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National varietyBr
Year2006
SourceScielo

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Perspectivas históricas do Projeto Genoma e a evolução da enfermagem HISTÓRIA DA ENFERMAGEM

1. INTRODUÇÃO Por mais de quarenta anos, enfermeiros vêm atuando como conselheiros e educadores na área de genética e, conseqüentemente, contribuindo para ampliar o conhecimento dos profissionais em relação aos aspectos biológicos e psicossociais do processo saúde-doença, transformando o modo de assistência à população(1).

Com a finalização do Projeto Genoma Humano, iniciou-se uma revolução no campo da genética, adentrando-se em uma nova época denominada "Era Genômica", a nova fronteira para a ciência. Os mistérios do conhecimento do genoma humano apenas começaram a ser revelados, porém, se antecipam grandes avanços, trazendo profundas modificações e implicações para os profissionais de saúde e para o paradigma atual no qual esses mesmos profissionais não têm sido educados, mas também exercem sua profissão(2).

Este artigo tem por objetivo traçar um panorama histórico das principais transformações que estão ocorrendo na enfermagem, após a finalização do Projeto Genoma. São apresentadas informações atuais sobre genética, o Projeto Genoma Humano, pesquisa genômica e sua interface com a prática da enfermagem, assim como propostas de vanguarda em várias áreas de pesquisa importantes para os enfermeiros.

2. DA GENÉTICA À GENÔMICA A genética pode ser convencionalmente definida como a ciência que estuda os genes, seu funcionamento, os mecanismos através dos quais os traços biológicos são transmitidos de geração para geração e expressos em um indivíduo(1). O enfoque tradicional da genética está centrado em alterações cromossômicas, doenças hereditárias ou síndromes raras, que afetam apenas uma pequena porção da população como, por exemplo, fibrose cística, anemia falciforme, hemofilia, as quais são conhecidas como doenças monogênicas por resultarem de alterações ou mutações em um único gene(3,4). Entretanto, a nova visão da genética amplia esse conceito, reconhecendo que várias doenças, freqüentes, cujas causas, a princípio, eram vistas como resultantes do estilo de vida, dieta e fatores ambientais também podem possuir componente genético e hereditário. Atualmente, reconhece-se que as interações entre o genoma, ou seja, todo o DNA (DeoxyriboNucleic Acid ) contido em um organismo ou em uma célula, e o meio ambiente desempenham papel fundamental no desenvolvimento de muitas patologias, podendo-se considerar que nove entre as dez causas de morte ou invalidez mais freqüentes na população têm um componente genético, tornando-se problema de saúde pública(2).

Os serviços de genética clínica desenvolveram-se centrados no modelo médico holocêntrico, voltados basicamente para aconselhamento genético pré-natal, identificação de desordens pediátricas associadas a defeitos congênitos e erros inatos do metabolismo, assim como doenças crônico-degenerativas de aparecimento tardio(4). No Brasil, esses serviços ainda são prestados principalmente por médicos geneticistas, raramente envolvendo especialistas de outras áreas, em centros de pesquisa ligados a grandes universidades ou em serviços privados, não sendo inclusos no Sistema Único de Saúde(5).

Avanços genéticos e tecnológicos têm proporcionado entendimento mais abrangente de como modificações genéticas influenciam a variabilidade entre os seres humanos e sua predisposição para desenvolver enfermidades como câncer, doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes, obesidade, doença de Alzheimer entre outras. Patologias como essas são freqüentemente resultado de complexas interações entre vários genes e uma variedade de exposições ambientais, as quais podem disparar, acelerar ou exacerbar o processo de adoecimento(6).

Essa revolução na genética está criando nova demanda para os profissionais de saúde que consideram a relação de aspectos genéticos com o risco aumentado para determinadas doenças. Dentre esses profissionais, destaca-se um número crescente de enfermeiros em todo o mundo que estão incluindo esses conhecimentos em suas práticas assistenciais, no ensino acadêmico, na pesquisa e na educação dos seus clientes(4,7).

3. O PROJETO GENOMA HUMANO: PASSADO, PRESENTE E FUTURO A meta ambiciosa do Projeto Genoma Humano (PGH) era o desenvolvimento detalhado do mapa físico e genético do genoma humano, determinando a seqüência completa dos nucleotídeos do nosso DNA. A idéia de seqüenciar todo o genoma humano surgiu em discussões científicas iniciadas em 1984, porém, foi em 1988 que o Departamento de Energia e os Institutos Nacionais de Saúde norte-americanos conseguiram fundos junto ao Congresso para iniciar o planejamento do projeto.

Os planejadores estabeleceram um período de 15 anos para a finalização do mesmo e orçamento de três bilhões de dólares. No dia primeiro de outubro de 1990, iniciou-se oficialmente o PGH nos Estados Unidos, como um projeto internacional desde o início, envolvendo cientistas do Reino Unido, Alemanha, França, Japão e China(8).

Em 14 de abril de 2003, o PGH foi anunciado como estando completo, dois anos antes do prazo inicialmente estabelecido e quatrocentos milhões de dólares abaixo do orçamento preliminar. O Consórcio Internacional de Seqüenciamento do Genoma Humano, o grupo que trabalhou no projeto, completou toda a seqüência do genoma humano com alta qualidade, provendo um poderoso instrumento para o entendimento da biologia e das patologias humanas. Cientistas têm utilizado essa ferramenta para identificar genes associados a muitas doenças complexas como os cânceres de mama, cólon e próstata, diabetes, asma, entre outras(2).

Como todas as áreas, a genômica também tem sua terminologia particular. O termo genômica, cunhado aproximadamente 15 anos(3), é o estudo não somente de genes isolados, mas de funções e interações de todos os genes no genoma de um ser vivo. A genômica explora as relações entre os genes e o meio ambiente, geralmente observadas em doenças freqüentes na nossa população. Essas patologias podem ser consideradas tão comuns que o cuidado genético, nesses casos, poderá ser suprido envolvendo ocasionalmente o médico geneticista, mas, sobretudo, os profissionais que atuam na assistência primária à população(4).

A importância da investigação sobre as implicações éticas, legais e sociais da pesquisa genômica foi reconhecida desde o início do PGH. Com a finalidade de abranger essas questões, criou-se em 1990 o Programa de Pesquisa de Implicações Éticas, Legais e Sociais (Ethical, Legal and Social Implications Research Program, ELSI) como parte integrante do PGH. Esse programa provê nova abordagem para identificar e analisar esses aspectos em paralelo com a pesquisa em ciências básicas.Pesquisas financiadas por verbas desse programa têm abordado diferentes temas, dentre eles incluem-se aplicação de distintas estratégias de aconselhamento genético, estudos em populações indígenas, o impacto social da engenharia genética, o estigma de ter uma doença genética, promovendo assim o uso da genômica para maximizar os benefícios e minimizar os prejuízos de suas aplicações junto à sociedade(2).

Simultaneamente às publicações que divulgaram a conclusão do projeto genoma, o Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano (National Human Genome Research Institute, NHGRI) publicou sua visão para o futuro da genômica, elaborada a partir de contribuições científicas, que se extenderam por um período de dois anos de discussões, oficinas e consultas a peritos. Essa visão passou a ser adotada como um modelo conceitual para pesquisas na área, o qual é composto por três temas fundamentais: (a) genômica para a biologia, (b) genômica para a saúde e (c) genômica para a sociedade. Cada um desses temas abrange aspectos éticos, legais e sociais; educação; treinamento; recursos humanos e financeiros; desenvolvimento tecnológico e bioinformática ( Quadro1 )(2).

A partir do projeto genoma, várias disciplinas ditas "ômicas" estão surgindo, ou seja, genômica funcional ou transcriptômica, proteômica e até mesmo metabolômica, traçando, respectivamente, um paralelo, com a hierarquia biológica dos processos de transcrição do DNA em RNA; síntese protéica ou tradução; e síntese de pequenas moléculas ou processos metabólicos. O significado desses termos e as implicações desses estudos podem ser exemplificados pela proteômica. As indústrias farmacêuticas têm investido grandes verbas de pesquisa em proteômica, preocupando-se, a princípio, em determinar a estrutura, expressão, localização, atividade bioquímica, interações e funções do maior número de proteínas possível, buscando o desenvolvimento de medicamentos com bases genéticas, cada vez mais individualizados(9).

4. ASPECTOS HISTÓRICOS DA ATUAÇÃO DA ENFERMAGEM EM GENÉTICA Em 1962, foi publicado o primeiro artigo citando a importância da inclusão de conteúdos de genética no currículo de enfermagem(10) e, durante as décadas de 1960 e 1970, a genética foi conceituada como importante componente da prática de enfermeiros, especialmente nas áreas de saúde comunitária e enfermagem materno-infantil(1).

A figura do enfermeiro especialista em genética começou a ter visibilidade nos anos 80, quando se definiu pela primeira vez a função do enfermeiro geneticista como um profissional essencial na equipe interdisciplinar de aconselhamento genético(1).

Um pequeno grupo, composto por oito enfermeiros, envolvidos em ministrar cuidados na área de genética, organizou-se, a princípio informalmente, e quatro anos após, em 1988, fundou a Sociedade Internacional dos Enfermeiros Geneticistas (International Society of Nurses in Genetics, ISONG)(1). Hoje, o quadro de membros da ISONG abrange os seis continentes, contando com aproximadamente 400 membros, que atuam na academia, em hospitais, em instituições privadas, indústrias, em saúde pública e junto a órgãos governamentais, nas áreas de saúde materno-infantil, genética pré-natal, genética do câncer, neurogenética, genética cardíaca, genética pediátrica, doenças metabólicas e educação. O objetivo principal dessa organização é cuidar da saúde genética da população. Dez anos após sua fundação, durante o Congresso da Associação Americana de Enfermagem (American Nursing Association, ANA), foi aprovado o documento The Scope and Standards of Genetic Clinical Nursing Practice(11), preparado pela ISONG, o qual está atualmente em fase de expansão e atualização. Esse importante documento determina as normas e diretrizes norteadoras do exercício de enfermagem na área de genética em todo o mundo, definindo e estabelecendo níveis de competência profissional para o enfermeiro atuar na área de genética.

No Brasil, o primeiro profissional nessa área começou a atuar na década de 80 (12) e, desde então, esse número vem aumentando modestamente, com a conquista de novos cenários para tal prática, e as primeiras publicações nacionais começam a aparecer(7,12,13). Acredita-se no grande campo que se desvenda para o enfermeiro geneticista no Brasil, com possibilidades de atuação em diferentes subespecialidades da genética. Porém nem todo profissional de enfermagem precisa ser um perito nessa área, mas é essencial que todos os enfermeiros adquiram conhecimentos básicos para atenderem às novas demandas do cuidado de saúde baseado em genômica.

O COREN-SP (Conselho Regional de Enfermagem do Estado de São Paulo) posicionou-se favoravelmente à atuação do enfermeiro como conselheiro genético, mediante parecer de sua presidenta Ruth Miranda de Camargo Leifert, exarado pela Câmara Técnica Assistencial desse órgão, em 3/10/2001, com bases na Lei 7.498 e seu Decreto 94.406 de 08/06/87. Considerando, ainda, o Parecer da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras, que essa é uma atividade de educação em saúde, não implicando na emissão de diagnóstico clínico, foi emitido por esse Conselho o Parecer de que o enfermeiro, desde que tenha formação científica específica na área de genética, pode atuar na função de conselheiro genético. Seguindo o que está determinado pela Lei do Exercício Profissional de Enfermagem, observa-se que o enfermeiro é profissional único para atuar como conselheiro devido à sua formação acadêmica com enfoque em ciências humanas e biológicas, que lhe confere embasamento teórico-prático suficiente para ministrar atenção holística e assistência integral, aplicados à genética(13).

5. INTEGRANDO A GENÉTICA E A GENÔMICA NO COTIDIANO DA ENFERMAGEM NO BRASIL Com o PGH surgiu o cuidado de saúde baseado em genômica, que pode ser definido como o processo que abrange o diagnóstico, a prevenção e a terapêutica baseados nos genes, considerando as manifestações de sáude como resultantes de combinações do genoma humano e de influências ambientais(14).

Esforços coletivos são necessários por parte dos enfermeiros no mundo todo para assegurar que todos os indivíduos, famílias e populações tenham acesso aos benefícios para a saúde, provenientes da pesquisa genômica. Isso inclui esforços para melhorar a educação e o treinamento dos enfermeiros brasileiros.

Embora a enfermagem, enquanto profissão, reconheça a importância da genética e da genômica na prática clínica, levantamentos realizados em diversos países mostram que esses conteúdos ainda são limitados nos cursos de graduação em enfermagem(14). Em 2003, enfermeiros que participaram da convenção anual da ANA foram entrevistados e afirmaram que não se sentem habilitados para ministrar cuidados que envolvam conhecimentos de genética, mas todos concordaram que a genômica está transformando profundamente a prática da enfermagem(14). No Brasil, tanto alunos como professores dos cursos de enfermagem ainda possuem visão bastante conservadora da genética, provavelmente devido ao conteúdo dos programas atuais, pouco informativos sobre as atribuições próprias dos enfermeiros nesse cenário e sem direcionamento específico para a prática da enfermagem em genética. Os paradigmas vêm se modificando, mas o ensino da genética nos cursos de graduação de enfermagem no Brasil ainda se baseia no modelo médico. Logo, é urgente a transformação pedagógica e clínica(15).

Assim, pode-se concluir que, infelizmente, ainda falta reconhecimento das potencialidades e da autonomia dos enfermeiros no campo da genética no Brasil, contrariamente ao que se observa nos países desenvolvidos. Oportunidades de educação em genética não estão igualmente disponíveis para todos os enfermeiros brasileiros, portanto, está sendo realizado um levantamento nacional junto aos 496 cursos de graduação em enfermagem, procurando conhecer o panorama nacional do ensino de genética para a enfermagem, com o propósito de propor diretrizes para integração de um currículo mínimo de genética específico para enfermeiros (5).

6. RECOMENDAÇÕES E DESAFIOS PARA E ENFERMAGEM NA ERA GENÔMICA No contexto clínico, o enfermeiro é o profissional de saúde que passa maior tempo em contato direto com o paciente, normalmente sendo o primeiro a notar características dismórficas em um recém-nascido, a prover informações para pacientes sobre a natureza de uma doença crônica recentemente diagnosticada, a contribuir para o repensar de questões levantadas sobre o significado dessa doença para os próprios pacientes e para seus familiares e a lidar com o complexo espectro da resposta humana à saúde e à doença(14). Adicionalmente, os enfermeiros estão presentes em todas as comunidades, sendo elos vitais entre indivíduos, famílias e o sistema de saúde. Portanto, é junto ao enfermeiro que os membros da comunidade freqüentemente buscam respostas às suas preocupações e questões de saúde. Logo, a enfermagem possui imensa contribuição a oferecer, educando pacientes, famílias, outros profissionais de saúde e o público sobre o cuidado de saúde baseado em genômica, advogando a favor desses pela segurança e justiça no uso de tal tecnologia e na coordenação personalizada da assistência durante todas as etapas da vida(14).

De modo geral, a formação acadêmica do aluno de enfermagem possibilita uma abordagem holística do cuidado em saúde, considerando aspectos biológicos, físicos, ambientais, sociais, culturais e espirituais de cada pessoa. Por conseguinte, essa categoria profissional possui o potencial para assistir à população(3), vencendo barreiras e evoluindo juntamente com os avanços da genômica. Na atualidade, é aconselhável ampliar o conhecimento de genética entre os docentes e, conseqüentemente, dos enfermeiros como um todo; além de incluir conteúdos curriculares nos cursos de graduação de enfermagem que abranjam competências baseadas em evidências genômicas. Conhecer os desafios impostos à enfermagem no processo de formação do aluno de graduação nessa nova era, possibilita a reflexão e a reunião de esforços no sentido de buscar caminhos para oferecer um ensino que melhor atenda às necessidades de cuidados emergentes. Recomenda-se que o profissional de enfermagem seja preparado para implementar intervenções de enfermagem que promovam a saúde e o bem-estar da população, considerando as interrelações entre o genótipo de um indivíduo e o meio ambiente, seu estilo de vida, dieta e intervenções farmacêuticas(6).

Acerca do desenvolvimento de pesquisas nessa área, é fundamental o compromisso de enfermeiros na condução de pesquisas que abordem temas sobre o impacto da informação genômica sobre os resultados do comportamento em saúde, o processo de enfrentamento das doenças genéticas, o compartilhar de informações sobre essas condições dentro e fora das famílias e a redefinição de papéis frente à informação genética(5,14).

Colaborar na definição e no desenvolvimento de políticas de saúde que incluam questões como os limites éticos para o uso da genômica (proteção contra a discriminação genética, testes genéticos reprodutivos e melhoramento genético); usar a informação genética para estabelecer programas de saúde pública para promoção da saúde e prevenção de doenças; bem como colaborar na elaboração de diretrizes para a proteção, acesso e disseminação da informação genética constituem, da mesma forma, desafios para a enfermagem pós Projeto Genoma Humano(6).

A compreensão das novas questões trazidas pela genômica, e de como os pacientes e seus familiares vêem a si mesmos, à luz dessa nova abordagem do cuidar, é apenas o início da trajetória que a enfermagem pode percorrer, no Brasil e no mundo, para fazer a diferença no cuidado à saúde no século XXI.


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