Estruturas de governança e recursos estratégicos em destilarias do estado do
Paraná: uma análise a partir da complementaridade da ECT e da VBR
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, é fato que os biocombustíveis ganharam notoriedade e que a
produção de álcool brasileira tem ocupado uma posição de destaque no cenário
internacional. Nesse contexto, o estado do Paraná ocupa a posição de segundo
maior produtor nacional de álcool, apresentando um perfil moderno e sendo
superado, nesse aspecto, apenas pelo estado de São Paulo (LINS e SAAVEDRA,
2007). De acordo com dados da Associação de Produtores de Bioenergia do Estado
do Paraná (ALCOPAR, 2010), no período de 2002 a 2009, houve um aumento de 52%
na área utilizada para o plantio de cana-de-açúcar no estado do Paraná, o que
significou um acréscimo de 90,2% da produção de álcool paranaense.
Diante desse crescimento, o setor alcooleiro tem sido apontado como um
impulsionador do desenvolvimento econômico, em função dos benefícios que tem
propiciado. Entretanto, o setor continua pressionado para que maiores ganhos de
produtividade sejam alcançados, de forma a atender à demanda crescente, além de
conviver com pressões ambientais e sociais que envolvem a cultura da cana-de-
açúcar. Como a produção da matéria-prima envolve uma relação de
interdependência entre produtores e processadores, surge um problema de
coordenação para administrar essas questões. Dito de outra forma, as transações
realizadas entre as partes para produção de álcool demandam ações coordenadas e
articuladas de modo a não ocorrer dissipação de valor.
De um lado, produtores buscam um melhor retorno sobre seus ativos, notadamente
a terra e sua fertilidade; de outro, as destilarias investem para obter da
cana-de-açúcar o melhor resultado em termos de produtividade e menores custos
de produção. A combinação entre os melhores recursos e a coordenação
operacional indica um caminho para que os ganhos aconteçam e sua distribuição
seja efetivada. Entretanto, o problema se estabelece ao se verificar que o
proprietário recebe o preço da concorrência em relação ao uso da terra,
enquanto a destilaria recebe a renda resultante, em sua maior parte oriunda de
ganhos de produtividade e do preço do produto final comercializado, a depender
da estrutura de governança estabelecida. Esse contexto implica diretamente a
identificação e a adoção da estrutura de governança que propicie o melhor uso
dos recursos e a consequente garantia dos retornos esperados.
Tradicionalmente, as estruturas de governança têm sido estudadas por abordagens
da Nova Economia Institucional (NEI), especialmente pela Economia dos Custos de
Transação (ECT), a partir dos trabalhos de Coase (1937), Williamson (1975;
1985; 1996), Klein, Crawford e Alchian (1978). Entretanto, estudos mais
recentes têm buscado na abordagem da Visão Baseada em Recursos (VBR),
fundamentada nos estudos de Penrose (1959), Wernefelt (1984), Barney (1991),
Peteraf (1993), aspectos complementares na configuração dessas estruturas,
visando responder algumas limitações na explicação das fronteiras da empresa.
Discussões sobre a complementaridade entre as duas abordagens têm sido
percebidas nos trabalhos de Langlois (1992), Ghoshal e Moran (1996), Poppo e
Zenger (1998), Combs e Ketchen (1999), Williamson (2002), Foss e Foss (2004),
Jacobides e Winter (2005), Argyres e Zenger (2008), Saes (2009). Segundo esses
autores, a ECT e a VBR trabalham com fenômenos sobrepostos e, muitas vezes,
complementares. Isso porque a história da firma, seus recursos e suas
capacidades estratégicas, aspectos trabalhados pela VBR, influenciam a escolha
da estrutura de governança adequada e os limites da firma, questões tratadas
pela ECT.
Essa discussão torna-se relevante a partir da constatação de Argyres e Zenger
(2008) de que uma falsa dicotomia entre a ECT e a VBR tem emergido, uma vez que
a ECT, devidamente compreendida, é preocupada com a questão de quais escolhas
de governança facilitam o desenvolvimento de recursos e capacidades
estratégicos. Portanto, os autores defendem que
"os estudiosos devem tratar considerações sobre capacidades como
inextricavelmente entrelaçadas com a lógica dos custos de transação,
e devem procurar analisar os aspectos desta complexa interação"
(ARGYRES e ZENGER, 2008, p.29).
Sendo assim, levantou-se a seguinte questão de pesquisa: Como se configuram as
estruturas de governança, ao se considerarem custos de transação (ECT) e
recursos estratégicos (VBR), nas relações entre produtores e processadores em
destilarias no estado do Paraná? As evidências quanto à importância de entender
as problemáticas transacionais entre produtor e processador no setor,
envolvendo conhecimento técnico, dependência e garantias de direito de
propriedade, de forma a alcançar ganhos de produtividade e atender à demanda
por biocombustíveis, e aquelas de relevância teórica citadas acima, definem a
validade do presente estudo e seu caráter inovador.
Nessa orientação, a resposta à pergunta apresentada indicou, inicialmente, a
necessidade de se apresentarem os tipos de estruturas de governança adotadas e
de se descrever como elas definem condições operacionais específicas às
atividades das destilarias e dos produtores estudados. Em seguida, tratou-se da
identificação dos recursos estratégicos das destilarias pesquisadas. Por fim,
buscou-se descrever como as estruturas de governança são configuradas entre
processadores e produtores contratados, ao se considerarem recursos e
capacidades diferenciados. Para atingir os objetivos propostos, apresentam-se,
além desta introdução, uma seção que contempla o referencial teórico utilizado,
discutindo a ECT e a VBR em termos de características principais e aspectos
complementares; outra seção em que se mostram os resultados alcançados; e uma
última seção com as conclusões obtidas.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1. Economia dos custos de transação
De acordo com Langlois e Foss (1997), a ECT surgiu com Ronald Coase, que
introduziu em seu célebre artigo "The nature of the firm", em 1937, uma nova
perspectiva para o entendimento das estratégias empresariais, ao mostrar que
existem custos, além dos custos de produção, associados ao funcionamento dos
mercados: os custos de transação. Para Zylbersztajn (2009), Coase introduziu
uma mudança de paradigma na teoria econômica implantando um novo marco teórico,
ao discutir
"as razões explicativas para a existência da firma com base nos
custos comparativos da organização interna e de produção via mercado,
lançando as bases para o estudo das formas alternativas de
organização das firmas contratuais" (ZYLBERSZTAJN, 2009, p.42).
Nas décadas de 1970 e 1980, a partir dos trabalhos realizados por Coase,
Williamson (1985) impulsiona a questão dos custos de transação dentro da
literatura econômica. Apresentando a transação como unidade de análise, a ECT
tem como objetivo controlar os direitos de propriedade por meio do alinhamento
de estruturas de governanças (mercado, hierarquia e contratos), com atributos
de transação (especificidade de ativos, frequência e incerteza) e pressupostos
comportamentais (oportunismo e racionalidade limitada).
Na estrutura de governança via mercado, conforme William--son (1985), o nível
de especificidade de ativos é baixo, logo, os custos de transação são mínimos.
Os agentes conhecem as características dos produtos transacionados, a incerteza
e a frequência nas transações são mínimas e, normalmente, não se cria reputação
entre os agentes. A integração vertical ou hierarquia, por sua vez, é motivada
pelo alto nível de frequência, de incerteza e, principalmente, de
especificidade de ativos, que pode atingir seis ramificações: locacional,
temporal, humana, de marca, física e dedicada (WILLIAMSON, 1985).
Já os contratos ou formas híbridas, de acordo com Ménard (2004) e Zylbersztajn
e Sztajn (2005), referem-se aos arranjos de coordenação das transações que
diferem das estruturas via mercado e integração vertical. Eles podem fazer-se
necessários para garantir que não haja captura da quase-renda pelas partes
envolvidas, ou seja, para garantir que não ocorra a perda ou expropriação do
valor econômico do produto ou serviço transacionado. Segundo Ménard (2004), na
medida em que as partes vão se conhecendo, aumenta o uso de mecanismos
informais, tais como reputação, confiança, compartilhamento de informações e
ajuda mútua, que são utilizados na coerção dos agentes. Na figura_1, o autor
segmenta as formas híbridas em confiança, rede relacional, liderança e
governança formal, as duas primeiras próximas da estrutura via mercado e as
duas últimas da estrutura hierárquica.
Figura 1: Estruturas de Governança
Fonte: Ménard (2004, p.22).
Outra questão que deve ser observada são os diferentes níveis de incentivo e de
controle que a firma dispõe para organizar suas atividades, discutidos por
Williamson (1985). Ao tratarem esses fatores, Mizumoto e Zylbersztajn (2006,
p.150) destacam que
"arranjos via mercado são os que oferecem mais incentivos, mas a
possibilidade de controle depende da existência de parceiros
substitutos para disciplinar os desvios em relação ao acordo".
Sendo assim, conforme a necessidade de controle aumenta, a firma passa a optar
por arranjos contratuais em que é possível utilizar a ameaça de litígio para
fazer cumprir o contrato. Nes--se caso, a firma opta por arranjos
hierarquizados em que as atividades são coordenadas internamente, ao preço de
um in-centivo menor vis-à-vis o arranjo via mercado.
Hart e Moore (1990) ainda observam que a abordagem dos direitos de propriedade
considera que a posse de direitos de controle é fundamental para a decisão de
integrar. Conforme eles, a obtenção de lucros a partir de uma segunda firma
(profit stream) pode ser realizada por contratos, mas, se o objetivo é ter
controle, precisa integrar suas atividades (residual control rights). Isso se
alinha à posição de Demsetz e Lehn (1985), que observam, com base nos trabalhos
de Jarrel e Bradley (1980), que existe um significante custo associado ao
controle das transações. Esse custo impõe uma especifica identidade e controle
potencial sobre as firmas, e as alterações na estrutura de sua propriedade
podem, em parte, ser uma resposta a esses custos.
2.2. Visão baseada em recursos
De acordo com Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000), a visão baseada em recursos
- VBR (do inglês Resource Based View) - tem sua origem na teoria econômica,
especialmente a partir dos estudos de Penrose (1959), o qual defendeu que as
empresas desenvolvem suas vantagens competitivas por meio das imperfeições do
mercado. Essas imperfeições geram singularidades que proveem a base para o
desenvolvimento de novos produtos e, simultaneamente, de capacidades ou
recursos únicos.
Apesar da constatação de Penrose (1959), esses ativos só passam a ser
considerados de forma efetiva pela VBR a partir do trabalho de Wernefelt
(1984), em que é estabelecido um paralelo entre a visão tradicional baseada em
produtos, defendida pelo modelo competitivo de Porter (1985), e a visão baseada
em recursos. Segundo Wernefelt, suas ideias não decolaram até 1990, quando
Prahalad e Hamel (1990) popularizaram sua visão a respeito de capacidades
dinâmicas (MINTZBERG, AHLSTRAND e LAMPEL, 2000).
Na perspectiva de Guasselli e Abreu (2009), Barney (1991) vem ao encontro dos
argumentos de Wernefelt (1984) e amplia a perspectiva original de Penrose
(1959), afirmando que o conjunto de recursos da firma não é somente uma lista
de fatores, mas o processo de interação entre esses recursos e seus efeitos
sobre a organização. Na visão de Barney (1991), para serem estratégicos, os
recursos devem ser valiosos, raros, imperfeitamente imitáveis e
insubstituíveis, de modo a possibilitar que a empresa crie e siga estratégias
eficazes. Eles podem ser classificados como recursos de capital físico
(tecnologia, fábrica, equipamentos, localização geográfica, acesso a matérias-
primas), recursos de capital humano (treinamento, experiência, inteligência,
relacionamentos) e recursos de capital organizacional (sistemas e estruturas
formais, bem como relações informais entre grupos).
Após Barney (1991), Peteraf examina as condições dos recursos que asseguram as
vantagens competitivas sustentáveis, em seu artigo "The cornerstones of
competitive advantage", publicado em 1993. Na visão da autora, os recursos
rendem uma vantagem competitiva sustentável para a empresa quando apresentam:
superioridade, no sentido de serem heterogêneos, para garantir a obtenção de
lucros diferenciais; barreiras ex post à competição, ou seja, serem difíceis de
imitar devido a mecanismos de isolamento presentes; barreiras ex ante à
competição, em que assimetrias de informação são necessárias para limitar a
competição explícita pelos recursos; imobilidade, quando possuírem
especialização ou especificidade que os tornam adaptados exclusivamente para
suas necessidades.
Nesse contexto, as rendas diferenciais fluem de ativos específicos da firma,
que não podem ser imediatamente replicados: são rendas ricardianas. Segundo
Saes (2009), o conceito de rendas ricardianas deriva do trabalho de David
Ricardo (1982). Ao analisar a produção agrícola, Ricardo (1982) observou que o
preço do produto agrícola seria determinado pela oferta de terra e de sua
fertilidade. Nesse aspecto, quanto maior a fertilidade, maior a renda para o
produtor que possui a terra fértil. Portanto, essas rendas devem-se a fatores
valorizados, mas inerentemente raros e difíceis de obter.
Nota-se que diversos estudiosos têm focado seu trabalho na descrição dos
recursos e capacidades estratégicos inerentes ao ambiente interno das
organizações. Ainda que diversos progressos tenham sido alcançados, desde os
pensadores clássicos como Penrose (1959), Wernefelt (1984), Barney (1991) e
Peteraf (1993), com seu foco nas relações intraorganizacionais, evidencia-se a
necessidade da continuidade dos estudos na área.
2.3. Especificidades: ECT e VBR
Nos últimos anos, uma convergência entre a ECT e a VBR foi iniciada, buscando
uma explicação mais satisfatória para os limites da firma. Para Jacobides e
Winter (2005), economistas dos custos de transação agora aceitam que não se
pode compreender inteiramente as escolhas de fronteiras sem avaliar as bases de
recursos das empresas. Argyres e Zenger (2008, p.6) consideram que a lógica
baseada em recursos tem sido estendida para além das explicações do desempenho
das firmas para explicações sobre sua configuração e seus limites. O argumento
proposto por eles para explicar esses limites é bastante simples: "As empresas
governam internamente capacidades comparativas e terceirizam o acesso às
capacidades onde a firma é comparativamente incompetente". A partir dessa
lógica, percebe-se que as capacidades que a empresa possui também determinam
seus limites, uma vez que as decisões de fazer ou comprar são tomadas levando-
se em conta sua existência.
Para Poppo e Zenger (1998), as escolhas dos limites surgem como decisões de
importância estratégica primária, uma vez que, se pela VBR a vantagem
competitiva deriva de recursos valiosos e difíceis de imitar, então essas
escolhas definem a posse e a composição de tais recursos. Por sua vez, a ECT é
vista como uma teoria que explica a gestão eficiente do desenvolvimento de uma
capacidade única ou específica da firma (ARGYRES e ZENGER, 2008). Em
consonância com esse argumento, Langlois (1992, p.99) afirma que "em conjunto
com os custos de governança, as capacidades da empresa e do mercado determinam
os limites da firma no curto prazo". Isso porque o autor defende a existência
de custos de governança dinâmicos, que se referem a custos de informação ou
conhecimento relacionados à transferência de capacidades das empresas para o
mercado, ou vice-versa.
Sendo assim, as considerações da VBR caminham lado a lado com as considerações
da ECT. Argyres e Zenger (2008) defendem que as considerações sobre as
capacidades e os custos de transação são tão interligadas, que deveriam ser
integradas como parte de uma única teoria dos limites da firma. Vista nessa
perspectiva, a explicação para a escolha das fronteiras da empresa que se
baseie inteiramente, ou em grande parte, em considerações de uma das abordagens
não pode fornecer uma explicação suficiente para uma decisão de fazer ou
comprar. Essa complementaridade é aprofundada a seguir.
2.3.1. Aspectos complementares: ECT e VBR
Apesar de os estudiosos da VBR introduzirem uma lógica nova para explicar as
virtudes da governança da empresa, os argumentos são muito consistentes com as
linhas conceituais amplas da ECT. Na percepção de Agyres e Zenger (2008),
enquanto a ECT define as virtudes da hierarquia na superação das falhas de
mercado, os estudiosos da VBR articulam mais plenamente sobre as virtudes da
hierarquia na geração de capacidade. Em outras palavras, a VBR afirma que a
razão pela qual uma atividade é realizada dentro da empresa não é somente a
falha do mercado ou custos de transações que podem ocorrer, mas sim o sucesso
da empresa. Sendo assim, a opção pela estrutura hierarquizada pode ocorrer não
somente para precaver-se de oportunismo, mas também para criar valor para a
firma.
Seguindo essa linha de raciocínio, Poppo e Zenger (1998) defendem que a
integração vertical pode ocorrer não apenas pela presença de ativos específicos
ou comportamento oportunista, mas também pelo fato de a organização, por si
mesma, apresentar características vantajosas como opção de governança. Para
Ghoshal e Moran (1996, p.42), as vantagens das organizações sobre os mercados
podem explorar os propósitos internos da organização e a diversidade na
tentativa de "alavancar a habilidade humana para tomar a iniciativa, para
cooperar e para aprender".
Para Langlois (1992, p.105), "não se pode ter uma teoria completa das
fronteiras da empresa sem considerar em detalhe o processo de aprendizado em
empresas e mercados". Esse argumento está, também, entrelaçado com a
constatação de Argyres e Zenger (2008) de que a distribuição dos recursos nas
empresas, em determinado momento, reflete uma série de decisões passadas que
essas empresas tomaram para desenvolver ou não desenvolver capacidades
internamente. Os autores defendem que essas decisões foram provavelmente
impulsionadas pela comparação da eficiência dos tipos de governança possíveis
ou por considerações de custo de transação advindas de um processo de
aprendizagem. Na mesma linha de pensamento, Saes (2009) afirma que a VBR
suporta a escolha de estruturas de governança, uma vez que as mudanças nessas
estruturas dependem de um processo de realimentação, a partir do aprendizado e
das experiências pessoais dos gerentes sobre os custos de transação envolvidos.
Por outro lado, a ECT explica quais estruturas de governança são mais
eficientes para explorar os recursos estratégicos da firma.
Na visão de Argyres e Zenger (2008), a VBR trata de como lidar com a questão de
quais recursos se complementam para produzir uma vantagem competitiva, enquanto
a ECT lida com a questão de quais desses recursos complementares ficará sob
propriedade comum da empresa e quais serão de propriedade independente. Para
Combs e Ketchen (1999), enquanto a VBR busca a identificação de recursos
estratégicos que exigem melhorias, a ECT incide sobre a forma de gerir esses
recursos depois de identificados.
Outro ponto de complementaridade está relacionado à especificidade de ativos.
Isso porque os recursos estratégicos da firma (VBR) podem ser interpretados
como ativos específicos e, assim, analisados a partir do instrumental da ECT.
Combs e Ketchen (1999) ressaltam que a visão das abordagens é complementar, em
parte, devido ao reconhecimento de que ativos específicos compartilham uma
qualidade importante com os recursos estratégicos, ou seja, ambos são difíceis
de comercializar ou imitar. Segundo os autores, essa complementaridade
esclarece por que o alto desempenho entre as empresas pode ser explicado tanto
como um produto da gestão organizacional focada na eficiência (ECT) como da
exploração de recursos estratégicos (VBR).
Nota-se, ainda, que o controle assume papel fundamental nas duas teorias. Pelo
lado da VBR, é necessário que recursos e capacidades diferenciadas sejam
controlados para manterem sua condição de não mobilidade. Já pelo lado da ECT,
o controle relaciona-se mais à minimização de condição de incerteza. Nesse
sentido, Zylbersztajn (2009, p.9) observa que
"com relação à incerteza [...], inesperados choques externos [...]
podem ter consequências reais imprevistas. Portanto a incerteza
motiva a necessidade de um controle mais intenso".
Desse modo, o controle, mesmo direcionado à redução de mobilidade de recursos,
permite que as respostas em condições de incerteza sejam mais rápidas,
denotando que tanto a VBR como a ECT adotam o controle como justificativa para
suas abordagens.
Sendo assim, pela VBR, o controle torna-se aspecto fun--damental quando se
considera a proteção de recursos, enquanto pela ECT o controle se justifica
pela redução dos custos de transação. Como destaca Saes (2009), a importância
dos custos de transação é que, em sua ausência, não haveria o problema de
criação e proteção de valor dos recursos e qualquer estrutura de governança
seria apropriada e conduziria à maximização do valor. No entanto, a autora
afirma que, quan-do os custos de transação são introduzidos, os direitos de
pro-priedade dos recursos não são perfeitamente protegidos e seus valores podem
ser dissipados. Assim, é possível afirmar que a construção de capacidades pode
caracterizar direito de propriedade que necessita ser protegido por mecanismos
legais ou estruturais. Com isso, quanto mais efetivo for o controle, maior será
a proteção dos direitos de propriedade e menos custosas serão as atividades
realizadas para a sustentação de valor do recurso. No quadro_1 estão
sintetizados os pontos de complementaridade na consideração das duas teorias
como orientação para geração de capacidade competitiva e explicação para os
limites da firma.
Quadro 1
Pontos de Integração entre a ECT e a VBR
[/img/revistas/rausp/v48n1/13q01.jpg]
Fonte: Elaborado pelos autores a partir do referencial teórico coletado.
Um último ponto destacado no quadro_1 é que as diferentes limitações cognitivas
e especificidades de ativos existentes entre as empresas, temas discutidos pela
ECT, também explicam a heterogeneidade das firmas tratada pela VBR (SAES,
2009). Conforme Foss e Foss (2004), o conceito de heterogeneidade ainda pode
ser abordado pela ECT a partir da consideração de como se dão os direitos de
propriedade entre as firmas. Isso porque, para esses autores, as diferenças
entre elas se dão a partir da forma particular em que cada uma aloca
internamente os direitos de propriedade de seus recursos. Assim, o valor que o
proprietário de um recurso pode criar vai depender do conjunto de direitos de
propriedade que ele possui em sua firma, que pode diferir das demais.
3. METODOLOGIA
Para desenvolver o objetivo proposto neste trabalho, adotou-se a pesquisa de
natureza qualitativa, do tipo descritiva e de corte transversal, com
perspectiva longitudinal. A análise e a interpretação dos dados obtidos foram
feitas por intermédio do método de análise de conteúdo. Bardin (2004) assinala
três etapas básicas de um trabalho que utiliza o método de análise de conteúdo:
pré-análise, descrição analítica e interpretação inferencial. Essas etapas e as
ações correspondentes realizadas são descritas no quadro_2.
Quadro 2
Etapas da Análise de Conteúdo
[/img/revistas/rausp/v48n1/13q02.jpg]
Fonte: Elaborado a partir de Bardin (2004).
Destaca-se que, na análise de conteúdo, a escolha das categorias da presente
investigação se deu pelo referencial teó-rico e pelos objetivos apresentados.
Portanto, tem-se como pressuposto que os custos de transação, em conjunto com
os recursos e capacidades diferenciados da empresa, podem con-figurar as
estruturas de governança utilizadas nas relações entre produtores e
processadores do setor alcooleiro. Esse raciocínio estabelece as categorias de
estudo que são apresentadas na figura_2.
[/img/revistas/rausp/v48n1/13f02.jpg]
Figura 2: Esquema de Análise - Categorias de Estudo
Para o trabalho empírico, foram selecionadas as sete destilarias que integram o
conjunto de unidades produtoras de açúcar e álcool, presentes no estado do
Paraná, conforme identificação apresentada por Alcopar (2010). A escolha pelas
destilarias se deu como forma de focar indústrias que possuem o mesmo porte,
realizam o mesmo processo produtivo e tendem a utilizar recursos similares.
Para investigar as destilarias, foram coletados dados primários e secundários.
Os dados secundários foram buscados em órgãos como a Associação de Produtores
de Bioenergia do Estado do Paraná (Alcopar) e União da Indústria de Cana-de-
Açúcar (Unica). No que diz respeito aos dados primários, eles foram coletados
por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas com gerentes agrícolas, bem
como com fornecedores de cana mais antigos das destilarias pesquisadas.
Como tanto a ECT (frequência) quanto a VBR (path de-pendencies) indicam o fator
tempo como um elemento que define a maneira como as transações se configuram,
foram selecionadas as destilarias e fornecedores contratados que estão na
atividade há, pelo menos, dez anos. Dessa forma, das sete destilarias
existentes no estado, cinco atenderam à solicitação de entrevista, pois uma não
é aberta a pesquisas e outra não atendia ao critério estabelecido, relacionado
ao tempo na atividade. O perfil das cinco destilarias selecionadas encontra-se
no quadro_3. A referência dos fornecedores ouvidos, um para cada destilaria,
foi retirada das próprias destilarias, na fase de realização das entrevistas.
Quadro 3
Amostra das Destilarias Localizadas no Estado do Paraná por Tempo de Atuação
[/img/revistas/rausp/v48n1/13q03.jpg]
Fonte: Elaborado a partir de dados da Alcopar (2010).
4. APRESENTAÇAO E DISCUSSÃO DOS DADOS COLETADOS
4.1. Estruturas de governança e custos de transação no setor alcooleiro
A frequência nas transações, caracterizada pela necessidade contínua por parte
das destilarias de adquirir a matéria-prima cana, a possibilidade de
comportamento oportunista, bem como a especificidade locacional e temporal,
principalmente, justificam as estruturas contratuais, tendendo à integração
vertical (WILLIAMSON, 1985), como predominantes nas destilarias pesquisadas.
Essas estruturas ocorrem, em sua expressiva maioria, por meio de contrato de
parceria do tipo arrendamento.
Como segunda opção de arranjo organizacional, identifica-se o contrato de
parceria agrícola, seguido pelo contrato de fornecimento. O mercado e a
integração vertical são, normalmente, arranjos pouco utilizados, devido à
imprevisibilidade presente e à necessidade de alto investimento em terras,
respectivamente. A exceção fica por conta da destilaria B, cuja posse prévia de
terras, na região Noroeste Paraná, resultou na prática da integração vertical,
contratando apenas para atender à necessidade de expansão da produção. A
configuração das estruturas de governança e sua participação na aquisição de
cana-de-açúcar pelas destilarias paranaenses estão sintetizadas no quadro_4.
Quadro 4
Estruturas de Governança Adotadas pelas Destilarias Paranaenses
[/img/revistas/rausp/v48n1/13q04.jpg]
Ao se considerarem essas estruturas, é válido notar que, quanto à integração
vertical, os gerentes agrícolas das destilarias que utilizam esse tipo de
arranjo afirmam que só o adotam pelo fato de os donos das destilarias terem a
posse prévia de terras. Os entrevistados alegam que a principal vantagem da
integração vertical é o controle obtido, tanto da terra como de todo o processo
produtivo da cana, considerada um ativo específico físico. Desse modo, não
existe possibilidade de conflitos com proprietários de terra, ratificando-se os
pressupostos de Williamson (1985) quanto aos benefícios dessa forma de
governança na presença de ativos específicos.
Quanto ao contrato de parceria do tipo arrendamento, o principal argumento
demonstrado nas entrevistas é que esse tipo de contrato possibilita às
destilarias obterem maior controle, sem precisarem investir na aquisição de
terras. Esse controle influencia a dinâmica operacional das destilarias, sendo
desejado para efeito de programação, uma vez que aumenta a autonomia em caso de
incertezas, a um custo menor que o da integração vertical.
Essa constatação é corroborada, inicialmente, por William-son (1985), e depois
discutida por Mizumoto e Zylbersztajn (2006), com referência aos diferentes
níveis de incentivo e controle que a organização pode ter sobre a escolha de um
arranjo organizacional. Para Mizumoto e Zylbersztajn (2006), conforme a
necessidade de controle aumenta, a empresa passa a optar por arranjos
contratuais hierarquizados em que as atividades são coordenadas internamente,
ao preço de um incentivo menor em comparação ao arranjo via mercado.
No caso de medidas de expansão, os entrevistados são unânimes ao argumentar
que, caso a destilaria queira manter o controle, são priorizadas as relações
contratuais via parceria do tipo arrendamento, que não necessitam de grandes
quantias imobilizadas. Embora não sejam verificadas práticas de hold-up e de
comportamentos oportunistas expressivos, essa possibilidade existe devido à
presença de ativos específicos, justificando o uso de contratos de arrendamento
como alternativa à integração vertical, dado que oferecem as mesmas vantagens.
Esses fatores ratificam as proposições de Coase (1937) e Williamson (1985)
presentes na literatura quanto aos motivos da utilização de estruturas mais
integradas.
Quanto ao contrato de parceria agrícola e de fornecimento, os entrevistados
apontam que as principais vantagens são o aumento da capacidade produtiva, a
divisão de responsabilidades e o compartilhamento dos riscos. Ao contrário do
contrato de parceria do tipo arrendamento, o contrato de parceria agrícola
permite ao produtor compartilhar os benefícios do mercado relacionados ao
acréscimo dos preços e crescimento do setor.
Conforme os entrevistados, os contratos de parceria agrícola e fornecimento são
os que mais influenciam as condições operacionais das destilarias, devido à
dependência e à proximidade da destilaria com o produtor. Portanto, esses tipos
de relações contratuais podem afetar a dinâmica das destilarias na medida em
que o abastecimento do processo industrial depende da cana advinda de contratos
com terceiros. Outra condição operacional, impactada pelo contrato de
fornecimento e parceria agrícola, refere-se à produtividade agrícola no cultivo
de cana-de-açúcar. De acordo com os gerentes agrícolas, há possibilidade de se
conseguir uma produtividade maior quando o produtor ou proprietário participa
ou gerencia o processo produtivo, pelos cuidados mais apurados que ele tem com
a terra. Por outro lado, o contrário também pode acontecer, ou seja, os
proprietários deixarem de investir na propriedade, devido a queda nos preços ou
situação desfavorável no mercado da cana-de-açúcar.
Os entrevistados alegam que atitudes desse tipo, no sentido de prejudicar a
produtividade do plantio, ocorrem menos quando se conhece o proprietário e se
estabelece uma relação de confiança com ele. Nesse aspecto, é corroborado o
ponto destacado por Ménard (2004) de que o uso de mecanismos informais, como a
confiança, por exemplo, serve como um mecanismo de coerção sobre as partes,
contribuindo para evitar comportamentos oportunistas, o que se constatou nas
destilarias pesquisadas.
Quanto ao mercado livre, os entrevistados afirmam, com exceção da Destilaria C,
que essa prática não é comum. Essa afirmação, geral entre os entrevistados,
pode ser esclarecida pela fala do gerente agrícola da Destilaria B:
"[...] você tem que ter previsão e, sempre quando você compra cana no
mercado livre, você não tem como fazer previsão. Então um ano o cara
vende para você, no outro vende para outro, como é que fica? Então, é
inseguro tanto para o produtor como para as usinas".
Nesse sentido, percebe-se que a cana, como principal matéria-prima das
destilarias, demanda custos de transação por sua alta especificidade física,
descartando o mercado pela incerteza presente nesse tipo de transação. Esse
argumento vem ao encontro da afirmação de Williamson (1985), que aponta que a
estrutura de governança via mercado se mostra mais eficiente quando ativos de
baixa especificidade estão envolvidos na transação, o que não é o caso da cana-
de-açúcar. Portanto, as relações contratuais acabam sendo preferidas, por
garantirem a entrega da matéria-prima. Essa constatação também é corroborada
pelo autor, que defende a utilização das relações contratuais formais, ou seja,
aquelas mais próximas das estruturas hierárquicas quando se observa alto nível
de especificidade de ativos. Isso porque essas relações fogem dos custos das
hierarquias e protegem os direitos de propriedade ante o alto grau de
dependência bilateral que existe nessas circunstâncias.
Outra questão observada refere-se à dependência do pro-dutor em relação à
destilaria, o que pode influenciar as condições operacionais das estruturas de
governança. Segundo os en-trevistados, essa questão acentua-se devido às
condições estruturais e ao fato de muitos produtores não apresentarem
conhecimento ou experiência para administrar o cultivo da cana. Essa
dependência é demonstrada na fala do contratado da Destilaria D:
"Além da gente não ter maquinário para fazer o CCT, tem muita coisa
que a gente não sabe sobre o cultivo. Então a destilaria surge como
um suporte, uma escola para a gente aprender".
Esses fatores reafirmam a relação de dependência dos produtores com as
destilarias, o que resulta na formulação de contratos em que a destilaria
sempre tem participação.
As implicações operacionais das estruturas de governança são sintetizadas no
quadro_5. No contexto operacional, cada estrutura carrega especificidades,
tratadas, nesse momento, considerando-se os aspectos: função, investimento,
controle, programação da colheita, responsabilidade no processo, riscos e
conflito.
Quadro 5
Estruturas de Governança e suas Implicações Operacionais nas Destilarias
[/img/revistas/rausp/v48n1/13q05.jpg]
4.2. Recursos estratégicos e atributos de transação no setor alcooleiro
No setor alcooleiro, recursos e capacidades estratégicos capazes de gerar
vantagem competitiva para as destilarias estão mais relacionados a sua
localização e à distância média das propriedades contratadas. A capacidade de
expansão, devido à fertilidade do solo, a abundância de áreas mecanizáveis e a
ausência de competidores, bem como a transparência, a reputação e a fidelidade,
também foram destacados como recursos estratégicos.
Os gerentes e produtores entrevistados foram unânimes ao destacar a localização
e a distância como os principais diferenciais competitivos de uma destilaria em
relação às outras, influenciando a relação contratual estabelecida. Isso porque
a distância afeta tanto nos custos de transporte da cana-de-açúcar até a
unidade processadora, como na qualidade da cana, que começa a perder sacarose a
partir do momento em que é queimada, sendo crucial, portanto, seu tempo-médio
de chegada. Do mesmo modo, a localização é decisiva porque determina a
topografia e a qualidade da terra, bem como os tipos de estradas disponíveis
para o transporte (terra/asfalto). Nesse sentido, os contratos, os custos e os
lucros resultantes são estabelecidos com os proprietários de terras a partir de
condições estruturais da propriedade, determinadas por sua localização, e de
sua distância média da unidade processadora.
No caso das destilarias investigadas, os recursos estratégicos indicados,
relacionados a localização e distância, estão diretamente associados à
especificidade de ativos locacional e temporal, respectivamente, corroborando a
complementaridade entre recursos estratégicos e ativos específicos, defendida
por Combs e Ketchen (1999). Desse modo, confirma-se que a noção de
especificidade de ativos é necessária à consideração de recursos estratégicos.
Isso porque, enquanto a VBR se preocupa com a identificação de recursos
estratégicos, a ECT discute o gerenciamento e a captura de valor desses
recursos (COMBS e KETCHEN, 1999; SAES, 2009).
A partir da complementaridade das abordagens, é possível tratar os recursos
estratégicos como ativos específicos e considerar questões relacionadas à
possibilidade de comportamento oportunista. Dessa forma, os recursos
estratégicos, relacionados a localização e distância, só são capazes de trazer
vantagens competitivas sustentáveis para as destilarias se possibilitarem a
criação ou a captura de valor. Nesse sentido, as destilarias realizam os
contratos definindo cláusulas que comprometem as partes a cumprirem o acordado,
com penalidades dispendiosas para quem não o fizer, tendo em vista que
transacionam em condição de alta especificidade (locacional, temporal, de
ativos físicos e dedicados).
Além da distância e da localização, os gerentes apontam a capacidade de
expansão como fator diferencial. Essa capacidade é resultado de fertilidade do
solo, abundância de áreas mecanizáveis e ausência de competidores. Isso
ratifica a proposta de David Ricardo (1982) sobre as rendas ricardianas na
redução dos custos ou ampliação dos ganhos. No caso das destilarias, relaciona-
se diretamente à vantagem competitiva advinda da capacidade de expansão pela
fertilidade do solo e pela abundância de áreas mecanizáveis. A busca do
controle de recursos, nessas condições, justifica-se pela eficiência obtida e
pelos ganhos resultantes.
Todos os entrevistados chamam atenção para a importância da transparência, da
reputação e da fidelidade que as partes devem construir para a boa continuidade
das transações. Como a posse desses recursos estratégicos traz a diminuição da
possibilidade de comportamento oportunista e apropriação de quase-renda, as
estruturas de governança são afetadas. Nesse sentido, a relação contratual
mostra-se satisfatória para garantir que não ocorra a perda do valor econômico
nas transações realizadas nas destilarias, conforme destacado por Mérnard
(2004). Além disso, a posse desses recursos está associada à frequência na
realização das transações, atributo abordado pela ECT, bem como à existência de
path dependencies (TEECE, PISANO e SHUEN, 1997), pelo lado da VBR.
É válido destacar que, apesar de apresentarem convergên-cia quanto à
consideração da distância e da localização como diferencial competitivo, as
destilarias apresentam particularidades, denotando heterogeneidade em seus
recursos estratégicos e ativos específicos. Isso porque, enquanto algumas delas
apresentam como diferencial competitivo a menor distância média, outras
apresentam a localização logística favorável ou até mesmo aspectos relacionados
à capacidade de expansão e à tradição no mercado. Portanto, pode-se constatar
que diferentes especificidades de ativos (ECT) existentes entre as destilarias
também explicam sua heterogeneidade (VBR), o que Saes (2009) destaca como um
ponto complementar entre as abordagens. Além disso, percebe-se que essas
condições estabelecem diferentes custos de produção e de transação, o que
reforça a heterogeneidade dessas organizações. Dito de outra forma, ati--vos
específicos caracterizam recursos e capacidades que, apresentando diferentes
condições, influenciam a configuração das estruturas de governança e a dinâmica
da competição.
4.3. Estruturas de governança na consideração de recursos estratégicos e custos
de transação
Tomando-se como referência as informações obtidas, percebeu-se que os recursos
estratégicos apontados nas destilarias estudadas influenciam a configuração das
estruturas de governança utilizadas. Conforme a classificação de Barney (1991),
os recursos de capital físico, relacionados a distância, localização,
capacidade de expansão (fertilidade do solo, abundância de áreas mecanizáveis,
ausência de competidores), de capital organizacional, associados a
transparência, reputação, fidelidade e tradição, e de capital humano, relativo
ao conhecimento do processo produtivo, afetam a forma como as partes envolvidas
na aquisição de cana-de-açúcar transacionam. Além disso, notou-se que a escolha
de um arranjo em detrimento de outro envolve mais do que uma questão de custos,
uma vez que o conhecimento interno disponível na destilaria também se torna
decisivo.
Diante desses recursos, a maior parte das destilarias entrevistadas indica que
sua relação com os fornecedores se dá pela forma contratual, notadamente a
parceria do tipo arrendamento. Considera-se, nesse caso, que o arrendamento
caracteriza uma quase integração vertical, tendo em vista que, durante o
período contratado, o arrendatário tem controle total sobre a propriedade. Como
distância e localização são recursos estratégicos para as destilarias
alcançarem vantagens competitivas, o contrato de parceria do tipo arrendamento
permite transações com proprietários de terras que atendam aos requisitos de
proximidade, apresentem terras férteis e áreas adequadas ao plantio de cana-de-
açúcar.
Percebe-se, então, que esse tipo de estrutura, do mesmo modo que a integração
vertical, mostra-se capaz de sustentar e proteger vantagens competitivas
advindas dos atributos dos recursos estratégicos da organização, relacionados a
localização e distância, mas sem investimentos em imobilizado. Desse modo,
conforme apontado por Saes (2009), é possível confirmar o aspecto complementar
da VBR a partir da constatação de que a construção de capacidades e recursos
distintos no tempo caracteriza direito de propriedade que necessita ser
protegido pela integração vertical (quadro_1).
A forma de contrato de parceria do tipo arrendamento, como uma quase integração
vertical, pode ser explicada pela complementaridade da ECT com a VBR. Isso
porque o valor gerado por esses recursos permite ganhos maiores que os dos
custos de transação relacionados ao gerenciamento das transações, que são
baixos a partir dessa forma de estrutura. Com isso, é possível obter um
controle maior e garantir a continuidade desses ganhos. Portanto, pode-se
perceber que, enquanto ativos específicos geram custos de transação, recursos
estratégicos podem criar valor para a organização. Nesse caso, a integração
vertical é válida quando os custos de transação gerados pela presença de ativos
específicos forem menores do que a criação de valor obtida a partir dos
recursos estratégicos (Ativos específicos→Custos de transação < Recursos
estratégicos→Criação de valor = Integração vertical).
Seguindo essa linha de raciocínio, os custos de transação existentes não
justificariam por si sós a estrutura de governança adotada. Essa é mantida
porque, além de reduzir custos de transações, gera ganhos relacionados aos
atributos presentes nos recursos controlados. Observa-se, portanto, o encontro
da eficiência na gestão com a vantagem competitiva representada pela geração de
renda superior à dos concorrentes. Sendo assim, considera-se que a estrutura de
governança mais presente, relacionada ao contrato de parceria do tipo
arrendamento, é suficiente para tratar de duas questões fundamentais no campo
de domínio da VBR e ECT: permite o controle de recursos estratégicos e a
redução de custos de transação.
Os outros recursos estratégicos também influenciam e são influenciados pelas
estruturas de governança adotadas. Como grande parte das transações é conduzida
de modo transparente e calcada na reputação da destilaria e fidelidade das
partes, dificilmente ocorrem problemas nas transações das destilarias com seus
contratados. Isso pode justificar-se, porque, normalmente, é de interesse de
ambas as partes manterem as relações contratuais por períodos de tempo mais
longos. Nesse sentido, a estrutura de governança via contrato de parceria do
tipo arrendamento mostra-se mais vantajosa para grande parte dos entrevistados.
Além de trazer vantagens relacionadas ao controle do processo de plantio, à
manutenção de níveis de qualidade e à produtividade, bem como à programação de
transporte e processamento, essa forma de governança pode propiciar proteção
das relações, considerando a ausência de conflitos e a possibilidade de
sustentação de vantagens competitivas.
No que diz respeito à influência do conhecimento, percebe-se que as destilarias
apresentam maior domínio sobre a cultura da cana-de-açúcar do que o produtor ou
proprietário. Por estarem na atividade há muitos anos, as destilarias dominam o
processo operacional e técnico empregado. Portanto, as capacidades internas
relacionadas ao conhecimento sobre o cultivo de cana-de-açúcar mostram-se mais
pertinentes do que a contratação externa, que normalmente depende de assessoria
das destilarias.
Essa constatação de que o conhecimento construído no tempo influencia
diretamente a escolha da estrutura de governança pelas destilarias vem ao
encontro da visão de Teece, Pisano e Shuen (1997) e Saes (2009). Os autores
admitem que a história da firma, seu conhecimento e aprendizado, aspectos
trabalhados pela VBR, influenciam a escolha de estruturas de governança
adequadas, tratadas pela ECT. Portanto, a partir da aquisição do conhecimento
de plantio e colheita, bem como da capacidade operacional, técnica e
financeira, conquistadas ao longo do tempo, as destilarias preferem adotar
estruturas mais verticalizadas, que lhes possibilitam dominar o processo
produtivo, como é o caso do contrato de parceria do tipo arrendamento. Além
disso, a complementaridade torna-se clara a partir da constatação dos
argumentos de Argyres e Zenger (2008) que defendem que a ECT trata diretamente
da questão de como as firmas desenvolvem capacidades eficientemente.
Por outro lado, essa situação traz como consequência direta a redução na
transferência de conhecimento e sua concentração na destilaria. Isso porque o
conhecimento é moldado a partir da estrutura de governança utilizada. Sendo
assim, nos contratos de parceria do tipo arrendamento, ocorre pouca
transferência de conhecimento, uma vez que o proprietário ou produtor não
participa da produção da cana-de-açúcar nem está em frequente contato com a
destilaria. Uma relação de aprendizagem parece mais provável no caso do
contrato de parceria agrícola, em que o proprietário ou produtor, por estar em
constante interação com a destilaria e ser responsável por sua produção,
adquire conhecimentos técnicos e operacionais para a realização de suas
atividades.
Vale ressaltar, ainda, alguns aspectos relacionados ao conhecimento na escolha
da estrutura de governança utilizada na colheita da cana-de-açúcar, destacados
por alguns gerentes agrícolas. A importância do conhecimento, nesse processo,
define inicialmente a escolha por relações contratuais, pela falta de
capacidade interna das destilarias de realizarem o processo. Isso pode ser
demonstrado na fala do gerente agrícola da Destilaria A:
"Na colheita mecanizada [...], nós tínhamos recursos, na época eram
10 milhões para fazer o investimento [...], o problema era como fazer
aquilo ali funcionar. Ninguém tinha experiência de gerenciamento
daquilo ali e de operação muito menos, ninguém sabia nada. Então, nós
ficamos com receio de investir 10 milhões e não conseguir fazer
aquilo lá andar. Aí nós terceirizamos".
Esse fator confirma alguns pontos de complementaridade das teorias ECT e VBR,
quando se trata da eficiência e do controle de recursos. Conforme destacado por
Argyres e Zenger (2008, p.6),
"as empresas governam internamente capacidades comparativas e
terceirizam o acesso às capacidades em que a firma é comparativamente
incompetente".
Complementa-se, dessa forma, a teoria da eficiência de Williamson (1985),
observando-se que, nesse caso, a destilaria troca o controle pelo incentivo do
mercado, mas orientada pela noção de capacidade e não da redução de custos.
Além disso, também é confirmado o argumento de Poppo e Zenger (1998) de que a
escolha dos limites da firma define a posse e a composição dos recursos que a
empresa possui.
Outro destaque relevante, nesse sentido, feito pelo gerente agrícola da
Destilaria A, refere-se ao processo de aprendizagem sobre colheita mecanizada
realizado pela empresa ao longo do tempo:
"A gente não tinha conhecimento [...]. Em 2012, nós temos a intenção
de adquirir a primeira máquina nossa [...], porque até 2015 o
contratado vai estar aqui. Em 2012, eu coloco a máquina nossa só e,
se ela der muito problema e a gente não conseguir trabalhar com ela,
ela não vai atrapalhar o andamento da safra, porque os terceiros vão
estar aqui. E eu tenho pessoas aqui do terceiro que sabem me ensinar
a resolver o problema que eu tiver [...]".
Novamente a complementaridade entre a ECT e a VBR é encontrada a partir da
afirmação de Langlois (1992), sobre os custos de governança dinâmicos. Em
outras palavras, a destilaria alcançou aprendizado ao longo do tempo a partir
de custos de informação ou conhecimento relacionados à transferência de
capacidades dos contratados. Os argumentos de Argyres e Zenger (2008) também
são admitidos, uma vez que a distribuição dos recursos nas destilarias no
momento em que ocorreu de fato a presente investigação reflete uma série de
decisões passadas que elas tomaram para desenvolver ou não capacidades
internamente.
A adoção da integração vertical a partir de uma perspectiva de aprendizagem
também encontra sustentação na afirmação de Goshal e Moran (1996), Poppo e
Zenger (1998) e Argyres e Zenger (2008). Esses autores defendem que esse tipo
de estrutura pode ser adotado pelo interesse da organização em desenvolver
habilidades para tomar a iniciativa, para cooperar e para aprender. Dessa
forma, a existência de ativos específicos causadores de comportamentos
oportunistas não são a única explicação para a integração vertical.
Além do custo, do aprendizado e da capacidade superior do terceiro, todos os
entrevistados destacam a divisão de responsabilidade, os aspectos burocráticos
e a confiabilidade como justificativa para terceirização na colheita de cana-
de-açúcar. Nesse aspecto, é corroborada a afirmação de Langlois (1992) de que
as capacidades da empresa e do mercado, em conjunto com os custos de
governança, determinam os limites da firma no curto prazo. Ainda, o raciocínio
de Williamson (1985) de que a eficiência é o fator decisivo na escolha entre o
mercado e a integração vertical traz complementaridade ao argumento de Saes
(2009). Segundo Saes (2009), as mudanças nessas estruturas dependem de um
processo de realimentação, a partir do aprendizado e de experiências pessoais
dos gerentes sobre os custos de transação envolvidos.
Outro ponto de complementaridade refere-se ao controle, dadas as
especificidades presentes (locacional, temporal, física, dedicada), e não,
apenas, à vantagem estratégica da posse desses recursos. Além disso, devido ao
controle, a estrutura de governança adotada garante a redução de comportamento
oportunista em face da condição de imobilidade imposta a esses recursos e
permite que as respostas em condições de incerteza sejam mais rápidas.
Percebe-se, então, que a escolha por contratos de parceria do tipo arrendamento
é justificada devido ao controle e à proteção de recursos estratégicos
específicos relacionados a distância, localização, capacidade de expansão
(fertilidade do solo, abundância de áreas mecanizáveis, ausência de
competidores), bem como a transparência, reputação, fidelidade e tradição. Além
disso, o conhecimento da destilaria normalmente é preponderante ao do produtor,
justificando a utilização dessa forma contratual. O conhecimento sobre o
processo de colheita mecanizada também influi na escolha da estrutura de
governança utilizada para realizar a colheita. Isso porque a opção inicial
prioriza a realização de contratos, na tentativa de apreender os recursos e as
capacidades dos terceiros; mas, em um segundo momento, percebe-se o interesse
das destilarias em integrar verticalmente para controlar o conhecimento advindo
desse processo e gerar vantagens competitivas próprias. Nota-se que embora,
inicialmente, a função da colheita seja terceirizada, a responsabilidade pelos
resultados e impactos desse tipo de atividade no segmento produtor, ainda,
permanece com a usina. No quadro_6 constam as estruturas de governança
utilizadas em função dos recursos e atributos transacionados.
Quadro 6
Estruturas de Governança Utilizadas em Função dos Recursos e Atributos
Transacionados
[/img/revistas/rausp/v48n1/13q06.jpg]
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo no presente estudo foi compreender como se configuram as estruturas
de governança, ao se considerarem recursos e capacidades diferenciadas, nas
relações entre produtores e processadores em destilarias no estado do Paraná.
Em relação às estruturas de governança, foram encontrados os três tipos
identificados na literatura: integração vertical, contratos e mercado. No
entanto, em todas as destilarias investigadas, percebeu-se forte tendência para
a utilização de contratos mais verticalizados que ocorrem, em sua expressiva
maioria, por meio de parceria do tipo arrendamento. A principal vantagem
relatada está na obtenção de controle total, que permite às destilarias melhor
planejamento e gerenciamento.
Em relação aos recursos estratégicos capazes de gerar vantagem competitiva para
as destilarias, a localização e a distância média das propriedades contratadas
foram os mais citados. Além desses, a capacidade de expansão, devido a
fertilidade do solo, abundância de áreas mecanizáveis e ausência de
competidores, bem como transparência, reputação, fidelidade, tradição e
conhecimento foram outros recursos estratégicos identificados.
A partir dos dados coletados, foi possível perceber a complementaridade entre a
ECT e a VBR na explicação da configuração de estruturas de governança no setor
alcooleiro paranaense. Isso porque a escolha das destilarias em realizar elas
mesmas o plantio e a colheita ocorre devido a suas capacidades internas que, na
maior parte das vezes, são superiores às dos contratados. Além de proteger os
ativos específicos e recursos estratégicos contra comportamentos oportunistas,
a relação contratual mais verticalizada permite às destilarias o controle
necessário para explorar e obter vantagens competitivas a partir desses
fatores. O controle, nesse sentido, relaciona-se diretamente à estrutura de
governança escolhida, orientada pela busca de eficiência. Esse controle pode
apresentar dois efeitos causais positivos: de um lado, visa reduzir custos
operacionais e de transação; de outro, permite explorar vantagens competitivas,
a partir do domínio de recursos e capacidades estratégicos relacionados.
No entanto, é válido destacar algumas questões que indicam limitações para o
estudo. Uma delas refere-se aos sujeitos entrevistados. Dentre as sete
destilarias presentes no estado do Paraná, duas não foram investigadas. Quanto
aos produtores, o fato de não serem entrevistados produtores independentes, os
quais identificam a estrutura de governança via mercado, pode configurar
limitação. Justifica-se, entretanto, que a ampliação no número de entrevistas e
a obtenção de informações de produtores independentes, provavelmente, não
modificassem os resultados alcançados no presente trabalho, embora pudessem
acrescentar novos pontos de vista.
O estudo, entretanto, abre possibilidades de realizações de futuras pesquisas.
Uma possibilidade é a realização de estudos nas usinas produtoras de açúcar e
álcool paranaenses. Essas usinas são empresas maiores, com uma capacidade
produtiva e operacional mais avançada. Contrastar ou complementar o presente
estudo com a realidade de usinas de açúcar e álcool pode mostrar-se válido para
denotar especificidades e impactos do porte da empresa sobre as estruturas de
governança empregadas. Outra sugestão é replicar o estudo em outros estados do
Brasil fabricantes de álcool para confrontar as diferenças existentes entre
diferentes regiões produtoras e suas justificativas. Perspectivas adicionais
relacionadas à complementaridade da ECT com a VBR em outros setores
agroindustriais tornam-se, também, importantes para efetivar as possibilidades
de conexão entre essas abordagens, bem como possibilitar o avanço na discussão
teórica.