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BrBRCVHe0034-71672013000200020

BrBRCVHe0034-71672013000200020

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0034-7167
Year2013
Issue0002
Article number00020

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Estratégias pedagógicas para o desenvolvimento da competência ético-política na formação inicial em Enfermagem

INTRODUÇÃO A formação inicial em Enfermagem vem sendo instada a responder ao desafio de formar profissionais competentes para o trabalho em saúde. A Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) / Câmara de Educação Superior (CES) 03, de 07 de novembro de 2001, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação de Enfermagem, definiu o perfil profissional a ser formado: enfermeiros generalistas, humanistas, críticos e reflexivos, o que leva a questionar quais os significados atribuídos à crítica e à reflexão, para além do senso comum(1).

Para o desenvolvimento do perfil profissional almejado, é preciso aprofundar as questões referentes ao processo ensino e aprendizagem. Se necessidade de formar enfermeiros competentes nas dimensões técnica, científica, ética e política, sujeitos sociais com capacidade de atuar em contextos de incertezas e complexidade, pergunta-se: que estratégias pedagógicas podem ser utilizadas para esse fim? Esta reflexão teórica objetiva evidenciar estratégias pedagógicas para o desenvolvimento da dimensão ético-política da competência profissional. Para discutir essas estratégias será abordada a competência profissional, em especial sua dimensão ética e política, e será destacada a teoria da reflexão crítica na ação e sobre a ação, proposta pelo educador urbano norte-americano Donald Schön.

Sua importância reside em problematizar a dimensão ética e política da competência profissional e propor caminhos pedagógicos para favorecer seu desenvolvimento na formação inicial em Enfermagem, a fim de romper um círculo vicioso de justificativas para a ausência de postura crítica e reflexiva por parte dos profissionais.

A NOÇÃO DE COMPETÊNCIA PROFISSIONAL Competência é um vocábulo de origem latina, que tem dois sentidos: pode ser compreendida como a faculdade atribuída a alguém para apreciar e julgar um pedido ou questão como, por exemplo, "o juiz é competente para julgar esta causa", ou ainda como "conhecimento, capacidade ou habilidade da pessoa em resolver problemas, realizar uma atividade"(2).

Competência é sinônimo de "saber fazer bem feito" e possui dupla dimensão: técnica e política. A primeira refere-se ao domínio de conteúdos, técnicas e estratégias. A segunda diz respeito ao aspecto valorativo da atuação, o posicionamento profissional. E a mediação entre essas duas dimensões é realizada pela ética(3).

Além de conhecimentos teóricos e práticos, o exercício profissional requer qualidades, capacidades, habilidades e atitudes relacionadas a esses conhecimentos, que conformam a competência(2).

O relatório da Conferência Internacional sobre Educação para o século XXI, coordenado por Jacques Delors, menciona que o que torna um profissional competente é articulação dos quatro pilares da educação: saber-conhecer, saber- fazer, saber-ser e saber-conviver(4).

A formação baseada na competência compreende a articulação desses pilares: aprender a conhecer e aprender a fazer, para poder agir sobre o contexto em que se vive; aprender a viver em coletividade, a fim de participar da vida em sociedade e colaborar com todos os seres humanos, e aprender a ser, que engloba os três saberes anteriores(4). As dimensões ética e política da competência profissional integram elementos do aprender a ser e a conviver, expressos nas atitudes e valores, no modo de lidar e resolver as diversas situações complexas encontradas no mundo do trabalho.

Na formação em Enfermagem, o aprender a fazer é bastante destacado. Contudo, para ser competente, não basta ao profissional ter conhecimentos e habilidades para fazer seu ofício. É preciso saber fazê-lo bem, o que implica querer fazer e poder fazê-lo, em face de limites e possibilidades do contexto em que realiza a ação profissional(3).

A intencionalidade é um componente essencial na ação ético-política. Para que uma ação seja qualificada como competente é de suma importância a decisão do que fazer com o saber, para que o saber e o saber-fazer não tenham sentidos isolados. A intencionalidade presente no saber-fazer distancia a educação de uma suposta neutralidade(3). O posicionamento ético-político do profissional, aliado ao comprometimento social, é uma atitude fundamental para o desenvolvimento da competência profissional nos diferentes contextos do trabalho em saúde.

A AÇÃO EDUCATIVA NO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DA DIMENSÃO ÉTICO-POLÍTICA DA COMPETÊNCIA PROFISSIONAL Para favorecer o desenvolvimento da dimensão ético-política da competência profissional, com a finalidade de intervenção na realidade social, a educação precisa ser propulsora do desenvolvimento humano, constituída por um processo contínuo, amplo e profundo de preparação dos indivíduos ao longo da vida.

No processo de ensino e aprendizagem, a comunicação precisa ser considerada em seu sentido verdadeiro para sustentar e desenvolver a relação entre estudantes e docentes, implicando, por parte do professor, atitudes em que a sensibilidade e a emoção são instrumentos para ampliar as formas de pensar, investigar e cuidar, estimulando o potencial criativo dos educandos e sua auto- governabilidade, a manifestação de suas opiniões, fortalecendo o desenvolvimento da autonomia, da solidariedade e do respeito mútuo(5).

No processo de desenvolvimento da dimensão ético-política da competência profissional, educador e educando ocupam papel importante no cenário da instituição de ensino. O professor é um co-gestor do processo de ensino e aprendizagem dos estudantes e atua como mediador entre o conhecimento disponível e as exigências da prática profissional, além de ser uma referência ética e política para os estudantes. Estes, por sua vez, são protagonistas do seu processo de formação e observam os exemplos dos profissionais que atuam nas instituições de ensino e nos campos de estágios.

Toda prática educativa requer a existência de sujeitos que, ensinando, aprendem e que, aprendendo, ensinam. Disso decorre o cunho gnosiológico da educação, uma vez que a finalidade última dos processos educativos é o conhecimento, no sentido formativo e informativo. Nossas concepções estão estreitamente ligadas à Teoria do Conhecimento ou Gnosiologia (do grego gnôsis, conhecimento) e fazem parte do que anteriormente se denominava Filosofia da Ciência e, mais contemporaneamente, de uma área multidisciplinar chamada Epistemologia (do grego epistéme, ciência)(6).

A prática educativa também é diretiva e política, dado que a atividade do professor não é neutra e tampouco circunscrita à transmissão dos conteúdos. Os educadores apresentam uma autonomia relativa na interação entre escola e sociedade(6). Essa relação propõe uma unidade dialética, um ensino em que o papel de condutor do professor e a atividade do estudante acontecem em uma via de mão dupla(7).

A prática docente crítica envolve um movimento dinâmico e dialético entre o fazer e o pensar sobre o fazer. Uma prática docente baseada em um saber espontâneo resulta em saber empírico, fruto da experiência, mas sem rigorosidade metodológica(7). A consciência da dimensão ética e política da ação docente na prática educativa pode auxiliar no processo de ensino e aprendizagem.

É necessário possibilitar que a curiosidade ingênua do estudante transforme-se em crítica, em curiosidade epistemológica(8), por meio da reflexão sobre a prática, pois é pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que é possível aperfeiçoá-la para o futuro.

O processo de ensinar para a mudança envolve esforços e atitudes tanto dos educadores quanto dos educandos. É um processo que depende do professor sustentar seus conteúdos com elementos históricos, nexos internos, pesquisas científicas e relacioná-los com os contextos onde tais conteúdos apresentam-se.

E depende da atitude ativa do estudante atribuir sentido e significado ao que aprende a fazer, interrogando-se continuamente sobre o porquê de determinada ação.

O processo de ensinar e aprender restrito ao universo técnico não é suficiente para superar, no sentido dialético do termo, os padrões estabelecidos e as formas consagradas de pensar e fazer. Somente a reflexão crítica, aliada ao compromisso genuíno com a sociedade, pode ser agente de mudanças socioculturais. "Transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador"(8).

A NOÇÃO DE REFLEXÃO CRÍTICA Na ação profissional, como no aprendizado, a experiência geralmente é visualizada, compreendida e descrita em termos basicamente cognitivos. Isto ocorre especialmente no contexto do aprendizado, em que a ação segue modelos técnico-racionais de entendimento. No aprendizado reflexivo, as respostas cognitivas são importantes, porém os pensamentos e os sentimentos também devem ser considerados, pois estão interconectados às ações, por meio de caminhos altamente complexos(9).

A reflexão crítica envolve a exploração dos sentimentos, que constituem uma parte importante das experiências vividas e, assim como os pensamentos e as ações, auxiliam formar a experiência particular. Os sentimentos influenciam a motivação para agir e, consequentemente, o processo cognitivo(9).

A reflexão sobre os pensamentos e as experiências oferece a oportunidade de mudar o que pensamos e fazemos. Situações passadas podem ajudar a solucionar desafios futuros. Para isso, é preciso passar pela experiência, registrá-la e retornar a ela, de modo a compreender mais profundamente os eventos ocorridos e ser capaz de utilizar entendimentos anteriores para maneiras novas e mais efetivas de agir para o futuro(9). Para que o processo reflexivo sobre a ação ocorra, é necessário reconhecer crenças, atitudes e valores e conectá-los à experiência. Para isso, é preciso considerar os espaços mental, emocional e físico no qual a complexidade de pensamentos, sentimentos e ações adquire sentido.

O processo da aprendizagem reflexiva é denominado por Schön de "reflexão na ação". Segundo Schön, professor norte-americano de estudos urbanos e educação, um conhecimento tácito nas ações que é demonstrado espontaneamente, como, por exemplo, ao andar de bicicleta. Ao descrever o conhecimento tácito que é subjacente à ação, ocorre um processo de reflexão(10).

A reflexão na ação é significativa para o evento porque ocorre no momento em que o indivíduo está realizando a ação e ainda a oportunidade de fazer a diferença no local e no momento, pois ocorre ao mesmo tempo em que a ação está em execução, sem interrompê-la, porém com breves instantes de distanciamento (10).

Difere da reflexão sobre a ação, que ocorre após a ação ter ocorrido e permite mudar apenas as ações futuras. A distância do evento passado permite examiná-lo como um observador da própria experiência, o que favorece a construção da competência, particularmente a dimensão ético-política Em situações não familiares ou incertas, a reflexão na e sobre a ação é importante para fazer alterações e mudanças nas ações presentes e futuras(10).

ESTRATÉGIAS PARA O DESENVOLVIMENTO DA REFLEXÃO CRÍTICA NA FORMAÇÃO INICIAL EM ENFERMAGEM Na saúde, o desenvolvimento do processo de análise e reflexão deveria permitir aumentar o entendimento sobre relatos empíricos e teóricos complexos, de modo a responder aos problemas de saúde não somente em termos técnicos, mas também em termos de crenças e valores próprios do campo profissional(9).

Para o engajamento na reflexão, dois requisitos cruciais são identificados: primeiro, é necessário um relato claro e objetivo da experiência que está em reflexão e, segundo, é preciso atribuir sentido e significado ao que foi realizado. A escrita reflexiva faz uso destes tipos de questões para estimular pensamentos e reações.

Durante a formação, os estudantes podem produzir relatos por escrito das experiências vividas, compondo um diário de campo ou um portfólio reflexivo. Um diário escrito envolve elementos de reflexão e registra as experiências significativas tão logo quanto possível. Também pode ser útil incluir, além da descrição da ação, questões como: como você se sentiu com a experiência? Foi boa ou ruim? O que você aprendeu com ela? Você poderia ter feito de outra maneira?(9) A distinção entre o diário de campo e o portfólio reflexivo é que este último é uma atividade realizada com menos imediatismo, que propicia ao estudante a oportunidade para construir uma resposta à experiência e analisá-la, além de dar a estudantes e professores a oportunidade de realizar uma avaliação mais sistemática, envolvendo a integração entre teoria e literatura para o entendimento do quê e por quê aconteceu(9).

A narrativa escrita é uma alternativa utilizada para promover a reflexão e o aumento da autoconsciência. Uma pesquisa qualitativa envolvendo trinta e dois estagiários de nove programas de residência médica, acompanhados ao longo de um ano, foi realizada para determinar o impacto da narrativa escrita sobre a reflexão. A cada oito semanas, os estagiários registraram por escrito suas experiências. A narrativa revelou-se estratégia útil, que pode ser incorporada pelos educadores na residência, uma vez que permite a reflexão. Nesse estudo em particular, em que estagiários foram incentivados a repensar seus valores essenciais e prioridades, alguns demonstraram que o exercício de escrever sobre experiências difíceis promove maior autoconsciência e induz à reflexão(11).

Em um levantamento bibliográfico realizado na Biblioteca Virtual em Saúde (BIREME) usando os descritores portfólio reflexivo (PR) foram identificados doze artigos (um em duplicidade), dentre o período de 2008 a 2012, sendo que cinco estudos que tiveram como participantes estudantes de Enfermagem apontaram o PR como um instrumento de autorreflexão da aprendizagem(12-16).

Em um estudo brasileiro realizado sobre o uso do portfólio reflexivo na ótica de docentes de Medicina e Enfermagem de uma instituição de ensino superior que utiliza metodologias ativas de aprendizagem, este foi visto como um instrumento inovador, que requer dedicação dos docentes, estimula a reflexão dos estudantes e permite seu acompanhamento pessoal e profissional(14).

Dois estudos sobre a percepção do uso do portfólio reflexivo por estudantes de medicina revelaram que, embora seja um instrumento de aprendizagem ativa, os estudantes têm dificuldades para identificar sua contribuição para o desenvolvimento da capacidade reflexiva(17-18).

Outra investigação realizada com graduandos de Enfermagem considerou o portfolio um instrumento de reflexão que exige tempo e habilidades de escrita (16). Sua utilização por estudantes não habituados pode causar impactos negativos inicialmente(14). Daí a necessidade da mediação realizada pelo docente no intuito de fornecer feedbacks, enriquecer a narrativa com novas perspectivas, salientar lacunas, apresentar alternativas. Somente nessa condição o portfólio tem finalidade de reflexão ou de avaliação formativa.

Se bem utilizado, o portfólio é uma estratégia relevante para a formação reflexiva, possibilitando ao estudante conhecer seu processo de aprendizagem e praticar a reflexão-ação-reflexão. É um valioso instrumento de mão dupla porque permite ao docente verificar o desenvolvimento do estudante em todos os aspectos da competência profissional - técnica, ética e política, e possibilita ao estudante um processo de progressão, construção e reconstrução das várias dimensões de sua competência profissional.

O importante é que os estudantes lidem com suas experiências formativas de forma ampla e profunda, tendo a oportunidade de discutir com seus professores e também com os profissionais dos serviços de saúde as diferentes formas de encaminhamento de um problema ou questão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo reflexivo é cada vez mais valorizado na prática educativa. Sua finalidade é formar profissionais criativos, curiosos epistemologicamente e capazes de transformar a realidade. Entretanto, poucos são os textos que fazem referência a como favorecer o desenvolvimento da dimensão ético-política da competência na formação em saúde.

A articulação do referencial teórico de competência que se desenvolve na ação com a vertente teórica da reflexão na ação e sobre ação permite aproximações para a construção de posturas e atitudes comprometidas socialmente.

Partindo das noções de competência e sua dimensão ético-política, a presente reflexão teórica destacou estratégias pedagógicas como possibilidades para o desenvolvimento da competência ético-política na formação inicial em Enfermagem. Fundamentadas na teoria da reflexão na e sobre a ação, estratégias tais como o portfólio, o diário de campo e as narrativas escritas permitem produzir um relato claro e objetivo da experiência e atribuir-lhe sentido e significado.

Para desenvolver atitudes ético-políticas, o registro por escrito de experiências vivenciadas pelos estudantes no ensino prático em campo e o acompanhamento desses registros por parte dos professores podem se revelar um círculo virtuoso entre o pensamento crítico e reflexivo e ação ético-política de futuros profissionais de saúde.

Muitas vezes, o ensino prático em campo é visto como mera aplicação de um saber disciplinar. Contudo, a prática em saúde é sempre interdisciplinar, o que lhe confere uma característica integradora de conhecimentos e habilidades de distintas áreas disciplinares, aliada a atitudes ético-políticas tão necessárias à competência profissional em Enfermagem.


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