Presença do tema ética profissional nos periódicos brasileiros de Ciência da
Informação e Biblioteconomia
1 Introdução
Este artigo insere-se no contexto dos estudos sobre ética profissional
bibliotecária no Brasil, ora em desenvolvimento no Departamento de Ciência da
Informação da UFSC. Nesta etapa da pesquisa, estudou-se a presença do tema
Ética profissional nos periódicos brasileiros de Ciência da Informação e
Biblioteconomia. Partiu-se da noção de que este tema constitui objeto de
interesse da produção científica brasileira de Biblioteconomia e Ciência da
Informação. A ética profissional trata de um fenômeno relevante por sua
inserção no conjunto das práticas profissionais cotidianas de um contingente
expressivo de profissionais, nas suas relações com os usuários reais e
potenciais, e com os não-usuários dos serviços de informação, fornecidos ou não
em bibliotecas.
O objetivo inicialmente pretendido foi o de conhecer os fundamentos filosóficos
e doutrinários, as temáticas e abordagens e as tendências da discussão Ética na
produção periódica editada no período de 1997 a 2006. O entendimento que deu
base à escolha desse decênio tinha em vista um quadro sócio-psicológico repleto
de esperanças e assombrado pelo desconhecido. Nesse decênio, houve a transição
entre duas décadas, dois séculos e dois milênios. Essa transição esteve cercada
por mistérios e perspectivas, ou mesmo transes desconhecidos, como o que
poderia instalar um caos na comunicação eletrônica, simbolizado por um bug do
milênio. Momentos como este poderiam acentuar uma revalorização das questões
filosóficas, em particular no campo da Filosofia Moral, onde se inserem os
estudos sobre a Ética.
O estudo decorre da compreensão de que esse conhecimento, acerca de uma
produção escrita na literatura periódica em Ciência da Informação e
Biblioteconomia sobre a Ética e a Deontologia, trará uma contribuição relevante
quanto à dimensão dos conteúdos existentes sobre o tema. Também advém da noção
de que esse conhecimento poderá ser inserido de maneira mais sistemática na
formação de profissionais da informação. É que esse conhecimento reuniria dois
ângulos significativos, capazes de constituir bases relevantes para a atuação
futura desses profissionais: a) evidenciaria o seu compromisso de fornecer
acesso à informação aos usuários, b) e orientaria para o comprometimento com o
melhor padrão de gerenciamento das unidades de informação em que tais
profissionais venham a atuar.
Pode-se também reforçar a percepção de que, no período de 1997 a 2006,
acentuou-se no Brasil a discussão sobre uma temática mais ampla a respeito da
chamada sociedade da informação e/ou sociedade do conhecimento. Em paralelo,
travou-se uma discussão que envolveu a formulação e a implantação das
Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em Biblioteconomia e
Arquivologia. Paralelamente a esses eventos, as facilidades oferecidas pelos
recursos de informação e comunicação associados à informática aceleraram o
acesso da sociedade a instrumentos com potencial cada vez maior de
disponibilizar a todos um incalculável conhecimento, através de um apertar de
botões. Tudo isso afetou o mercado editorial, o trabalho das bibliotecas e,
sobretudo, ampliou, mas também dificultou, para certas camadas da sociedade, o
encontro das informações que atendem às suas aspirações. Torna-se
compreensível, portanto, que tal conjunto de circunstâncias contribuiu para que
os profissionais atuantes na produção, promoção e oferta do acesso aos
conteúdos de conhecimento, procurassem formular ou rever normas de conduta
profissional.
Um ambiente em que se poderia estudar essa temática é constituído pela produção
editorial disponível em periódicos. Tratá-los, utilizando-os como fonte
significativa para apreender o modo como abordam a Ética profissional, se torna
cada vez mais urgente, para permitir o conhecimento do que está publicado e do
que está disponível sobre os fundamentos filosóficos, doutrinários e temáticos;
as abordagens; a presença autoral; e, sobretudo, as diferentes tendências e/ou
convergências.
O material empregado para o estudo foi constituído pelos periódicos publicados
no Brasil nos anos de 1997 a 2006. Consideraram-se como base para a sua seleção
dois critérios: as regiões político-administrativas brasileiras e o fato de as
edições referentes ao período em estudo estarem disponíveis para consulta
online no momento da coleta dos dados. No Nordeste, foi identificada a revista
Informação & Sociedade: Estudos (UFPB); no Centro-Oeste a revista Ciência
da Informação (IBICT); no Sudeste a revista Transinformação (PUCCAMP); e no Sul
a revista Encontros Bibli (UFSC). A região Norte não foi representada no corpus
selecionado, pois não dispunha de periódicos que respondessem aos critérios
adotados. Para nortear o exame do material obtido nas edições em que foram
colhidos artigos sobre o tema, foram empregados os termos Ética, Moral,
Deontologia e Ética Profissional, buscando localizá-los nos artigos, ensaios e
relatos de pesquisa encontrados.
2 Fundamentos conceituais do estudo
No conhecimento humano e social de senso geral, o termo empregado para
denominar um dado tema pode levar à idéia central ou a um conceito que se
queira expressar. Tendo isso em vista, começa-se aqui por afirmar que o termo
"Ética" levará à idéia central da Ética. A palavra "Ética" deriva do grego
ethos, que significa "costume"; e a palavra "Moral", por vezes empregada como
sinônimo de Ética, vem do latim mos, que também significa costume. Esse costume
é resultado do valor dado às nossas atitudes; esse valor é conferido pelo homem
na relação humana, de uns com os outros. A Moral é sinônimo da Ética como
teoria dos costumes. Esse entendimento se reforça com a definição de Ética dada
por Boff, em Ética e Moral. Para ele:
A ética é parte da filosofia. Considera concepções de fundo acerca da
vida, do universo, do ser humano e de seu destino, estatui princípios
e valores que orientam pessoas e sociedades. Uma pessoa é ética
quando se orienta por princípios e convicções. Dizemos, então, que
tem caráter e boa índole. A moral é parte da vida concreta. Trata da
prática real das pessoas que se expressam por costumes, hábitos e
valores culturalmente estabelecidos. Uma pessoa é moral quando age em
conformidade com os costumes e valores consagrados. Estes podem,
eventualmente, ser questionados pela ética. Uma pessoa pode ser moral
(segue os costumes até por conveniência) mas não necessariamente
ética (obedece a convicções e princípios) (BOFF, 2003, p. 37, grifos
do autor).
A Ética também pode ser denominada, conforme Souza (2002), um conjunto de
normas que regem a boa conduta humana. Isso estaria relacionado com a percepção
que um sujeito tem e com o que sente em relação a outro ser. Significa a
objetivação da noção de existência humana, que coloca o homem como conhecimento
ou consciência de si próprio através do viver e do conviver, levando à
construção de equilíbrio existencial, resultante de luta e cooperação. Assim
também surge, neste contexto, a questão do "obrigar-se", pelo qual se considera
o fato de que a promessa do cumprimento e o efetivo cumprimento dos pactos
acordados estão na base do conviver. Além disso, também aparece a tolerância
como um esforço humano de redução da indignidade do submeter-se, indicando que
toda pessoa é livre para ter as suas próprias convicções e aceitar que os
demais também tenham as suas.
A história da Ética, conforme Marcondes (2007), se entrelaça com a história da
filosofia, e é nesta que ela se fundamenta, buscando contribuir para o
desenvolvimento histórico e cultural da humanidade. A partir dos textos de
Platão e Aristóteles, observa-se que a Ética, no Ocidente, inicia-se com
Sócrates. De acordo com Platão, o indivíduo que age de modo ético é aquele
capaz de autocontrole, de "governar a si mesmo". Essa atitude só seria possível
com o conhecimento desse indivíduo sobre a noção de bem, a qual é obtida por
ele por meio de um longo e lento processo de amadurecimento espiritual, também
dito "ascensão da alma", como descrito no Mito da Caverna. Nesse estado, o
homem sairia da escuridão e passaria a enxergar todas as verdades do "mundo das
idéias perfeitas".
Por outro lado, segundo a compreensão de Aristóteles, a ação correta do ponto
de vista ético deve evitar os extremos, tanto o excesso quanto a falta,
caracterizando-se, assim, pelo equilíbrio ou pela justa medida. Essa idéia pode
ser encontrada em Ética a Nicômaco.
Mais adiante, na história ocidental, no Cristianismo de Santo Agostinho (354 a
430 a. D.) e de São Tomás de Aquino (1227 a 1274 a. D.), dois renomados
doutores da Igreja Católica, surge a idéia de livre arbítrio, de "Bem e Mal".
Para Marcondes (2007), São Tomás de Aquino recusa a concepção segundo a qual o
"Mal" é algo, uma entidade. São Tomás o entende como parte da natureza, no
sentido da imperfeição ou da corrupção das coisas criadas. Santo Agostinho,
inspirado em Platão, defende que só o "Bem" existe, sendo o "Mal" apenas a
ausência ou privação do "Bem". Deus, o "Ser Supremo", é sumamente bom, mas os
seres criados, inferiores na ordem do "Ser", são imperfeitos e finitos,
perecíveis. Daí se origina o "Mal" como falha.
A partir do século XVI, com as Revoluções Religiosas (Reforma Protestante),
surge uma mais fervorosa observação dos princípios morais cristãos, tais como
expressos na Bíblia. Neste período, concorre com esse estado religioso o
movimento que viria a ser uma Revolução do Conhecimento. Neste âmbito,
destacou-se Copérnico e sua teoria do Heliocentrismo, através da qual o Sol foi
colocado no âmbito do saber professado como o centro do Sistema_Solar,
contrariando a então vigente teoria geocêntrica, de aceitação plena da Igreja
Católica, que considerava a Terra como o centro desse sistema. Foi em meio a
todas estas mudanças que também apareceram outras novas teorias, que por sua
forma de expressão se colocavam em contraposição ao conhecimento escolástico, o
qual representava a forma de exposição e os conteúdos aceitos pela Igreja.
Dentre essas novas teorias, encontravam-se aquelas expostas através das idéias
apresentadas por Descartes, em seu discurso sobre o método, em que se destacou
um novo pensamento na era moderna (o Racionalismo Cartesiano), considerando a
razão como o caminho para a verdade. O pensamento de Descartes era
revolucionário diante da sociedade feudalista em que ele nasceu, e foi
submetido à influência da Igreja Católica, que ainda era muito forte, num
momento em que estava a iniciar-se a "produção de conhecimento científico".
Desta forma, Descartes percebeu que os "costumes", a história de um povo e sua
tradição "cultural" influenciam a forma como as pessoas pensam e aquilo em que
acreditam.
Nos princípios da Era Moderna, segundo Marcondes (2007), Immanuel Kant associa
à Doutrina Ética a idéia de dever. Por essa concepção, ser humano implica um
ser que age racionalmente e com a convicção de estar destinado a agir bem, como
um dever, pois cada um carrega o entendimento do que significa agir mal. Para
isso, é preciso que sejam evitados os impulsos, apetites, paixões e desejos,
para que se conquiste a autonomia Ética. Como explica Boff (2003, p. 43), "
[...] imperativos categóricos como [esses] de Kant permaneceram, infelizmente,
abstratos: 'trate o ser humano sempre como fim, jamais como meio' e 'aja de tal
maneira que a máxima de sua ação possa valer como norma para todos'".
No século XIX, conforme Marcondes (2007), Friedrich Hegel expõe uma nova
perspectiva, considerando o homem, a cultura e a história, destacando a noção
de que a Ética é determinada por relações sociais.
De acordo com Marcondes (2007), na contemporaneidade Nietzsche atribui a origem
dos valores éticos não à razão, mas à emoção. Para ele, o homem forte é aquele
que não reprime seus impulsos e desejos.
Ainda sob a fundamentação teórica de Marcondes (2007), no século XX Michel
Foucault defende a teoria de que a Moral não deve se reduzir a um ato ou a uma
série de atos, conforme uma regra, lei ou valor. Para ele, é preciso que haja
mais do que a "consciência de si", ou seja, é preciso que haja a "constituição
de si" enquanto "sujeito moral". Desta forma, o indivíduo deve aprimorar-se
constantemente e de acordo com seu próprio entendimento dos valores Éticos e /
ou Morais. Isso implica uma atitude de permanente questionamento ou
problematização.
Nos dias atuais, final do século XX e início do século XXI, num contexto em que
cada vez mais se fala de globalização, percebe-se um novo dimensionamento dessa
discussão. Há várias reflexões em construção voltadas para temas mais amplos da
existência, em que o ambiente e o porvir motivam o debate, como aquele
promovido por Singer (1993), que leva à discussão dos direitos de todos os
seres vivos de serem igualmente sujeitos de direito. Uma dessas reflexões
encontra-se em Dupas (2001). Este autor afirma que não há mais espaço para uma
Ética voltada para uma comunidade. A aposta é cada vez mais dirigida para o
individualismo, que se manifesta no consumo e na rapidez de produção. Em lugar
da felicidade pura e simples, há a obrigação do dever; para além do imperativo
Kantiano, a Ética fundamenta-se em seguir normas. Trata-se de uma "Ética da
Obediência", que impede o homem de pensar e descobrir uma nova maneira de se
ver e, assim, encontrar uma saída em relação ao conformismo de massa, no qual
se encontra a grande maioria da população. Essa idéia da subordinação e
conformação, que se implantou nas últimas décadas do século XX, também é
examinada por Flusser (1983), e constitui a temática básica da discussão de
Kurz2.
Uma vertente da discussão desta temática está enfeixada pelo termo Deontologia.
Trata-se de uma palavra de raiz grega, que significa "a Ciência dos Tratados".
Conforme Vásquez (1996), o termo Deontologia passou a ser empregado, em 1834,
por Jeremy Bentham, para referir-se ao ramo da Ética cujo objeto de estudo é o
fundamento do dever, além das normas morais. A Deontologia constitui um dos
dois ramos principais da Ética Normativa. Segundo Vásquez (1996), portanto,
pode-se definir a Deontologia como o conhecimento dos deveres, tendo por base
os juízos de aprovação ou desaprovação, do correto, do incorreto ou condenável,
do bem ou do mal; levando em conta o ajuizamento real por parte da sociedade.
Assim, ainda segundo Vásquez (1996), a Ética é o pensamento filosófico acerca
do comportamento moral do homem, dos problemas morais e dos juízos morais;
enquanto a Moral é o conjunto de normas, princípios e valores, aceitos ou
descobertos de forma livre e consciente, que regulam o comportamento individual
dos homens.
De um lado, a filosofia define "Ética" como o estudo da "conduta ideal",
originada de um conceito mais amplo, o de "homem ideal". Sua missão consiste em
ditar as qualidades das ações humanas, definindo-as como boas ou ruins, tendo
como norte o sentido da felicidade, sintetizada na idéia do "soberano bem". Por
essa perspectiva, a Ética é uma ciência que estuda os valores e virtudes do
homem, estabelecendo um conjunto de regras de conduta e de postura a serem
observadas para que o convívio em sociedade se dê de forma ordenada e justa. De
outro lado, a Deontologia consiste no conjunto de regras e princípios práticos
que regem a conduta de um profissional, constituindo uma ciência que estuda os
deveres de uma determinada profissão.
A maioria das profissões, como a de bibliotecário, também no Brasil, construiu
o seu próprio código de ética profissional com base na noção de deontologia,
que, em geral, se manifesta como um conjunto de normas de cumprimento
obrigatório, frequentemente incorporado à lei pública. O seu não cumprimento
pode resultar em sanções impostas pela entidade de regulação, também chamada de
Ordem ou Conselho profissional. Essas sanções tomam a forma de censura pública,
multa, suspensão temporária ou definitiva do direito de exercer a profissão
(CONSELHO FEDERAL DE BIBLIOTECONOMIA - CFB, 2002).
Pode-se afirmar, então, que a Ética profissional é produtora e é produzida em
um lugar social, no qual se desenrolam as atividades executadas pelos
integrantes de uma categoria profissional. Decorre isso do fato de que as
profissões também são construídas e constroem socialmente a realidade, e de que
a realidade se constitui por processos interacionais, conforme demonstram
Berger e Luckmann (2005).
No cotidiano, as atividades elementares que os indivíduos realizam transformam
lentamente a maneira como eles se comportam e sentem a realidade. As mudanças
nas regras sociais e no modo como os indivíduos as percebem geram
comportamentos diferentes daqueles costumeiramente observados em épocas
anteriores. Modificam-se sentimentos como vergonha e medo, além de serem
criadas novas concepções concernentes aos padrões de moral e costumes, de tato
social, de consideração pelo próximo e de outras numerosas questões complexas.
Assim, não é estranha a percepção que se tem, em geral, de que a estrutura da
sociedade ocidental muda continuamente, e de que isso, simultaneamente, reforça
as razões pelas quais se vêem mudanças no padrão de comportamento e da
constituição psíquica dos povos dessa região do mundo. De outro lado, também se
percebe a formação do poder do Estado, cuja configuração, desde o feudalismo,
sofre um permanente aperfeiçoamento. No mesmo conjunto de fatores também se
reconfiguraram os interesses econômicos e militares dessas sociedades, e assim
se estabeleceu de um jeito ou modelo próximo do que hoje se conhece. Tal modelo
ultrapassou a Idade Média, submeteu-se à monopolização pelos reis e sustentou o
poder dos governantes no sentido de regular, organizar modalidades de exercício
da autoridade e de realizar o recolhimento de tributos, baixar leis para
ordenar a sociedade, formar exércitos e, em séculos mais recentes, regular o
acesso aos meios de manutenção da saúde, de aquisição da educação escolar, da
garantia de obtenção de trabalho, dentre outros.
Parte das condutas e sua representação de valores sobre o bem portar-se social
e moral constituem normas tais como as regras de etiqueta e de boas maneiras.
Pesquisas de Norbert Elias (1993), que cobrem um largo período de tempo, desde
o século XIII, revelam que os hábitos ocidentais se transformaram conforme a
construção social da realidade ao longo dos séculos. Da Idade Média até os dias
de hoje, nossos comportamentos cotidianos foram lentamente modelados pela vida
social. Desta forma, o autor explica que os costumes evoluem sempre e que todas
as mudanças e alterações na constituição da sociedade implicam mudanças também
na constituição psíquica do homem. Segundo o autor, esses fenômenos sociais e
psíquicos podem ser descobertos com mais certeza na história da conduta humana
diária.
De acordo com Elias (1993), as transações de uma fase deste processo
civilizador para outra fase não podem ser determinadas com absoluta exatidão.
Entretanto, observa-se que na primeira fase tratada em seu estudo, a fase
medieval, época do florescimento da sociedade feudal e cortês, apresentava-se,
por exemplo, o hábito generalizado de se comer com as mãos. Depois veio uma
fase de mudanças muito rápidas, abrangendo os séculos XVI, XVII e XVIII, na
qual se renovou o padrão de maneiras à mesa. Mais adiante, o dinheiro começou a
se tornar a base das diferenças sociais, e o que as pessoas produziam e/ou
realizavam tornou-se mais importante do que suas maneiras. Além das regras de
etiqueta, muitas peculiaridades, como a forma de assoar, de escarrar, o
comportamento no quarto, as atitudes nas relações entre os sexos, na
agressividade e muitas outras, transformaram-se com o passar do tempo e
transformaram o modo de agir e pensar dos indivíduos.
Uma vez que a sociedade se constrói a partir dos relacionamentos das pessoas,
como explica Elias (1993), surgem questões de valor moral e ético. Por isso se
pode dizer que a Ética está totalmente correlacionada com o processo de
construção social, pois existe a tendência cada vez mais forte das pessoas se
observarem e os demais. Essa tendência vem se acentuando depois da Idade Média,
como um sinal de que o comportamento humano começou a assumir um novo caráter.
O senso do que fazer e não fazer para não ofender e chocar os outros se tornou
mais sutil conforme o controle das emoções, e surgiu uma postura mais pacífica
e gentil no tratamento humano, pois havia a preocupação com o julgamento que os
outros poderiam fazer.
E estas transformações não param. Hoje vivemos em uma sociedade que se
transforma e se renova muito mais rapidamente, através das tecnologias atuais,
do acesso à informação e da formação do conhecimento. Portanto, boas práticas
coletivistas dependem da intensificação discursiva. Pode-se verificar isso,
conforme Bauman (2005), ao se constatar, por exemplo, que o capitalismo
colonial já não sustenta mais a população inadaptada e marginalizada que o
processo civilizador e o capitalismo desenvolveram. Para este autor, o grande
problema do Estado é saber qual destino dar a este contingente humano tratado
como "lixo", isto é, rejeito do sistema. Preocupado com tais questões sociais,
Bauman (2005), no livro intitulado Vidas Desperdiçadas, faz uma abordagem da
relação entre a pluralidade de pessoas e a pessoa singular (indivíduo),
enxergando um novo modelo de como os seres humanos individuais ligam-se uns aos
outros numa sociedade. Assim, destaca o problema da relação entre indivíduo e
sociedade, demonstrando até que ponto cada pessoa é influenciada em seu
desenvolvimento pela posição através da qual ingressa no fluxo do processo
social. Também acentua a relevância do assunto na sociologia, fazendo um
diagnóstico dos indivíduos da sociedade contemporânea que vivem sob um intenso
conflito entre o individualismo e a socialização. Esses indivíduos crescem
dentro de uma rede de pessoas que existia antes deles e se destinam à
construção de novas redes.
Em outra vertente de análise, Bauman (2005), tanto quanto Elias (1993), fala
dos problemas da autoconsciência e da imagem do homem. O autor afirma que o
desejo e o medo inspiram os homens e definem sua própria formação no
relacionamento entre uns e outros. Ele afirma que toda a sociedade humana
consiste em indivíduos distintos, e que todo indivíduo humano só se humaniza ao
aprender a agir, falar e sentir no convívio com os outros, pensando no que os
outros "acham" e, por conseguinte, formando a auto-imagem e a autoconsciência.
Nesse sentido, cada pessoa, ao perceber o "eu" como indivíduo e o "nós" como o
eu mais os outros, constituindo família, grupo e sociedade, traz à tona, outra
vez, as já apontadas questões de Ética. Assim, os homens passaram a saber que
sabem, sendo capazes de pensar sobre seu próprio pensamento ao observar-se
observando. Ainda conforme Bauman (2005), as mudanças na maneira como a
sociedade é compreendida e até na maneira como as diferentes pessoas que formam
esta sociedade entendem a si mesmas, ou seja, a auto-imagem e a composição
social, não ocorrem rapidamente. Tais mudanças necessitam de várias gerações
para se concretizarem, pois a subjetividade humana, apesar de sofrer
transformações cada vez mais rápidas, não se transforma de uma hora para a
outra, em decorrência de seu profundo enraizamento nas pessoas.
A discussão do objeto em estudo está instalada na sociedade e por essa é
construída. Provavelmente, essa discussão estará também evidenciada no discurso
construído e publicado nos periódicos de Ciência da Informação e
Biblioteconomia. Para poder encontrar como ela se dá, necessita-se de uma
metodologia apropriada. Sobre isso se falará a seguir.
3 Metodologia empregada
No desenvolvimento do estudo, o processo metodológico desenrolou-se da seguinte
maneira: a - pesquisa do tipo bibliográfico (quanto ao material utilizado para
obter conteúdos que permitissem a formação do embasamento conceitual); b -
pesquisa de tipo exploratório (quanto aos objetivos pretendidos); c - pesquisa
de tipo documental (quanto à utilização das revistas tomadas como fontes
básicas de coleta dos dados primários necessários ao alcance dos objetivos, ou
corpus do estudo). Portanto, metodologicamente o trabalho envolveu: a
identificação dos periódicos e dos textos publicados sobre a temática; a
leitura e a descrição dos textos; a identificação das temáticas, das
abordagens, dos fundamentos filosóficos e doutrinários e das tendências da
discussão sobre a Ética na produção periódica de Biblioteconomia e Ciência da
Informação, editada no período de 1997 a 2006; a análise dos discursos segundo
a Técnica do Discurso do Sujeito Coletivo, explicitada mais adiante; e a
organização das idéias contidas visando à elaboração de uma síntese.
Para a realização da pesquisa, foram escolhidas as revistas de Biblioteconomia/
Ciência da Informação listadas a seguir, considerando-se que oferecem acesso
eletrônico/digital a seu conteúdo e segundo a região político-administrativa
brasileira em que estão sediadas: Informação & Sociedade: Estudos (UFPB),
do Nordeste; Ciência da Informação (IBICT), do Centro-Oeste; Transinformação
(PUCCAMP), do Sudeste, e Encontros Bibli (UFSC), do Sul. A ausência de
representação da região Norte foi devida à inexistência de periódico de
Biblioteconomia/Ciência da Informação que responda aos critérios estabelecidos.
Para preparar a etapa de pesquisa bibliográfica, efetuou-se o levantamento dos
títulos de livros que continham conteúdo referente às correntes filosóficas da
Ética, conteúdo relevante para a construção de uma síntese histórica de caráter
doutrinário. Desta forma, foram localizados os títulos que compõem as
referências finais deste artigo. Também foi realizada a leitura com o emprego
de um sistema de fichamento das idéias e, posteriormente, foram elaboradas as
fichas (de citação, de resumo de linhas teóricas e de opinião) pertinentes ao
tema do projeto científico. Mais adiante, através dos campos de busca das
revistas eletrônicas, foi possível recuperar os artigos, ensaios e relatórios
de pesquisa que apresentavam os termos escolhidos a priori (Ética, Moral,
Deontologia e Ética Profissional), tendo sido encontrados dez documentos sobre
o assunto. Sete foram publicados na revista Ciência da Informação e os outros
três nas outras revistas, sendo um em cada uma. Esses documentos, a fim de
respeitar o critério de não identificação dos autores na apresentação dos
resultados e em sua interpretação, foram codificados com o uso de letras do
alfabeto.
Na preparação e realização das atividades da etapa de pesquisa documental, cujo
detalhamento está ampliado no próximo tópico deste artigo, foi empregado um
formulário de coleta de dados. Nele, foi feita a anotação de dados de
identificação dos documentos que constituíram o corpus do estudo, considerando-
se: o ISSN da revista, a referência, as palavras-chave e o resumo de cada
texto.
Na realização desta etapa foram utilizadas algumas normas da ABNT - NBR 6023:
2002 (NB 66) Referências; NBR 6028:03 (NB 88) Resumo; NBR 6027:2003 (NB 85)
Sumário; NBR 14724:2005 Trabalhos acadêmicos; NBR 15287:2005 Projeto de
pesquisa; NBR 10520:2002 (NB 896) Citações -, a fim de dar uniformidade aos
dados coletados. Ainda nesta fase da pesquisa, foram anotadas certas
peculiaridades que o Glossário de Biblioteconomia e Ciências Afins (ARRUDA;
CHAGAS, 2002) pôde esclarecer, além de algumas leituras sobre abordagens
metodológicas, tais como a do trabalho de Oliveira (1998), que trata das
metodologias das Ciências Humanas; de Teixeira (2005), sobre as três
metodologias - acadêmica, da ciência e da pesquisa; e de Eco (2004), que aborda
os limites da interpretação; o que auxiliou no processo de desenvolvimento da
pesquisa e na forma de apresentação de seus resultados.
Para a realização do estudo, foi empregado um instrumental que permitiu a
coleta dos dados textuais e o tratamento dos mesmos. A técnica escolhida foi a
do Discurso do Sujeito Coletivo, formulada por Lefèvre e Lefèvre (2005), a qual
vem sendo empregada em outros trabalhos já realizados e em realização no Grupo
de Pesquisa Informação, Tecnologia e Sociedade, do Departamento de Ciência da
Informação da UFSC. Esta técnica consiste na classificação dos dados levantados
em categorias de análise denominadas: Expressão Chave (ECH), Idéia Central (IC)
e Ancoragem (AC). Uma vez identificadas e registradas as ECH, que são
constituídas por trechos de cada texto analisado relevantes para o tema da
pesquisa; e uma vez destacadas as IC, que representam a descrição mais sucinta
e objetiva possível daquilo que trata o documento e que são extraídas a partir
da ECH, passou-se para a identificação e recomposição dos eixos integradores de
um ou mais DSC contido no corpus em estudo. Nessa etapa, considerou-se a
possível ocorrência de idéias centrais semelhantes ou complementares no
conjunto desse corpus. Desta forma, foi possível individualizar dois eixos
discursivos, descrevendo positivamente suas especificidades semânticas, para
poder distingui-los entre si. Assim, enquanto a IC sintetizou o discurso, as
ECH apresentaram o conteúdo e/ou a substância desse discurso, evidenciando dois
Discursos Coletivos existentes nos textos que compuseram o corpus do estudo. As
ICs e as ECHs, tomadas como dispositivos metodológicos, mostram-se adequadas
para levar ao entendimento e à descrição dos sentidos dos discursos, de modo
que a IC identifica, particulariza e especifica o discurso, enquanto as ECH
corporificam tais discursos. Além disso, algumas ECH remetem a uma AC,
tornando-se possível identificar a base teórica, ideológica ou a crença que o
autor do discurso professa por trás do mesmo; isto é, onde o seu discurso está
ancorado. Na elaboração deste artigo, a AC corresponde ao que foi verificado no
corpus examinado em relação à orientação doutrinária da Ética.
Esse instrumental e o processo aqui descrito serviram como auxílio metodológico
em todo o desenvolvimento da parte empírica da pesquisa, desde a coleta dos
dados até sua posterior análise e apresentação dos resultados, objetivados nos
dois Discursos Coletivos encontrados durante a análise do material. Esses
discursos representam a reunião dos dois principais conjuntos de idéias que se
destacaram no processo de análise. Cabe afirmar que o DSC é uma síntese que
agrega todas as idéias apresentadas na conversação ou no conjunto da
documentação tratada, independentemente da freqüência de sua manifestação. A
relevância é dada à emergência da idéia no conjunto de discursos. Naturalmente,
o corpus da pesquisa teve como base a noção de que os discursos localizados nos
textos examinados partiram de uma motivação comum: a veiculação de um tema em
periódico de um campo específico de conhecimento por meio de textos cuja
publicação foi aprovada por uma mesma comunidade científica, que constitui o
corpo editorial permanente ou "ad hoc" desses periódicos. Os dois discursos
coletivos obtidos compõem o teor da seção seguinte. Em um desses discursos,
está evidenciada a explicitação de fundamentos, conceituações ou ações
suportadas por doutrinas éticas, e no outro estão expostas as opiniões dos seus
autores sobre a conduta profissional num contexto social profundamente
penetrado pela tecnologia.
4 Resultados e interpretação
Os textos obtidos nos periódicos foram submetidos a uma primeira leitura. Nessa
leitura fez-se o reconhecimento dos objetivos expressos e implícitos, do tipo
de texto (científico, ensaístico, etc.), da fundamentação teórica predominante,
de sua estrutura e extensão, e dos resultados e/ou conclusões expostos pelo (a)
autor (a). Por último, arrolou-se a literatura empregada como suporte
bibliográfico em cada um, compondo uma lista final da bibliografia evidenciada
nessa produção.
Foi feita uma segunda leitura de cada texto, com o propósito de se extrair as
Expressões-chave (ECH) neles contidas que trouxessem a explicitação de
potencial resposta para os termos de pesquisa adotados neste estudo. Fez-se o
devido registro destas ECH em planilha desenhada e empregada para essa
finalidade. Essa planilha continha duas colunas básicas: a primeira para o
registro das Expressões-chave e a segunda para o registro das Idéias centrais
(IC). Em seguida, foi realizada a leitura das ECH, para nelas identificar e
anotar na coluna dois da planilha já referida os termos identificados como IC.
Concluída a etapa de exploração do texto, foi feito o agrupamento das ECH, a
partir das IC que apresentaram semelhanças temáticas, a fim de se organizarem
os Discursos Coletivos evidenciados no material analisado. Para isso,
trabalhou-se com a idéia de eixos integradores. Foram, então, identificados
dois eixos: a) de explicitação de fundamentos, conceituações ou ações
suportadas por doutrinas éticas; e b) de exposição de opiniões dos autores dos
textos sobre a conduta profissional num contexto social profundamente penetrado
pela tecnologia.
A perspectiva do encontro desses eixos integradores tem o propósito de se
evitar uma dispersão de discursos, o que poderia dificultar uma interpretação
com maior carga de sentido. Esses eixos integradores decorrem de uma escolha do
pesquisador a partir das idéias contidas no material analisado. Nessa
circunstância, o pesquisador está motivado pela tentativa de propor uma
conclusão que reflita uma melhor compreensão do que há de mais expressivo nas
opiniões localizadas nos discursos examinados, como se fosse a produção de um
único autor, um autor coletivo. Os resultados alcançados não são obtidos por
critérios estatísticos. A abordagem feita representa uma busca do significado
que esses eixos integradores, que dão a base para a expressão dos DSC
identificados, têm para os proferentes dos discursos que contêm aquelas idéias
ou representações, quando vistos como fala de um coletivo constituído na
circunstância tomada para análise. Em outros termos, o Discurso do Sujeito
Coletivo reúne a essência do pensamento explicitado no corpus utilizado.
Assim, o esforço de pesquisa caminha no sentido de que não se realize
intervenção sobre os textos examinados. Quando necessário, especialmente em
coleta de entrevistas, os silêncios ou uma súbita mudança na explicitação da
idéia por parte do respondente podem requerer a inclusão de conectivos (para,
e, ou...), a fim de tornar o texto mais fluente, desde que isso não modifique
os pensamentos recolhidos. No caso do estudo em foco, realizado sobre textos já
publicados, não foi necessária a adoção dessa providência. Nos tópicos 4.1 e
4.2 estão apresentados os DSC compostos pelos dois eixos integradores
localizados quando da análise do material coletado.
DSC 1 [fundamentos, conceituações ou ações suportadas por doutrinas éticas]
"A antiga sociedade disciplinar, característica do capitalismo de produção
centrada na exploração do trabalho industrial está sendo substituída por uma
sociedade de controle, que traz à tona um capitalismo de circulação e de
comunicação originado na esteira das mutações tecnológicas da era da
informatização planetária, legitimada pelo discurso neoliberal guiado pelo
mercado. Após ter sido "docilizado" nos processos de industrialização, o corpo
social terá que inventar novos valores, com regras facultativas que permitam
criar no heterogêneo sem a preocupação com identidades definidas de uma vez por
todas, nas instâncias múltiplas da alteridade e da pura diferença. Eis um
caminho para pensar a Ética. A Ética em sua essência é uma meta desejável da
representação de valor, da Moral, da honra, do direito à cidadania, da justiça,
da cultura, da linguagem, do conhecimento, do estágio técnico-científico, do
pensamento e de outros comportamentos e ações individuais e/ou coletivas,
privadas e/ou institucionais. A relevância das considerações sobre Ética e
cidadania está, nos dias atuais, no sentido de se buscar compreender sua
estreita vinculação com o sentido de solidariedade. É preciso, então, conhecer-
se e saber que se sabe, ações que constituem a essência da Ética, que, por sua
função reflexiva, interpreta, perscruta, compara, pondera e integra a razão com
sensibilidade e equilíbrio. Como auto-apropriação, torna-nos aptos às mais
diversas atividades do espírito humano. A experiência humana, assim refletida,
ultrapassa as fronteiras do raciocínio lógico formal para explorar o território
misterioso do sentido da existência e elaborar a história e o mundo como
sistemas em que podemos iniciar nossos próprios processos e empreender nossa
ação, o que acaba por constituir uma mediação para a nossa liberdade. Isso faz
perceber que não é o conhecimento que nos compromete, mas o conhecimento do
conhecimento, entendido como a Ética que permitirá aperfeiçoar o pensamento
reflexivo como instrumento de emancipação humana, até porque é a ignorância
dessa condição que deflagra a maior parte dos problemas do mundo. A Ética é uma
característica inerente a toda ação humana e, por essa razão, é um elemento
vital na produção da realidade social. A Ética está relacionada à opção, ao
desejo de realizar-se na vida e de manter com os outros relações justas e
aceitáveis. A vida Ética consiste na interiorização dos valores, normas e leis
de uma sociedade, condensados na vontade objetiva cultural, por um sujeito
moral que as aceita livre e espontaneamente, através de sua vontade subjetiva
individual; vale dizer, é a aceitação harmoniosa da vontade coletiva de uma
cultura que, com o passar do tempo, se concretiza e se fortalece dentro de uma
sociedade, em especial, no âmbito das profissões. Vista como prática, é no
exercício de uma Ética do Discurso que o direito ao acesso à informação e o
direito de se expressar, bem como o respeito aos Direitos Humanos, aparecem
como imperativos. A Ética do Discurso trata as questões da conduta, ou Moral,
de forma procedimentalista; leva em conta a vida cotidiana em seu fluxo atual,
ela não é uma Ética que pode ficar congelada no tempo (15 anos, por exemplo!);
trabalha sobre critérios ou procedimentos de validação das normas geradas no
cotidiano; leva em conta a igualdade e universalidade discursiva que envolve
todos os afetados, por exemplo, fornecedores de serviços e usuários; leva em
conta a existência de sujeitos plenos de conhecimento e capacidade de decidir
através da ação comunicativa. Pela vertente procedimental constituem-se as
Comissões de Ética. Para isso, algumas condições são necessárias para que elas
possam atuar de modo proveitoso: a) Que sejam estabelecidas regras de
participação ou de funcionamento interno da Comissão; b) Que seja assegurada a
independência da Comissão; c) Que a organização assuma o compromisso expresso
de apoio à Comissão; d) Que se entenda a Comissão, não somente como um órgão
reativo, isto é, que responde a problemas levantados por outros, mas que tenha
papel ativo na proposição de ações e iniciativas; e e) Que a Comissão tenha a
capacidade de fazer valer suas decisões. Destacam-se duas matrizes de discurso
ético na prática bibliotecária. Numa perspectiva, a Prescritiva, o Estado dita
a atuação profissional e controla suas práticas diretamente, que é o caso
brasileiro. Na outra perspectiva, a Procedimental, o Estado concede a prática
para a categoria, que corre todos os riscos do compromisso que assume com a
sociedade; é o que ocorre nos EUA".
DSC 2 [conduta profissional num contexto social profundamente penetrado pela
tecnologia]
"No caso do bibliotecário brasileiro, coloca-se como uma necessidade atual,
mais forte do que em qualquer outro momento, o exame do seu discurso ético.
Isso se dá justamente pelo fato de nesse país se estar vivendo uma forte
mudança dos parâmetros de atuação profissional, seja tanto por razões
econômicas quanto por razões sociais e políticas. Há uma falta de sintonia
entre o discurso ético oficial da categoria bibliotecária brasileira e o seu
discurso corrente sobre as práticas profissionais. Há a necessidade de melhorar
conhecimentos, competências e técnicas em uma proposta que leva ao
desenvolvimento intelectual dos membros do grupo. Há a necessidade da própria
categoria se conhecer melhor e conhecer a sociedade na qual se situa para não
ignorar o outro, para não ignorar a dimensão social do ser humano. No mundo
atual, muitas profissões elaboraram diretrizes éticas, com o objetivo de
orientar aqueles que as exercem. A Biblioteconomia, não constituindo exceção à
regra, procurou garantir à sociedade, por meio da criação de princípios éticos
biblioteconômicos, que as atividades desenvolvidas por seus profissionais não
representem interesses pessoais, mas sim, signifiquem uma efetiva contribuição
à coletividade. A cautela existente é justificada, acima de tudo, pela
necessidade de encontrar soluções que preservem os aspectos legais e éticos
envolvidos principalmente na distribuição de documentos, até que surja uma nova
ótica destes problemas. Nesse contexto, a tecnologia de produção de documentos
digitais desenvolveu-se mais rapidamente do que instrumentos legais para
protegê-la e isso é fato. A tecnologia é um catalisador de mudanças
particularmente importantes e pungentes para as bibliotecas, uma vez que cria
novas necessidades e altera velhos e sólidos paradigmas estabelecidos ao longo
de muitos séculos. A decorrência maior desta transição é que a informação
torna-se cada vez menos ligada ao objeto físico que a contém. As poucas décadas
de tecnologia digital já estão provocando transformações aceleradas. Começa a
despontar um novo ecossistema informacional em que a relação entre autores,
leitores, editores (publicadores), bibliotecas e livrarias torna-se menos
precisa e está em constante transformação. Assim, tanto a conquista de direitos
políticos, civis e sociais, quanto a implementação dos deveres do cidadão
dependem do livre acesso à informação sobre tais direitos e deveres. Existem
direitos e deveres a serem cumpridos pelos cidadãos, pois constitui uma questão
Ética oferecer oportunidade a todos, tais como o livre acesso às informações,
incluindo o direito à inclusão digital. Nesse ambiente, cabe pensar em
políticas de informação e para que se possa pensar em políticas de informação
precisamos compreender para quem vamos defini-la. Importa saber também com qual
intensidade, multiplicidade e pluralidade nós poderemos propor caminhos que
venham a incluir, fortalecer e dar oportunidades aos que se encontram fora das
cadeias de produção, mas que paradoxalmente nada sabem fazer com o tempo livre.
Está aí a ciência da informação, ela representa o núcleo básico das ciências da
vida, considerando-se que ela aborda toda a diversidade dos valores culturais
do homem e da sociedade, uma vez que a moral humana desconhece ficções. Assim,
a Ciência da Informação, além de ter o compromisso com a disseminação e
socialização da informação em cumprimento da lei, tem o valor de um bem
cultural da sociedade e, ainda, entre os seus infinitos atributos, o de
resgatar a diversidade cultural do nosso processo civilizador. Os problemas de
informação não podem ser abordados dentro de apenas uma área da atividade
científica. É necessário o desenvolvimento de abordagens teóricas e
metodológicas que favoreçam a interdisciplinaridade e permitam o relacionamento
da Ciência da Informação com outros campos científicos. A informação, quando
adequadamente assimilada, produz conhecimento, modifica o estoque mental de
saber do indivíduo e traz benefícios para seu desenvolvimento e para o bem-
estar da sociedade em que ele vive".
Uma leitura interpretativa a partir da análise e síntese do corpus utilizado
Embora a abordagem predominante neste estudo não tenha cunho quantitativo,
nesta etapa de interpretação serão feitas menções dessa ordem, apenas com o
sentido de deixar explícito que o DSC não visa encontrar e apresentar textos
que sejam unânimes quanto às idéias neles contidas. No DSC, visa-se identificar
o que foi dado como opinião ou representação de idéias dentro de um dado
contexto de realidade social.
Destaca-se que dois artigos componentes do corpus estudado deixam expressamente
claras as Doutrinas e/ou Correntes Éticas que serviram de fundamentação teórica
para a elaboração dos mesmos. No primeiro, estavam explícitas a Ética do
Discurso, interpretável segundo o modo como a explica HERRERO (2000), e a Ética
da Alteridade, interpretável segundo o modo como a explica PIVATTO (2000). No
outro, a Ética do Discurso. Fica claro, no primeiro artigo, que a proposta de
uma Ética da Alteridade implica a idéia de uma relação responsável, na qual o
outro não é tomado como objeto e em que se extingue a possibilidade de
dominação. Ressalta-se, ainda, que é no exercício de uma Ética do Discurso que
o direito ao acesso à informação e o direito de se expressar, bem como o
respeito aos direitos humanos, aparecem como imperativos para a realização de
uma Ética do Discurso. No segundo artigo, seu autor aborda a Ética do Discurso,
destacando a forma "Procedimentalista" das questões da conduta, ou Moral. Essa
abordagem ajuda na reflexão sobre uma possível reconstrução do discurso ético
do bibliotecário brasileiro, para que este discurso seja mais compatível com o
discurso profissional. Além disso, o segundo texto trata também dos fundamentos
éticos. Conforme o autor, existem fundamentos explicativos para o estudo ou o
reconhecimento da evolução do saber ético, a partir de seis linhas
doutrinárias: o Intelectualismo Moral, o Eudemonismo, o Hedonismo, a Ética
Cristã, o Emotivismo e a Ética formal ou autônoma.
No entanto, é possível identificar algumas ancoragens doutrinárias em outros
dos dez artigos estudados na pesquisa. A própria Ética do Discurso aparece
novamente em outro texto. Nele, é destacada a questão da reflexão e da
liberdade do pensamento, e do direito de formular um discurso, ao defender que
a capacidade humana de leitura não se prende apenas em um raciocínio lógico e
formal, uma vez que ao se ter acesso à informação, pode-se produzir
conhecimento. Defende-se também a idéia da racionalidade discursiva.
Um outro texto revela um embasamento teórico na Corrente da Ética da Alteridade
e da Ética do Discurso. Destaca que a vida Ética consiste na interiorização dos
valores, normas e leis de uma sociedade, através da aceitação harmoniosa da
vontade coletiva de uma cultura que, com o passar do tempo, se concretiza e se
fortalece dentro de uma sociedade, através de um entendimento mútuo, portanto,
do discurso proferido.
Em outro artigo, aparece claramente a Doutrina da Teoria Ético-política da
Justiça, interpretável segundo o modo como a explica FELIPE (2000). O texto
trata da questão da inclusão digital e do modo como esta deve ser analisada,
sendo considerada uma ação que promoverá a conquista da "cidadania digital" e
contribuirá para a inclusão social. Os autores dizem que tanto a conquista de
direitos políticos, civis e sociais, quanto a implementação dos deveres do
cidadão, dependem do livre acesso à informação.
Há, também, dois textos que abrangem a Ética do Discurso e a idéia de garantia
da liberdade e dos direitos do discurso. No primeiro caso, há a defesa de tais
direitos discursivos, independente de seus formatos. Esse artigo trata do
formato virtual. Desta forma, fala-se da Ética na distribuição de documentos,
ao afirmar que a tecnologia de produção de documentos digitais desenvolveu-se
mais rapidamente do que os instrumentos legais para protegê-la. No segundo
texto, são abordados os casos de fraude, plágio e outros tipos de conduta
inadequada no processo de produção e comunicação da ciência, que se repetem com
freqüência crescente nas comunidades científicas.
Em outro artigo, seu autor adentra a Teoria Ético-política da Justiça e alerta
para o fato de que precisamos pensar em políticas de informação para o próximo
século, o XXI, e que precisamos compreender para quem vamos defini-la,
destacando ainda uma ancoragem na Doutrina Ética para a Civilização Tecnológica
- interpretável segundo o modo como a explica GIACOIA (2000) - e na
responsabilidade com a natureza que a sociedade tecnológica destrói.
Um dos artigos aborda um pouco cada uma das várias Doutrinas: a Ética do
Discurso, quando se refere à linguagem; a Ética da Alteridade, no que diz
respeito ao humanismo sem individualismo; a Ética do Utilitarismo,
interpretável segundo o modo como a explica CARVALHO (2000) e o desejo da
felicidade, além da Teoria Ético-política da Justiça, ao destacar o direito à
justiça e à cidadania.
Outro artigo propõe a retomada da "responsabilidade social" como fundamento à
práxis dos cientistas da informação e como "padrão que une" ciência e Ética, no
campo da Ciência da Informação; demonstrando uma fundamentação na Ética da
Alteridade e na Ética do Utilitarismo, que prevê a promoção da felicidade, diz
não à miséria e ao sofrimento e ressalta a busca pelo prazer e pela felicidade
(Hedonismo e/ou Eudemonismo).
No conjunto dos artigos examinados, destacam-se como fundamentos éticos, como
se pode perceber no DSC1, as Doutrinas da Ética do Discurso, da Ética da
Alteridade e da Teoria Ético-política da Justiça, que foram as mais adotadas
pelos autores e que serviram de embasamento teórico na formação das suas
opiniões. Quanto às temáticas e abordagens, e às tendências da discussão Ética
na produção periódica brasileira de Biblioteconomia e Ciência da Informação,
conforme evidenciado no DSC2, é tratada a questão da postura profissional, que
também é determinada pelo quadro atual da sociedade e das novas tecnologias em
desenvolvimento contínuo. Isso diz respeito, inclusive, à postura de tais
profissionais para resolverem problemas decorrentes do avanço tecnológico.
Todas estas temáticas se referem à sociedade e, portanto, aos profissionais da
informação. São questões pertinentes e talvez devam ser inseridas nas
discussões relativas ao processo de formação de tais profissionais. Certamente
uma formação humanista, que insira mais conhecimentos sobre tais problemas,
poderá prover os meios para a realização das reflexões necessárias acerca de
suas responsabilidades e, assim, ajudá-los a desenvolver um trabalho
conscientemente ético, que auxilie no progresso da sociedade.
5 Conclusão
Os resultados da pesquisa, mostrados em parte neste artigo, foram obtidos a
partir da análise de uma temática que, embora reconhecida como relevante, no
Brasil, mantém-se pouco explorada na literatura periódica de Biblioteconomia e
Ciência da Informação. Isso é, de certo modo, contrastante com o fato de que,
no país, na década de 1960, a categoria de profissionais bibliotecários dispôs
em um Código de Ética os critérios de orientação de sua conduta profissional. A
relevância da Ética apenas como instrumento de regulação da conduta
profissional não tem feito com que se trate mais frequentemente desse tema nos
veículos examinados. Foi evidenciada, neste estudo, a ausência de publicação de
textos em alguns dos anos do período considerado, em periódicos que estavam
abertos, nesse período, à aceitação da temática, e que compõem o conjunto de
fontes de difusão reconhecidas pela comunidade acadêmica brasileira da área de
Ciência da Informação e Biblioteconomia.
Quanto às Doutrinas e/ou Correntes da Ética Contemporânea, identificadas nos
dez artigos apreciados, percebe-se que existe preocupação com o tema Ética por
parte de alguns profissionais da informação que escrevem e publicam sobre o
assunto. Foram identificadas, como fundamentos éticos de seus discursos, as
Doutrinas da Ética do Discurso, da Ética da Alteridade e da Teoria Ético-
política da Justiça; como também foram identificadas as temáticas, abordagens e
tendências da discussão Ética. O discurso sobre a Ética expressa a questão da
postura profissional determinada pelo quadro atual da sociedade e pelas
tecnologias em desenvolvimento contínuo. Expõe também o pensamento sobre a
postura dos profissionais para resolverem problemas decorrentes do avanço
tecnológico.
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