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BrBRHUAp0080-21072013000300012

BrBRHUAp0080-21072013000300012

National varietyBr
Country of publicationBR
SchoolHumanities
Great areaApplied Social Sciences
ISSN0080-2107
Year2013
Issue0003
Article number00012

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Em busca de uma abordagem não atomizada para o exame das relações entre liderança transformacional e comprometimento organizacional

1. INTRODUÇÃO Liderança é um dos assuntos mais importantes e, por consequência, mais pesquisados na área de gestão e organizações (MUMFORD et al., 2009). O interesse não nasce exclusivamente no meio acadêmico, mas também dentro das próprias organizações. Em pesquisa para descrever o perfil desejado por empresas de agrobusiness para seus profissionais, Borrás, Batalha e Costa (1999) identificaram a capacidade de liderança como uma das habilidades consideradas mais importantes pelas organizações.

Os resultados de diversos levantamentos sobre liderança apontam para a ideia de que o construto como um todo (soma dos fatores que compõem as escalas) ou diferentes dimensões da liderança transformacional apresentam influência significativa sobre diversas variáveis que representam respostas comportamentais e atitudinais do indivíduo no trabalho (AVOLIO et al., 2004; RICHARDSON e VANDENBERG, 2005; SPREITZER, PERTTULA e XIN, 2005). Entretanto, como objeto de pesquisa, a liderança é invariavelmente examinada de forma atomizada, dentro da lógica de "uma variável por vez" (MILLER, 1996). Nesta pesquisa, propõe-se que o conhecimento sobre os efeitos da liderança transformacional pode avançar a partir do exame do construto como configurações ou gestalts, formadas por suas dimensões.

A maior parte das pesquisas que adota uma abordagem de configurações concentra- se no nível organizacional, mas essa perspectiva apresenta um potencial ainda não realizado para investigações e revitalização de teorias em outros níveis, sobretudo nos níveis de grupo e indivíduo, o que é o caso das pesquisas sobre liderança (MEYER, TSUI e HININGS, 1993). Em consonância com essa afirmação, o objetivo neste trabalho é analisar a relação de distintas gestalts (configurações) de liderança transformacional com o comprometimento organizacional.

Para consecução do objetivo, foi realizado um levantamento com 331 funcionários de organizações do setor de serviços que estão instaladas em Curitiba (Paraná).

Os pesquisados foram conduzidos a responder um questionário para avaliar seus níveis de comprometimento e o comportamento do líder imediato.

A pesquisa trouxe três principais contribuições para a área de gestão, mais especificamente para as pesquisas sobre liderança. A primeira é a identificação de três configurações de liderança transformacional, o que indica a possibilidade de utilização de uma abordagem não atomizada de investigação para esse fenômeno. A segunda é o teste das diferenças de médias das três dimensões de comprometimento nas configurações de liderança utilizando a análise multivariada, a qual permite um melhor controle do erro do tipo I. Por fim, foi identificado que, para a dimensão instrumental do comprometimento, o grau de instrução dos liderados serve como intermediário de sua relação com as configurações de liderança.

O artigo está dividido nas seguintes seções, além desta introdução: quadro teórico-empírico, procedimentos metodológicos, análise dos dados, discussão dos resultados e conclusões.

2. QUADRO TEÓRICO-EMPÍRICO DE REFERÊNCIA Para sustentar a pesquisa, inicia-se o referencial teórico-empírico pela discussão acerca das diferenças entre abordagens atomizadas e não atomizadas para o exame da liderança e, a seguir, são tecidas explanações sobre a relação entre liderança e comprometimento.

2.1. Por uma abordagem não atomizada no exame da liderança Uma abordagem não atomizada de investigação das organizações pode e deve ser estendida a outros fenômenos nos níveis de grupo e indivíduo (MEYER, TSUI e HININGS, 1993). Contudo, é preciso ressaltar que tal abordagem implica revisão de alguns dos pressupostos clássicos de pesquisa. A perspectiva clássica de investigação nos estudos organizacionais centra-se numa lógica atomizada, o que significa considerar um elemento de cada vez no plano das análises. Nesses termos, interessa ao pesquisador definir diversas correlações entre variáveis ou os efeitos causais de umas sobre as outras. Assim, os relacionamentos são lineares e unidirecionais e a análise opera sempre num sentido reducionista.

Por outro lado, uma abordagem não atomizada reconhece a existência de configurações, gestalts ou arquétipos formados por constelações de atributos que ocorrem ao mesmo tempo. A ideia subjacente ao conceito de configuração é a tendência dos atributos de um fenômeno em formar padrões coerentes e internamente consistentes, o que faz com que a variedade de configurações seja restringida (MEYER, TSUI e HININGS, 1993).

Dentro desse raciocínio, um conjunto de atributos é estudado para produzir uma imagem integrada de determinado fenômeno na realidade, e as teorias e técnicas de tratamento dos dados são voltadas para a geração de agrupamentos naturais (natural clusters) a partir de um conjunto de características (MILLER e MINTZBERG, 1983). Em resumo, o que interessa não é primariamente o efeito de determinada variável sobre outra, mas sim a influência de padrões (gestalts) de determinadas características sobre outros fenômenos.

Logo, a abordagem das configurações é orientada a evidenciar a interdependência entre atributos a partir de tipologias ou taxonomias (clusters identificados empiricamente). Subjacente a essa orientação, reside o pressuposto de que um fenômeno não pode oferecer uma compreensão mais adequada quando descolado da constituição total de sua estrutura e restrito à descrição de seus componentes de forma isolada.

Nesse sentido, a principal característica de uma abordagem não atomizada é a síntese em vez de a análise. Não é desconsiderada a importância da análise, mas claramente um deslocamento de ênfase. De acordo com Miller e Mintzberg (1983, p.65): "Para ser claro, análise e síntese são, ambas, fases necessárias à atividade científica. A análise é usada para definir os componentes ou atributos de um fenômeno e para mensurá-los; síntese é usada para combinar isso em imagens integradas, concepções, ou configurações, e para identificar padrões e formas de generalizações. Então a análise retorna para nos possibilitar testar essas generalizações e deduzir suas consequências lógicas".

Transpondo o raciocínio de Miller e Mintzberg (1983) para os estudos sobre liderança, a abordagem das configurações pode ampliar os modos de entender esse fenômeno e sua influência sobre diversos aspectos atitudinais de outros indivíduos. A literatura vem muito tempo destacando a estrutura da liderança transformacional como um construto multidimensional (GARMAN, DAVIS-LENANE e CORRIGAN, 2003), mas sem contemplar a existência de múltiplos padrões (configurações) e seus resultados ou consequências.

2.2. Liderança transformacional: conceito e mensuração A liderança transformacional é mais adequadamente definida por meio de uma série de comportamentos, tais como, inspiração de uma visão, encorajamento de sacrifícios, oferecimento de referências para a ação, estimulação intelectual, envolvimento dos liderados, influência de atitudes e pressupostos, estimulação das necessidades do liderado e consideração individual (YUKL, 1989; BASS, 1990; SPARROWE e LIDEN, 1997; GARMAN, DAVIS-LENANE e CORRIGAN, 2003; TUCKER e RUSSELL, 2004).

As consequências ou os resultados dos processos de liderança transformacional são variados, principalmente em função da posição hierárquica do líder, o que equivale a admitir que esse processo ocorra em diversos níveis de análise (KNIGHTS e WILLMOTT, 1992; AVOLIO et al., 2004). Desse modo, a liderança transformacional é um processo compartilhado que vai além da posição do principal executivo da organização ou de diretores e gerentes (YUKL, 1989).

Nesses termos, líderes da cúpula estratégica têm possibilidade de apresentar um comportamento capaz de transformar missão, visão, estratégia e talvez até os valores presentes na organização. Líderes em níveis mais próximos do núcleo operacional, como supervisores e coordenadores, poderiam, principalmente, transformar o próprio liderado em termos de suas atitudes, envolvimento, comprometimento e identificação com a organização (YUKL, 1989; JUNG e AVOLIO, 2000; TUCKER e RUSSELL, 2004).

Em função do interesse pelas consequências do comportamento do líder transformacional, diversos esforços têm sido envidados na tentativa de identificar um conjunto parcimonioso de características que melhor representasse o construto. Aparentemente inspirado na obra Leadership, de Burns, publicada em 1978, Bass elaborou, em 1985, Leadership and performance beyond expectations. Nessa última publicação, Bass apresentou um questionário para mensuração da liderança transacional (baseada em recompensas) e da liderança transformacional (YUKL, 1989; GARMAN, DAVIS-LENANE e CORRIGAN, 2003).

Esse instrumento de coleta de dados ficou conhecido como The Multifactor Leadership Questionnaire (MLQ).

Após intensa aplicação e avaliação do MLQ, diversas críticas surgiram e novos instrumentos direcionados à mensuração da liderança transformacional foram apresentados. Entre as propostas mais consistentes de indicadores consta o Transformational Leadership Behavior Inventory (TLI) de Podsakoff et al. (1990) e Podsakoff, Mackenzie e Bommer (1996). O TLI apresenta as seguintes dimensões, comentadas na sequência: articulação de uma visão; provimento de um modelo apropriado de papel; promoção da aceitação dos objetivos de grupo; expectativas de alto desempenho; suporte individualizado; estímulo intelectual.

* A dimensão articulação de uma visão caracteriza-se pela construção de um futuro ou alvo para o liderado, para um time de trabalho, departamento ou para a organização como um todo. Essa articulação ocorre principalmente via comunicação.

* O provimento de um modelo apropriado de papel vai além das práticas discursivas ou comunicativas do líder, pois reflete-se no exercício das atividades do líder e mais amplamente no modo como ele desempenha seu papel social definido na estrutura organizacional.

* A promoção da aceitação dos objetivos de grupo significa realizar atividades que encorajem grupos sociais intraorganizacionais a portarem- se efetivamente como times de trabalho, com objetivos comuns, e não apenas como microcoletividades de indivíduos agrupados aleatoriamente (SPREITZER, PERTTULA e XIN, 2005).

* A dimensão expectativas de alto desempenho é definida como a insistência pela realização dos objetivos mais ousados, o que ocorre via definição de um padrão de comportamento esperado, que é comunicado pelo líder aos liderados.

* O suporte individualizado reflete-se no interesse do líder pelo liderado, particularmente por suas necessidades e sentimentos.

* O estímulo intelectual surge por meio das atividades do líder que fazem com que seus seguidores consigam pensar de novas maneiras sobre os problemas organizacionais (SPREITZER, PERTTULA e XIN, 2005).

Em relação à qualidade dos fatores, destaca-se que o conjunto de indicadores das seis dimensões da liderança transformacional se mostrou uma estrutura parcimoniosa e de maior validade e consistência em comparação à maioria das medidas alternativas.

Em testes empíricos, essas seis dimensões da liderança transformacional têm conseguido explicar as variações em diversos fatores comportamentais e atitudinais (PODSAKOFF et al., 1990; PODSAKOFF, MACKENZIE e BOMMER, 1996; RICHARDSON e VANDENBERG, 2005; SPREITZER, PERTTULA e XIN, 2005).

2.3. Comprometimento como consequente da liderança transformacional O comprometimento organizacional destaca uma relação de envolvimento e identificação do indivíduo com a organização. A partir dessa definição, a estrutura de Meyer e Allen (1991) e Meyer, Allen e Smith (1993) tem sido destacada e sua escala amplamente empregada nos estudos publicados internacionalmente e no Brasil. Medeiros e Enders (1998) propuseram-se a validar a escala original com 18 itens. Os autores identificaram, por meio da análise de agrupamentos (cluster), um número de oito padrões de comprometimento. Além disso, ressaltaram a necessidade de modificação/redução dos itens originais quando da aplicação em contexto nacional. A escala adaptada contou com quatro itens para comprometimento normativo, quatro para comprometimento instrumental e cinco para comprometimento afetivo.

Respectivamente, essas três dimensões apresentam os seguintes coeficientes de Alfa de Cronbach: 0,73, 0,79 e 0,85.

Rego (2002) investigou com que intensidade diferentes dimensões de justiça organizacional influenciam o comprometimento afetivo de professores de ensino superior. Os resultados confirmaram a relação entre os construtos. Em termos metodológicos, vale destacar que a dimensão afetiva do comprometimento foi mensurada a partir de três itens, que apresentaram um Alfa de Cronbach igual a 0,91. Em estudo realizado em Portugal, Rego (2003) testou um novo instrumento para identificação do comprometimento organizacional, que teve como versão final um total de 28 indicadores. É interessante destacar o teste de três diferentes estruturas fatoriais: uma com quatro fatores, outra com cinco e a última com seis. A estrutura com quatro fatores acrescentou, além das três dimensões tradicionais, a dimensão ausência psicológica (anticomprometimento).

A estrutura com cinco fatores surgiu com a divisão do comprometimento afetivo em: dimensão comprometimento afetivo e uma nova dimensão denominada futuro comum. Por sua vez, a estrutura com seis fatores dividiu a dimensão instrumental em duas novas dimensões: sacrifícios elevados e escassez de alternativas. Os coeficientes Alfa de Cronbach variaram de 0,72 a 0,91. Essas considerações são importantes na medida em que destacam críticas às dimensões instrumental e afetiva do construto comprometimento.

No entanto, apesar de o comprometimento organizacional ter sido pesquisado com grande frequência e também figurar como um dos principais consequentes atitudinais da liderança transformacional (PODSAKOFF, MACKENZIE e BOMMER, 1996; AVOLIO et al., 2004), é relativamente pequeno o número de artigos que contemplam essa relação. Mesmo no Brasil, em que o número de pesquisas, como destacado, é alto (e.g., MEDEIROS e ENDERS, 1998; BASTOS e BORGES-ANDRADE, 2002; REGO e SOUTO, 2003), sua relação com a liderança transformacional tem sido relegada. Em termos teóricos, existem razões suficientes para estabelecer a associação entre o comportamento do líder transformacional e o comprometimento organizacional de seus seguidores. Avolio et al. (2004) sugerem que, se o comprometimento do indivíduo no trabalho é entendido como a força da identificação e do envolvimento com a organização, a liderança transformacional opera como uma das principais fontes da construção e renovação desse envolvimento.

As possíveis relações entre esses construtos têm suas raízes no próprio conceito de comprometimento. Meyer e Allen (1991) entendem o comprometimento organizacional à luz de um único conceito, mas com estrutura multidimensional, como um estado psicológico do indivíduo que pode refletir um desejo, uma necessidade e um sentimento de obrigação em permanecer na organização. De acordo com Meyer e Allen (1991), a análise do comprometimento organizacional ocorre a partir dos componentes afetivo, instrumental e normativo (moral). Como defendido por Meyer, Allen e Smith (1993, p.3), "empregados com um forte comprometimento afetivo permanecem na organização porque querem; aqueles com comprometimento instrumental permanecem porque precisam; aqueles com comprometimento normativo permanecem na organização porque sentem que são obrigados".

O caráter multidimensional do conceito requer a necessidade de analisar se as diferenças referentes às características de liderança são diferentes em relação às três dimensões do comprometimento. Dessa necessidade deriva a primeira hipótese de pesquisa: Hipótese 1 - As médias do grau de comprometimento medido em suas dimensões afetiva, instrumental e normativa diferem como um todo nas configurações formadas pelas dimensões da liderança transformacional.

Mais especificamente, o componente afetivo é entendido como o apego do indivíduo à organização num sentido essencialmente emocional. Na relação entre componente afetivo e liderança transformacional, é necessário ressaltar que o comportamento do líder figura como um dos imperativos da ligação emocional do liderado com a organização, na medida em que o próprio líder é atributo da organização e o afeto pelo líder se traduz no sentimento de querer continuar na mesma organização. Decorre de tal assertiva a segunda hipótese a ser testada: Hipótese 2 - A média do grau de comprometimento afetivo é maior nos grupos cuja configuração apresenta maior intensidade de liderança transformacional.

O componente normativo evidencia a presença de um sentimento de obrigação em permanecer na organização. Assim como outros aspectos organizacionais, o padrão comportamental do líder, sobretudo quando positivo, faz com que o indivíduo veja sua permanência na organização como um padrão de comportamento esperado por seu líder. Daí é extraída a terceira hipótese a ser testada: Hipótese 3 - A média do grau de comprometimento normativo é maior nos grupos cuja configuração apresenta maior intensidade de liderança transformacional.

O componente instrumental do comprometimento organizacional denota a percepção do indivíduo quanto aos custos associados a sua saída. Logo, é possível esperar que o comportamento do líder tenha pouco impacto nessa dimensão, pois não envolveria custo de maneira direta. Todavia, como uma dimensão do comprometimento, e a partir de uma percepção geral sobre o comportamento do líder, os liderados podem avaliar a perda de um líder com características transformacionais, o qual pode ter um impacto positivo em seu desempenho e motivação para a realização de seu potencial, como mais um custo associado à saída. A partir dessa possível contradição, optou-se por não formular uma hipótese específica para ser testada em relação à dimensão instrumental do comprometimento.

3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Para alcançar o objetivo proposto, foi utilizada uma pesquisa de levantamento (survey) adotando um corte transversal, cujos dados foram coletados por meio de questionário estruturado. O universo pesquisado foi composto por 991 funcionários de oito organizações do setor de serviços, instaladas em Curitiba (PR). Em função da impossibilidade de um censo, empregou-se a amostragem não probabilística por conveniência. A amostra final contemplou 351 questionários.

Após a exclusão de 20 questionários que estavam incompletos e sem a mínima variação nas respostas, restaram 331 questionários válidos.

O questionário estruturado respondido pelos funcionários que fizeram parte da amostra do estudo foi composto por questões destinadas à caracterização do respondente, bem como por indicadores para a mensuração do grau de comprometimento dos pesquisados e a avaliação do comportamento de seu líder imediato.

As questões de caracterização dos respondentes versaram sobre idade, sexo, instrução e tempo na empresa. Para a avaliação do comportamento dos líderes dos respondentes, foi utilizado o TLI (Transformational Leadership Behavior Inventory) elaborado por Podsakoff et al. (1990). O TLI é formado por 22 indicadores para seis dimensões da liderança transformacional (em escala de Likert). Para mensuração do comprometimento dos respondentes, foram utilizados três de cada um dos seis itens de cada dimensão da escala desenvolvida por Meyer, Allen e Smith (1993). A mensuração do comprometimento organizacional com apenas três indicadores para algumas ou todas as dimensões pode ser encontrada em estudos nacionais e internacionais (e.g., REGO, 2002 e 2003; AVOLIO et al., 2004; REGO, CUNHA e SOUTO, 2007; MACIEL e CAMARGO, 2011). Em adição, a utilização de nove em vez de 18 indicadores possibilitou também a estruturação de um questionário de mais fácil aplicação e contribuiu para operacionalizar a pesquisa necessariamente a partir das três dimensões tradicionais de Meyer e Allen (1991).

De modo a assegurar a fidelidade da tradução do questionário de liderança transformacional elaborado por Podsakoff et al. (1990), foi empregado o procedimento de tradução reversa. Inicialmente o questionário foi traduzido para o português e posteriormente um estudante de mestrado em Administração, que estudou alguns anos nos Estados Unidos, foi convidado a verter os indicadores para a língua inglesa. Após essas etapas, o questionário vertido para o inglês foi comparado com a versão original e notou-se correspondência bastante satisfatória. Para a escala de comprometimento, utilizaram-se nove dos 18 indicadores de Meyer, Allen e Smith (1993), que foram traduzidos e validados no Brasil por Ricco (1998).

O tratamento dos dados foi iniciado por uma análise exploratória e de preparação para a análise multivariada, conforme recomendado por Hair Jr. et al. (1995). Essa etapa consistiu em uma análise de outliers, valores extremos, normalidade, curtose e assimetria. O procedimento relatado a seguir foi destinado à análise da validade e da confiabilidade das escalas de Likert. Para tanto, o primeiro passo foi a divisão da base de dados em uma amostra de teste (n=168) e outra de validação (n=163) para execução de uma análise fatorial exploratória (AFE) e verificação da estabilidade dos indicadores em cada fator, conforme proposto no TLI e na escala de comprometimento. Outro procedimento foi a análise da consistência interna (Alfa de Cronbach) de todos os fatores nas amostras de teste e validação. Depois de verificada a estabilidade dos indicadores na AFE e a consistência interna das dimensões, foi executada uma análise fatorial confirmatória (AFC) via AMOSTM 16.

Para identificação das configurações de liderança transformacional, foi realizada uma análise de cluster hierárquica nas amostras teste e validação e depois repetida a análise na base de dados completa e, também, executada a análise de cluster K-means. Depois de identificadas as configurações, foram verificadas diferenças das médias entre grupos em relação aos fatores da liderança por meio da ANOVA. O último passo foi o teste das hipóteses apresentadas no artigo com um modelo linear generalizado multivariado.

4. ANÁLISE DOS DADOS A fase de tratamento dos dados iniciou-se pela verificação dos valores perdidos (missing values). Como o número de valores perdidos foi reduzido, utilizou-se a imputação da média da variável para completar a base de dados. Na sequência, os indicadores invertidos de liderança (TLI) e de comprometimento organizacional foram reordenados com auxílio do SPSS® 16.

O exame dos diagramas de caixa (boxplots) apresentou poucos outliers e nenhum valor extremo entre os dados. Após a verificação de um número reduzido de outliers, optou-se por manter as observações. Em relação à normalidade, a inspeção visual sugeriu não normalidade em todas as variáveis. Entretanto, após a verificação da assimetria e da curtose, não foram constatados dados com coeficientes acima de 0,99 para os indicadores de liderança ou superior a 1,22 para os indicadores de comprometimento. Como Schumacker e Lomax (2004) afirmam que índices de curtose e assimetria próximos ou entre ± 1 não impedem a aplicação da estatística multivariada que pressuponha normalidade, foi dado seguimento às análises.

A AFE para liderança transformacional e comprometimento nas amostras de teste e validação apresentou estabilidade dos indicadores em cada um dos fatores exatamente como indicado e índices de consistência interna (Alfa de Cronbach) acima de 0,60.

Para a análise de validade e confiabilidade das medidas, foi empregada a análise fatorial confirmatória. O método de estimação utilizado foi o da máxima verossimilhança (ML). Os resultados da AFC para liderança e comprometimento aparecem nas tabelas_1 e 2.

4.1. Validade e confiabilidade da escala de liderança transformacional A análise fatorial confirmatória (AFC) da escala de liderança apresentou bons indicadores de ajustamento. O RMR (raiz do resíduo quadrático médio) - para o qual são recomendados valores próximos de 0 - é de 0,042. O GFI (índice de qualidade de ajuste) = 0,888 está dentro dos limites de aceitação periférica de acordo com Hair Jr. et al. (1995). Schumacker e Lomax (2004) afirmam que valores próximos de 0,90 são aceitáveis. O RMSEA (raiz do erro quadrático médio de aproximação) = 0,066 não ultrapassa o valor máximo sugerido de 0,08 (HAIR JR. et al., 1995). O AGFI (índice ajustado de qualidade de ajuste) = 0,854 também sugere aceitação periférica (HAIR JR. et al., 1995). Os índices de TLI (índice de ajuste não normado) = 0,946, IFI (índice de ajuste incremental) = 0,955 e CFI (índice de ajuste comparativo) = 0,955 também indicaram a qualidade do modelo. O valor deχ2 (qui-quadrado)/GL (graus de liberdade) é de 2,317, dentro dos limites recomendados de 1 a 3 (HAIR JR. et al., 1995). Na Tabela_1 apresentam-se o carregamento dos indicadores, a confiabilidade composta, a consistência interna e a AVE (variância média extraída) das variáveis latentes.

Para atestar a validade das escalas, foi examinada inicialmente a validade convergente e discriminante da escala de liderança transformacional (HAIR JR.

et al., 1995; SCHUMACKER e LOMAX, 2004). A validade convergente foi verificada quando se observou que cada indicador dos seis fatores apresentou um valor t superior a 1,96 (valor para p-value< 0,05), indicando que todos os indicadores convergem na mensuração do mesmo fator.

A validade discriminante da escala de liderança transformacional foi atestada por meio da comparação das correlações entre as seis variáveis latentes elevadas ao quadrado com a AVE de cada uma delas. Em todas as situações, as correlações, elevadas ao quadrado, não foram superiores à AVE, o que indica que, de fato, todos os fatores da escala de Podsakoff et al. (1990) medem dimensões diferentes da liderança transformacional e, portanto, sem sobreposição.

Em relação à confiabilidade, todas as variáveis latentes alcançaram índice acima de 0,70 em confiabilidade composta, Alfa de Cronbach acima de 0,70 e AVE superior a 0,50, como recomendado por Hair Jr. et al. (1995).

4.2. Validade e confiabilidade da escala de comprometimento organizacional A segunda análise fatorial confirmatória (AFC) foi realizada para a escala de comprometimento organizacional. Essa escala de nove itens e três dimensões apresentou os seguintes indicadores de ajustamento: RMR (0,073), GFI (0,956), RMSEA (0,074), AGFI (0,918). Os índices de TLI (0,930), IFI (0,954), CFI (0,954) eχ2 (qui-quadrado)/GL (graus de li-berdade) (1,646) também comprovaram a boa qualidade do modelo. O carregamento dos indicadores, a confiabilidade composta, a consistência interna (Alfa de Cronbach) e a AVE das variáveis latentes do modelo são apresentados na Tabela_2.

A significância estatística (p-value < 0,05) de todos os indicadores das dimensões do comprometimento organizacional atesta validade convergente da escala utilizada no presente estudo. A validade discriminante dessa escala também foi avaliada por meio da comparação entre as correlações para as três variáveis latentes elevadas ao quadrado com a AVE de cada uma delas. Como resultado, verificou-se que as correlações, elevadas ao quadrado, não foram superiores à AVE, o que sugere discriminação entre comprometimento afetivo, instrumental e normativo.

No que concerne à confiabilidade, duas das três variáveis latentes de comprometimento apresentaram índice acima de 0,70 para confiabilidade composta e consistência interna (Alfa de Cronbach). Contudo, a variável latente comprometimento instrumental tem valores muito próximos da referência mínima para confiabilidade composta (0,68), consistência interna (0,67) e AVE (0,42).

Assim, verificou-se a validade convergente e discriminante das medidas (escala de liderança transformacional e escala de comprometimento organizacional), bem como sua consistência interna, o que possibilitou a análise de cluster para a geração das configurações.

4.3. Identificação das configurações de liderança transformacional O desenvolvimento da taxonomia (configurações empíricas) de padrões de liderança-liderados ocorreu a partir das seis dimensões da escala de Podsakoff et al. (1990), validada por meio dos procedimentos anteriormente apresentados.

Para garantir maior confiabilidade ao resultado da solução final da análise de cluster e auxiliar na definição do número de grupos a serem examinados, optou- se por empregar a técnica de agrupamento inicialmente na amostra teste (n=168) e posteriormente na amostra de validação (n=163) para, então, repetir o procedimento na base completa dos dados (n=331).

Na análise de cluster hierárquica, foi aplicado o método de Ward e utilizada a distância euclidiana ao quadrado (medida de similaridade utilizada na geração dos clusters). A aplicação dessa técnica na amostra teste (n=168), na amostra de validação (n=163) e na base completa dos dados (n=331) evidenciou, por meio do dendrograma, a existência de três clusters mais homogêneos internamente. O mesmo número de grupos naturais foi sugerido no dendrograma da amostra de teste, de validação e na base completa dos dados, o que ofereceu maior confiabilidade para a execução da análise de cluster K-means, na qual o número de grupos a serem formados na análise é definido a priori.

O procedimento K-means foi então aplicado para a amostra total (n=331), definindo a priori o número de três grupos para serem classificadas todas as observações. Com essa classificação, foi possível comparar os três padrões de liderança transformacional, que foram verificados por meio da opinião dos entrevistados.

O procedimento de comparação entre os três grupos ocorreu com o auxílio de uma análise de variância (ANOVA) e teste de Tukey para os seis fatores da escala de liderança transformacional. A Tabela_3 apresenta a constituição dos grupos e a diferença das médias.

[/img/revistas/rausp/v48n3/12t03.jpg]

Os três padrões de liderança transformacional apresentaram diferenças significativas (p-value < 0,05) em todas as dimensões de acordo com o teste de Tukey. A análise da diferença das médias entre os três grupos permitiu a denominação das configurações em três padrões de comportamento do líder: desorientação, subliderança e conversão.

A primeira configuração formada por 22% das avaliações dos líderes é denominada desorientação. Esse comportamento reflete baixas intensidades nas seis dimensões da liderança, o que contribui para a desorientação dos subordinados diretos desses líderes, pois o único fator com média acima de 3,0 é o suporte individualizado.

A segunda configuração composta por 45% da amostra recebeu o rótulo de subliderança. Tal padrão de liderança expressa um comportamento em intensidades moderadas. Os líderes classificados nesse grupo parecem preocupar-se igualmente com todos os fatores da liderança transformacional, porém em média intensidade.

A terceira configuração, que agrega 33% da amostra de entrevistados, é denominada conversão. Esse padrão de liderança revela um conjunto de líderes que, a julgar pela avaliação de seus liderados, tem real potencial para transformar ou converter seus seguidores na direção da consecução dos objetivos organizacionais.

4.4. Teste das hipóteses por meio do GLM multivariado (MANCOVA fatorial) Confirmada a validade e a confiabilidade das escalas utilizadas no presente levantamento, e identificadas as configurações de liderança transformacional, optou-se pelo emprego de um modelo linear generalizado multivariado (GLM - MANCOVA fatorial) para teste das hipóteses desenvolvidas a partir da literatura, visto que essa técnica permite testar a diferença de média em duas ou mais variáveis dependentes métricas entre dois ou mais grupos, e utilizando ainda uma covariável. Isso possibilita o controle para o erro do tipo I, especialmente se existe algum grau de intercorrelação entre as variáveis dependentes (HAIR JR. et al., 1995), o que ocorre nesta pesquisa, pois três dimensões de um mesmo conceito são as variáveis dependentes.

O modelo proposto inclui, além da variável independente (VI), configurações de padrão de liderança (CL), a ser testada, duas outras variáveis de controle (VC). A primeira, associada exclusivamente ao respondente, mas que pode influenciar o comprometimento (MEYER e ALLEN, 1991), é o grau de instrução, sendo utilizada como medida a variável categórica ensino superior (ES), sendo 1 (um) para quem possui ensino superior completo e zero (0) para os demais respondentes. A segunda variável está associada ao respondente e à duração de sua relação com a organização, sendo utilizada a medida de tempo de empresa (TE), pois esse tempo pode influenciar o grau de comprometimento (MEYER e ALLEN, 1991). A seguir, a equação [1] do modelo a ser testado.

[/img/revistas/rausp/v48n3/12s1.jpg] Nessa equação, comprometimento afetivo (CA), comprometimento normativo (CN) e comprometimento instrumental (CI) são as variáveis dependentes (VD). Beta zero (B0) é o intercepto e os demais Betas (B1, B2, B3 e B4) referem-se a cada uma das demais variáveis. Além da VI e das VC, o modelo incorpora a interação entre as variáveis categóricas CL e ES.

Um aspecto importante observado na definição do modelo foi o da parcimônia na incorporação das variáveis categóricas. Quantidade muito baixa de observações em cada um dos diferentes grupos formados pelas variáveis categóricas pode interferir no poder estatístico na MANCOVA. No modelo proposto, o grupo com o menor número de observações possuía 23 casos, o que indica um bom poder estatístico para um modelo com três variáveis dependentes (HAIR JR. et al., 1995).

Para dar continuidade à análise do modelo, é preciso discutir as suposições da MANCOVA. Quatro delas precisam ser analisadas antes da análise do modelo: normalidade das variáveis, independência das observações, observações atípicas e igualdade de matriz de covariância. Como as variáveis foram testadas para normalidade, as observações são independentes e não foram encontradas sérias observações atípicas, pode-se passar à análise da igualdade de matriz de variância e covariância, que foi realizada por meio do teste Box. O teste não se apresentou significativo a 95%, o que corrobora a hipótese de que a matriz de covariância seja igual entre as variáveis dependentes, possibilitando a continuidade do teste das hipóteses.

Na Tabela_4 apresentam-se os resultados do modelo MANCOVA. Para testar a significância são apresentados dois critérios, os quais apresentam grau de significância iguais, com exceção da variável de interação CL*ES, cuja diferença não altera a interpretação dos resultados por estar dentro do critério de 99% estabelecido.

A hipótese H1 foi corroborada, pois a variável CL apresentou significância a 99%, ou seja, as médias das três configurações de liderança são diferentes para as três dimensões de comprometimento como um todo. É importante destacar que essa diferença ocorre mesmo na presença das outras variáveis de controle, ES e TE, e da interação entre CL e ES. A VC tempo de empresa (TE) também se mostrou significativa a 99%, o que indica sua relação com as três dimensões de comprometimento analisadas em conjunto. A VC ensino superior não apresentou significância estatística, portanto as médias das três dimensões de comprometimento nesses dois grupos não podem ser consideradas diferentes. A variável de interação entre as configurações de liderança e ensino superior (CL*ES) também apresentou significância estatística a 99%. O nível de poder (probabilidade de provar corretamente a hipótese nula) nas variáveis estatisticamente significativas foi maior do que 80%, assim considerado adequado (HAIR JR. et al., 1995). Avalia-se, então, se essa diferença ocorre nas três variáveis dependentes, uma a uma, por meio de testes univariados (Tabela_5).

O teste de Levene de igualdade de variância apresentou-se significativo para CA, o que requer maior cuidado na leitura dos resultados, e não significativo para CN e CI, atendendo aos pressupostos da ANOVA. Os testes univariados dão suporte a H1, pois indicam que a diferença de médias nas três configurações de liderança é significativa para as três dimensões. É importante destacar que as variáveis CL*ES e TE foram estatisticamente significativas apenas para o comprometimento Instrumental (CI), 95% e 99% respectivamente.

Para testar as duas outras hipóteses, foram estimadas as médias dos grupos, controladas para a variável TE (Tabela_6) e, então, executado o teste de comparações múltiplas (Tabela_7).

Os resultados do teste de Bonferroni (Tabela_7) corroboram as hipóteses H2 e H3, pois as médias das três dimensões de comprometimento dos grupos são maiores para as configurações com maior grau de intensidade de liderança transformacional e estatisticamente significativas. Conforme foi discutido quando da apresentação das hipóteses, a dimensão instrumental do comprometimento possibilita diferentes interpretações a partir da literatura em sua relação com a liderança, e nessa análise foi a dimensão que não apresentou diferença estatisticamente significativa entre os grupos desorientação e subliderança, apesar de as médias seguirem uma relação semelhante às duas outras dimensões.

Uma das explicações para esse resultado pode estar na interação entre CL e ES.

Essa variável apresenta-se estatisticamente significativa no modelo univariado para a dimensão instrumental do comprometimento. O Gráfico a seguir mostra a média estimada para os seis grupos formados pela interação. O comportamento é bastante diferente para as três configurações. A relação entre comprometimento instrumental e configurações é mediada pelo ensino superior. Na presença de um líder na configuração conversão, o grupo dos que não possuem ensino superior registra média do comprometimento instrumental mais alta, ou seja, eles percebem como maiores os custos associados à saída. na presença de um líder na configuração de subliderança ocorre o inverso, os que não possuem ensino superior percebem como menores os custos associados à saída. Nessas duas configurações, o grupo dos que possuem ensino superior apresenta médias semelhantes. Na presença de um líder na configuração de desorientação, as médias são as menores e semelhantes para os dois grupos. Apesar de a variável ES não se apresentar estatisticamente significativa para o comprometimento instrumental, ela intermedeia a percepção da variável CL. Essa relação não linear identificada na interação CL e ES sugere a necessidade de outras pesquisas que aprofundem a questão. Nos gráficos das outras duas dimensões (não apresentados aqui por limitação de espaço), as quais não apresentam significância estatística para a interação CL*ES, essa contradição não aparece.

Passa-se agora para a discussão dos resultados.

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5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Dentro da proposta do artigo, que é analisar a relação entre as gestalts de liderança transformacional e o comprometimento organizacional, o primeiro achado a ser destacado é o das três distintas configurações nominadas desorientação, subliderança e conversão.

De modo geral, a expectativa de existência de padrões mais consistentes do comportamento de liderança transformacional foi comprovada. A julgar pelos resultados da análise de cluster, assim como ocorre com outros fenômenos organizacionais (MILLER e MINTZBERG, 1983; MEYER, TSUI e HININGS, 1993), os diferentes fatores que caracterizam a liderança transformacional conformam-se dentro de um padrão. Vale destacar que esse padrão se configura ainda a partir de uma variação sistemática, ou seja, quando um líder é avaliado positivamente em um critério, ele é bem avaliado nas demais dimensões da liderança transformacional e, quando ocorre uma avaliação negativa em um dos fatores, o mesmo ocorre nas demais dimensões.

O padrão de liderança denominado desorientação centra-se na minimização ou quase ausência de comportamentos voltados para a articulação de uma visão, provimento de um modelo apropriado de papel, promoção da aceitação dos objetivos de grupo, expectativas de alto desempenho, suporte individualizado e estímulo intelectual (PODSAKOFF et al., 1990; PODSAKOFF, MACKENZIE e BOMMER, 1996). Nessa configuração apenas a questão do suporte individualizado é um pouco mais intensa.

na subliderança, o padrão comportamental de líder transformacional apresenta-se em intensidades moderadas, mas ainda inferior ao terceiro grupo identificado, o que justifica tal rotulação. Os líderes classificados nesse grupo parecem preocupar-se igualmente com todos os fatores da liderança transformacional, porém em média intensidade. É importante notar que a maioria dos pesquisados percebeu seus líderes nesse grupo.

Em relação à conversão, essa denominação tende a refletir um padrão de interação líder-liderado marcado mais fortemente por aquelas características que constituem a liderança transformacional (PODSAKOFF, MACKENZIE e BOMMER, 1996). Pressupõe-se que esse padrão, ou Gestalt de liderança, estaria associado também a maiores intensidades no desempenho no trabalho e outros resultados comportamentais, pois tais líderes, em tese, teriam maior potencial para transformar ou converter seus seguidores na direção da consecução dos objetivos organizacionais (PODSAKOFF et al., 1990; PODSAKOFF, MACKENZIE e BOMMER, 1996; RICHARDSON e VANDENBERG, 2005; SPREITZER, PERTTULA e XIN, 2005).

Desse modo, ao serem identificadas essas configurações, é possível propor a compreensão da liderança não mais de forma atomizada, mas a partir de padrões estruturados de comportamento, evitando a lógica de "uma variável por vez" (MILLER, 1996). Abrem-se, assim, espaços para a análise das consequências dessas configurações sobre a organização, seu desempenho e sua influência sobre aspectos atitudinais e também comportamentais dos liderados.

A segunda consideração decorre mais especificamente dos resultados dos testes das hipóteses, sendo concebida como uma proposta de análise das consequências das configurações sobre aspectos atitudinais dos liderados (i.e., comprometimento organizacional). Ao ser corroborada a primeira hipótese, da diferença das médias das três configurações nas três dimensões de comprometimento, fica fortalecida a proposição de que o estudo da liderança por meio de configurações pode ser realmente frutífero, pois evidencia a relação entre as configurações de liderança e o grau de comprometimento dos indivíduos influenciados por elas. Isso significa que o comprometimento organizacional é influenciado não apenas individualmente pelas dimensões da liderança transformacional (AVOLIO et al., 2004). Tal assertiva aponta para uma perspectiva mais integrativa, menos diferenciada em termos de elementos constituintes do fenômeno liderança. Isso permite considerar outras hipóteses sobre a relação de configurações e outras variáveis atitudinais do indivíduo no trabalho. É possível destacar ainda que a perspectiva das configurações parece mais realista e fiel ao comportamento do indivíduo no trabalho. Parece frágil a ideia de que o indivíduo age, no contexto organizacional, analisando de modo sistemático o peso de uma variável por vez para, então, emergir a influência do resultado dessa avaliação sobre seu comportamento. É mais provável que seu comportamento no trabalho seja influenciado por uma avaliação geral que, para um indivíduo, tenha início por uma das dimensões da liderança e, para outro indivíduo, por outra dimensão. Posteriormente, a avaliação dessa dimensão possivelmente passe a figurar como parâmetro e até como expectativa para que esse indivíduo avalie as outras cinco dimensões do comportamento do líder transformacional.

Essa relação demonstra-se mais concreta com a corrobo-ração das duas outras hipóteses, pois elas indicam que maior intensidade da liderança nas configurações está associada a maior média no comprometimento afetivo e normativo. Daí é possível afirmar que o comprometimento organizacional identifica a associação do indivíduo com a organização (POD-SAKOFF, MACKENZIE e BOMMER, 1996; MEDEIROS e ENDERS, 1998; BASTOS e BORGES-ANDRADE, 2002; AVOLIO et al., 2004) e as configurações de liderança parecem apresentar- se como mediadoras dessa relação para as dimensões afetivas e normativas do comprometimento, corroborando o que foi proposto aqui à luz dos pressupostos das configurações (MILLER e MINTZBERG, 1983; MEYER, TSUI e HININGS, 1993).

Esses resultados apontam também para a possibilidade de um significado mais preciso para o termo transformacional quando considerado o comportamento do líder. No presente estudo, a transformação foi posicionada como o envolvimento e a identificação do indivíduo com a organização (AVOLIO et al., 2004). Nesse sentido, a transformação, que significa um crescimento no envolvimento e na identificação com a organização, depende, entre outros fatores, de um líder que: delimite adequadamente um futuro para o liderado; sustente de modo exemplar o papel de líder; promova ampla aceitação dos objetivos de grupo; defina expectativas de alto desempenho; atenção individualizada aos subordinados; estimule intelectualmente seus liderados. Todas essas atividades do líder permitem, como apontado nos resultados aqui apresentados, que ocorra a transformação da relação do indivíduo com sua organização. Logo, o líder assume papel crucial nessa relação.

Cabe ainda destacar que o comprometimento instrumental parece ter uma relação mais complexa com as configurações de liderança. Conforme discutido na apresentação das hipóteses, a aparente imprecisão teórica acerca da ligação entre esses elementos (MEYER e ALLEN, 1991; MEYER, ALLEN e SMITH, 1993) pode na verdade ser resultado de uma interação entre variáveis, a qual se apresentou significativa no modelo testado, qual seja, a interação entre as configurações e o grau de instrução dos liderados. Futuras pesquisas deveriam analisar essa relação aparentemente mais complexa do comprometimento instrumental.

6. CONCLUSÕES Antes dos apontamentos gerais sobre o presente estudo, é preciso discutir algumas limitações que estiveram no entorno de sua execução. A primeira refere- se à amostra, pois ela foi não probabilística por conveniência, abrangendo organizações de apenas um setor na cidade de Curitiba, o que limita sobremaneira qualquer possibilidade de generalização estatística. A segunda diz respeito à técnica MANCOVA, que traz melhores resultados na utilização de delineamentos experimentais, o que não foi o caso neste estudo. Apesar de todos os cuidados terem sido tomados para a validação do modelo dentro de padrões aceitáveis, diferenças no tamanho dos grupos formados pelas variáveis categóricas precisam ser consideradas na leitura dos resultados.

De forma geral, conclui-se a favor da utilização da abor-dagem das configurações no estudo de fenômenos que operam no nível individual, como sugerido por Meyer, Tsui e Hinings (1993). O emprego dessa perspectiva de análise no nível individual possibilitou a identificação de três principais padrões de liderança transformacional (desorientação, subliderança e conversão) e comprovação de seus efeitos sobre duas das dimensões do comprometimento: afetiva e normativa (moral). Valida-se, assim, a alternativa de compreensão dos fenômenos atitudinais e comportamentais a partir do exame da influência da configuração, em sua totalidade, sobre variáveis dependentes. Atende-se também à sugestão de Miller (1996, p.505) em se estudar "configuração como uma variável ou qualidade". Advoga-se então que fenômenos organizacionais e nas organizações são mais bem entendidos como conjuntos de elementos interconectados, em vez de entidades modulares ou frouxamente constituídas.

Logo, a principal contribuição da abordagem das configurações é ir além do exame da influência de partes de um fenômeno sobre outro e verificar, de modo mais realista, como um fenômeno, em sua forma integrada, se comporta em relação a outros construtos atitudinais ou comportamentais dos indivíduos no trabalho.

A verificação dita "mais realista" refere-se aqui, como citado anteriormente, ao argumento de que o indivíduo não possui capacidade analítica ou cognitiva suficiente (considerando os limites da racionalidade) para envolver-se em ponderações acerca da relação de cada uma das dimensões da liderança sobre o comprometimento, mas, sim, admite que o indivíduo realiza avaliações mais globais e que essas avaliações apresentam, em sua integração, o real efeito da liderança sobre o comprometimento, por exemplo. Apenas por meio de pesquisas é possível isolar o efeito parcial de uma ou outra dimensão da liderança sobre o comprometimento ou qualquer outro construto. Entretanto, a abordagem das configurações permite examinar, como ocorre na prática, o efeito global de um fenômeno sobre o outro. Essa consideração também pode ser estendida a fenômenos organizacionais em outros níveis.

Por fim, ressalta-se que tanto os fatores que explicam a liderança quanto o produto final de seus padrões comportamentais constituem o conjunto de imperativos à disposição dos pesquisadores para a geração de tipologias e taxonomias nesse campo (MILLER e MINTZBERG, 1983; MEYER, TSUI e HININGS, 1993).

Logo, é possível destacar que é grande a amplitude de variáveis a serem utilizadas no delineamento de gestalts ou configurações, o que exige um tratamento mais plural, que espaço para levantamento das interdependências entre os vários componentes do construto liderança e outros aspectos comportamentais e atitudinais.


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