Troca e criação de valor: possibilidades competitivas advindas da estratégia de
redes
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, pesquisas em Administração têm voltado seus estudos para
aspectos das redes empresariais. Conforme estudo de Borgatti e Foster (2003),
ocorreu um crescimento exponencial de pesquisas sob a ótica das relações em
rede a partir do início do século XXI, como um contraponto às visões
atomísticas e mecanicistas do século anterior. Nesse mesmo sentido, Wang, Ahmed
e Worrall (2004) identificaram que as pesquisas existentes abordam diversas
perspectivas para estudar as redes, dentre as quais a teoria dos recursos
dependentes, a teoria de redes, a teoria institucional e a teoria dos custos de
transação. Esses autores concluíram que, devido à complexidade e à
heterogeneidade do campo de pesquisa, existem dificuldades em inter-relacionar
as teorias abordadas.
No Brasil existem estudos que aprofundam o tema redes de empresas: Amato Neto
(2000); Cândido et al.(2000); Casarotto e Pires (2001); Olave e Amato Neto
(2001); Baldi e Lopes (2002); Cândido (2002); Verschoore Filho (2003); Dotto e
Wittmann (2004); Fraga (2004); Lagemann (2004); Machado (2004); Balestrin
(2005); Pereira (2005); Vale, Amâncio e Lima (2006); Verschoore e Balestrin
(2008). Esses estudos, além de abordar as vantagens e desvantagens da
estratégia de redes, principalmente para as pequenas e médias empresas (PMEs),
demonstram aspectos quanto a formação e estruturação das redes de empresas e
identificam fatores considerados críticos para o sucesso desses
empreendimentos, relacionando-os com o desenvolvimento de regiões.
Outros estudos abordaram a questão estratégica das redes (PITASSI e MACEDO-
SOARES, 2003; BALESTRIN e VARGAS, 2004) e outros ainda procuraram situar o
campo de estudo (BALESTRIN, VERSCHOORE e REYES JUNIOR, 2010) ou compreendê-lo a
partir de abordagens específicas como a teoria dos custos de transação com
Balestrin e Arbage (2007), o neoinstitucionalismo com Silva e Emmendoerfer
(2009) e a abordagem da produção de sentido com Wegner e Misocsky (2010).
Recentemente, pode-se dizer que a aprendizagem tem merecido destaque em
trabalhos como os de: Balestrin, Vargas e Fayard (2005), Teixeira (2005),
Estivalete, Pedrozo e Cruz (2008), Balestrin e Verschoore (2010). Outras
contribuições trazem estudos em setores específicos, como os de: Lazzarini
(2008), na indústria da aviação comercial; Sacomano Neto e Truzzi (2009), no
setor automobilístico; Wegner e Padula (2010), no varejo na Alemanha; e Lima
Filho et al. (2006), Ferreira Júnior e Teixeira (2007), Marchi e Wittmann
(2008), Oliveira e Cândido (2009) e Livato e De Benedicto (2010), no varejo de
alimentos. No trabalho aqui relatado, abordam-se redes nesse último setor,
tendo como objeto de estudo duas redes horizontais de pequenos e médios
supermercados.
Segundo pesquisa da Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS, 2003), as
empresas que atuam em redes no setor do varejo de alimentos declararam que, do
total de compras conjuntas, 92% são para promoções e tabloides, 81% para
abastecimento regular e 78% para datas especiais. Esses dados sugerem que a
estratégia de redes empresariais tem sido empregada principalmente em
aquisições. Por outro lado, esse fato sugere que a estratégia de redes pode ser
mais bem explorada no setor, dando significativa contribuição para a
competitividade das empresas. Para tanto, o passo seguinte que precisa ser
discutido no aspecto das redes empresariais no varejo é reconhecer as reais
possibilidades dessa estratégia, não apenas na economicidade de custos para a
empresa (denominada neste trabalho como troca de valor), mas também na
oportunidade dos benefícios da aprendizagem coletiva desses empreendimentos
(denominada neste trabalho como criação de valor), e que serão aprofundadas no
referencial teórico.
O objetivo neste trabalho constitui, então, na investigação de se as
possibilidades competitivas advindas da estratégia de redes empresariais, em
termos de trocas e criação de valor, estão sendo exploradas. Foram investigadas
duas redes horizontais do varejo de alimentos, localizadas na região central do
estado do Rio Grande do Sul. A pesquisa apresenta dados que são parte de um
estudo mais amplo sobre a relação entre fatores sociocomportamentais e
desempenho competitivo em redes horizontais, desenvolvido por meio do método de
estudo de caso em duas redes de empresas do setor do varejo alimentício,
totalizando 56 empresas, localizadas na região central do estado do Rio Grande
do Sul. O fato de terem a mesma localização proporcionou homogeneidade
contextual para a análise de evidências comparativas. A estrutura do trabalho
destaca as redes como alternativa estratégica para empresas e aprofunda as
ideias de trocas de valor, baseadas na cadeia de valores e de criação de valor
por meio de melhorias e inovações. Após o aporte teórico, descrevem-se o método
de trabalho, as duas unidades de análise, os resultados, implicações e
considerações para futuros trabalhos.
2. REDES HORIZONTAIS NO VAREJO DE ALIMENTOS
Lipnack e Stamps (1994) já definiam redes empresariais como um conjunto ou
grupo de participantes independentes, unidos por um propósito comum e dotados
de múltiplas conexões em diferentes níveis organizacionais. Os participantes
lembram os nós da rede, enquanto as múltiplas conexões formam elos entrelaçando
os nós. Quanto aos tipos de formação de redes, Casarotto e Pires (2001)
identificam duas alternativas possíveis baseadas na opção estratégica que a
empresa tem. A primeira consiste em participar como fornecedor em uma rede do
tipo top-down.Essa estratégia conduz a empresa a tornar-se uma subcontratada de
uma empresa-mãe, tornando-se dependente dela, modelo utilizado em indústrias
automobilísticas e agroindustriais. Por outro lado, outra opção estratégica
consiste na formação de consórcios de redes flexíveis de pequenas empresas, em
que existe uma relação de poder simétrica. A situação ideal dessa opção,
segundo Casarotto e Pires (2001), é que cada empresa trabalhe com sua
competência essencial na cadeia de valor, delegando aos consórcios e
cooperativas, as atividades de suporte (recursos humanos, desenvolvimento,
design, serviços legais e contábeis, pesquisas, vendas e logística), como é o
caso de redes moveleiras e da construção civil.
Existe atualmente uma discussão sobre os níveis de análise para o estudo de
redes. Parte dessa discussão apoia-se em abordagens socioeconômicas.
Granovetter (1985) e Podolny e Page (1998) consideram que indivíduos ou
organizações estão imbricados em redes sociais por meio de vínculos relacionais
que podem ser fortes ou fracos. Em outras palavras, a rede emerge naturalmente
a partir dos relacionamentos entre os diversos atores, permitindo considerar
que, de certa forma, tudo está envolvido em redes relacionais. Thorelli (1986)
e Williamson (1991), por outro lado, entendem a rede como uma formação híbrida
dentro da dicotomia entre mercado e hierarquia. Nessa perspectiva, as redes são
formações conscientes dos atores visando superar as limitações envolvidas nas
transações e imperfeições do mercado. Na verdade, no caso de redes
empresariais, ambas as abordagens são coerentes e complementares. As empresas
agem conscientemente, buscando, dentro de seu contexto social ou relacional, a
formação de parcerias, alianças, redes ou outras formas de relação para superar
limitações econômicas.
Estudiosos das redes preocupam-se em definir, subjacentemente a essa discussão,
qual seria o nível de análise adequado para estudar redes empresariais. Os
questionamentos giram em torno da forma de abordagem do objeto de estudo, ou
seja, se o foco se encontra nos atores que formam a rede, ou recai sobre a rede
como um todo. Parte dessa problemática está no equívoco de alguns autores que
se referem à rede quando falam do órgão gestor ou do grupo de governança da
rede. Esses órgãos definitivamente não podem ser considerados como uma rede,
porque simplesmente não possuem as características de uma rede, muito menos
teriam condições de exercer todas as possibilidades estratégicas de uma rede.
São formas de governança da rede, como o modelo de organização administrativa
da rede (OAR) (PROVAN e KENIS, 2007). Enfim, uma rede empresarial somente
poderá ser compreendida se forem estudados seus nós, seus laços de ligação e
seus mecanismos de governança. No caso de redes horizontais de empresas do
varejo de alimentos, objeto neste estudo, os nós compreendem as empresas
associadas, os laços são as formas de ligação e relacionamento entre os nós e
os mecanismos de governança compreendem os gestores designados para coordenar
as atividades de toda a rede. Essa estrutura como um todo é que conseguirá
então reconhecer e buscar novas possibilidades competitivas.
Uma visão esclarecedora é apresentada por Provan, Fish e Sydow (2007). Os
autores destacam que pesquisadores procuram dar ênfase ao nível de ator da rede
ou ao nível da rede como um todo, e com isso constroem suas categorias de
análise com foco nos resultados para o ator ou para a rede como um todo.
Provan, Fish e Sydow (2007) apresentam um framework que conjuga esses elementos
e forma uma tipologia com quatro possibilidades de estudo: impacto de atores
sobre resultados de outros atores da rede; impacto de atores sobre resultados
da rede; impacto da rede sobre resultados dos atores participantes; e impacto
das ações da rede sobre toda a rede. Este estudo pode ser classificado dentro
das terceira e quarta possibilidades, pois, ao mesmo tempo em que procura
evidenciar possibilidades que a rede oferece às empresas participantes,
demonstra que essas possibilidades são vantajosas para tornar a rede mais
competitiva como um todo.
Algumas vantagens competitivas oferecidas pela estratégia de redes são
encontradas nos elos verticais e horizontais da cadeia de valor, pois
compreendem um conjunto de relações empresariais com outras organizações, sejam
fornecedores, clientes, concorrentes, ou outras entidades que, de alguma forma,
reforçam o desenvolvimento da rede (GULATI, NOHRIA e ZAHEER, 2000). Os aspectos
vantajosos nas inter-relações e ações conjuntas tendem a ser maiores para as
pequenas e médias empresas (PORTER, 1989; CASAROTTO e PIRES, 2001). A tendência
é que as maiores oportunidades de crescimento com benefícios compartilhados
sejam aproveitadas por empresas menores, pelo fato de que elas passam a ter
acesso a funções estratégicas, antes não viáveis devido a seu pequeno porte. As
principais desvantagens, contudo, segundo Boehe, Silva e Zawislak (2004), são a
perda de autonomia, devido aos compromissos assumidos, o risco do oportunismo
por parte dos outros sócios e o tempo necessário para que a empresa se adapte à
estratégia de rede. No varejo tem-se percebido que essas desvantagens são
suplantadas pelas vantagens econômicas de pertencer a uma rede (LIMA FILHO et
al., 2006).
As empresas do varejo de alimentos encontram-se na ponta do canal de
distribuição de seu setor e estão sujeitas às pressões por parte de
fabricantes, atacadistas e grandes redes do varejo, principalmente as de
pequeno porte. Como alternativa para solucionar esse problema, criaram-se as
centrais de compras, que possibilitaram ao pequeno e ao médio varejista ocupar
um novo status no canal de distribuição. A formação das centrais de compras tem
como objetivo principal atenuar as pressões de fornecedores e grandes
concorrentes pelo aumento do poder de compra. Com essa estrutura, a central de
negócios é seu próprio "comprador atacadista" (PARENTE, 2000). Segundo a
Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS), a estratégia da colaboração por
meio de redes de empresas surgiu como uma alternativa adequada para os pequenos
e médios supermercadistas prosperarem, como uma evolução das centrais de
compras, agregando, além de um maior poder para barganhar preço junto aos
fornecedores, outros benefícios (ABRAS, 2003).
Notadamente para as empresas do varejo alimentício, a rede tem como
característica a horizontalidade. Essa característica advém da similaridade das
empresas participantes da rede, pois ocupam a mesma posição na cadeia de valor.
Uma rede horizontal do varejo é formada por supermercados de pequeno e médio
portes, que se unem em torno de um propósito comum e formam uma associação que
representa todos os participantes da rede. Essa associação realiza as compras
conjuntas, possibilitando que os varejistas consigam poder de compra suficiente
para a aquisição direta da indústria, sem a necessidade do atacadista (LIVATO e
DE BENEDICTO, 2010). Entretanto, outras possibilidades, que serão discutidas a
seguir, podem e devem ser exploradas nesse contexto, pois a busca de economias
pela aquisição conjunta é apenas um dos possíveis benefícios da estratégia de
redes horizontais nesse setor.
3. TROCA E CRIAÇÃO DE VALOR NA ESTRATÉGIA DE REDES
Uma melhor atuação competitiva em termos financeiros consiste no objetivo final
para que uma empresa decida por adotar a estratégia de redes empresariais
(LORANGE e ROOS, 1996). O objetivo financeiro pode ser evidenciado por aumento
nas receitas, maior retorno financeiro e melhor posição competitiva ante os
concorrentes. Contudo, resultados financeiros limitam-se a evidenciar o retorno
de ações já realizadas, ou seja, tomar como referência do bom desempenho
competitivo somente os resultados financeiros tende a colocar o foco da análise
na eficiência de atitudes já passadas (GHOSHAL, BART- LETT e MORAN, 1999;
KAPLAN e NORTON, 2004). Em tempos atuais, de concorrência acirrada, e no
planejamento de longo prazo, a atuação competitiva tende a resultar de aspectos
como conhecimento de mercado, eficiência nos processos internos e aprendizagem
organizacional. Esses fatores podem dar uma visão mais abrangente em termos de
passado, presente e futuro para as organizações (OLVE, ROY e WETTER, 2001;
KAPLAN e NORTON, 2004) e estar associados a ações conscientes na troca e
criação de valor.
Para as redes de empresas, os ganhos financeiros tendem a ser alcançados
conforme a rede vai conseguindo explorar os benefícios de trocas nos elos
verticais e horizontais da cadeia de valor e da aprendizagem (PORTER, 1989;
DYER e SINGH, 1998; GULATI, 1998; DAS e TENG, 2003). Em pesquisa realizada em
redes empresariais nos Estados Unidos, Human e Provan (1997) identificaram
resultados obtidos por empresas que atuam sob a forma de redes empresariais e
classificaram-nas em dois grupos: resultados transacionais e transformacionais.
Os resultados transacionais promovem ganhos de desempenho e aquisição de
recursos, por meio de trocas interorganizacionais na cadeia de valor, reduzindo
custos. Os resultados transformacionais ocorrem por mudanças na forma de
conduzir o negócio e no modo de agir e pensar dos empreendedores e advêm da
geração e troca de conhecimento entre as organizações, ou seja, são ganhos
resultantes da aprendizagem entre os gestores, resultando em criação de valor.
Para Jarillo (1988), as redes empresariais podem ser con- cebidas como um modo
de organização e ser usadas por administradores ou empreendedores para dar às
suas empresas sustentação e longevidade, por meio de ações conscientes quanto
aos custos de transação. Já em uma fase secundária, as redes podem ser vistas
sob o aspecto relacional, baseado em comportamentos como comprometimento,
confiança e cooperação, os quais possibilitam a criação de valor por meio do
ambiente de inter-relações desfrutadas pelas empresas em rede (DAGNINO e
PADULA, 2002). Em outras palavras, as empresas, ao adotarem a estratégia de
redes empresariais, tendem a buscar primeiramente ganhos com redução em seus
custos, deixando para segundo plano aspectos ligados à aprendizagem. Contudo,
não significa dizer que esses aspectos não possam ser objetivo primeiro,
principalmente em setores em que a inovação e a tecnologia possuem uso intenso,
como exemplificado em estudos de Garcia e Velasco (2002). Nas redes do varejo,
observa-se que os gestores tendem a auferir resultados pela troca de valor, com
o eficiente compartilhamento de custos, por meio das centrais de compra, porém
é pela criação de valor, compartilhando conhecimento, que poderão surgir
inovações para o negócio. Nas seções a seguir, detalham-se as possibilidades
competitivas sob aspectos da troca e da criação de valor.
3.1. Troca de valor: compartilhando custos
Williamson (1985) trouxe à superfície os custos das relações de compra e venda
entre empresas, identificados principalmente por fatores como oportunismo,
informação limitada e ambiente incerto. A essência da teoria dos custos de
transação está em duas suposições. Primeiro, as trocas que envolvem incertezas
sobre os resultados e são frequentes, requerem investimento em ativos
específicos e tendem a ser internalizadas pela empresa. Segundo, as trocas mais
simples, não repetitivas, não exigem investimentos em ativos específicos e
tendem a ocorrer por relações de mercado. As redes estratégicas possibilitam a
redução de custos de transação por meio de ações de coordenação e negociação na
cadeia de valor (JARILLO, 1988).
Segundo Porter (1989), na cadeia de valor existem fontes potenciais para
ocorrerem ações conjuntas de trocas de valor e podem surgir dentro das partes
que a compõem: infraestrutura, tecnologia, aquisição (compras), produção
(logística interna e operações) e mercado (composto pela logística externa,
marketing e serviços). Para Jarillo (1988), as trocas de valor podem ser
consideradas objetivos primários para uma empresa ingressar em uma rede
empresarial. As empresas podem concentrar-se em suas atividades essenciais,
desfrutando todos os benefícios da especialização flexível, ou compartilhar
recursos com empresas similares reduzindo custos, conforme salientam Casarotto
e Pires (2001). No quadro_1 sintetizam-se as possíveis evidências nas trocas de
valor, seguindo a estrutura da cadeia de valor, segundo Jarillo (1988), Porter
(1989), Human e Provan (1997) e Casarotto e Pires (2001).
Detalhando o quadro 1, seguem as possíveis evidências para as redes de
empresas, dentro das variáveis de troca de valor.
• Infraestrutura e tecnologias
A empresa, ao compartilhar infraestrutura e tecnologias, pode
desfrutar de vantagens competitivas no custo e na reestruturação para
o foco no negócio essencial. Nessa forma de ação conjunta, podem
ocorrer benefícios quando existe a similaridade de infraestrutura ou
tecnologias. As empresas poderão obter economias pela aquisição de
equipamentos e materiais comuns, pela contratação de serviços
contábeis e jurídicos conjuntos e pelas atividades conjuntas de
seleção, recrutamento e treinamento de pessoal. A aplicação de
tecnologias conjuntas pode advir de produtos, processos ou outras
atividades de valor que sejam semelhantes entre as organizações ou
que sejam complementares. A rede empresarial pode proporcionar para
as empresas pesquisa e desenvolvimento em conjunto, possibilitando
maior diferenciação de produtos e processos.
• Aquisição
Ao desfrutar da aquisição conjunta, as empresas podem obter vantagem
competitiva no custo e na melhor qualidade de insumos, matérias-
primas ou produtos para revenda. Esses benefícios podem ocorrer
quando da aquisição conjunta desses materiais. Além disso, a
variedade de produtos, a facilidade de acesso a grandes fornecedores
e o relacionamento com eles em termos de condições de pagamento são
possíveis vantagens em termos de custos nas transações.
• Produtos, processos e serviços
A origem de ações conjuntas entre as empresas pode estar na formação
de estoques conjuntos, na logística, nos processos de produção, na
montagem similar ou complementar, nos processos de atendimento aos
clientes e no controle da qualidade de processos e serviços. A
vantagem competitiva poderá ser encontrada em maior flexibilidade de
produção, além de melhor produtividade e qualidade dos produtos,
processos e serviços oferecidos e foco na competência essencial de
produção.
• Relações com clientes
A vantagem competitiva está na diminuição de custos, em especial
quando as empresas possuem um cliente comum ou utilizam um mesmo
canal de distribuição. O compartilhamento também se processa pela
adoção de marca registrada, venda cruzada de produtos, pacotes de
venda, marketing, rede de serviços, processamento de pedidos,
distribuição física e organização conjunta de financiamento para
clientes e distribuidores.
Destaca-se que as possíveis evidências citadas podem contribuir para reduções
de custos entre as redes empresariais, porém não se esgotam nesse quadro, de
forma que se poderia ampliá-lo. Por outro lado, nem todas as redes empresariais
exploram todas as variáveis das trocas de valor por motivos estratégicos ou
operacionais ou mesmo por características do próprio setor de atuação. Nota-se
que o enfoque teórico da cadeia de valor, mesmo para redes estratégicas,
focaliza os ganhos e benefícios para a empresa individualmente. Os custos de
transação tendem a prever somente o que a empresa pode deixar de perder, ou
seja, não vislumbra aspectos e oportunidades de criação de valor nas relações
interempresariais. Nesse sentido, Hoffmann (2000) indica a falta de modelos que
aprofundem a criação de valor nas relações entre empresas.
3.2. Criação de valor: compartilhando conhecimento
Segundo Podolny e Page (1998), nas organizações em rede o aprendizado pode ser
maior do que em ambientes de mercado ou hierarquia. Esses autores sugerem que
num ambiente em rede ocorre maior diversidade de rotinas do que em organizações
hierárquicas e também existem fluxos de informações mais ricas e complexas do
que as disponíveis no mercado. As redes de empresas, por enfatizarem relações
horizontais e obrigações mútuas, podem ser bem-sucedidas como campo de
experiências e inovações, em que os participantes podem fundir seus
conhecimentos aplicando-os em várias atividades (POWELL, 1990). Dyer e Singh
(1998), por meio de uma abordagem relacional entre empresas, salientam que a
aprendizagem organizacional é crítica para o sucesso competitivo de
empreendimentos em redes, podendo as relações entre empresas ser as maiores
fontes de ideias e informações que irão resultar nesse aprendizado.
O quadro_2 apresenta possíveis evidências da criação de valor a serem
exploradas pela estratégia de redes por meio das variáveis melhorias e
inovações. Segundo Easterby-Smith e Araujo (2001), vislumbra-se que a
aprendizagem organizacional tem sido enfatizada nos últimos anos como um
processo técnico e social, cujas características têm relação com o tratamento
dado à informação e a seus efeitos sobre a organização. A aprendizagem
organizacional caracteriza-se pela ocorrência de mudanças na empresa, que podem
ser uma melhoria em um processo, produto ou serviço, convencionalmente chamadas
de aprendizagem de laço simples, ou mudanças radicais, como a substituição de
um processo de produção, a adoção de novas tecnologias ou a inclusão de novas
linhas de produto/serviço, denominadas de aprendizagem de laço duplo.
Nas redes empresariais, a aprendizagem de laço simples pode ocorrer quando há
melhorias nas habilidades de administrar recursos e pessoas, conforme Human e
Provan (1997), e também melhorias nos produtos, processos e serviços, segundo
Hamel, Doz e Prahalad (1989). Já a aprendizagem de laço duplo surge quando há
mudanças na forma de pensar e organizar o trabalho dos administradores,
conforme Human e Provan (1997), com o desenvolvimento conjunto de projetos como
novos produtos, processos ou serviços e a busca de soluções e alternativas
conjuntas para problemas comuns entre os gestores que compõem a rede
empresarial, segundo Dyer e Singh (1998). Considerando essas posições, a
criação de valor pode ser evidenciada nas redes empresariais por melhorias e
inovações.
Existem algumas dificuldades e limitações para identificar as trocas e a
criação de valor das redes empresariais, principalmente pela complexidade que
as envolve, das quais se podem destacar: os tipos de objetivos, que variam de
acordo com propósito da rede, conforme destacam Das e Teng (2003) e Sherer
(2003); a longevidade, devido aos interesses dos gestores; e o grau de
flexibilização (LORANGE e ROSS, 1996). Por exemplo, determinada rede de
empresas pode ter como objetivo principal alcançar reduções de custos de seus
sócios, pela compra conjunta e pelo acesso a melhores fornecedores, enfatizando
ações de troca de valor. Por outro lado, outra rede pode estar buscando
desenvolver projetos e novos produtos, compartilhar informações e conhecimento,
dando ênfase à criação de valor.
4. MÉTODO DE TRABALHO
Optou-se por estudar duas redes do varejo alimentício (a Rede Central Mais, com
37 associados, e a Rede Unimercados, com 19 associados) inseridas em um mesmo
contexto competitivo, no caso a região central do estado do Rio Grande do Sul,
o que possibilitou realizar uma análise comparativa. Na pesquisa utilizou-se
não só um survey (com base nos quadros_1 e 2, o que tornou possível a
quantificação dos fatores) aplicado aos proprietários das empresas, mas também
entrevistas semiestruturadas com os gestores das redes com a finalidade de
evidenciar os dados do survey. Por trabalhar com números, que demonstram
propriedades das unidades de análise, no caso as duas redes, e com a descrição
de evidências por meio das entrevistas, a pesquisa possuiu caráter quantitativo
e qualitativo (HAIR JR. et al., 2005). Faz-se necessário explicar que esses
dados fazem parte de um contingente maior de observações, de cunho quantitativo
e qualitativo, porém, neste artigo, optou-se por utilizar a parte dos dados que
se referiam à troca e à criação de valor nas organizações estudadas.
O questionário foi aplicado aos gestores das empresas com mais de um ano de
vínculo nas duas redes, no período da pesquisa. Entre os 37 gestores da Rede
Central Mais foram identificados 33 com mais de um ano de associado; entre os
19 gestores da Rede Unimercados, 17 tinham mais de um ano de associado. O
questionário utilizado na pesquisa foi de autopreenchimento, que não necessita
de um elemento que faça o papel de entrevistador e permite aos pesquisados a
auto aplicação (MATTAR, 1996). Contudo, 76% do total dos questionários
respondidos foram aplicados pelo próprio pesquisador. Nesse instrumento de
pesquisa, optou-se por uma escala tipo Likert de classificação intervalar de
sete pontos para poder obter maior precisão na intensidade das respostas (HAIR
JR. et al., 2005).
A tabulação dos dados foi realizada pelo cálculo da média ponderada das
respostas, cujos resultados foram transformados em percentuais médios, gerando
índices que variaram dentro de uma escala de 0% a 100%, para melhor compreensão
na exposição dos resultados. Obteve-se um percentual de retorno de
questionários respondidos de 81,8% da população-alvo da Rede Central Mais e
88,2% da população-alvo da Rede Unimercados. Esse fato ocorreu devido a um
associado de cada rede empresarial não ter concordado em responder as questões
e os demais (cinco associados da Rede Central Mais e um da Unimercados) não
terem dado retorno até a data estipulada.
As entrevistas com os representantes da direção das redes seguiram o modelo
semiestruturado individual por meio de um protocolo de entrevista composto de
26 questões (baseadas nos quadros_1 e 2). Essas entrevistas foram gravadas,
transcritas e analisadas para encontrar-se uma interface entre o referencial
teórico e a realidade pesquisada, que talvez não estivessem ao alcance do
questionário (BAUER e GASKELL, 2004).
4.1. Breve descrição das unidades de análise
Todas as informações presentes neste item referem-se ao período da pesquisa
(segundo semestre de 2005).
4.1.1. Rede Central Mais
A Rede Central Mais é composta por 37 associados num total de 39 lojas. A
organização, uma sociedade civil sem fins lucrativos, foi fundada em 9 de
dezembro de 1996, com o nome de Associação Central de Supermercados. A
iniciativa partiu de 13 empreendedores que se uniram com o objetivo de
trabalhar em conjunto para buscar melhores negociações com fornecedores e a
mídia. Em 10 de agosto de 2004 ocorreu a fusão da Central Supermercados com a
Rede Mais, e adotaram-se, a partir daí, o nome e as configurações atuais. Essa
organização tem como missão, segundo os entrevistados,
"buscar junto aos fornecedores as melhores negociações, em preço e
qualidade, proporcionar o crescimento através de ação em conjunto e
manter o grupo informado com relação à concorrência e órgãos
governamentais, alcançando a satisfação pessoal e profissional de
cada integrante".
A Rede Central Mais tem como estratégia conseguir os melhores preços, pela
compra centralizada, respeitando as demandas do mercado, e pela forte
divulgação de promoções na mídia televisiva em horário nobre.
4.1.2. Rede Unimercados
A Rede Unimercados e composta por 19 associados num total de 20 lojas. A
organização foi fundada em 28 de agosto de 2000, pela iniciativa de quatro
amigos que possuíam pequenos mercados. A ideia inicial foi de criar uma
associação para conseguir maior poder de barganha ante os fornecedores para
poder competir com supermercados concorrentes que já haviam adotado a
estratégia de redes empresariais, formando a Rede Unimercados. Essa rede
empresarial tem como missão fundamental, conforme os entrevistados,
"unir forças para ter poder de negociação na compra de produtos e
assim oferecer melhores preços aos seus clientes".
Para alcançar esse intento, a Rede Unimercados tem adotado como principal
estratégia pesquisar várias empresas fornecedoras, buscando negociar maiores
volumes de mercadorias e prazos de pagamento.
5. RESULTADOS
As relações transacionais em termos de trocas de valor foram avaliadas com base
nas possibilidades de vantagens competitivas na cadeia de valor. Para tanto, o
fator troca de valor consolidou as variáveis: infraestrutura e tecnologias;
aquisições; produtos, processos e serviços; e relações com clientes. Essas
variáveis, apresentadas nos gráficos_1 e 2, demonstram a percepção dos
empresários associados quanto à relevância delas para seu negócio.
No gráfico_1, o resultado médio da variável infraestrutura e tecnologias advém
das questões: facilidade na aquisição de equipamentos e tecnologias, facilidade
de acesso a serviços jurídicos, contábeis e técnicos, facilidade para recrutar,
selecionar e treinar pessoal e facilidade de acesso a informações sobre o
negócio. O resultado médio da variável aquisições, por sua vez, consolidou os
índices das questões: maior facilidade a acesso a fornecedores, aumento da
variedade de produtos ofertados, melhores condições de negociação com
fornecedores e aumento no volume de compras.
Comparando-se os resultados médios, percebe-se que os empresários associados na
Rede Central Mais (53,4%) consideram as evidências de infraestrutura e
tecnologias mais significativas que os da Rede Unimercados (35,0%). A evidência
que mais contribui para essa diferença é a facilidade de acesso a serviços
jurídicos, contábeis e técnicos, em que a Rede Central Mais alcançou um índice
de 59,9%, ao passo que a rede Unimercados obteve 25,6%, corroborando as
informações das entrevistas, apresentadas no quadro_3.
Analisando-se os resultados da variável aquisições, percebe-se que são mais
significativas para o associado da Rede Central Mais (87,0%) em relação à Rede
Unimercados (76,1%). Esses resultados demonstram que a Rede Central Mais tem
conseguido explorar mais as possibilidades dos fornecedores, pois, conforme
relatos das entrevistas, a rede tem adquirido praticamente 70% da linha de
produtos de mercado conjuntamente, o que se reflete em maior significância para
seus associados, em relação à Rede Unimercados, apesar de esta também ter
índices mais significativos nesta variável. É importante salientar que os
elevados índices obtidos na variável aquisições refletem bem a estratégia
adotada pelas duas redes, que consiste em buscar melhores produtos, preços e
prazos junto aos fornecedores, e vão ao encontro das proposições de Porter
(1989) e Casarotto e Pires (2001).
No gráfico_2 são apresentados os resultados médios obtidos com as variáveis
produtos/processos/serviços e relações com clientes. A primeira variável foi
mensurada pelas questões: evidências na redução de custos de estoque, programa
de qualidade conjunto, redução dos custos dos processos internos e dos serviços
de entrega ao cliente. Já na variável relações com clientes, a métrica vem das
questões: fortalecimento da marca, conhecimento das necessidades dos clientes,
redução de custos com publicidade e aumento das formas de pagamento para
clientes.
Na variável produtos/processos/serviços, evidencia-se que na Rede Central Mais
ocorreram resultados mais significativos (54,3%), enquanto a Rede Unimercados
apresentou resultados pouco significativos (33,1%). Esses valores são
confirmados pela existência de um programa de qualidade conjunto e de uma
central de distribuição na primeira rede, conforme relatos das entrevistas
(quadro_3).
Na variável relações com clientes (gráfico_2), a questão fortalecimento da
marca é a evidência mais bem explorada por ambas as redes, resultado ratificado
nas entrevistas (quadro_3). Contudo, a ampliação das formas de pagamento para
clientes foi a evidência que apresentou maior discrepância entre as redes,
explicada por uma rede possuir cartão de compras, no caso a Rede Central Mais,
enquanto a Rede Unimercados não explora essa possibilidade. A redução de custos
com publicidade e conhecimento das necessidades dos clientes são evidências que
estão sendo mais bem exploradas pela Rede Central Mais, de acordo com os
resultados.
Avaliando a criação de valor no gráfico_3, a variável melhorias resultou da
média das questões: melhorias nas habilidades de administrar recursos e
pessoas, melhorias de produtos, processos e serviços, melhorias no ambiente de
loja e melhorias da imagem da empresa junto ao cliente. As questões que
compuseram o índice médio da variável inovações são as seguintes: mudanças na
maneira de pensar e organizar o trabalho, desenvolvimento de novos produtos ou
serviços em virtude de ideias conjuntas, superação de problemas comuns com
ideias inovadoras dos gestores e desenvolvimento de novos processos em virtude
de ideias conjuntas.
Comparando-se os resultados da variável melhorias, ob- serva-se que para ambas
as redes a melhoria da imagem da empresa junto ao cliente consiste na evidência
percebida com mais resultados para os gestores (Central Mais, 86,4%, e
Unimercados, 81,1%), seguida das melhorias nos produtos, processos e serviços
em virtude de trocas de ideias com outros sócios (Central Mais, 77,8%, e
Unimercados, 67,8%).
Esses resultados corroboraram as opiniões expressas nas entrevistas,
destacando-se melhorias no atendimento aos clientes, melhorias das fachadas das
lojas e uso de layoutpadronizado, levando o associado à profissionalização do
negócio (quadro_3). Essas evidências caracterizam aspectos da aprendizagem de
laço simples (EASTERBY-SMITH e ARAÚJO, 2001) e corroboram apontamentos de
Hamel, Doz e Prahalad (1989) e Human e Provan (1997).
Analisando-se a variável inovações, o índice médio obtido pela Rede Central
Mais foi de 73,5% e o da Rede Unimercados, de 64,2%. Verificam-se inovações
centradas nas mudanças na maneira de pensar e organizar o trabalho, o que,
conforme consta no quadro_4, ocorre no sentido de atitudes empreendedoras dos
gestores da Rede Central Mais. Já na Rede Unimercados esse aspecto existe
apenas na percepção da direção da rede, porém sem evidências concretas. A Rede
Central Mais desenvolveu, ainda, inovações para seus associados: cartão de
fidelização e oferta de palestras técnicas. Já a Rede Unimercados destacou-se
na venda de espaço nas gôndolas das lojas e de espaço publicitário nas sacolas.
Nesse sentido, as inovações observadas caracterizam aprendizagens de laço duplo
(EASTERBY-SMITH e ARAÚJO, 2001), apresentando mudanças de pensamento (HUMAN e
PROVAN, 1997) e superação de problemas com ideias conjuntas (DYER e SINGH,
1998).
Nota-se ainda que, calculando a média geral dos fatores troca e criação de
valor, a Rede Central Mais alcançou 67,3% e 74,1%, respectivamente; e a Rede
Unimercados, 50,4% e 64,7%, respectivamente. Esses índices médios confrontados
com as evidências dos quadros_3 e 4 revelam que, na percepção dos empresários
associados, a criação de valor tem mais relevância para seu negócio. No
entanto, as evidências de ações consistentes encontram-se nas variáveis do
fator troca de valor. Essa informação pode estar indicando a existência de um
ambiente de intensa aprendizagem (POWELL, 1990; DYER e SINGH, 1998) pouco
explorado em ambas as redes. Faz-se necessário, então, pensar o planejamento de
ações que aproveitem esse ambiente.
A análise das entrevistas objetivou ratificar as evidências de troca e criação
de valor, encontradas pelo questionário. Em síntese, nas trocas de valor,
observa-se que se enfatizam relações com fornecedores e clientes em detrimento
dos aspectos voltados ao compartilhamento de custo na aquisição de
infraestrutura e tecnologias e compartilhamento de produção, processos e
serviços. Nos aspectos da criação de valor, consegue-se perceber o ambiente de
aprendizado que tem envolvido gestores de ambas as redes, todavia as melhorias
em imagem, ambiente e habilidades administrativas são mais evidentes do que
possíveis inovações.
6. IMPLICAÇÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta no presente estudo foi investigar como as pos- sibilidades
competitivas advindas da estratégia de redes em- presariais, em termos de
trocas e criação de valor, estão sendo exploradas pelas empresas envolvidas e
pela rede como um todo. Para tanto, o estudo foi realizado em duas redes de
empresas do setor do varejo alimentício, localizadas na região central do
estado do Rio Grande do Sul, a fim de encontrar evidências comparativas. Os
principais resultados encontrados demonstram que a estratégia de redes no setor
do varejo de alimentos pode contribuir em outros fatores que vão além das
aquisições, razão maior das antigas centrais de compras. Em outras palavras,
existem possibilidades significativas a serem exploradas pelas empresas que
atuam em redes horizontais no varejo de alimentos, que podem contribuir para
que posições mais vantajosas sejam alcançadas.
Contudo, os resultados encontrados em termos de troca de valor nas duas redes
empresariais apontam que os componentes da cadeia de valor de maior
significância para o empresário foram aquisições e relações com clientes,
característica do setor varejista. Em termos de aquisições, as trocas de valor
caracterizaram-se por: ampliação ao acesso a fornecedores por meio de compra
conjunta; maior variedade de produtos ofertados; melhores condições de
negociação junto aos fornecedores. Em termos de relações com clientes, as
trocas de valor caracterizaram-se por: uso de marca compartilhada; publicidade
e propaganda conjunta. Ainda, a Rede Central Mais consegue explorar outras
possibilidades de troca de valor em termos de infraestrutura e tecnologias, e
produtos, processos e serviços: compra de equipamentos e tecnologia conjunta;
contratação de serviços jurídicos, contábeis e de consultoria; compartilhamento
dos custos de estoque para alguns produtos; programa de qualidade conjunto; e
novas formas de pagamento para clientes por meio de convênios e cartão de
compras. No aspecto criação de valor, em termos de melhorias, evidenciaram-se,
em ambas as redes: melhorias nas habilidades de administrar recursos e pessoas;
melhorias em processos contábeis, atendimento ao cliente, aquisição e logística
com fornecedores (esses dois últimos na Rede Unimercados) e melhoria no
ambiente geral das lojas. Em termos de inovações, destacaram-se: atitudes mais
empreendedoras dos gestores que compõem as redes e superação de problemas
comuns a partir de ideias dos empresários associados.
A criação de valor revelou-se tão significante quanto a troca de valor (maioria
dos índices acima de 50%), demonstrando que o empresário percebe o alto nível
de aprendizagem que permeia o ambiente dessas redes empresariais. No entanto,
poucas evidências foram encontradas que justifiquem ou confirmem a exploração
do ambiente de criação de valor percebido pelos empresários, conforme as
evidências encontradas nas observações e entrevistas. Percebe-se ainda que
ações concretas ocorrem somente nas relações de troca de valor, enquanto a
criação de valor ocorre sem planejamento, o que tende a levar as redes
estudadas a margens cada vez menores. Isso significa dizer que as duas redes
poderiam realizar ações mais eficazes na criação de valor, explorando
efetivamente essas possibilidades de aprendizado, melhorias e inovações,
características das redes empresariais. A busca por criação de valor poderá
assegurar a essas empresas uma posição sustentável no longo prazo. Para isso é
importante desenvolver planos para aproveitar o ambiente de intensa troca de
informações entre os gestores e, ainda, alimentar esse ambiente com novos
conhecimentos, a exemplo do que já faz a Rede Central Mais, com as palestras
técnicas. Superar a visão individualista tradicional e moldar-se culturalmente
para a aprendizagem coletiva são desafios novos para os empresários.
Apesar de o estudo não permitir generalizações, podem-se destacar algumas
implicações para os gestores de redes horizontais do varejo de alimentos e para
os empresários nelas associados. Gestores das redes e empresários associados
precisam reconhecer que buscar somente a economia de custos é insuficiente
dentro de um contexto competitivo de margens reduzidas e em que os clientes por
vezes procuram comprar apenas o que está na promoção do tabloide. É necessário
perceber que os benefícios da estratégia de rede vão além da proposta da antiga
central de compras. Nesse sentido, os gestores da rede possuem papel importante
para criar condições para que os empresários associados possam interagir,
trocar experiências, aprender e levar esse aprendizado para sua empresa. Por
outro lado, os empresários associados precisam reconhecer que sua participação
efetiva na rede vai além das mensalidades em dia, ou seja, que a força da
estratégia de rede não está nos nós da rede, mas nas inter-relações desses nós.
Como contribuição teórica, acredita-se que as redes horizontais do varejo de
alimentos apresentam possibilidades estratégicas tanto nos aspectos de troca de
valor, compartilhando custos, como nos aspectos de criação de valor,
compartilhando conhecimento. Especificamente, a estratégia de redes
empresariais no varejo de alimentos supera a ideia das centrais de compras,
pois amplia as possibilidades competitivas no nível da cadeia de valores,
permitindo benefícios nos diversos elos. Contudo, apesar dessas vantagens, o
com- partilhamento de custos na cadeia de valor pode gerar vantagens
competitivas momentâneas ou de curto prazo. É nas possibilidades de
compartilhar conhecimento que a rede pode trazer as maiores e mais duradouras
vantagens, pois, por meio do conhecimento, oportunidades de melhoria e
inovações podem aparecer e tornar-se diferenciais competitivos duradouros. Para
futuras pesquisas, sugere-se que, primeiro, elas possam ampliar a amostra, já
que o estudo baseou-se em apenas duas redes empresariais; segundo, que possam
explorar mais as possibilidades e dificuldades da criação de valor em redes
empresariais.