Em busca de uma abordagem não atomizada para o exame das relações entre
liderança transformacional e comprometimento organizacional
1. INTRODUÇÃO
Liderança é um dos assuntos mais importantes e, por consequência, mais
pesquisados na área de gestão e organizações (MUMFORD et al., 2009). O
interesse não nasce exclusivamente no meio acadêmico, mas também dentro das
próprias organizações. Em pesquisa para descrever o perfil desejado por
empresas de agrobusiness para seus profissionais, Borrás, Batalha e Costa
(1999) identificaram a capacidade de liderança como uma das habilidades
consideradas mais importantes pelas organizações.
Os resultados de diversos levantamentos sobre liderança apontam para a ideia de
que o construto como um todo (soma dos fatores que compõem as escalas) ou
diferentes dimensões da liderança transformacional apresentam influência
significativa sobre diversas variáveis que representam respostas
comportamentais e atitudinais do indivíduo no trabalho (AVOLIO et al., 2004;
RICHARDSON e VANDENBERG, 2005; SPREITZER, PERTTULA e XIN, 2005). Entretanto,
como objeto de pesquisa, a liderança é invariavelmente examinada de forma
atomizada, dentro da lógica de "uma variável por vez" (MILLER, 1996). Nesta
pesquisa, propõe-se que o conhecimento sobre os efeitos da liderança
transformacional pode avançar a partir do exame do construto como configurações
ou gestalts, formadas por suas dimensões.
A maior parte das pesquisas que adota uma abordagem de configurações concentra-
se no nível organizacional, mas essa perspectiva apresenta um potencial ainda
não realizado para investigações e revitalização de teorias em outros níveis,
sobretudo nos níveis de grupo e indivíduo, o que é o caso das pesquisas sobre
liderança (MEYER, TSUI e HININGS, 1993). Em consonância com essa afirmação, o
objetivo neste trabalho é analisar a relação de distintas gestalts
(configurações) de liderança transformacional com o comprometimento
organizacional.
Para consecução do objetivo, foi realizado um levantamento com 331 funcionários
de organizações do setor de serviços que estão instaladas em Curitiba (Paraná).
Os pesquisados foram conduzidos a responder um questionário para avaliar seus
níveis de comprometimento e o comportamento do líder imediato.
A pesquisa trouxe três principais contribuições para a área de gestão, mais
especificamente para as pesquisas sobre liderança. A primeira é a identificação
de três configurações de liderança transformacional, o que indica a
possibilidade de utilização de uma abordagem não atomizada de investigação para
esse fenômeno. A segunda é o teste das diferenças de médias das três dimensões
de comprometimento nas configurações de liderança utilizando a análise
multivariada, a qual permite um melhor controle do erro do tipo I. Por fim, foi
identificado que, para a dimensão instrumental do comprometimento, o grau de
instrução dos liderados serve como intermediário de sua relação com as
configurações de liderança.
O artigo está dividido nas seguintes seções, além desta introdução: quadro
teórico-empírico, procedimentos metodológicos, análise dos dados, discussão dos
resultados e conclusões.
2. QUADRO TEÓRICO-EMPÍRICO DE REFERÊNCIA
Para sustentar a pesquisa, inicia-se o referencial teórico-empírico pela
discussão acerca das diferenças entre abordagens atomizadas e não atomizadas
para o exame da liderança e, a seguir, são tecidas explanações sobre a relação
entre liderança e comprometimento.
2.1. Por uma abordagem não atomizada no exame da liderança
Uma abordagem não atomizada de investigação das organizações pode e deve ser
estendida a outros fenômenos nos níveis de grupo e indivíduo (MEYER, TSUI e
HININGS, 1993). Contudo, é preciso ressaltar que tal abordagem implica revisão
de alguns dos pressupostos clássicos de pesquisa. A perspectiva clássica de
investigação nos estudos organizacionais centra-se numa lógica atomizada, o que
significa considerar um elemento de cada vez no plano das análises. Nesses
termos, interessa ao pesquisador definir diversas correlações entre variáveis
ou os efeitos causais de umas sobre as outras. Assim, os relacionamentos são
lineares e unidirecionais e a análise opera sempre num sentido reducionista.
Por outro lado, uma abordagem não atomizada reconhece a existência de
configurações, gestalts ou arquétipos formados por constelações de atributos
que ocorrem ao mesmo tempo. A ideia subjacente ao conceito de configuração é a
tendência dos atributos de um fenômeno em formar padrões coerentes e
internamente consistentes, o que faz com que a variedade de configurações seja
restringida (MEYER, TSUI e HININGS, 1993).
Dentro desse raciocínio, um conjunto de atributos é estudado para produzir uma
imagem integrada de determinado fenômeno na realidade, e as teorias e técnicas
de tratamento dos dados são voltadas para a geração de agrupamentos naturais
(natural clusters) a partir de um conjunto de características (MILLER e
MINTZBERG, 1983). Em resumo, o que interessa não é primariamente o efeito de
determinada variável sobre outra, mas sim a influência de padrões (gestalts) de
determinadas características sobre outros fenômenos.
Logo, a abordagem das configurações é orientada a evidenciar a interdependência
entre atributos a partir de tipologias ou taxonomias (clusters identificados
empiricamente). Subjacente a essa orientação, reside o pressuposto de que um
fenômeno não pode oferecer uma compreensão mais adequada quando descolado da
constituição total de sua estrutura e restrito à descrição de seus componentes
de forma isolada.
Nesse sentido, a principal característica de uma abordagem não atomizada é a
síntese em vez de a análise. Não é desconsiderada a importância da análise, mas
claramente há um deslocamento de ênfase. De acordo com Miller e Mintzberg
(1983, p.65):
"Para ser claro, análise e síntese são, ambas, fases necessárias à
atividade científica. A análise é usada para definir os componentes
ou atributos de um fenômeno e para mensurá-los; síntese é usada para
combinar isso em imagens integradas, concepções, ou configurações, e
para identificar padrões e formas de generalizações. Então a análise
retorna para nos possibilitar testar essas generalizações e deduzir
suas consequências lógicas".
Transpondo o raciocínio de Miller e Mintzberg (1983) para os estudos sobre
liderança, a abordagem das configurações pode ampliar os modos de entender esse
fenômeno e sua influência sobre diversos aspectos atitudinais de outros
indivíduos. A literatura vem há muito tempo destacando a estrutura da liderança
transformacional como um construto multidimensional (GARMAN, DAVIS-LENANE e
CORRIGAN, 2003), mas sem contemplar a existência de múltiplos padrões
(configurações) e seus resultados ou consequências.
2.2. Liderança transformacional: conceito e mensuração
A liderança transformacional é mais adequadamente definida por meio de uma
série de comportamentos, tais como, inspiração de uma visão, encorajamento de
sacrifícios, oferecimento de referências para a ação, estimulação intelectual,
envolvimento dos liderados, influência de atitudes e pressupostos, estimulação
das necessidades do liderado e consideração individual (YUKL, 1989; BASS, 1990;
SPARROWE e LIDEN, 1997; GARMAN, DAVIS-LENANE e CORRIGAN, 2003; TUCKER e
RUSSELL, 2004).
As consequências ou os resultados dos processos de liderança transformacional
são variados, principalmente em função da posição hierárquica do líder, o que
equivale a admitir que esse processo ocorra em diversos níveis de análise
(KNIGHTS e WILLMOTT, 1992; AVOLIO et al., 2004). Desse modo, a liderança
transformacional é um processo compartilhado que vai além da posição do
principal executivo da organização ou de diretores e gerentes (YUKL, 1989).
Nesses termos, líderes da cúpula estratégica têm possibilidade de apresentar um
comportamento capaz de transformar missão, visão, estratégia e talvez até os
valores presentes na organização. Líderes em níveis mais próximos do núcleo
operacional, como supervisores e coordenadores, poderiam, principalmente,
transformar o próprio liderado em termos de suas atitudes, envolvimento,
comprometimento e identificação com a organização (YUKL, 1989; JUNG e AVOLIO,
2000; TUCKER e RUSSELL, 2004).
Em função do interesse pelas consequências do comportamento do líder
transformacional, diversos esforços têm sido envidados na tentativa de
identificar um conjunto parcimonioso de características que melhor
representasse o construto. Aparentemente inspirado na obra Leadership, de
Burns, publicada em 1978, Bass elaborou, em 1985, Leadership and performance
beyond expectations. Nessa última publicação, Bass apresentou um questionário
para mensuração da liderança transacional (baseada em recompensas) e da
liderança transformacional (YUKL, 1989; GARMAN, DAVIS-LENANE e CORRIGAN, 2003).
Esse instrumento de coleta de dados ficou conhecido como The Multifactor
Leadership Questionnaire (MLQ).
Após intensa aplicação e avaliação do MLQ, diversas críticas surgiram e novos
instrumentos direcionados à mensuração da liderança transformacional foram
apresentados. Entre as propostas mais consistentes de indicadores consta o
Transformational Leadership Behavior Inventory (TLI) de Podsakoff et al. (1990)
e Podsakoff, Mackenzie e Bommer (1996). O TLI apresenta as seguintes dimensões,
comentadas na sequência: articulação de uma visão; provimento de um modelo
apropriado de papel; promoção da aceitação dos objetivos de grupo; expectativas
de alto desempenho; suporte individualizado; estímulo intelectual.
* A dimensão articulação de uma visão caracteriza-se pela construção de um
futuro ou alvo para o liderado, para um time de trabalho, departamento ou
para a organização como um todo. Essa articulação ocorre principalmente
via comunicação.
* O provimento de um modelo apropriado de papel vai além das práticas
discursivas ou comunicativas do líder, pois reflete-se no exercício das
atividades do líder e mais amplamente no modo como ele desempenha seu
papel social definido na estrutura organizacional.
* A promoção da aceitação dos objetivos de grupo significa realizar
atividades que encorajem grupos sociais intraorganizacionais a portarem-
se efetivamente como times de trabalho, com objetivos comuns, e não
apenas como microcoletividades de indivíduos agrupados aleatoriamente
(SPREITZER, PERTTULA e XIN, 2005).
* A dimensão expectativas de alto desempenho é definida como a insistência
pela realização dos objetivos mais ousados, o que ocorre via definição de
um padrão de comportamento esperado, que é comunicado pelo líder aos
liderados.
* O suporte individualizado reflete-se no interesse do líder pelo liderado,
particularmente por suas necessidades e sentimentos.
* O estímulo intelectual surge por meio das atividades do líder que fazem
com que seus seguidores consigam pensar de novas maneiras sobre os
problemas organizacionais (SPREITZER, PERTTULA e XIN, 2005).
Em relação à qualidade dos fatores, destaca-se que o conjunto de indicadores
das seis dimensões da liderança transformacional se mostrou uma estrutura
parcimoniosa e de maior validade e consistência em comparação à maioria das
medidas alternativas.
Em testes empíricos, essas seis dimensões da liderança transformacional têm
conseguido explicar as variações em diversos fatores comportamentais e
atitudinais (PODSAKOFF et al., 1990; PODSAKOFF, MACKENZIE e BOMMER, 1996;
RICHARDSON e VANDENBERG, 2005; SPREITZER, PERTTULA e XIN, 2005).
2.3. Comprometimento como consequente da liderança transformacional
O comprometimento organizacional destaca uma relação de envolvimento e
identificação do indivíduo com a organização. A partir dessa definição, a
estrutura de Meyer e Allen (1991) e Meyer, Allen e Smith (1993) tem sido
destacada e sua escala amplamente empregada nos estudos publicados
internacionalmente e no Brasil. Medeiros e Enders (1998) propuseram-se a
validar a escala original com 18 itens. Os autores identificaram, por meio da
análise de agrupamentos (cluster), um número de oito padrões de
comprometimento. Além disso, ressaltaram a necessidade de modificação/redução
dos itens originais quando da aplicação em contexto nacional. A escala adaptada
contou com quatro itens para comprometimento normativo, quatro para
comprometimento instrumental e cinco para comprometimento afetivo.
Respectivamente, essas três dimensões apresentam os seguintes coeficientes de
Alfa de Cronbach: 0,73, 0,79 e 0,85.
Rego (2002) investigou com que intensidade diferentes dimensões de justiça
organizacional influenciam o comprometimento afetivo de professores de ensino
superior. Os resultados confirmaram a relação entre os construtos. Em termos
metodológicos, vale destacar que a dimensão afetiva do comprometimento foi
mensurada a partir de três itens, que apresentaram um Alfa de Cronbach igual a
0,91. Em estudo realizado em Portugal, Rego (2003) testou um novo instrumento
para identificação do comprometimento organizacional, que teve como versão
final um total de 28 indicadores. É interessante destacar o teste de três
diferentes estruturas fatoriais: uma com quatro fatores, outra com cinco e a
última com seis. A estrutura com quatro fatores acrescentou, além das três
dimensões tradicionais, a dimensão ausência psicológica (anticomprometimento).
A estrutura com cinco fatores surgiu com a divisão do comprometimento afetivo
em: dimensão comprometimento afetivo e uma nova dimensão denominada futuro
comum. Por sua vez, a estrutura com seis fatores dividiu a dimensão
instrumental em duas novas dimensões: sacrifícios elevados e escassez de
alternativas. Os coeficientes Alfa de Cronbach variaram de 0,72 a 0,91. Essas
considerações são importantes na medida em que destacam críticas às dimensões
instrumental e afetiva do construto comprometimento.
No entanto, apesar de o comprometimento organizacional ter sido pesquisado com
grande frequência e também figurar como um dos principais consequentes
atitudinais da liderança transformacional (PODSAKOFF, MACKENZIE e BOMMER, 1996;
AVOLIO et al., 2004), é relativamente pequeno o número de artigos que
contemplam essa relação. Mesmo no Brasil, em que o número de pesquisas, como
destacado, é alto (e.g., MEDEIROS e ENDERS, 1998; BASTOS e BORGES-ANDRADE,
2002; REGO e SOUTO, 2003), sua relação com a liderança transformacional tem
sido relegada. Em termos teóricos, existem razões suficientes para estabelecer
a associação entre o comportamento do líder transformacional e o
comprometimento organizacional de seus seguidores. Avolio et al. (2004) sugerem
que, se o comprometimento do indivíduo no trabalho é entendido como a força da
identificação e do envolvimento com a organização, a liderança transformacional
opera como uma das principais fontes da construção e renovação desse
envolvimento.
As possíveis relações entre esses construtos têm suas raízes no próprio
conceito de comprometimento. Meyer e Allen (1991) entendem o comprometimento
organizacional à luz de um único conceito, mas com estrutura multidimensional,
como um estado psicológico do indivíduo que pode refletir um desejo, uma
necessidade e um sentimento de obrigação em permanecer na organização. De
acordo com Meyer e Allen (1991), a análise do comprometimento organizacional
ocorre a partir dos componentes afetivo, instrumental e normativo (moral). Como
defendido por Meyer, Allen e Smith (1993, p.3),
"empregados com um forte comprometimento afetivo permanecem na
organização porque querem; aqueles com comprometimento instrumental
permanecem porque precisam; aqueles com comprometimento normativo
permanecem na organização porque sentem que são obrigados".
O caráter multidimensional do conceito requer a necessidade de analisar se as
diferenças referentes às características de liderança são diferentes em relação
às três dimensões do comprometimento. Dessa necessidade deriva a primeira
hipótese de pesquisa:
Hipótese 1 - As médias do grau de comprometimento medido em suas
dimensões afetiva, instrumental e normativa diferem como um todo nas
configurações formadas pelas dimensões da liderança transformacional.
Mais especificamente, o componente afetivo é entendido como o apego do
indivíduo à organização num sentido essencialmente emocional. Na relação entre
componente afetivo e liderança transformacional, é necessário ressaltar que o
comportamento do líder figura como um dos imperativos da ligação emocional do
liderado com a organização, na medida em que o próprio líder é atributo da
organização e o afeto pelo líder se traduz no sentimento de querer continuar na
mesma organização. Decorre de tal assertiva a segunda hipótese a ser testada:
Hipótese 2 - A média do grau de comprometimento afetivo é maior nos
grupos cuja configuração apresenta maior intensidade de liderança
transformacional.
O componente normativo evidencia a presença de um sentimento de obrigação em
permanecer na organização. Assim como outros aspectos organizacionais, o padrão
comportamental do líder, sobretudo quando positivo, faz com que o indivíduo
veja sua permanência na organização como um padrão de comportamento esperado
por seu líder. Daí é extraída a terceira hipótese a ser testada:
Hipótese 3 - A média do grau de comprometimento normativo é maior nos
grupos cuja configuração apresenta maior intensidade de liderança
transformacional.
O componente instrumental do comprometimento organizacional denota a percepção
do indivíduo quanto aos custos associados a sua saída. Logo, é possível esperar
que o comportamento do líder tenha pouco impacto nessa dimensão, pois não
envolveria custo de maneira direta. Todavia, como uma dimensão do
comprometimento, e a partir de uma percepção geral sobre o comportamento do
líder, os liderados podem avaliar a perda de um líder com características
transformacionais, o qual pode ter um impacto positivo em seu desempenho e
motivação para a realização de seu potencial, como mais um custo associado à
saída. A partir dessa possível contradição, optou-se por não formular uma
hipótese específica para ser testada em relação à dimensão instrumental do
comprometimento.
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para alcançar o objetivo proposto, foi utilizada uma pesquisa de levantamento
(survey) adotando um corte transversal, cujos dados foram coletados por meio de
questionário estruturado. O universo pesquisado foi composto por 991
funcionários de oito organizações do setor de serviços, instaladas em Curitiba
(PR). Em função da impossibilidade de um censo, empregou-se a amostragem não
probabilística por conveniência. A amostra final contemplou 351 questionários.
Após a exclusão de 20 questionários que estavam incompletos e sem a mínima
variação nas respostas, restaram 331 questionários válidos.
O questionário estruturado respondido pelos funcionários que fizeram parte da
amostra do estudo foi composto por questões destinadas à caracterização do
respondente, bem como por indicadores para a mensuração do grau de
comprometimento dos pesquisados e a avaliação do comportamento de seu líder
imediato.
As questões de caracterização dos respondentes versaram sobre idade, sexo,
instrução e tempo na empresa. Para a avaliação do comportamento dos líderes dos
respondentes, foi utilizado o TLI (Transformational Leadership Behavior
Inventory) elaborado por Podsakoff et al. (1990). O TLI é formado por 22
indicadores para seis dimensões da liderança transformacional (em escala de
Likert). Para mensuração do comprometimento dos respondentes, foram utilizados
três de cada um dos seis itens de cada dimensão da escala desenvolvida por
Meyer, Allen e Smith (1993). A mensuração do comprometimento organizacional com
apenas três indicadores para algumas ou todas as dimensões pode ser encontrada
em estudos nacionais e internacionais (e.g., REGO, 2002 e 2003; AVOLIO et al.,
2004; REGO, CUNHA e SOUTO, 2007; MACIEL e CAMARGO, 2011). Em adição, a
utilização de nove em vez de 18 indicadores possibilitou também a estruturação
de um questionário de mais fácil aplicação e contribuiu para operacionalizar a
pesquisa necessariamente a partir das três dimensões tradicionais de Meyer e
Allen (1991).
De modo a assegurar a fidelidade da tradução do questionário de liderança
transformacional elaborado por Podsakoff et al. (1990), foi empregado o
procedimento de tradução reversa. Inicialmente o questionário foi traduzido
para o português e posteriormente um estudante de mestrado em Administração,
que estudou alguns anos nos Estados Unidos, foi convidado a verter os
indicadores para a língua inglesa. Após essas etapas, o questionário vertido
para o inglês foi comparado com a versão original e notou-se correspondência
bastante satisfatória. Para a escala de comprometimento, utilizaram-se nove dos
18 indicadores de Meyer, Allen e Smith (1993), que foram traduzidos e já
validados no Brasil por Ricco (1998).
O tratamento dos dados foi iniciado por uma análise exploratória e de
preparação para a análise multivariada, conforme recomendado por Hair Jr. et
al. (1995). Essa etapa consistiu em uma análise de outliers, valores extremos,
normalidade, curtose e assimetria. O procedimento relatado a seguir foi
destinado à análise da validade e da confiabilidade das escalas de Likert. Para
tanto, o primeiro passo foi a divisão da base de dados em uma amostra de teste
(n=168) e outra de validação (n=163) para execução de uma análise fatorial
exploratória (AFE) e verificação da estabilidade dos indicadores em cada fator,
conforme proposto no TLI e na escala de comprometimento. Outro procedimento foi
a análise da consistência interna (Alfa de Cronbach) de todos os fatores nas
amostras de teste e validação. Depois de verificada a estabilidade dos
indicadores na AFE e a consistência interna das dimensões, foi executada uma
análise fatorial confirmatória (AFC) via AMOSTM 16.
Para identificação das configurações de liderança transformacional, foi
realizada uma análise de cluster hierárquica nas amostras teste e validação e
depois repetida a análise na base de dados completa e, também, executada a
análise de cluster K-means. Depois de identificadas as configurações, foram
verificadas diferenças das médias entre grupos em relação aos fatores da
liderança por meio da ANOVA. O último passo foi o teste das hipóteses
apresentadas no artigo com um modelo linear generalizado multivariado.
4. ANÁLISE DOS DADOS
A fase de tratamento dos dados iniciou-se pela verificação dos valores perdidos
(missing values). Como o número de valores perdidos foi reduzido, utilizou-se a
imputação da média da variável para completar a base de dados. Na sequência, os
indicadores invertidos de liderança (TLI) e de comprometimento organizacional
foram reordenados com auxílio do SPSS® 16.
O exame dos diagramas de caixa (boxplots) apresentou poucos outliers e nenhum
valor extremo entre os dados. Após a verificação de um número reduzido de
outliers, optou-se por manter as observações. Em relação à normalidade, a
inspeção visual sugeriu não normalidade em todas as variáveis. Entretanto, após
a verificação da assimetria e da curtose, não foram constatados dados com
coeficientes acima de 0,99 para os indicadores de liderança ou superior a 1,22
para os indicadores de comprometimento. Como Schumacker e Lomax (2004) afirmam
que índices de curtose e assimetria próximos ou entre ± 1 não impedem a
aplicação da estatística multivariada que pressuponha normalidade, foi dado
seguimento às análises.
A AFE para liderança transformacional e comprometimento nas amostras de teste e
validação apresentou estabilidade dos indicadores em cada um dos fatores
exatamente como indicado e índices de consistência interna (Alfa de Cronbach)
acima de 0,60.
Para a análise de validade e confiabilidade das medidas, foi empregada a
análise fatorial confirmatória. O método de estimação utilizado foi o da máxima
verossimilhança (ML). Os resultados da AFC para liderança e comprometimento
aparecem nas tabelas_1 e 2.
![](/img/revistas/rausp/v48n3/12t01.jpg)
4.1. Validade e confiabilidade da escala de liderança transformacional
A análise fatorial confirmatória (AFC) da escala de liderança apresentou bons
indicadores de ajustamento. O RMR (raiz do resíduo quadrático médio) - para o
qual são recomendados valores próximos de 0 - é de 0,042. O GFI (índice de
qualidade de ajuste) = 0,888 está dentro dos limites de aceitação periférica de
acordo com Hair Jr. et al. (1995). Schumacker e Lomax (2004) afirmam que
valores próximos de 0,90 são aceitáveis. O RMSEA (raiz do erro quadrático médio
de aproximação) = 0,066 não ultrapassa o valor máximo sugerido de 0,08 (HAIR
JR. et al., 1995). O AGFI (índice ajustado de qualidade de ajuste) = 0,854
também sugere aceitação periférica (HAIR JR. et al., 1995). Os índices de TLI
(índice de ajuste não normado) = 0,946, IFI (índice de ajuste incremental) =
0,955 e CFI (índice de ajuste comparativo) = 0,955 também indicaram a qualidade
do modelo. O valor deχ2 (qui-quadrado)/GL (graus de liberdade) é de 2,317,
dentro dos limites recomendados de 1 a 3 (HAIR JR. et al., 1995). Na Tabela_1
apresentam-se o carregamento dos indicadores, a confiabilidade composta, a
consistência interna e a AVE (variância média extraída) das variáveis latentes.
Para atestar a validade das escalas, foi examinada inicialmente a validade
convergente e discriminante da escala de liderança transformacional (HAIR JR.
et al., 1995; SCHUMACKER e LOMAX, 2004). A validade convergente foi verificada
quando se observou que cada indicador dos seis fatores apresentou um valor t
superior a 1,96 (valor para p-value< 0,05), indicando que todos os indicadores
convergem na mensuração do mesmo fator.
A validade discriminante da escala de liderança transformacional foi atestada
por meio da comparação das correlações entre as seis variáveis latentes
elevadas ao quadrado com a AVE de cada uma delas. Em todas as situações, as
correlações, elevadas ao quadrado, não foram superiores à AVE, o que indica
que, de fato, todos os fatores da escala de Podsakoff et al. (1990) medem
dimensões diferentes da liderança transformacional e, portanto, sem
sobreposição.
Em relação à confiabilidade, todas as variáveis latentes alcançaram índice
acima de 0,70 em confiabilidade composta, Alfa de Cronbach acima de 0,70 e AVE
superior a 0,50, como recomendado por Hair Jr. et al. (1995).
4.2. Validade e confiabilidade da escala de comprometimento organizacional
A segunda análise fatorial confirmatória (AFC) foi realizada para a escala de
comprometimento organizacional. Essa escala de nove itens e três dimensões
apresentou os seguintes indicadores de ajustamento: RMR (0,073), GFI (0,956),
RMSEA (0,074), AGFI (0,918). Os índices de TLI (0,930), IFI (0,954), CFI
(0,954) eχ2 (qui-quadrado)/GL (graus de li-berdade) (1,646) também
comprovaram a boa qualidade do modelo. O carregamento dos indicadores, a
confiabilidade composta, a consistência interna (Alfa de Cronbach) e a AVE das
variáveis latentes do modelo são apresentados na Tabela_2.
A significância estatística (p-value < 0,05) de todos os indicadores das
dimensões do comprometimento organizacional atesta validade convergente da
escala utilizada no presente estudo. A validade discriminante dessa escala
também foi avaliada por meio da comparação entre as correlações para as três
variáveis latentes elevadas ao quadrado com a AVE de cada uma delas. Como
resultado, verificou-se que as correlações, elevadas ao quadrado, não foram
superiores à AVE, o que sugere discriminação entre comprometimento afetivo,
instrumental e normativo.
No que concerne à confiabilidade, duas das três variáveis latentes de
comprometimento apresentaram índice acima de 0,70 para confiabilidade composta
e consistência interna (Alfa de Cronbach). Contudo, a variável latente
comprometimento instrumental tem valores muito próximos da referência mínima
para confiabilidade composta (0,68), consistência interna (0,67) e AVE (0,42).
Assim, verificou-se a validade convergente e discriminante das medidas (escala
de liderança transformacional e escala de comprometimento organizacional), bem
como sua consistência interna, o que possibilitou a análise de cluster para a
geração das configurações.
4.3. Identificação das configurações de liderança transformacional
O desenvolvimento da taxonomia (configurações empíricas) de padrões de
liderança-liderados ocorreu a partir das seis dimensões da escala de Podsakoff
et al. (1990), validada por meio dos procedimentos anteriormente apresentados.
Para garantir maior confiabilidade ao resultado da solução final da análise de
cluster e auxiliar na definição do número de grupos a serem examinados, optou-
se por empregar a técnica de agrupamento inicialmente na amostra teste (n=168)
e posteriormente na amostra de validação (n=163) para, então, repetir o
procedimento na base completa dos dados (n=331).
Na análise de cluster hierárquica, foi aplicado o método de Ward e utilizada a
distância euclidiana ao quadrado (medida de similaridade utilizada na geração
dos clusters). A aplicação dessa técnica na amostra teste (n=168), na amostra
de validação (n=163) e na base completa dos dados (n=331) evidenciou, por meio
do dendrograma, a existência de três clusters mais homogêneos internamente. O
mesmo número de grupos naturais foi sugerido no dendrograma da amostra de
teste, de validação e na base completa dos dados, o que ofereceu maior
confiabilidade para a execução da análise de cluster K-means, na qual o número
de grupos a serem formados na análise é definido a priori.
O procedimento K-means foi então aplicado para a amostra total (n=331),
definindo a priori o número de três grupos para serem classificadas todas as
observações. Com essa classificação, foi possível comparar os três padrões de
liderança transformacional, que foram verificados por meio da opinião dos
entrevistados.
O procedimento de comparação entre os três grupos ocorreu com o auxílio de uma
análise de variância (ANOVA) e teste de Tukey para os seis fatores da escala de
liderança transformacional. A Tabela_3 apresenta a constituição dos grupos e a
diferença das médias.
[/img/revistas/rausp/v48n3/12t03.jpg]
Os três padrões de liderança transformacional apresentaram diferenças
significativas (p-value < 0,05) em todas as dimensões de acordo com o teste de
Tukey. A análise da diferença das médias entre os três grupos permitiu a
denominação das configurações em três padrões de comportamento do líder:
desorientação, subliderança e conversão.
A primeira configuração formada por 22% das avaliações dos líderes é denominada
desorientação. Esse comportamento reflete baixas intensidades nas seis
dimensões da liderança, o que contribui para a desorientação dos subordinados
diretos desses líderes, pois o único fator com média acima de 3,0 é o suporte
individualizado.
A segunda configuração composta por 45% da amostra recebeu o rótulo de
subliderança. Tal padrão de liderança expressa um comportamento em intensidades
moderadas. Os líderes classificados nesse grupo parecem preocupar-se igualmente
com todos os fatores da liderança transformacional, porém em média intensidade.
A terceira configuração, que agrega 33% da amostra de entrevistados, é
denominada conversão. Esse padrão de liderança revela um conjunto de líderes
que, a julgar pela avaliação de seus liderados, tem real potencial para
transformar ou converter seus seguidores na direção da consecução dos objetivos
organizacionais.
4.4. Teste das hipóteses por meio do GLM multivariado (MANCOVA fatorial)
Confirmada a validade e a confiabilidade das escalas utilizadas no presente
levantamento, e identificadas as configurações de liderança transformacional,
optou-se pelo emprego de um modelo linear generalizado multivariado (GLM -
MANCOVA fatorial) para teste das hipóteses desenvolvidas a partir da
literatura, visto que essa técnica permite testar a diferença de média em duas
ou mais variáveis dependentes métricas entre dois ou mais grupos, e utilizando
ainda uma covariável. Isso possibilita o controle para o erro do tipo I,
especialmente se existe algum grau de intercorrelação entre as variáveis
dependentes (HAIR JR. et al., 1995), o que ocorre nesta pesquisa, pois três
dimensões de um mesmo conceito são as variáveis dependentes.
O modelo proposto inclui, além da variável independente (VI), configurações de
padrão de liderança (CL), a ser testada, duas outras variáveis de controle
(VC). A primeira, associada exclusivamente ao respondente, mas que pode
influenciar o comprometimento (MEYER e ALLEN, 1991), é o grau de instrução,
sendo utilizada como medida a variável categórica ensino superior (ES), sendo 1
(um) para quem possui ensino superior completo e zero (0) para os demais
respondentes. A segunda variável está associada ao respondente e à duração de
sua relação com a organização, sendo utilizada a medida de tempo de empresa
(TE), pois esse tempo pode influenciar o grau de comprometimento (MEYER e
ALLEN, 1991). A seguir, a equação [1] do modelo a ser testado.
[/img/revistas/rausp/v48n3/12s1.jpg]
Nessa equação, comprometimento afetivo (CA), comprometimento normativo (CN) e
comprometimento instrumental (CI) são as variáveis dependentes (VD). Beta zero
(B0) é o intercepto e os demais Betas (B1, B2, B3 e B4) referem-se a cada uma
das demais variáveis. Além da VI e das VC, o modelo incorpora a interação entre
as variáveis categóricas CL e ES.
Um aspecto importante observado na definição do modelo foi o da parcimônia na
incorporação das variáveis categóricas. Quantidade muito baixa de observações
em cada um dos diferentes grupos formados pelas variáveis categóricas pode
interferir no poder estatístico na MANCOVA. No modelo proposto, o grupo com o
menor número de observações possuía 23 casos, o que indica um bom poder
estatístico para um modelo com três variáveis dependentes (HAIR JR. et al.,
1995).
Para dar continuidade à análise do modelo, é preciso discutir as suposições da
MANCOVA. Quatro delas precisam ser analisadas antes da análise do modelo:
normalidade das variáveis, independência das observações, observações atípicas
e igualdade de matriz de covariância. Como as variáveis já foram testadas para
normalidade, as observações são independentes e não foram encontradas sérias
observações atípicas, pode-se passar à análise da igualdade de matriz de
variância e covariância, que foi realizada por meio do teste Box. O teste não
se apresentou significativo a 95%, o que corrobora a hipótese de que a matriz
de covariância seja igual entre as variáveis dependentes, possibilitando a
continuidade do teste das hipóteses.
Na Tabela_4 apresentam-se os resultados do modelo MANCOVA. Para testar a
significância são apresentados dois critérios, os quais apresentam grau de
significância iguais, com exceção da variável de interação CL*ES, cuja
diferença não altera a interpretação dos resultados por estar dentro do
critério de 99% estabelecido.
A hipótese H1 foi corroborada, pois a variável CL apresentou significância a
99%, ou seja, as médias das três configurações de liderança são diferentes para
as três dimensões de comprometimento como um todo. É importante destacar que
essa diferença ocorre mesmo na presença das outras variáveis de controle, ES e
TE, e da interação entre CL e ES. A VC tempo de empresa (TE) também se mostrou
significativa a 99%, o que indica sua relação com as três dimensões de
comprometimento analisadas em conjunto. A VC ensino superior não apresentou
significância estatística, portanto as médias das três dimensões de
comprometimento nesses dois grupos não podem ser consideradas diferentes. A
variável de interação entre as configurações de liderança e ensino superior
(CL*ES) também apresentou significância estatística a 99%. O nível de poder
(probabilidade de provar corretamente a hipótese nula) nas variáveis
estatisticamente significativas foi maior do que 80%, assim considerado
adequado (HAIR JR. et al., 1995). Avalia-se, então, se essa diferença ocorre
nas três variáveis dependentes, uma a uma, por meio de testes univariados
(Tabela_5).
O teste de Levene de igualdade de variância apresentou-se significativo para
CA, o que requer maior cuidado na leitura dos resultados, e não significativo
para CN e CI, atendendo aos pressupostos da ANOVA. Os testes univariados dão
suporte a H1, pois indicam que a diferença de médias nas três configurações de
liderança é significativa para as três dimensões. É importante destacar que as
variáveis CL*ES e TE foram estatisticamente significativas apenas para o
comprometimento Instrumental (CI), 95% e 99% respectivamente.
Para testar as duas outras hipóteses, foram estimadas as médias dos grupos,
controladas para a variável TE (Tabela_6) e, então, executado o teste de
comparações múltiplas (Tabela_7).
Os resultados do teste de Bonferroni (Tabela_7) corroboram as hipóteses H2 e
H3, pois as médias das três dimensões de comprometimento dos grupos são maiores
para as configurações com maior grau de intensidade de liderança
transformacional e estatisticamente significativas. Conforme foi discutido
quando da apresentação das hipóteses, a dimensão instrumental do
comprometimento possibilita diferentes interpretações a partir da literatura em
sua relação com a liderança, e nessa análise foi a dimensão que não apresentou
diferença estatisticamente significativa entre os grupos desorientação e
subliderança, apesar de as médias seguirem uma relação semelhante às duas
outras dimensões.
Uma das explicações para esse resultado pode estar na interação entre CL e ES.
Essa variável apresenta-se estatisticamente significativa no modelo univariado
para a dimensão instrumental do comprometimento. O Gráfico a seguir mostra a
média estimada para os seis grupos formados pela interação. O comportamento é
bastante diferente para as três configurações. A relação entre comprometimento
instrumental e configurações é mediada pelo ensino superior. Na presença de um
líder na configuração conversão, o grupo dos que não possuem ensino superior
registra média do comprometimento instrumental mais alta, ou seja, eles
percebem como maiores os custos associados à saída. Já na presença de um líder
na configuração de subliderança ocorre o inverso, os que não possuem ensino
superior percebem como menores os custos associados à saída. Nessas duas
configurações, o grupo dos que possuem ensino superior apresenta médias
semelhantes. Na presença de um líder na configuração de desorientação, as
médias são as menores e semelhantes para os dois grupos. Apesar de a variável
ES não se apresentar estatisticamente significativa para o comprometimento
instrumental, ela intermedeia a percepção da variável CL. Essa relação não
linear identificada na interação CL e ES sugere a necessidade de outras
pesquisas que aprofundem a questão. Nos gráficos das outras duas dimensões (não
apresentados aqui por limitação de espaço), as quais não apresentam
significância estatística para a interação CL*ES, essa contradição não aparece.
Passa-se agora para a discussão dos resultados.
[/img/revistas/rausp/v48n3/12tx01.jpg]
5. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Dentro da proposta do artigo, que é analisar a relação entre as gestalts de
liderança transformacional e o comprometimento organizacional, o primeiro
achado a ser destacado é o das três distintas configurações nominadas
desorientação, subliderança e conversão.
De modo geral, a expectativa de existência de padrões mais consistentes do
comportamento de liderança transformacional foi comprovada. A julgar pelos
resultados da análise de cluster, assim como ocorre com outros fenômenos
organizacionais (MILLER e MINTZBERG, 1983; MEYER, TSUI e HININGS, 1993), os
diferentes fatores que caracterizam a liderança transformacional conformam-se
dentro de um padrão. Vale destacar que esse padrão se configura ainda a partir
de uma variação sistemática, ou seja, quando um líder é avaliado positivamente
em um critério, ele é bem avaliado nas demais dimensões da liderança
transformacional e, quando ocorre uma avaliação negativa em um dos fatores, o
mesmo ocorre nas demais dimensões.
O padrão de liderança denominado desorientação centra-se na minimização ou
quase ausência de comportamentos voltados para a articulação de uma visão,
provimento de um modelo apropriado de papel, promoção da aceitação dos
objetivos de grupo, expectativas de alto desempenho, suporte individualizado e
estímulo intelectual (PODSAKOFF et al., 1990; PODSAKOFF, MACKENZIE e BOMMER,
1996). Nessa configuração apenas a questão do suporte individualizado é um
pouco mais intensa.
Já na subliderança, o padrão comportamental de líder transformacional
apresenta-se em intensidades moderadas, mas ainda inferior ao terceiro grupo
identificado, o que justifica tal rotulação. Os líderes classificados nesse
grupo parecem preocupar-se igualmente com todos os fatores da liderança
transformacional, porém em média intensidade. É importante notar que a maioria
dos pesquisados percebeu seus líderes nesse grupo.
Em relação à conversão, essa denominação tende a refletir um padrão de
interação líder-liderado marcado mais fortemente por aquelas características
que constituem a liderança transformacional (PODSAKOFF, MACKENZIE e BOMMER,
1996). Pressupõe-se que esse padrão, ou Gestalt de liderança, estaria associado
também a maiores intensidades no desempenho no trabalho e outros resultados
comportamentais, pois tais líderes, em tese, teriam maior potencial para
transformar ou converter seus seguidores na direção da consecução dos objetivos
organizacionais (PODSAKOFF et al., 1990; PODSAKOFF, MACKENZIE e BOMMER, 1996;
RICHARDSON e VANDENBERG, 2005; SPREITZER, PERTTULA e XIN, 2005).
Desse modo, ao serem identificadas essas configurações, é possível propor a
compreensão da liderança não mais de forma atomizada, mas a partir de padrões
estruturados de comportamento, evitando a lógica de "uma variável por vez"
(MILLER, 1996). Abrem-se, assim, espaços para a análise das consequências
dessas configurações sobre a organização, seu desempenho e sua influência sobre
aspectos atitudinais e também comportamentais dos liderados.
A segunda consideração decorre mais especificamente dos resultados dos testes
das hipóteses, sendo concebida como uma proposta de análise das consequências
das configurações sobre aspectos atitudinais dos liderados (i.e.,
comprometimento organizacional). Ao ser corroborada a primeira hipótese, da
diferença das médias das três configurações nas três dimensões de
comprometimento, fica fortalecida a proposição de que o estudo da liderança por
meio de configurações pode ser realmente frutífero, pois evidencia a relação
entre as configurações de liderança e o grau de comprometimento dos indivíduos
influenciados por elas. Isso significa que o comprometimento organizacional é
influenciado não apenas individualmente pelas dimensões da liderança
transformacional (AVOLIO et al., 2004). Tal assertiva aponta para uma
perspectiva mais integrativa, menos diferenciada em termos de elementos
constituintes do fenômeno liderança. Isso permite considerar outras hipóteses
sobre a relação de configurações e outras variáveis atitudinais do indivíduo no
trabalho. É possível destacar ainda que a perspectiva das configurações parece
mais realista e fiel ao comportamento do indivíduo no trabalho. Parece frágil a
ideia de que o indivíduo age, no contexto organizacional, analisando de modo
sistemático o peso de uma variável por vez para, só então, emergir a influência
do resultado dessa avaliação sobre seu comportamento. É mais provável que seu
comportamento no trabalho seja influenciado por uma avaliação geral que, para
um indivíduo, tenha início por uma das dimensões da liderança e, para outro
indivíduo, por outra dimensão. Posteriormente, a avaliação dessa dimensão
possivelmente passe a figurar como parâmetro e até como expectativa para que
esse indivíduo avalie as outras cinco dimensões do comportamento do líder
transformacional.
Essa relação demonstra-se mais concreta com a corrobo-ração das duas outras
hipóteses, pois elas indicam que maior intensidade da liderança nas
configurações está associada a maior média no comprometimento afetivo e
normativo. Daí é possível afirmar que o comprometimento organizacional
identifica a associação do indivíduo com a organização (POD-SAKOFF,
MACKENZIE e BOMMER, 1996; MEDEIROS e ENDERS, 1998; BASTOS e BORGES-ANDRADE,
2002; AVOLIO et al., 2004) e as configurações de liderança parecem apresentar-
se como mediadoras dessa relação para as dimensões afetivas e normativas do
comprometimento, corroborando o que foi proposto aqui à luz dos pressupostos
das configurações (MILLER e MINTZBERG, 1983; MEYER, TSUI e HININGS, 1993).
Esses resultados apontam também para a possibilidade de um significado mais
preciso para o termo transformacional quando considerado o comportamento do
líder. No presente estudo, a transformação foi posicionada como o envolvimento
e a identificação do indivíduo com a organização (AVOLIO et al., 2004). Nesse
sentido, a transformação, que significa um crescimento no envolvimento e na
identificação com a organização, depende, entre outros fatores, de um líder
que: delimite adequadamente um futuro para o liderado; sustente de modo
exemplar o papel de líder; promova ampla aceitação dos objetivos de grupo;
defina expectativas de alto desempenho; dê atenção individualizada aos
subordinados; estimule intelectualmente seus liderados. Todas essas atividades
do líder permitem, como apontado nos resultados aqui apresentados, que ocorra a
transformação da relação do indivíduo com sua organização. Logo, o líder assume
papel crucial nessa relação.
Cabe ainda destacar que o comprometimento instrumental parece ter uma relação
mais complexa com as configurações de liderança. Conforme discutido na
apresentação das hipóteses, a aparente imprecisão teórica acerca da ligação
entre esses elementos (MEYER e ALLEN, 1991; MEYER, ALLEN e SMITH, 1993) pode na
verdade ser resultado de uma interação entre variáveis, a qual se apresentou
significativa no modelo testado, qual seja, a interação entre as configurações
e o grau de instrução dos liderados. Futuras pesquisas deveriam analisar essa
relação aparentemente mais complexa do comprometimento instrumental.
6. CONCLUSÕES
Antes dos apontamentos gerais sobre o presente estudo, é preciso discutir
algumas limitações que estiveram no entorno de sua execução. A primeira refere-
se à amostra, pois ela foi não probabilística por conveniência, abrangendo
organizações de apenas um setor na cidade de Curitiba, o que limita
sobremaneira qualquer possibilidade de generalização estatística. A segunda diz
respeito à técnica MANCOVA, que traz melhores resultados na utilização de
delineamentos experimentais, o que não foi o caso neste estudo. Apesar de todos
os cuidados terem sido tomados para a validação do modelo dentro de padrões
aceitáveis, diferenças no tamanho dos grupos formados pelas variáveis
categóricas precisam ser consideradas na leitura dos resultados.
De forma geral, conclui-se a favor da utilização da abor-dagem das
configurações no estudo de fenômenos que operam no nível individual, como
sugerido por Meyer, Tsui e Hinings (1993). O emprego dessa perspectiva de
análise no nível individual possibilitou a identificação de três principais
padrões de liderança transformacional (desorientação, subliderança e conversão)
e comprovação de seus efeitos sobre duas das dimensões do comprometimento:
afetiva e normativa (moral). Valida-se, assim, a alternativa de compreensão dos
fenômenos atitudinais e comportamentais a partir do exame da influência da
configuração, em sua totalidade, sobre variáveis dependentes. Atende-se também
à sugestão de Miller (1996, p.505) em se estudar "configuração como uma
variável ou qualidade". Advoga-se então que fenômenos organizacionais e nas
organizações são mais bem entendidos como conjuntos de elementos
interconectados, em vez de entidades modulares ou frouxamente constituídas.
Logo, a principal contribuição da abordagem das configurações é ir além do
exame da influência de partes de um fenômeno sobre outro e verificar, de modo
mais realista, como um fenômeno, em sua forma integrada, se comporta em relação
a outros construtos atitudinais ou comportamentais dos indivíduos no trabalho.
A verificação dita "mais realista" refere-se aqui, como citado anteriormente,
ao argumento de que o indivíduo não possui capacidade analítica ou cognitiva
suficiente (considerando os limites da racionalidade) para envolver-se em
ponderações acerca da relação de cada uma das dimensões da liderança sobre o
comprometimento, mas, sim, admite que o indivíduo realiza avaliações mais
globais e que essas avaliações apresentam, em sua integração, o real efeito da
liderança sobre o comprometimento, por exemplo. Apenas por meio de pesquisas é
possível isolar o efeito parcial de uma ou outra dimensão da liderança sobre o
comprometimento ou qualquer outro construto. Entretanto, a abordagem das
configurações permite examinar, como ocorre na prática, o efeito global de um
fenômeno sobre o outro. Essa consideração também pode ser estendida a fenômenos
organizacionais em outros níveis.
Por fim, ressalta-se que tanto os fatores que explicam a liderança quanto o
produto final de seus padrões comportamentais constituem o conjunto de
imperativos à disposição dos pesquisadores para a geração de tipologias e
taxonomias nesse campo (MILLER e MINTZBERG, 1983; MEYER, TSUI e HININGS, 1993).
Logo, é possível destacar que é grande a amplitude de variáveis a serem
utilizadas no delineamento de gestalts ou configurações, o que exige um
tratamento mais plural, que dê espaço para levantamento das interdependências
entre os vários componentes do construto liderança e outros aspectos
comportamentais e atitudinais.