros estudos determinam a prevalência de doença hepática não-alcoólica em pacientes com indicação de cirurgia bariátrica. MARCEAU et al.(19) demonstraram prevalência de 86% para esteatose, 23% para esteatohepatite e 2% para cirrose em 551 pacientes.

O desenvolvimento de esteatose hepática é o primeiro processo na fisiopatologia da doença. Pacientes obesos apresentam resistência periférica à insulina e níveis séricos desse hormônio elevados. Isso determina aumento do transporte de ácidos graxos do tecido adiposo para o fígado desenvolvendo a esteatose ' denominado "primeiro impacto"(10, 11). Nessa fase o fígado encontra-se muito suscetível a insultos adicionais como consumo de etanol e lipopolissacarídeos bacterianos e a apoptose torna-se fenômeno mais freqüentemente observado(30, 42). A progressão para esteatohepatite e cirrose não é totalmente esclarecida.

No entanto, o estresse oxidativo e as citocinas são os principais efetores dessa evolução ' chamado "segundo impacto"(4, 10, 18, 31, 37, 40). Indivíduos obesos apresentam alta prevalência de apnéia do sono. A hipoxemia intermitente secundária à apnéia pode participar na fisiopatologia da doença hepática não- alcoólica interferindo com o estresse oxidativo e resistência à insulina(6, 29, 35). Também deve-se considerar o consumo aumentado de gordura e carboidratos na dieta, que também interferem no mesmo mecanismo(29, 35).

O presente estudo teve como objetivo avaliar o efeito da derivação gástrica em Y-de-Roux pela técnica de Fobi-Capella na incidência de doença hepática não- alcoólica e co-morbidades relacionadas em pacientes com obesidade mórbida.

MÉTODOS No período de de fevereiro de 2003 até fevereiro de 2004 foram prospectivamente analisados pacientes com obesidade mórbida atendidos na clínica privada de um dos pesquisadores. Aqueles com indicação cirúrgica, operados e com esteatose hepática foram incluídos no estudo. A indicação cirúrgica foi realizada de acordo com os mesmos critérios atualmente estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina: a) IMC >40 kg/m2 ou IMC entre 35 e 39,9 kg/m2 associado à co-morbidade relacionada à obesidade; b) obesidade refratária a tratamento clínico conservador.

No pré-operatório, os pacientes foram avaliados conforme protocolo padronizado de exames complementares e consultas com especialidades. De interesse para o estudo determinou-se: idade, sexo, peso corporal, IMC, freqüência das co- morbidades (incluindo-se história de hepatite B e C), medicações em uso, hábitos etílicos. Também, resultados de exames complementares: AST, ALT, triglicerídeos, colesterol total, saturação da transferrina e ultra-sonografia abdominal. O diagnóstico das co-morbidades foi determinado baseado no relato do paciente associado à análise dos medicamentos em uso ou através da detecção nos exames pré-operatórios.

Pacientes com alteração de qualquer uma das provas hepáticas foram submetidos a biopsia hepática peroperatória. A cirurgia realizada foi a derivação gastrojejunal em Y-de-Roux pela técnica de Fobi-Capella, por via laparotômica.

No pré-operatório, o diagnóstico de esteatose hepática foi realizado de três maneiras: a) achado da ultra-sonografia pré-operatória isoladamente; b) critério de Clark(16) - AST>37 U/L ou ALT>40 U/L (sexo masculino); AST ou ALT>31 U/L (sexo feminino); ambas as situações na ausência de consumo etílico importante, hepatite B e C e saturação da transferrina >50%; c) associação das duas situações anteriores.

Após no mínimo 6 meses de pós-operatório, analisou-se: peso, percentagem de perda do excesso de peso, IMC, freqüência das co-morbidades, medicações em uso, os mesmos exames laboratoriais e incidência de esteatose. A percentagem de perda do excesso de peso (%PEP) foi calculada pela fórmula: %PEP = (peso inicial ' peso atual / peso inicial ' peso ideal) x100. O peso atual foi considerado como aquele no momento da avaliação no pós-operatório. O peso ideal foi baseado no estudo populacional da Metropolitan Life Insurance Company.

Os valores do peso, IMC, colesterol total e triglicerídeos foram analisados pelo teste t. A freqüência de ocorrência da esteatose e a freqüência de ocorrência de todas as outras co-morbidades, medicações em uso e freqüência de alteração de provas hepáticas foram analisadas pelo teste exato de Fisher.

Considerou-se o nível de significância de 0,05 (P <0,05).

RESULTADOS No período de de fevereiro de 2003 até fevereiro de 2004 foram atendidos 50 pacientes com obesidade mórbida com indicação cirúrgica. Desses, 28 (56%) foram diagnosticados com esteatose hepática e incluídos no estudo (Tabela_1).

Não houve mortalidade precoce ou tardia no pós-operatório. Os pacientes foram analisados em média com 230 ± 75 dias de pós-operatório. A %PEP foi em média 64,3% ± 11%. No pós-operatório houve redução significativa do peso médio (P <0,01) e do IMC médio (P <0,01) (Tabela_2).

Os pacientes apresentaram no pré-operatório 59 co-morbidades (exceto a esteatose hepática) ' média de 2,07 por paciente (Tabela_3). Não foi detectado hábito etílico significativo, diagnóstico de hepatite viral ou saturação da transferrina >50%. No pós-operatório, apresentaram 21 co-morbidades, média de 0,75 por paciente, incluindo-se 6 co-morbidades relacionadas à cirurgia, ausentes no pré-operatório (Tabela_3). Co-morbidades foram evidenciadas em 25 pacientes no pré-operatório e em 13 pacientes no pós-operatório (P <0,01) (Tabela_3). Houve redução significativa das taxas de triglicerídeos (P <0,01) e colesterol (P = 0,01) e da freqüência de ocorrência de hipertensão arterial (P <0,05) (Tabela_3). No pré-operatório, 15 pacientes usavam algum tipo de medicamento; no pós-operatório, 8 (P = 0,1). Todos os pacientes usaram suplementação com complexo vitamínico no pós-operatório, o que não foi computado. Os medicamentos usados no pré e no pós-operatório estão listados na Tabela_4.

Em 50% dos casos o diagnóstico da esteatose hepática foi realizado com a associação da ultra-sonografia pré-operatória e alteração das provas hepáticas do critério de Clark (Tabela_5). Ao todo, 22 pacientes foram submetidos a biopsia hepática. Os resultados estão listados na Tabela_6. Houve redução da incidência de AST (P <0,05) e ALT (P <0,01) elevadas no pós-operatório em relação ao pré-operatório. Vinte pacientes apresentaram elevação de ALT, AST ou ambas. Desses, em 95% dos casos a ALT estava mais elevada. A relação ALT/AST foi de 1,5. No pós-operatório houve redução significativa na incidência de esteatose hepática (P <0,01), sendo observada em 11 pacientes. O diagnóstico foi realizado através de ultra-sonografia e ALT elevada em um caso, elevação isolada de AST em quatro e elevação isolada de ALT em seis casos.

DISCUSSÃO A obesidade é considerada o fator de risco mais importante no desenvolvimento de doença hepática não-alcoólica. Acredita-se que a prevalência da doença esteja aumentando devido ao comprovado aumento da obesidade em diversos países ocidentais(16). Poucos estudos determinam a prevalência da doença hepática não- alcoólica em obesos. Ainda, os resultados desses estudos variam de acordo com o método utilizado para o diagnóstico(16).

Em estudo de pacientes com obesidade no norte da Itália, a prevalência de doença hepática não-alcoólica foi de 76%(3). Nesse estudo, o método usado para o diagnóstico foi a ultra-sonografia. Normalmente observa-se fígado esbranquiçado, brilhante, se comparado com a ecogenicidade renal(12, 17).

Apresenta ainda sombras acústicas posteriores e perda da definição da imagem dos vasos intra-hepáticos(12, 17). A sensibilidade varia de 67% a 100% e a especificidade de 77% a 95% para a detecção de esteatose(8, 17, 32, 34). Para a detecção de fibrose a sensibilidade varia de 57% a 77% e a especificidade de 85% a 89%(8, 17, 32, 34). Trata-se, atualmente, do método de imagem de escolha para o diagnóstico visto sua praticidade, disponibilidade e custo. A associação de achados ecográficos com alteração de transaminases confere valor preditivo positivo de 96% para o diagnóstico de doença hepática não-alcoólica(17).

Os níveis de AST e ALT podem ser utilizados para o diagnóstico(44). Em 65% a 95% dos doentes com doença hepática não-alcoólica, a ALT é mais elevada que a AST(44). Em contraste, em indivíduos com doença hepática alcoólica habitualmente a AST é mais elevada que a ALT(24, 32). Outras enzimas hepáticas como a fosfatase alcalina e a gama-glutamil-transferase estão elevadas em 1/ 3 dos pacientes. Normalmente não se observam alterações de albumina, coagulação e bilirrubinas, exceto quando a cirrose está presente(12). Os dados do National Health and Nutrition Examination Survey III (NHANES) analisaram a prevalência de doença hepática não-alcoólica na população adulta dos Estados Unidos com três diferentes critérios(16). O critério modificado de Ruhl considerou o diagnóstico de doença hepática não-alcoólica no caso de ALT>40 U/ L na ausência de hepatite B ou C, consumo significativo de álcool e saturação da transferrina >50%. O diagnóstico foi positivo em 6,6% dos pacientes com IMC de 30-34,9 kg/m2 e em 6,8% dos casos com IMC >35 kg/m2. O critério italiano considerou o diagnóstico nos indivíduos do sexo masculino com ALT >30 U/L e nos do sexo feminino com ALT >19 U/L na ausência de hepatite B ou C, consumo significativo de álcool e saturação da transferrina >50%. O diagnóstico foi positivo em 18,1% dos pacientes com IMC de 30-34,9 kg/m2 e em 24% dos com IMC >35 kg/m2. O critério de Clark considerou o diagnóstico nos indivíduos do sexo masculino com AST >37 U/L ou ALT >40 U/L e nos do sexo feminino com AST ou ALT >31 U/L na ausência de hepatite B ou C, consumo significativo de álcool e saturação da transferrina >50%. O diagnóstico foi positivo em 9,3% dos pacientes com IMC de 30-34,9 kg/m2 e em 11,6% dos com IMC >35 kg/m2.

No presente estudo utilizou-se como critério diagnóstico a associação do critério de Clark com a ultra-sonografia. O diagnóstico de esteatohepatite foi realizado somente através de biopsia hepática, quando indicada. No seguimento dos casos utilizaram-se os mesmos critérios.

DIXON et al.(13) realizaram biopsia hepática 25,6 meses após a colocação de banda gástrica laparoscópica e observaram diminuição da esteatose, da atividade inflamatória e do grau de fibrose centrolobular.

A síndrome metabólica, ou síndrome X, é causada pela resistência periférica à insulina(7, 27) relacionada à ingestão de grandes quantidades de carboidratos e gordura saturada, resultando no aumento dos ácidos graxos plasmáticos e depósito de tecido adiposo(7, 27). Obesidade é observada em 40% a 100% dos pacientes, 20% a 75% apresentam diabetes mellitus tipo 2 e 20% a 81%, hiperlipidemia(7, 27). A doença hepática não-alcoólica está presente em proporção elevada de pacientes e o foco principal de seu tratamento é a mudança de hábitos de vida e, principalmente, perda de peso. Perda de 10% do peso é suficiente para melhora das transaminases e de outros fatores relacionados à síndrome metabólica(1, 39, 41, 43). Normalmente observa-se melhora da esteatose e esteatohepatite, no entanto em somente 50% dos pacientes melhora do grau de fibrose(43).

Existe preocupação na literatura médica a respeito dos efeitos deletérios para o fígado relacionados a grandes perdas de peso em curto período de tempo.

Existem referências a não se exceder perda de 1 kg por semana(1). SLIGTER et al.(38) descreveram um paciente com esteatose hepática submetido a derivação gástrica em Y-de-Roux com redução do IMC de 52 kg/m2 para 24 kg/m2 e perda de 30 kg em 1 ano. Houve piora dos níveis de transaminases e a biopsia hepática no pós-operatório demonstrou esteatohepatite e fibrose hepática graus 1 e 2.

Outro fator importante é a realização de exercícios físicos. Foram observados benefícios dos exercícios, mesmo na ausência de perda de peso. Ocorre melhora da sensibilidade à insulina, decréscimo dos depósitos de gordura visceral, melhor utilização de ácidos graxos pelos músculos e melhora da atividade da lipase(15). A capacidade de realização de exercícios físicos no pós-operatório de cirurgia bariátrica é melhorada. O método mais usado para análise pós- operatória é o sistema BAROS ' Bariatric Analysis and Reporting Outcome System (28). Nesse método, além da perda de peso e melhora das co-morbidades, verificam-se cinco aspectos relacionados à qualidade de vida, entre eles a realização de exercícios físicos. Vários autores demonstram melhora na pontuação do sistema BAROS após a cirurgia bariátrica, refletindo, entre outros fatores, em maior capacidade física e realização de exercícios(14, 25, 36, 37).

Fatores dietéticos também são importantes e estão implicados na patogênese da doença hepática não-alcoólica(5, 26). No seu tratamento os pacientes são orientados a realizar dieta pobre em gordura saturada, pobre em sal, sem consumo de bebidas alcoólicas e rica em fibras, vegetais e frutas(2, 33). No pré e no pós-operatório de cirurgia bariátrica todos os pacientes são submetidos a avaliação e orientação nutricional. No presente estudo os pacientes foram acompanhados por nutricionista e orientados a modificar seus hábitos dietéticos, de acordo com a restrição imposta pela cirurgia. A derivação gástrica em Y-de-Roux é considerada cirurgia mista em relação ao mecanismo de perda de peso. Nessa situação predomina mais o componente restritivo da redução do volume gástrico do que o componente disabsortivo proporcionado pelo Y-de-Roux. O volume gástrico no pós-operatório imediato é, em média, de 30 mL. Isso torna necessária uma dieta hipocalórica fracionada e em pequenos volumes. No decorrer do tempo o volume é gradualmente aumentado.

Síndrome de dumping é freqüente em pacientes que não seguem a dieta apropriadamente. A derivação gástrica permite que o paciente apresente saciedade precoce e mesmo redução do apetite, fatores mediados por alterações neurohormonais.

Neste estudo houve significativa perda de peso com a derivação gastrojejunal em Y-de-Roux, associada à redução na incidência de esteatose hepática e de outras co-morbidades. O seguimento médio foi de 230 ± 75 dias. Diversos estudos demonstram que nesse período ainda não ocorreu a perda de peso máxima possível com o procedimento. Especulou-se que com períodos de seguimento mais prolongados obter-se-ia maior perda de peso e, possivelmente, maior redução da incidência de esteatose e outras co-morbidades.

Conclui-se que ocorre redução da incidência de doença hepática não-alcoólica e suas co-morbidades em pacientes submetidos a derivação gastrojejunal em Y-de- Roux.


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