Transições da escola para o trabalho no Brasil: persistência da desigualdade e
frustração de expectativas
INTRODUÇÃO
Ao tomar posse em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou, entre
seus planos prioritários de governo, o Programa Nacional de Estímulo ao
Primeiro Emprego - PNPE, voltado para uma parcela da população, os jovens de 16
a 24 anos. O programa partia do diagnóstico de que, nessa faixa etária, os
jovens enfrentavam problemas específicos para entrar no mercado de trabalho, já
que eram responsáveis por 45% dos 7,7 milhões de desempregados do país1. O
objetivo da política era estimular as empresas a oferecer vagas para pessoas
nessa faixa etária.
Embora o programa não seja objeto deste estudo2, sua existência denota a
percepção, pelo Estado, do desemprego juvenil como problema social emergente
passível de (na verdade, demandando) intervenção pública. O Brasil não está
sozinho nessa percepção, muito menos na elaboração de políticas desse tipo3. O
desemprego juvenil tornou-se questão social de grande envergadura em todos os
países do mundo (OECD, 2000). Entre outros fatores, porque, em toda parte, ao
diagnóstico da desocupação dos jovens associam-se outros, múltiplos,
relacionados, por exemplo, com suas conseqüências sociais mais ou menos
duradouras para: os padrões de sociabilidade (com destaque para a violência e
os diversos tipos de delinqüência juvenil); a saúde reprodutiva das
adolescentes; as oportunidades de vida abertas (ou fechadas) aos jovens no
transcurso dessa experiência (o desemprego) que, até há bem pouco tempo, era
pensada como intrinsecamente transitória.
De um ponto de vista sociológico, o desemprego dos jovens é especialmente
interessante por denotar os mecanismos que delimitam, simbólica e praticamente,
os espaços sociais onde se configuram e se negociam as aspirações, os projetos,
as oportunidades de vida e, sobretudo, as identidades sociais das pessoas
(Dubar, 2005). Na verdade, o desemprego é apenas um dos resultados possíveis de
um movimento bem mais amplo que pode ser nomeado de transição da escola para o
trabalho, ao qual se costumam associar, por exemplo, idéias como entrada na
vida adulta, independência financeira e realização de expectativas existenciais
mais profundas - movimento tenso, que mobiliza energias sociais múltiplas e
muitas vezes incontroláveis. Ocorre que a divisão social do trabalho confronta,
no mercado de trabalho, as demandas das empresas e as preferências, aspirações
e qualificações de indivíduos (construídas, no caso dos jovens, sobretudo no
sistema educacional) de uma maneira que não pode ser perfeitamente antecipada
pelos jovens e suas famílias. Isso porque o tempo de construção e de
consolidação da divisão social do trabalho, fruto agregado das decisões
empresariais informadas pela busca de lucro, difere da dinâmica familiar, que
combina o tempo biológico de gestação e de crescimento dos filhos com o tempo
social de construção e de reprodução das instituições, tais como o sistema
educacional4. Não há nenhuma razão para imaginar que o encontro dessas lógicas
distintas produzirá eficiência de mercado ou emprego para todos; tampouco há
razão para imaginar que, mesmo havendo ocupação para todos, as pessoas
encontrarão os empregos que procuram ou aqueles para os quais se qualificaram
no sistema educacional ou vocacional. Dessa perspectiva, a transição da escola
para o trabalho é um daqueles processos que revelam a constituição mais
profunda da sociedade enquanto estrutura de posições e de oportunidades abertas
(ou fechadas) aos indivíduos que a constituem.
O objetivo deste estudo é analisar como as mudanças na estrutura econômica e
nos mercados de trabalho assentaram as bases sobre as quais se edificaram
padrões de transição da escola para o trabalho de jovens de ambos os sexos no
Brasil, traçando um quadro de longo curso a partir do destino de jovens
nascidos de 1948 em diante5. Tomam-se por referência os dados dos censos
demográficos desde 1970 para sustentar a idéia de que, no Brasil, se configurou
um padrão desenvolvimentista de percurso social dos jovens marcado por diminuta
importância da educação na configuração de suas oportunidades iniciais de vida,
ao menos para a maioria deles, e até muito longe no processo de mudança
estrutural por que passou o país desde 1940. Esse padrão pode ser distinguido
de outro, que denominarei padrão fordista de transição, típico dos países do
capitalismo avançado e caracterizado por forte controle, por parte das famílias
e do Estado, dos processos gerais de qualificação para o trabalho, nos quais a
escola teve lugar central, sendo o principal elemento de mobilidade social e de
geração de oportunidades de vida.
Ambos os padrões entraram em crise nos últimos vinte anos. O que caracteriza o
mundo contemporâneo é o fato de o desemprego juvenil retardar as trajetórias
dos jovens, empurrando o emprego para cada vez mais tarde na biografia dos
indivíduos, enfraquecendo com isso a coincidência entre vida adulta e
independência financeira, com esta a responsabilidade pelo provimento de si e
de sua própria família. Com isso, a débâcle do desenvolvimentismo, iniciado na
década de 1990 e ainda em consolidação, não significou o fim da precariedade do
processo de transição da escola para o trabalho. Ao contrário, aumentou, e
muito, as incertezas dos jovens quanto a seu lugar na ordem social. A questão,
pois, não é meramente econômica. No tratamento da transição da escola para o
trabalho, estão em causa os processos mais gerais de construção de identidades
sociais e de delimitação de oportunidades de vida de indivíduos e
coletividades.
O texto está dividido em três seções, além desta introdução. Inicio pela
descrição das mudanças estruturais por que passou a sociedade brasileira entre
1940 e 2000 e seus efeitos sobre os mercados de trabalho. Traço um quadro de
fatos estilizados do processo brasileiro de desenvolvimento, em respaldo ao que
se apresenta na seção seguinte, isto é, a estrutura e a dinâmica do padrão
desenvolvimentista de transição da escola para o trabalho. Com base nos dados
dos censos demográficos de 1970 a 2000, mostro que o padrão de acesso ao
trabalho apresentou grande inércia estrutural, rompida apenas nos anos 1990, em
um duplo movimento: de um lado ocorre o aumento da importância da educação como
mecanismo de inserção ocupacional; de outro, a expansão do sistema educacional
reduz o valor das credenciais educacionais de todos os segmentos. Na conclusão,
retomo o argumento central salientando as diversas faces do rompimento do
padrão desenvolvimentista de transição da escola para o trabalho e suas
conseqüências para as oportunidades de vida dos jovens no país.
MUDANÇA ESTRUTURAL
Entre 1940 e 1980, o Brasil viveu um processo de profunda mudança estrutural,
fruto de um padrão de crescimento econômico que se convencionou denominar
desenvolvimentista6. Dirigido e financiado pelo Estado em associação com
capitais nacionais e estrangeiros, em conjunto com o fechamento do mercado
interno à competição externa, aquele padrão transformou o país eminentemente
agrário do início do período na oitava economia do mundo, com um Produto
Interno Bruto - PIB de 1,3 trilhão de reais em 1980 (em valores de 2006; ver
Tabela_17) - evolução impressionante. O salto de 1940 a 1950 foi de 77%; de
1950 a 1960, 104%; na década seguinte, 82%; e, por fim, entre 1970 e 1980, de
129%. O PIB de 1980, pois, era quinze vezes maior do que o de 1940, um
crescimento vertiginoso que não teve equivalente no mundo ocidental8. O
crescimento da riqueza foi muito superior ao populacional, e com isso o PIB per
capita foi multiplicado por cinco em quarenta anos, o que quer dizer que, em
média, a renda nacional por habitante dobrou a cada dez anos.
Nos anos 1980, esse padrão de crescimento foi "ferido de morte". O país não
deixou de crescer, mas a taxa de expansão foi pequena em comparação com o
crescimento populacional, o que ocasionou, de um lado, a queda da renda per
capita, que só retornaria aos patamares de 1980 perto do ano 2000; de outro
lado, um aumento expressivo da concentração de renda9.
O aumento da riqueza até 1980 foi fruto de uma mudança sem precedentes na
estrutura produtiva do país. Em 1950, ainda que o comércio e os serviços,
atividades urbanas por excelência, já respondessem por 50% do PIB, a
agropecuária era a segunda maior responsável pela renda total, um pouco à
frente da indústria (aqui englobando indústrias extrativas, de transformação e
de construção civil; ver Tabela_2). Em 1980, a indústria já produzia 44% da
riqueza total contra 11% da agricultura e 44,5% dos serviços. Esse quadro de
crescimento contínuo da riqueza industrial indicava que, em pouco tempo, o PIB
do que então se denominava "setor dinâmico da economia" superaria o de todos os
outros setores. A estagnação da década de 1980 impediu esse resultado, e a
indústria viu sua participação na riqueza cair bastante nos anos seguintes,
retornando, em 2000, a patamares semelhantes aos de 1950. Nesse sentido, o
Brasil passou por dois grandes processos de mudança estrutural no período.
Primeiro, até 1980, teve-se a perda de centralidade da agricultura como "carro-
chefe da economia" e sua substituição pelas atividades tipicamente urbanas, em
especial a indústria. A partir de 1980, e muito profundamente nos anos 1990,
foi a indústria que perdeu a centralidade que vinha adquirindo pelo processo
anterior. Essa perda decorreu não apenas do crescimento maior dos serviços, mas
sobretudo da desindustrialização que se seguiu à abertura comercial associada
ao câmbio valorizado (a "âncora cambial" do Plano Real), que expôs os
produtores nacionais, antes protegidos pelo fechamento da economia típico do
desenvolvimentismo, à competição externa. Em conseqüência, o valor real da
produção industrial em 2000 era 6% menor do que aquele de 198010.
Acompanhando a mudança de eixo do motor da acumulação, a população migrou
intensamente para as cidades no período. Em 1940, aproximadamente dois terços
dos brasileiros viviam no campo, e o restante, nas cidades. Quarenta anos
depois, a equação se inverte, com dois terços vivendo nas cidades11. O processo
seguiu seu curso, aprofundando-se nas décadas seguintes, até atingir mais de
80% de população urbana em 2000.
Nos anos 1960 e 1970, foi grande o debate acadêmico acerca do caráter da
industrialização latino-americana de modo geral e da brasileira em particular.
Celso Furtado foi um dos primeiros a chamar a atenção para a natureza
subordinada do crescimento capitalista na periferia do sistema global. Ao dar
substância analítica e conceitual ao subdesenvolvimento, Furtado sugeriu que o
capitalismo periférico jamais seria inteiramente inclusivo, porque não geraria
seu próprio progresso técnico, estando condenado a importar tecnologia que, no
Brasil, teria a função de poupadora de mão-de-obra. Como a tecnologia importada
teria como efeito aumentar sobremaneira a produtividade do trabalho, o produto
industrial cresceria muito mais do que o emprego, resultando em crescente
concentração de renda12. Com isso, o mercado interno cresceria muito menos do
que o produto, limitando as possibilidades de expansão do sistema. Mais ainda,
os países periféricos jamais atingiriam o padrão de desenvolvimento dos países
centrais, uma vez que os desníveis de produtividade tenderiam a aumentar em
virtude de a industrialização por substituição de importações apoiar-se em
mercados pequenos13.
Nesse sentido, embora a indústria tenha ganhado prevalência na acumulação
capitalista brasileira durante o desenvolvimentismo, o emprego no setor foi, em
termos proporcionais, sempre inferior à riqueza produzida. Em 1980, quando era
responsável por 44% do PIB, o setor industrial empregava apenas 25% dos
brasileiros (35% do emprego urbano total). Com isso, a razão entre participação
no PIB e no emprego foi sempre muito alta no caso da indústria se comparada às
outras atividades urbanas em seu conjunto (aqui agrupadas na categoria
serviços), algo que só se rompeu, uma vez mais, na década de 1990 (ver as duas
últimas linhas da Tabela_3).
Urbanização, nesse sentido, nunca foi sinônimo de industrialização do emprego,
nem mesmo no auge do desenvolvimentismo14. Acorreram para as cidades levas
crescentes de migrantes do campo, sem que o setor que gerava as melhores
ocupações (no âmbito privado) fosse capaz de absorvê-las. Nesse quadro, o
crescimento econômico produziu riqueza crescente (o PIB multiplicou-se por
quinze e a renda per capita por cinco, até 1980, como já visto neste artigo),
mas o fez de forma altamente concentrada. Com isso a pobreza reduziu-se muito
lentamente. Em 1970, a proporção de pobres no país era de 68,4% da população.
Nas metrópoles, a taxa era de 53,2% e de 65,3% no Brasil urbano
extrametropolitano. Esses valores caíram bastante ao longo dos anos 1970, fruto
do enorme crescimento econômico e industrial da década, de tal modo que, em
1980, os pobres eram 33% dos habitantes das cidades menores e 27% dos
habitantes das metrópoles. Esse patamar, porém, se revelaria uma barreira, já
que nos anos seguintes a proporção se manteria inalterada ou aumentaria,
conforme as conjunturas (Rocha, 2003:83). Além disso, os números permaneceram
portentosos. No início da década de 1980, 50 milhões de brasileiros viviam em
domicílios pobres (isto é, com renda per capita inferior à linha de pobreza),
subindo para 59 milhões em 1983, no ápice da recessão que assolou o país no
início dessa década. Em 1999, eles ainda eram 56 milhões15.
Por outro lado, ainda que a pobreza tenha caído na década de 1970, a renda do
trabalho urbano permaneceu muito baixa no Brasil ao longo de todo o período
descrito aqui. O salário mínimo real médio, que por décadas só teve vigência
para trabalhadores urbanos do setor formal da economia, caiu constantemente até
1952, chegando a valer menos de R$150 (em valores de junho de 2007). Nos anos
seguintes (coincidentes com o segundo governo Vargas e com as gestões de
Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart), esse valor oscilou entre
R$400 e R$600, para retornar ao patamar médio entre R$300 e R$330 até perto do
final da década de 1980. Nos anos 1990, o valor real do mínimo voltou a cair,
retomando o crescimento a partir de 1995 (cf. Gráfico_1; a linha contínua
representa a média móvel de doze meses). Importante salientar que o salário
mínimo era e é arbitrado pelo Estado, sendo a principal política de renda no
país até muito recentemente16.
Ademais, a renda real da população urbana não mudou muito entre 1960 e 1980.
Considerando os ocupados em atividades não-agrícolas no Brasil, 52,4% ganhavam
um salário mínimo ou menos em setembro de 1960, data de referência do Censo
Demográfico. Nesse mesmo mês, o salário mínimo era de R$389, a preços de junho
de 2007. Até dois salários (R$778), tínhamos 75,7% dos ocupados urbanos. Em
1970, esses valores sofreram mudança, mas na direção contrária ao esperado de
um processo de urbanização que representasse melhoria de vida para a maioria
dos migrantes. Os que ganhavam até um e até dois salários mínimos eram 50,7% e
73,9%, respectivamente, praticamente a mesma proporção de dez anos antes17.
Ocorre, porém, que esses dados escondem uma perda real de 22% no valor do
salário mínimo, que valia R$303 na data do Censo de 1970. Isto é, 74% da
população empregada ganhava R$606 ou menos. A primeira trintena do processo de
urbanização significou perda de renda para os trabalhadores urbanos.
Esse panorama mudaria na década seguinte, quando a proporção que ganhava um
salário mínimo ou menos caiu substancialmente para 24,7% dos trabalhadores
urbanos. Contudo, até dois salários mínimos (ou perto de R$620, a preços de
2007) tínhamos 56,2% da população empregada nas cidades. Até três mínimos
(aproximadamente R$930), 71%. Ou seja, a renda máxima de 71% dos trabalhadores
do país em 1980 era apenas 21% maior do que a de 75,7% dos ocupados de 196018.
Houve melhoria, mas ela foi muito pequena e não se sustentou na chamada "década
perdida". Em 1990, mais de 72% dos ocupados nas cidades ganhavam o equivalente
a R$890 por mês ou menos, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios - PNAD19. Ainda em 2000, os mesmos 72% da população urbana ganhavam
menos de R$900 por mês20. A baixa renda irmanou ocupados rurais e citadinos ao
longo da história de mudança estrutural do país, e isso até muito recentemente.
Em conseqüência, isto é, considerando-se que o salário médio real da população
ocupada se manteve em patamares rasteiros, a mobilidade social medida em termos
da renda foi bastante limitada21. Tome-se a trajetória dos migrantes em 1976.
Se ordenarmos as ocupações dos empregados nesse ano em termos da renda média de
cada ocupação, e definirmos como ocupações de baixa renda aquelas com
remuneração média igual ou inferior a 60% da renda média de todas as
ocupações22, e compararmos com a ocupação anterior do migrante (isto é, a
ocupação que ele ou ela possuía antes de migrar), temos que 61% dos homens e
87% das mulheres que migraram e encontraram outro emprego o fizeram de uma
ocupação mal remunerada para outra. Verdade que 39% dos homens melhoraram sua
posição, mas uma proporção significativa desses últimos migrou para ocupações
muito próximas da fronteira de baixa renda.
Por outro lado, considerando-se o ano de 1982 e comparando-se a renda da
ocupação do filho que era chefe de família com a renda da ocupação de seu pai,
tem-se que, para 54% dos pais que tinham ocupações de baixa renda quando seus
filhos tinham 15 anos, estes também estavam empregados em ocupações desse tipo
no momento da pesquisa da PNAD23. Uma vez mais, dos 46% que haviam melhorado de
posição, perto de um quarto estava em ocupações fronteiriças à linha definidora
de baixa renda. Os dados para 1996, quando nova rodada da PNAD mediu a
mobilidade social, eram muito semelhantes24.
Assim, é verdade que a urbanização significou melhoria de vida para uma parte
significativa da população que abandonou o campo em fuga da pobreza, das
mudanças tecnológicas, das secas ou dos movimentos de concentração fundiária.
Contudo, a combinação de políticas salariais restritivas, que mantiveram o
salário mínimo abaixo das necessidades básicas da população, com oferta
abundante de mão-de-obra despossuída e pouco qualificada trazida às cidades
pela intensa migração interna, contribuiu para depreciar a renda do trabalho.
Em conseqüência, a população vinda do campo estabeleceu-se nas cidades em
patamares muito baixos de renda, processo cuja linha ascendente iniciada nos
anos 1970 foi interrompida na década de 1980 em razão da crise geral que afetou
a economia brasileira.
No processo de mudança estrutural em discussão, a educação sempre foi um limite
à melhoria das condições de vida da maioria da população. É claro que houve
intensa mobilidade educacional ascendente de uma geração para outra, maior a
cada nova coorte de nascimento. Em 1982, quando a PNAD colheu dados que
permitiam comparar a escolaridade do chefe da família pesquisada com a de seus
pais, descobriu-se que metade dos filhos tinham atingido nível escolar superior
ao dos pais. Aproximadamente um terço estava no mesmo nível educacional, e 19%
tinham menos escolaridade. Esses valores eram melhores quanto mais jovens eram
os chefes, isto é, quanto mais se aprofundou o processo de urbanização, maior
foi a mobilidade escolar ascendente (cf. Tabela_5). Para os filhos de pais que
tiveram ocupação no campo, a taxa era ainda maior - 58% melhoraram sua
escolaridade. Em 1996, a mobilidade escolar ascendente foi real para 57% dos
chefes de família, e de 67% para os que tinham idade entre 26 e 35 anos. Entre
os chefes de 1996 com pais de origem rural, a mobilidade ascendente foi de 62%.
Se houve mobilidade educacional ascendente, ela ocorreu a partir de um patamar
muito baixo de escolaridade geral. Além disso, uma grande parte dos membros das
primeiras gerações de migrantes transferiu à maioria de seus filhos padrões
educacionais apenas levemente descolados dos de origem. Por exemplo, em 1982,
53% dos pais analfabetos tinham "transferido" seu analfabetismo aos filhos. Em
1996, a taxa era de 37%. Para os pais apenas alfabetizados em 1982, 77% tiveram
filhos que atingiram até quatro anos de escolaridade, e 66% dos que não
chegaram a completar o ensino elementar (correspondente a cinco anos de
escolaridade em 1970) tampouco permitiram que seus filhos ultrapassassem essa
barreira. Em 1996, as taxas eram 70% e 59%, respectivamente. Portanto, houve
ascensão, mas muito lenta e acompanhada de substancial permanência entre uma
geração e outra, o que contribuiu para manter sempre baixa a escolaridade
global.
Entre os ocupados, isso era ainda mais flagrante. Em 1970, nada menos do que
dois terços da População Economicamente Ativa - PEA tinham até três anos de
escolaridade. No campo, essa proporção era de 90% contra 52% dos trabalhadores
industriais e 60% daqueles na prestação de serviços25. Se considerarmos aqueles
com até cinco anos de escolaridade, tínhamos 99%, 84% e 91% dos ocupados,
respectivamente (75% nas atividades urbanas em seu conjunto). Em 1980, esse
quadro mudara, mas a escolarização da PEA permanecia muito baixa. Entre os
trabalhadores industriais, tomando-se apenas a indústria de transformação, 60%
tinham até quatro anos de estudo (equivalente ao primário naquele ano). Na
construção civil, a taxa era de 81%; nos serviços, 68%; no comércio, 51%. Nas
atividades urbanas, 57% dos trabalhadores tinham até quatro anos de estudo, e
12,5% eram analfabetos (no campo, 52% da população empregada era analfabeta em
1980)26. Durante o desenvolvimentismo, houve melhoria da escolaridade da PEA,
mas ela permaneceu em patamares médios iguais ou inferiores a quatro anos de
estudo.
Isso quer dizer que o processo de inclusão escolar da população foi muito
lento. Em um primeiro momento, a migração do campo para a cidade não resultou
em mobilidade educacional de monta, o que significa dizer que a mobilidade
social não parece ter encontrado na educação seu principal motor. A mudança
mais profunda, na verdade, referiu-se à drástica redução do analfabetismo entre
os trabalhadores urbanos, em comparação com os trabalhadores rurais. Apenas no
raiar da década de 1980, a mudança de patamar seria anunciada, com o início do
rompimento da barreira dos quatro anos de escolaridade para a maioria dos
trabalhadores urbanos - processo ainda em curso. Em 2001, portanto,
transcorridos mais vinte anos, 29% dos trabalhadores urbanos tinham quatro anos
ou menos de estudo e 36% tinham onze anos ou mais27.
O painel traçado aqui, portanto, é de grandes mudanças estruturais na economia,
acompanhado de apreciável inércia social no que diz respeito aos padrões de
acesso à renda, inclusive sua distribuição desigual28. Em paralelo, o padrão de
inclusão escolar dos que migraram do campo para a cidade, incluindo seus
filhos, também foi muito lento. A análise sugere que a inércia decorreu do fato
de o desenvolvimentismo ter gerado riqueza, mas de forma concentradora de
renda, aumentando as desigualdades sociais de uma maneira geral e mantendo
sempre muito altos os patamares de pobreza.
É contra esse pano de fundo que se desenrolaram as transições da escola para o
trabalho dos jovens brasileiros ao longo das décadas. Os censos demográficos de
1970 e os subseqüentes permitem captar os percursos desses jovens, e é a isso
que me proponho em seguida. Analiso as coortes de nascidos entre 1948-1960,
1958-1970, 1969-1981 e 1978-1990, tentando desenhar, nos movimentos de saída da
escola e de entrada no mercado de trabalho, o que chamei de padrão
desenvolvimentista de transição escola-trabalho.
Modelos de Transição
Iniciei este estudo chamando a atenção para uma política pública de governo que
elegeu o desemprego juvenil como problemático. Mais do que simples estatística,
o desemprego expressa a crescente dificuldade de inserção profissional dos
jovens de todas as classes sociais, resultante de mudanças profundas na
configuração dos mercados de trabalho, por sua vez produto dos múltiplos
efeitos da revolução por que passou a divisão internacional do trabalho no
mundo globalizado. Na verdade, a identificação do desemprego juvenil como
problema social a ser combatido é devedora de uma concepção de trajetória de
vida típica do capitalismo organizado, ou do Estado de Bem-Estar Social,
segundo a qual a entrada na fase adulta estava associada à obtenção de um
emprego, em uma seqüência de eventos que conectava, de forma mais ou menos
estruturada, nascimento→socialização em família→entrada na escola→
entrada no mercado de trabalho, essa última coincidindo, no mais das vezes, com
a constituição, pelo jovem, de sua própria família29. Nesse modelo, o acesso a
um emprego era decorrência natural do investimento das famílias na formação de
seus filhos, em um mundo em que a relativa previsibilidade da estrutura
ocupacional (Pinçon, 1987; Castel, 1998) permitia um planejamento mais ou menos
bem informado, pelas famílias, das carreiras de seus membros30. Mais ainda, no
capitalismo ocidental, esse planejamento encontrou respaldo no pleno emprego
como política estatal deliberada, o Estado de Bem-Estar Social emergindo também
como guardião das trajetórias estruturadas de vida, nas quais a transição da
escola para o trabalho se dava de forma bastante regulada e protegida31. Com
base nisso, parece plausível sustentar a idéia de que, ao menos nos trinta anos
posteriores à Segunda Guerra, se consolidou, nos países centrais do
capitalismo, um padrão fordista de trajetória de vida32, no qual a transição da
escola para o trabalho era o principal marcador de entrada na vida adulta.
É claro que os arranjos institucionais que condicionaram essa transição
variaram significativamente de um país para outro (Rosenbaum e Kariya, 1989;
Kerckhoff, 1990; Müller e Gangl, 2003). No Japão, por exemplo, eram (e em
grande medida ainda são) fortes as ligações institucionais entre empresas,
escolas e universidades. O sistema educacional recomendava estudantes a
empregadores específicos, com os quais mantinham estreitas relações
institucionais e econômicas, de tal modo que o desempenho educacional tinha
impacto decisivo sobre as chances de carreira dos jovens. Tratava-se de caso
extremo de regime de transição escola-trabalho altamente regulado e pouco
competitivo, que teve na Alemanha um exemplo semelhante, mas bem menos fechado.
O sistema alemão mesclava (e ainda mescla) educação geral com treinamento no
ensino médio, desenvolvendo habilidades específicas para determinadas
ocupações, ou seja, o treinamento se dava institucionalmente por meio do ensino
vocacional (técnico) baseado na escola ou em programas de aprendizagem nos
próprios locais de trabalho, regulados pelo Estado33. Os Estados Unidos, ao
contrário, sempre foram um caso típico de sistema aberto, no qual as chances no
mercado de trabalho se definem por mecanismos competitivos, ainda que
hierarquias do sistema educacional (universidades mais bem qualificadas do que
outras, por exemplo) tendam a se transferir para as chances de mercado das
pessoas34. A França é um caso semelhante, combinando regulamentação extensa das
profissões com formação relativamente aberta, em um sistema educacional
altamente hierarquizado em termos de qualidade e barreiras à entrada (Bourdieu
e Passeron, 1974; Müller e Gangl, 2003).
Essa variabilidade entre países decorre de que tanto o desenho institucional
quanto o padrão de relações entre os sistemas nacionais de treinamento e
educação, de um lado, e a dinâmica do mercado de trabalho, de outro, resultaram
de múltiplas interações entre interesses diversos no decorrer de longos
períodos de tempo, de tal modo que a estrutura das instituições educacionais,
os percursos escolares dos alunos, os currículos, as injunções regulatórias
impostas pelo Estado, as regras de funcionamento do mercado de trabalho, o
papel de organizações coletivas (como sindicatos e organizações profissionais),
tudo isso variou intensamente, afetando de forma diversa o percurso educacional
e as chances de carreira das pessoas nos diferentes contextos nacionais (Müller
e Shavit, 1998:3).
No Brasil, esse padrão fordista de transição da escola para o trabalho não
chegou a se configurar plenamente. Em primeiro lugar, porque as taxas de evasão
escolar sempre foram muito altas. Durante o desenvolvimentismo, a educação
formal nunca foi o principal mecanismo de qualificação para o trabalho, que se
deu, tipicamente, nos próprios locais de trabalho ou em instituições como
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - Senai e Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial - Senac, que tiveram papel importante na qualificação
profissional para o emprego na indústria ou no comércio, por fora do sistema
educacional oficial. É verdade que o ensino técnico profissionalizante chegou a
ter "um peso não desprezível no nível médio de ensino. No final da década de
1960, aproximadamente um terço das matrículas e conclusões de curso ocorria no
ensino técnico" (Hasenbalg e Silva, 2003:149). Contudo, como ilustra o Gráfico
2, na idade-padrão de conclusão do ensino médio (18 anos), metade dos jovens
citadinos já havia deixado a escola, a maioria deles para trabalhar (embora não
fosse desprezível a taxa dos que deixavam a escola para não fazer nada, isto é,
nem trabalhar nem estudar). Se as matrículas no ensino médio ocorriam em
proporção não-desprezível, no ensino técnico, a proporção de jovens
matriculados era bastante baixa. No campo, a taxa de evasão era ainda maior,
com quase 80% dos jovens fora da escola aos 17 anos de idade. Isto é, os jovens
começavam a trabalhar muito cedo. No Gráfico_2, podemos ver que 43% daqueles do
sexo masculino que viviam nas cidades e tinham 17 anos de idade já estavam
trabalhando em 1970 (parte deles trabalhava e estudava), taxa que se elevava a
52% entre os jovens homens de 18 anos. Entre os habitantes do mundo rural, as
proporções eram de 80% e 85%, respectivamente.
Em segundo lugar, apesar do abandono precoce da escola por proporção
significativa dos jovens do sexo masculino, a transição para o trabalho não se
dava sem percalços. Ainda que o destino mais provável daqueles que deixavam a
escola fosse o mercado de trabalho, este não era o único destino possível.
Cerca de 10% dos jovens citadinos de 10 anos estavam fora da escola em 1970, e
destes, 90% não estavam no mercado de trabalho. Entre os jovens de 15 anos, um
terço dos 40% que não estudavam tampouco estava no mercado de trabalho. No
campo, as proporções eram bem menores em termos relativos, mas a taxa de
crianças de 10 anos fora da escola e não trabalhando era de 27% (ou 55% dos que
tinham deixado a escola). Entre os de 15 anos, 11% não estudavam nem
trabalhavam.
Em outras palavras, de modo geral, a relação entre escola e trabalho era
intensamente chiástica e simétrica, cada destino sendo excludente em relação ao
outro, na maior parte das vezes, e ambos respondendo por cerca de 80% das
probabilidades globais dos jovens de 10 a 22 anos em 1970 (cf. Gráfico_3). No
entanto, uma parcela não-desprezível, embora cadente quanto mais velhos os
jovens, não participava de nenhum dos dois mundos, principais estruturadores de
identidades sociais juvenis no período.
Em terceiro lugar, e talvez o mais importante, ainda que os jovens já tivessem
majoritariamente ingressado no mercado de trabalho com cerca de 22 anos de
idade (83% na cidade e 94% no campo, em 1970), essa inserção não se deu em
condições tipicamente fordistas de trabalho. O assalariamento urbano nunca foi
universal no Brasil35. Em 1940, 36,4% dos ocupados em atividades não-agrícolas
eram trabalhadores por conta própria (Prandi, 1978:63). Esse valor
ultrapassaria facilmente os 60% se incluíssemos os ocupados no campo, então o
local de emprego e moradia da maioria da população brasileira. Em 1970, os
trabalhadores por conta própria eram 20% dos ocupados nas cidades (ibidem).
Somem-se a isso os assalariados sem carteira (para os quais não há dados antes
de 1976), e teremos pelo menos metade da população total empregada em ocupações
não reguladas pela institucionalidade que ordenava (e ainda ordena) o mercado
de trabalho no país, ou seja, a Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT. Junto
à população jovem a taxa de não-regulação era sem dúvida superior a isso, como
veremos mais adiante.
Por fim, esses processos apresentavam grande inércia estrutural. Os censos de
1970 (captando a trajetória de jovens de 10 a 22 anos nascidos entre 1948 e
1960), de 1980 (nascidos entre 1958 e 1970) e de 1991 (nascidos entre 1969 e
1981) registraram poucas mudanças no movimento geral, com leve aumento da
proporção de jovens estudando e trabalhando a cada decênio, e com redução da
proporção daqueles que não estavam nem na força de trabalho nem na escola. Em
1991, 89% dos jovens urbanos de 10 anos de idade estudavam; mesma proporção
encontrada em 1970. No entanto, em todos os casos, 17 anos configuravam uma
fronteira etária que, cruzada, lançava fora da escola pelo menos metade dos
jovens urbanos brasileiros do sexo masculino. Para os jovens rurais, a
fronteira da expulsão da maioria eram os 13 anos (cf. Gráficos_2, 4 e 5). Isso
só mudaria ao longo dos anos 1990.
Em outras palavras, a intensa urbanização descrita anteriormente, que trouxe
para as cidades a maioria da população brasileira, só produziria efeitos
sensíveis sobre a dinâmica da transição da escola para o trabalho dos jovens
vinte anos depois, como pode ser visto no Gráfico_6. Em termos muito gerais,
essa mudança resultou no rompimento da simetria chiástica da relação entre os
dois destinos típicos. Sair da escola deixou de significar arrumar um emprego.
Primeiro porque, para a proporção crescente dos jovens, emprego e trabalho
deixaram de ser alternativas excludentes. Uma proporção cada vez maior deles
passou a estudar e trabalhar, e isso tanto no campo quanto na cidade (20% dos
jovens de 16 anos na cidade; 30% no campo; 22% e 24% dos de 18 anos), o que
contribuiu para que retardassem a saída da escola. Quase 88% dos jovens urbanos
de 15 anos permaneciam na escola em 2000 (75% no campo) contra 68% (e 28%) em
1980. Em segundo lugar, porque o desemprego, que atingiu 10% dos jovens de 18
anos em 2000, ganhou relevância como destino provável dos egressos do sistema
escolar. Esse fato inaugura um novo cenário na transição, que já não pode ser
chamada "da escola para o trabalho". Agora, os jovens transitam da escola para
a força de trabalho, não necessariamente empregada, ou para a inatividade pura
e simples. De fato, dos jovens urbanos de 17 anos que haviam deixado a escola
para ingressar na força de trabalho (26% do total), metade estava desempregada
ou fora da PEA36. Entre os de 16 anos, 55% estavam nessa condição, taxa que
chegou a 65% entre os de 15 anos. Ou seja, quanto mais cedo o jovem urbano
deixou a escola em 2000, maior foi a probabilidade de que seu destino fosse o
desemprego ou a inatividade. Em 1980, esses valores eram 21,8%, 27,5% e 35,3%,
respectivamente.
Em suma, os censos de 1970 e de 1980 captaram a trajetória ascendente do
período de industrialização por substituição de importações que, do ponto de
vista que nos interessa, resultou em mudança estrutural na composição do
mercado de trabalho, antes majoritariamente marcado por ocupações agrárias,
para uma configuração em que passaram a predominar ocupações dos setores
terciários urbanos, com a indústria e a construção civil aparecendo como
empregadores minoritários, embora relevantes. Na verdade, ainda que, nesse
período, a indústria tenha assumido a dianteira na geração da riqueza, como já
visto, o Brasil nunca chegou a ser uma sociedade industrial em termos de
emprego37, tampouco, como sugerido, uma "sociedade salarial", no sentido de que
a maioria de sua população tivesse encontrado emprego assalariado regulado pelo
Estado. Bem ao contrário, o emprego gerado nos anos de pico do
desenvolvimentismo era de má qualidade, isto é, além de regulado apenas nos
setores dinâmicos, marcava-se por alta rotatividade, baixos salários, baixa
escolaridade e baixa qualificação.
Esse mercado de trabalho incorporou, de forma também não estruturada, a maioria
dos jovens egressos do sistema escolar. Entre 1970 e 1991, pelo menos 90% dos
jovens homens de 22 anos (no campo e na cidade) já trabalhavam. No entanto,
segundo a PNAD de 1976, 34% deles estavam em empregos sem carteira assinada ou
ocupados como auxiliares de família sem remuneração, e apenas 50% eram
assalariados com carteira. Entre os jovens de 14 a 17 anos, aquela primeira
proporção era de, nada menos, 72% dos ocupados38 (menos de 22% eram empregados
com carteira). Ou seja, até 1991, os jovens entravam muito mais cedo no mercado
de trabalho e o faziam em ocupações precárias ou não remuneradas. Esse quadro
se agravou nos anos 1990, quando o desemprego foi incorporado ao ambiente de
precariedade estrutural, agora em função da reestruturação econômica. A taxa de
ocupação dos jovens urbanos de 22 anos que haviam deixado a escola em 2000 não
passava de 77%. Para os de 18 anos, esse valor era de 59%, segundo os dados do
Censo Demográfico39.
Isso quer dizer que o transcurso da escola para o trabalho no Brasil sempre foi
inseguro e precário para a maioria dos jovens; insegurança e precariedade
aprofundadas nos anos 1990. Em razão da reestruturação econômica desatada pelo
programa de ajuste econômico, iniciado em 1994, combinada com a expansão
escolar, que reduziu o valor das credenciais educacionais, os jovens passaram a
ver suas perspectivas de carreira postergadas para fases mais avançadas do
curso de vida40. A idéia mesma de uma "carreira para a vida" tornou-se sem
sentido no mundo do trabalho flexível, no qual habilidades se tornam
rapidamente obsoletas e a capacidade de os trabalhadores se reciclarem e se
adaptarem a novas tarefas torna-se ativo cada vez mais valorizado. A esse
propósito, Camarano et alii (2001:34) concluem sobre o final dos anos 1990:
O mercado de trabalho encontrado pelos jovens de hoje é muito
diferente do mercado encontrado pelos seus pais. Os contratos de
trabalho são piores, expandiram-se os contratos temporários e a
informalidade aumentou. De forma geral, os jovens de hoje recebem
salários mais baixos e estão mais desprotegidos, não contando com o
acesso aos benefícios de uma rede de proteção social - como, por
exemplo, os benefícios previdenciários, de saúde e seguro-desemprego.
Por outro lado, observam-se crescentes obstáculos para a obtenção do
primeiro emprego.
A década de 1990, aparentemente, caracterizou-se pelo rompimento do padrão
desenvolvimentista de transição para o trabalho. Antes de aprofundar esse
ponto, é preciso fazer uma ressalva importante.
Uma Contrapartida: Trajetórias de Mulheres
O padrão fordista de transição da escola para o trabalho descrito antes, com o
Estado de Bem-Estar Social secundando as opções de indivíduos e famílias no
curso de suas vidas, baseou-se, tipicamente, nas trajetórias masculinas nos
países centrais. Ele não descreve adequadamente as trajetórias de vida, estudo
e trabalho das mulheres jovens naqueles países. Em primeiro lugar, porque, a
partir dos anos 1950, as mulheres passaram a permanecer na escola por mais
tempo, igualando-se aos homens e em seguida ultrapassando-os tanto em termos do
tempo de permanência quanto do desempenho escolar (Shavit e Blossfeld, 1993).
Esse padrão representou uma mudança importante em relação ao cenário anterior à
Segunda Guerra, quando as mulheres permaneciam por bem menos tempo na escola do
que os homens, sobretudo porque participavam pouco do mercado de trabalho, e a
educação como aspecto da qualificação para trabalhar não fazia o mesmo sentido
para as mulheres e para os homens. Em segundo lugar, porque, apesar da mudança
em relação ao início do século, o destino típico das mulheres, uma vez
abandonada ou terminada a escola (e ao menos até o início dos anos 1970 na
maioria dos países do capitalismo avançado), ainda era a inatividade. Proporção
não-desprezível deixava os estudos para constituir família, e das que não o
faziam boa parte permanecia na casa dos pais à espera desse desfecho padrão41.
O Brasil não foi diferente nesse pormenor. Em 1970, embora as mulheres fossem
metade da população, eram apenas 21% da PEA (18% em 196042). A taxa de
atividade das jovens de 22 anos era de 28,5% em 1970, e 64% delas não estudavam
nem trabalhavam. No entanto, como mostra o conjunto de gráficos a seguir, ao
contrário do que se passou nos países mais ricos a partir dos anos 1950, a taxa
de participação na escola por parte das mulheres foi quase sempre menor quando
comparada à dos homens, se somarmos a proporção que estava apenas na escola e a
que estava estudando e trabalhando. Isso só mudaria durante os anos 1990, de
tal modo que, em 2000, ao menos para quem tinha até 17 anos de idade, a taxa de
freqüência escolar delas superava a deles, se bem que muito ligeiramente43.
Contudo, para as mulheres, a inércia estrutural geral foi bem menor do que para
os membros do sexo oposto, tal como ocorreu nos países centrais. Ainda que seja
lento o processo de aumento da participação escolar feminina44, a proporção das
que não trabalhavam nem estudavam caiu bastante a cada década. Tomando-se, por
exemplo, as mulheres de 22 anos em 1970, 64% não trabalhavam nem estudavam,
taxa que caíra para 55% em 1980, 47% em 1991, até atingir 30% em 2000. Por fim,
também para as mulheres, a principal mudança nos anos 1990 foi a emergência do
desemprego como fenômeno importante, destino de cerca de 20% das jovens de 18
anos ou mais em 2000. A inatividade já não era o destino modal, competindo
intensamente com a escola, o emprego e o desemprego. Entre empregadas e
desempregadas, tínhamos 61% das mulheres na força de trabalho em 2000.
Ou seja, até 1991, a maioria das mulheres, diferentemente dos homens, não
migravam da escola para o trabalho nem para a força de trabalho; migravam
sobretudo para a inatividade. Esse destino migratório era a contrapartida
feminina da migração em forma chiástica dos homens, que deixavam a escola para
empregar-se de forma precária e insegura. As mudanças estruturais profundas dos
anos 1990 mexeram bastante nesse quadro, com as mulheres permanecendo por mais
tempo na escola; entre as que a haviam deixado, uma proporção maior passou a
pressionar o mercado de trabalho, com isso reduzindo a taxa de inatividade em
comparação com as décadas anteriores, mas aumentando proporcionalmente a taxa
de desemprego, sobretudo entre aquelas com 17 e 18 anos. Nesse quadro, boa
parte das mudanças na estrutura do mercado de trabalho nos anos 1990 deve ser
creditada à entrada maciça das mulheres jovens como demandantes de emprego (cf.
Gráfico_7).
Esses dados permitem avançar no argumento em construção aqui. Em uma situação
de pobreza ou de renda muito baixa, em que entre 70% e 75% da população
empregada ganhava R$900 ou menos, a escola não era encarada como condição para
a inserção no mercado de trabalho, ainda que os mais escolarizados conseguissem
as melhores posições (como será visto). As ocupações, em sua maioria, não eram
de qualidade, e qualificar-se não devia parecer racional a pessoas vivendo em
famílias de renda per capita muito baixa e que careciam, por isso mesmo, do
aporte de cada um para a composição do orçamento doméstico. A contrapartida
eram as jovens, que permaneciam ainda menos na escola, porque seu destino não
era o mercado de trabalho, mas sim a vida doméstica, seja como filhas, seja
como esposas precoces45. Homens e mulheres deixavam a escola em momentos
semelhantes do curso de vida para compor trajetórias pessoais que combinavam
emprego precário dos homens com subordinação das mulheres ao trabalho doméstico
em condições de pobreza ou de renda muito baixa.
Com isso, pode-se dizer que o desenvolvimentismo, que marcou a trajetória
ascendente da economia brasileira entre 1950 e 1980, e a estagnou pelos anos
seguintes, até pelo menos o fim da década de 1990, produziu um padrão de
percurso da escola para o trabalho, por parte dos jovens, altamente
desestruturado, no sentido de que a educação formal não representou o principal
mecanismo de qualificação para o trabalho. De um lado (da demanda), o mercado
de trabalho urbano em constituição não oferecia, majoritariamente, posições que
exigissem qualificação formal daqueles que nele aportavam ano a ano em busca de
meios de vida. O emprego urbano típico no país era de baixa qualidade: mal
remunerado, instável, em grande medida sem proteção da legislação trabalhista e
exigindo pouca ou nenhuma qualificação formal; e isso igualmente para os jovens
e os mais velhos46. A interrupção da trajetória ascendente de crescimento
econômico nos anos 1980 perpetuou esse quadro para além do que se poderia
esperar, sobretudo porque a melhoria gradual (embora lenta) da qualificação
formal de homens e mulheres não foi recompensada com melhoria na renda total. A
maioria da população ganhava, em 1991 (e também em 2000), aproximadamente o
mesmo que em 1970. Urbanização foi sinônimo de mobilidade social, mas também de
desigualdade e pobreza (Brant e Singer, 1976; Costa Ribeiro, 2007).
De outro lado (da oferta), boa parte das famílias não investia na qualificação
de seus membros mais jovens, em parte porque o mercado de trabalho não
recompensaria esses investimentos, e em parte porque a educação formal,
dispendiosa e, competindo com o mercado de trabalho pelo tempo disponível dos
filhos, demorou a ser valorizada em si mesma como aspecto central da cidadania.
A origem rural das famílias, marca estrutural do país por quase todo o período,
teve papel relevante aqui47. O trabalho no campo exigia níveis mínimos de
escolaridade, o saber ocupacional sendo transferido de forma prática de uma
geração a outra pelos progenitores, os membros mais velhos das famílias, os
capatazes das fazendas etc. A escola como formadora para o trabalho era
desnecessária ou acessória.
Esse quadro geral não dá conta de todo o movimento de mudança, obviamente. O
Brasil é (e sempre foi) profundamente desigual. Qualquer construção de padrões
típicos deixa nas sombras parcelas significativas da população. Por isso, o
desenho deve ser matizado. Ainda que, já no ano 2000, uma proporção
significativa dos trabalhadores urbanos trouxesse a marca da herança rural,
própria ou de seus pais, uma parte era oriunda das próprias cidades e possuía
trajetórias urbanas desde muitas gerações. Essas pessoas ocuparam as melhores
posições e compuseram a elite superior do mercado de trabalho, transferindo a
seus filhos, via herança e/ou investimento em educação formal, os capitais
simbólico, social e econômico acumulados. Para que se tenha uma idéia da
capacidade de esses segmentos transferirem aos filhos seus capitais, em 1982,
77% dos pais com ensino superior tinham filhos cursando ou concluindo a
faculdade. Entre os pais com colegial completo, essa proporção era de 67%. Na
outra ponta, apenas 26% dos pais com primário completo tinham conseguido levar
os filhos à faculdade48. Para os dois primeiros estratos (de pais mais
escolarizados), a transição da escola para o trabalho tinha sentido diverso do
que para a maioria da população: a ocupação era uma decorrência mais ou menos
natural do investimento das famílias na qualificação de seus membros. Todo um
conjunto de profissões, algumas mais outras menos reguladas pelo Estado,
compunha esse estrato ocupacional acessível apenas a uma parcela diminuta da
população, em parte porque era pequena a oferta de educação superior, em parte
porque era pequeno o número de famílias que podiam investir nessa direção.
Outra parte dos migrantes ou filhos de migrantes também teve sucesso no mercado
de trabalho, embora em menor medida e não necessariamente decorrente da
educação formal. As histórias de sucesso individual pelo auto-empreendimento
podem não ter sido majoritárias, mas não foram negligenciáveis. Apenas, para
essas pessoas, falar em transição da escola para o trabalho nem sempre fazia
sentido. Foi sempre muito alta a proporção de empregadores com nenhuma ou quase
nenhuma escolaridade formal; e uma parcela não-desprezível dos filhos de
migrantes ascendeu pela escolarização (26% dos pais com primário completo com
filhos na faculdade em 1982, por exemplo).
Pode-se tornar ainda mais complexa essa caracterização, com matizes no interior
desses grandes grupos, incluindo, por exemplo, distinções regionais e mesmo no
interior para cada região do país, além de distinções raciais. No entanto, o
dito é suficiente para embasar o que denominei aqui padrão desenvolvimentista
de transição da escola para o trabalho, caracterizado, além do que se disse nos
parágrafos anteriores, por profunda desigualdade nas oportunidades de acesso à
escola e, configurado o acesso a esta, nas oportunidades de transição para o
trabalho. Desigualdade, ademais, transferida de uma geração a outra até muito
recentemente, em um processo que apresentou grande inércia estrutural. Esse
padrão foi rompido nos anos 1990, em razão das profundas mudanças estruturais
por que passou a economia brasileira que, entre outros fatores, fizeram crescer
o desemprego, aumentando a competição dos jovens pelas ocupações existentes e
dificultando sua primeira inserção profissional.
O Rompimento do Padrão Desenvolvimentista de Inserção Ocupacional
É preciso insistir que as mudanças recentes na estrutura econômica afetaram as
chances de entrada no mercado dos jovens, mas não pioraram a sempre precária
configuração do mercado de trabalho brasileiro, característica marcante do
desenvolvimentismo. A perda de qualidade das ocupações nos anos 1990, detectada
por Sabóia (1999), ocorreu sobretudo nas regiões metropolitanas. Quando olhamos
o Brasil, o quadro, uma vez mais, é de grande inércia estrutural. Um dos
principais indicadores disso, como já mencionado, foi a relativa estagnação da
renda entre 1970 e 2000. Dois outros, igualmente relevantes, merecem destaque:
o tempo de emprego das pessoas e a taxa de informalidade das ocupações.
Começando por essa última, a Tabela_6não deixa dúvidas sobre a estabilidade, em
trinta anos, dos tipos de emprego disponíveis no mercado de trabalho
nacional49. Entre 1976 e 2005, vemos apenas um ligeiro aumento dos assalariados
(com e sem carteira) e um aumento maior dos empregadores, ambos tendo roubado
posições dos trabalhadores por conta própria e dos não remunerados. Os
empregadores, contudo, saíram de uma posição muito baixa, e seu crescimento
constante e substancial no período os trouxe a uma participação ainda assim
pequena no emprego total (4,4% em 2005). Na verdade, o quadro geral é de
pequena deterioração, nos anos 1990, das posições existentes em 1986, com
aumento do trabalho por conta própria e não remunerado e redução do
assalariamento com carteira. A deterioração, segundo esse primeiro indicador,
fora contida em 2005, mas a maioria das posições ocupacionais permanecia muito
precária: 55% delas eram por conta própria, assalariadas sem carteira ou não
remuneradas, praticamente a mesma proporção de trinta anos antes.
O segundo elemento de relevo é o tempo de emprego na ocupação atual. Não tomo
essa medida como indicador de boa qualidade da ocupação. Primeiro, porque é
possível argumentar que, no mundo contemporâneo, a permanência no mesmo emprego
já não é um valor, pois típico da relação salarial fordista51. No pós-fordismo,
ou no mundo da acumulação flexível (Harvey, 1992), em que impera a ideologia do
trabalhador como "empresário de si mesmo" (Boltanski e Chiapello, 2002), a
idéia do emprego para a vida toda, ou como um bem, cativo do trabalhador, já
não faria sentido. Em segundo lugar, em mercados de trabalho estruturalmente
precários, como foi visto aqui, a permanência no emprego, para a maioria das
pessoas, pode significar a manutenção de condições precárias de trabalho e de
vida. Longas permanências significariam, portanto, fechamento do mercado à
possibilidade de mobilidade social.
Por outro lado, supondo-se, de forma bastante realista, que os trabalhadores
preferem estar ocupados a desempregados, em um ambiente em que o seguro-
desemprego exclui quem não tem emprego formal e, além disso, tem duração menor
do que o tempo de desemprego de boa parte das pessoas52; e supondo-se que a
probabilidade de permanecer ocupado é maior do que a de conseguir uma ocupação,
situação que é diretamente proporcional à taxa de desemprego global; então
(isto é, se o desemprego é alto o bastante para pôr em risco as chances de uma
recolocação), os trabalhadores preferirão permanecer na ocupação em que estão.
Dá-se o mesmo no caso de o mercado de trabalho oferecer poucas oportunidades de
melhoria de posição para uma proporção muito grande de trabalhadores com a
mesma qualificação. Ou seja, em mercados de trabalho muito competitivos, seja
por causa do desemprego, seja em razão de excedentes de população com
qualificação semelhante, os trabalhadores tenderão a valorizar a permanência no
emprego atual. Logo, dependendo de que ponto se observe o mundo do trabalho, o
tempo de emprego pode indicar tanto boa quanto má qualidade das ocupações. É
por isso que ele será tratado aqui como aspecto da estrutura mesma do mercado
de trabalho, que oferece tais ou quais perspectivas de carreira para as
pessoas.
Tal como o anterior, esse indicador também apresenta inércia considerável,
embora não existam dados sobre isso nas PNADs anteriores a 199253. Como pode
ser visto na Tabela_7, em média, entre 1992 e 2005, cerca de 54% das pessoas de
25 anos ou mais ocupadas estavam no mesmo emprego havia cinco anos ou mais54.
Analisando essa questão, fica claro que houve leve deterioração das posições
mais precárias, em razão do aumento de pouco mais de 7% no tempo de permanência
nos empregos por conta própria, sem carteira e não remunerados (supondo-se,
obviamente, que esses ocupados prefeririam estar em uma ocupação registrada, a
permanência expressando má qualidade do emprego). Isto é, as posições mais mal
situadas no mercado tornaram-se um pouco mais estáveis para seus ocupantes, mas
a uma taxa que não permite que se fale em tendência geral de aumento da
precariedade no mercado de trabalho.
Considerados esses três indicadores de qualidade de emprego (renda, taxa de
formalidade e tempo de emprego dos ocupados), tudo indica que as mudanças no
mercado de trabalho, com deslocamento do emprego industrial em favor dos
serviços urbanos, não afetou diretamente, em âmbito nacional, a estrutural
precariedade das ocupações, que, desse ponto de vista, marca o
desenvolvimentismo desde sempre. O que mudou foi a quantidade de empregos
disponíveis nacionalmente, a qual, crescendo a taxas menores do que o
crescimento da PEA, resultou em aumento do desemprego global e dos jovens em
particular.
Com isso, posso provisionalmente definir o rompimento do padrão
desenvolvimentista de transição da escola para o trabalho como tendo se
caracterizado por três vetores principais: 1) o adiamento da entrada dos jovens
no mercado de trabalho; 2) o desemprego no início das trajetórias de vida; 3) o
conseqüente aumento da competição pelas posições de mercado. Ou seja, a escola
adquiriu cada vez maior centralidade nas chances de inserção dos jovens, mas
essas chances se tornaram muito mais restritas e de acesso mais lento, em
comparação com os jovens de gerações anteriores55.
Entre a escola e o trabalho - inserção de classe
Isso não é tudo. Se o acesso ao mercado de trabalho piorou em razão do
desemprego, em um ambiente de relativa permanência da má qualidade estrutural
das ocupações, é preciso avaliar qual é o impacto disso sobre as oportunidades
de inserção dos jovens na estrutura social. O aumento do desemprego e da
competição pelas posições influiu nas chances de classificação social dos
jovens? Seja qual for a resposta, há diferenças segundo o sexo e a
escolaridade? Em outras palavras, que preço as mudanças recentes cobraram dos
jovens em termos de oportunidades de vida? Para responder a essas perguntas,
analiso, em seguida, as trajetórias de jovens nascidos em 1970, 1975 e 1980 que
haviam deixado a escola, acompanhando-os dos 18 aos 25 anos de idade, segundo
sua situação de classe. Distingo, nesse último caso, as trajetórias de pessoas
que abandonaram cedo os estudos (com oito anos de escolaridade ou menos) e as
que completaram onze anos ou mais, segundo a classe social de destino. Utilizo,
nesta análise, os dados da PNAD de 1981 a 2005, a partir dos quais construí
coortes fictícias (ou hipotéticas) de nascidos naqueles anos de referência56.
O Gráfico_8 apresenta as transições de homens jovens que tinham até oito anos
de escolaridade (seqüência de gráficos na coluna da direita) e mais de onze
anos (seqüência na coluna da esquerda), e que, ademais, já haviam deixado a
escola. Os gráficos são apresentados segundo a classe social de destino dos
nascidos naqueles anos de referência com idades entre 18 e 25 anos57.
Comparando-se os homens com mais estudo e aqueles com menos estudo, a primeira
característica que salta aos olhos é a enorme diferença de destinos de classe
segundo a educação. Ao deixar a escola, os mais escolarizados vão compor,
majoritariamente, as classes médias e, em menor proporção, as classes
superiores urbanas, enquanto os menos escolarizados vão constituir as classes
baixas, rurais ou urbanas, aqui incluído o serviço doméstico. Proporção não-
desprezível dos menos escolarizados destina-se ao trabalho industrial, caminho
trilhado por estrato bem menor dos mais escolarizados. Desse ponto de vista, a
escolaridade se apresenta, como já demonstrou a literatura pertinente58, como
importante fator condicionante dos destinos de classe.
O segundo aspecto saliente é o fato de as probabilidades de percurso de ambos
os grupos educacionais mudarem para os nascidos a cada cinco anos - a mudança é
intensa para os mais escolarizados e muito lenta para seus congêneres de menor
educação formal. No caso dos primeiros, há um aumento gradativo das
probabilidades de percurso em direção às classes baixas (incluindo-se o
operariado industrial) e, em contrapartida, redução das chances de acesso às
posições superiores na estrutura social. No caso dos nascidos em 1980, é
visível a dificuldade de os recém-chegados ao mercado de trabalho atingirem as
mesmas posições superiores de seus congêneres de 1975 ou de 1970. Aos 20 anos
de idade, por exemplo, apenas um terço dos primeiros estava nas classes médias
urbanas ou superiores. Entre os nascidos em 1970, eles eram 60%; para a coorte
de 1975, 46%. Do mesmo modo, dos nascidos em 1970, a proporção que compôs as
classes superiores e médias urbanas, que era de 43% quando os jovens tinham 18
anos, subiu para 61%, considerando a idade de 25 anos. Apenas 14% estavam nas
classes baixas urbanas e rurais. Entre os nascidos em 1980, o quadro mudara de
maneira substancial. De um lado, porque a participação das classes superiores e
médias urbanas na probabilidade dos jovens não mudou ao longo da vida,
permanecendo em 34% até os 25; portanto, bem abaixo das chances dos nascidos
dez anos antes. De outro lado, a presença de pessoas mais escolarizadas nas
classes baixas urbanas deu um salto substancial, de 14% para a idade de 25
anos, considerando os nascidos em 1970, para 31% dos nascidos em 1980.
Analisando mais detalhadamente essa coorte em particular (homens nascidos em
1980), fica evidente a maior dificuldade em encontrar seu primeiro emprego. Aos
18 anos (portanto, em 1998, quando a taxa de desemprego, segundo a mesma PNAD,
era de 9%), 23% dos homens estavam desempregados. À medida que o tempo passava
e esses jovens iam se engajando no mercado de trabalho, seu destino mais
provável eram o operariado industrial e as classes baixas urbanas. De tal modo
que, aos 25 anos de idade, nada menos do que 54% dos jovens mais escolarizados
estavam nas classes baixas (inclusive rurais, emprego doméstico e operariado
industrial). Dos nascidos em 1970, esses destinos congregavam, no final do
período, apenas 31% daqueles com escolaridade igual ou maior do que onze anos
de estudo (38% para os nascidos em 1975). Houve, portanto, uma deterioração das
condições de acesso às melhores posições de classe por parte dos mais
escolarizados.
É preciso destacar que esses percursos de classe estão fortemente condicionados
por aqueles que, tendo completado o colegial, nunca chegaram a cursar o ensino
superior. Se desconsiderarmos esses últimos, o quadro muda bastante. Dos
graduados nascidos em 1980, por exemplo, 80% estavam nas classes superiores ou
médias urbanas aos 25 anos. Dos nascidos em 1970, essa proporção era de 78%59.
Logo, o que parece estar ocorrendo é o fechamento gradativo das posições
superiores da hierarquia social aos não-portadores de diploma universitário,
combinado com o aumento da proporção de titulados na população total60, que
parece estar aumentando a competição por aquelas posições.
Um terceiro aspecto que chama a atenção é a persistência relativa da
participação dos jovens com até oito anos de estudo que eram membros das
classes baixas rurais. É verdade que, no caso da coorte de 1970, ocorre queda
acentuada nessa participação à medida que os jovens envelhecem, ao passo que
aumenta a proporção de membros das classes baixas urbanas e do operariado
industrial. Trata-se, como parece claro, do resultado mais evidente do processo
permanente de urbanização que, trazendo do campo jovens reiteradamente pouco
escolarizados, os destinou às classes menos favorecidas. Como já mencionado, os
migrantes do campo melhoraram sua posição de classe ao chegar às cidades, mas
se alocaram em posições inferiores na hierarquia ocupacional urbana. Esse
movimento foi bem menos intenso para os nascidos em 1975, e praticamente deixou
de ocorrer para os nascidos em 1980. Nesse caso, os menos escolarizados do
campo permaneceram ali à medida que envelheceram. Discuto mais longamente esse
movimento na conclusão.
O quarto ponto a se salientar no caso dos jovens do sexo masculino é que as
posições superiores na hierarquia social foram sendo gradativamente fechadas
aos menos escolarizados. Entre os nascidos em 1970 e 1975, 14% e 11%,
respectivamente, compunham as classes médias urbanas e as classes superiores.
Já para a coorte de 1980, essas posições eram o destino de apenas 8% deles.
Por fim, cabe marcar que as probabilidades de classe encontradas aos 25 anos,
sobretudo para os menos escolarizados, eram um preditor bastante adequado de
suas probabilidades futuras. No caso dos nascidos em 1975, por exemplo, que
puderam ser rastreados na PNAD até a idade de 30 anos (em 2005), a diferença
entre as probabilidades de classe nessa idade e as encontradas quando tinham 25
anos era de apenas 7% para aqueles com até oito anos de escolaridade61. Para os
nascidos em 1970, a diferença era de 9% (comparando as probabilidades aos 25 e
aos 30 anos). No caso dos mais escolarizados, os valores eram bem mais altos,
de 25% e 21%, respectivamente. Ou seja, as probabilidades de destino dos jovens
de ambos os estratos eram bastante claras aos 25 anos de idade, mas as dos
menos escolarizados eram mais fechadas do que as de seus congêneres com mais
anos de estudo. Isso quer dizer que as oportunidades de mobilidade social no
curso de vida eram também menores para os primeiros, com exceção, obviamente,
daqueles que ainda viviam (ou trabalhavam) no campo.
A grande proporção de homens desempregados ou fora da PEA na coorte de 1980
sugere que a estrutura de classe descrita até aqui ainda estaria em movimento,
sobretudo no caso dos mais escolarizados. Isto é, os nascidos em 1980
permaneceram mais tempo na escola, ingressando mais tarde no mercado de
trabalho e vivendo períodos por vezes longos de desemprego entre ocupações, o
que tornaria suas trajetórias menos previsíveis no médio prazo. Uma maneira de
mensurar essa possível imprevisibilidade é avaliar quão próxima a estrutura de
classe desses jovens está da estrutura de classe global dos homens com mais
escolaridade. Isso porque essa última pode ser tomada como a estrutura de
probabilidades de destino de qualquer pessoa, jovem ou não, ou, o que dá no
mesmo, como o conjunto de posições existentes no mercado de trabalho em um
momento dado do tempo (no caso, 2005). Se a estrutura de classe dos jovens e da
PEA total for muito distinta, devemos esperar a continuidade da mobilidade
social e a eventual mudança na estrutura de classe da coorte de 1980. Do
contrário, estaremos diante, já aos 25 anos, do máximo que essas pessoas
conseguiriam mesmo se tivessem nascido mais cedo.
No caso dos homens, então, a disparidade média entre as posições de classe da
PEA mais escolarizada e as dos jovens na mesma condição era de 27%, se
desconsiderarmos os que estavam fora da PEA em ambas as distribuições62. Os
jovens estavam sobre-representados principalmente nas classes baixas urbanas
(32% contra 22% da PEA com onze anos de escolaridade ou mais) e sub-
representados nas classes superiores (6% contra 12% na PEA). Considerando-se os
jovens com até oito anos de estudo, a diferença entre sua estrutura de classe e
a de todos os ocupados com a mesma escolaridade era de apenas 12%. É importante
marcar que, no caso dos mais escolarizados, a disparidade era puxada pela
sobre-representação dos jovens nas classes baixas urbanas e no serviço
doméstico e pela sub-representação nas classes superiores. Entre os menos
escolarizados, o desemprego juvenil e a menor participação nas classes médias e
superiores urbanas eram responsáveis pela maior dissimilaridade de destino.
Isso quer dizer, em suma, que provavelmente os jovens mais escolarizados de 25
anos em 2005 conseguissem melhorar um pouco sua posição de classe nos anos
seguintes, uma parte deles deixando as classes baixas em direção às classes
médias e superiores. Isso teria como efeito mudar aproximadamente 30% (no caso
dos homens mais escolarizados) a estrutura de posições encontrada quando eles
tinham 25 anos63. Para os demais jovens, a mudança média não ultrapassaria os
20%, e a saída do desemprego responderia por boa parte da mudança total em
todos os casos.
Desse modo, a melhoria nas condições de escolarização da população jovem em
idade ativa, desvendada pela análise dos dados dos censos demográficos entre
1970 e 2000, parece ter resultado em pelo menos dois processos correlatos. Em
primeiro lugar, o aumento da concorrência no topo da hierarquia de posições
sociais, fruto tanto do crescimento do número de diplomados quanto do
crescimento lento das posições superiores, restringiu, ano a ano, as chances de
acesso dos homens menos escolarizados. As classes superiores passaram a ser
destino quase exclusivo dos portadores de diploma universitário. Em segundo
lugar, a reestruturação econômica dos anos 1990 restringiu as possibilidades em
geral de acesso dos jovens ao emprego - restrição maior para os mais
escolarizados. É provável que, diante da deterioração das condições do mercado
de trabalho, com o aumento impressionante da participação relativa das posições
inferiores, os mais escolarizados tenham recusado empregos incompatíveis com
sua qualificação. Isso pressionou as taxas de desemprego até determinado
momento de sua trajetória de vida (em torno dos 20 anos), quando então trocaram
o desemprego por ocupações na base da pirâmide social, isto é, as classes
baixas urbanas, aqui incluído o emprego doméstico, antes destino de baixíssima
probabilidade para aqueles com onze anos de estudo ou mais.
No âmbito das mudanças de mais largo curso, no caso dos jovens com oito anos de
estudo ou menos, a expansão escolar nas cidades ao longo dos anos 1990 parece
explicar parte do aparente paradoxo da perda de participação da agricultura no
emprego total e seu aumento entre os menos escolarizados, quando comparamos os
homens nascidos em 1980 e nos qüinqüênios anteriores. Isto é, há mais jovens de
menor escolaridade nas classes baixas rurais entre os nascidos em 1980 não
porque tenha aumentado a proporção de trabalhadores rurais na população, mas
porque havia menos pessoas com oito anos ou menos de estudo nas cidades, o que
fez aumentar a proporção relativa de trabalhadores rurais na distribuição. Não
se trata, portanto, da interrupção do processo de saída do campo para radicar-
se nas posições inferiores da hierarquia social urbana, embora tenha havido
importante redução do ritmo do êxodo rural: em 1999, 23% da PEA era agrícola,
contra 20,3% em 2005, conforme a mesma PNAD. Finalmente, para os homens menos
escolarizados, o desemprego não representou o mesmo flagelo que no caso de seus
congêneres de maior escolaridade, talvez porque lhes fosse mais difícil adiar a
entrada no mercado de trabalho, o que os estaria encaminhando para as classes
sociais mais baixas.
CONCLUSÃO
O padrão desenvolvimentista de transição da escola para o trabalho que se
tentou reconstituir aqui recobre curto período histórico, no qual
transformações profundas ocorreram em ritmo acelerado, mudando constantemente
os parâmetros estruturais que orientaram as decisões de indivíduos e famílias
sobre suas vidas e carreiras. Contudo, não obstante o ritmo e a profundidade
das mudanças, as escolhas das gerações de brasileiros nascidos entre 1948 e
1990 resultaram, no agregado, em dinâmicas sociais dotadas de apreciável
inércia. O conjunto populacional urbano estava sempre recebendo novas (e
grandes) levas de migrantes, com isso repondo constantemente a "herança do
passado" representada pela baixa (ou nula) escolaridade dos trabalhadores do
campo. Esses migrantes, conquanto vendo melhorar sua posição de classe pelo
simples fato de deixarem para trás a pobreza rural, encontraram mercados
precários de trabalho nas cidades, com padrões de regulação pública, qualidade
de emprego e remuneração muito aquém do que seria de se esperar de uma
sociedade que viu seu PIB ser multiplicado por quinze em quarenta anos. O
desenvolvimentismo produziu empregos precários, desprotegidos, inseguros e mal
remunerados, algo que se aprofundou com sua débâcle ainda nos anos 1980.
Esse quadro geral esconde importantes nuances, obviamente, já que o Brasil é
estruturalmente desigual, em múltiplas dimensões. Oferta e demanda de força de
trabalho pouco qualificada convergiram em uma infinidade de setores econômicos,
como a construção civil, a indústria tradicional, o comércio varejista e os
serviços pessoais, de reparação e outros, que ocuparam, historicamente, o maior
contingente populacional urbano. No Brasil, os baixíssimos níveis de
escolaridade da grande maioria dos trabalhadores encontraram condições de
demanda compatíveis, e a baixa escolaridade não configurou obstáculo à inserção
ocupacional. Isto é, para a maioria dos brasileiros, a escola não se mostrou
importante para as chances de emprego nos anos 1960 e 1970, e também na década
de 1980, tanto no campo quanto na cidade. A escolaridade, nesse sentido, não
hierarquizou as chances de inserção social senão de uma fatia minoritária dos
trabalhadores, aqueles que, já nas cidades há uma ou duas gerações, não
abandonaram a escola na adolescência.
Se a escola não foi determinante para o destino ocupacional da maioria dos
brasileiros durante o desenvolvimentismo, por outro lado, ela encaminhava os
jovens mais escolarizados para as posições superiores da estrutura social. As
posições médias e superiores apresentavam barreiras à entrada, exigindo
escolaridade quase sempre inacessível para os trabalhadores pobres urbanos e
seus filhos64. Isso contribuiu para que os padrões de escolarização dos jovens
mudassem muito lentamente, em comparação com seus pais, mesmo sendo a educação
genericamente valorizada como aspecto essencial do desenvolvimento (Gouveia,
1989).
A expansão do sistema educacional nos anos 1980 e, sobretudo, 199065,
combinada, nessa última década, com reestruturação econômica e produtiva
desindustrializante, mudou bastante esse quadro. Assistiu-se ao aumento das
exigências de escolaridade para as posições superiores, com a conseqüente
deterioração das probabilidades de classe dos mais escolarizados em comparação
tanto com as coortes mais antigas de nascimento quanto com os próprios pais.
Isto é, um homem de 25 anos com onze anos ou mais de escolaridade em 1970
estaria, com grande probabilidade, nas classes médias ou superiores urbanas.
Seu filho de 25 anos, em 2000, com a mesma escolaridade, tinha chances não-
desprezíveis de figurar entre as classes baixas e mesmo entre o operariado
industrial. Uma proporção importante estaria desempregada.
Dizendo de outro modo: no desenvolvimentismo, a escolarização era elemento
importante dos projetos de carreira de indivíduos e famílias, conquanto
inacessível para os mais pobres (maioria da população) e para os migrantes do
campo. O acesso desigual às posições superiores do sistema educacional garantia
aos que o logravam, indivíduos e famílias, as melhores posições na estrutura de
classe. Isso começou a mudar já no início dos anos 1980, como bem identificou
Reginaldo Prandi em livro pioneiro (1982) que mensurou a perda de valor das
credenciais educacionais conseguidas no ensino superior. Transitar da escola
para as melhores posições no mercado de trabalho deixou de ser uma operação
automática para esses indivíduos, e esse processo se aprofundou nos anos 1990 e
2000.
Isso não se deveu, é importante salientar, a uma piora das posições existentes
no mercado de trabalho com o fim do desenvolvimentismo. O que houve foi um
grande aumento do desemprego juvenil, em especial entre os mais escolarizados,
além do crescimento da taxa de participação das mulheres. Ambos aumentaram
sobremaneira a competição pelas posições superiores, que por sua vez não
cresceram na mesma proporção do crescimento das credenciais educacionais das
pessoas, com isso levando a que estas, mesmo muito escolarizadas, passassem a
ocupar posições inferiores às que ocupariam se tivessem nascido dez ou vinte
anos antes.
A deterioração das condições de classe foi grande também para os menos
escolarizados. É verdade que eles continuaram lutando pela sobrevivência nas
ocupações precárias de sempre, mas a diminuição das chances de emprego
industrial encaminhou mais trabalhadores para as classes baixas urbanas (em que
impera a informalidade), para o desemprego e a inatividade. Chegou a 14% a
proporção de jovens homens nascidos em 1980 que estavam sem emprego e fora da
escola aos 18 anos de idade. Somando-se os desempregados, tínhamos um quarto
dos jovens menos escolarizados sem trabalho aos 18 anos. Aos 25 anos, essa
proporção era ainda muito alta, 15%. Ou seja, as probabilidades de inserção de
classe dos nascidos em 1980, ainda que não muito distantes daquelas dos
nascidos em 1970 em comparação com os mais escolarizados, eram piores em razão
tanto do aumento do desemprego quanto do crescimento da inatividade.
O aumento global da escolaridade da população, pois, teve como efeito,
paradoxalmente, piorar as condições de entrada no mercado de trabalho dos
jovens de todos os perfis educacionais. Tal situação só pode ser explicada pelo
ritmo mais lento de crescimento dos postos de trabalho em comparação com o
crescimento da PEA, o que aumentou a competição pelas posições existentes em
todos os segmentos66. Isso configura um quadro de duradoura reversão das
expectativas de mobilidade social dos mais jovens, mais ou menos escolarizados
igualmente, cujos efeitos para a dinâmica social ainda estão por ser
adequadamente desvendados.
NOTAS
1. Para detalhes sobre o PNPE, visite www.mte.gov.br, onde se pode ler que "o
objetivo do PNPE é contribuir para a geração de oportunidades de trabalho
decente para a juventude brasileira [...]".
2. Para balanço bastante preliminar do PNPE, ver Andrade (2005).
3. Argentina, Chile, México e outros países emergentes adotaram políticas
semelhantes. Para o caso de países da Organisation for Economic Co-Operation
and Development - OECD, ver Müller e Gangl (2003) e Roulleau-Berger e Gauthier
(2001).
4. Sobre essas diferentes temporalidades na configuração das chances de
emprego, ver Granovetter (1974).
5. Um dos estudos recentes mais importantes sobre essa transição, no Brasil, é
o de Hasenbalg (2003). Os efeitos da expansão escolar sobre a estratificação
educacional no Brasil estão em Silva (2003). Camarano et alii (2001; 2003;
2004) e Corseuil, Santos e Foguel (2001) apresentam uma perspectiva econômica
sobre a transição para a vida adulta. O desemprego juvenil, uma das faces da
transição para o trabalho, também é objeto de análise minuciosa. Texto
importante, de uma perspectiva sociológica, é o de Guimarães (2007). Ver também
Tartuce (2007). Sobre a perda de valor das credenciais educacionais em anos
recentes, no Brasil e no México, ver Torche e Costa Ribeiro (2007).
6. A literatura sobre o tema é vasta e não cabe enumerá-la aqui. Uma excelente
análise do período de hegemonia do desenvolvimentismo no pensamento econômico
brasileiro pode ser encontrada em Bielschowsky (1996). Furtado (1961) é
referência obrigatória.
7. Exceto quando indicado, os dados utilizados nesta seção foram coligidos do
CD-ROM anexo a IBGE (2003). Nas tabelas, cito a origem tal como aparece no CD-
ROM. Singer (1981) e Faria (1983) são exemplos de estudos pioneiros na mesma
direção do que apresento aqui. Santos (2006) e Costa Ribeiro (2007) retomam o
tema.
8. Não foi possível obter dados relacionados ao período completo (1940-1980)
para todos os países. Na Europa ocidental, o crescimento médio do PIB entre
1950 e 1973 foi de 2,94 vezes, com destaque para a Espanha, que teve seu PIB de
1950 multiplicado por 4,55 até 1973. Na América Latina, o México cresceu 4,15
vezes nesses 23 anos. O Brasil cresceu 5,27 vezes. Apenas o Japão superou essa
taxa, multiplicando seu PIB de 1950 por 7,72 em 23 anos. Dados em OECD (2007).
9. O índice de Gini, uma das medidas mais populares de concentração de renda,
saiu de 0,584 em 1981 para 0,636 em 1989 (Fonte: Ipeadata). A literatura sobre
a crise dos anos 1980 é abundante no Brasil e na América Latina. Uma boa
introdução são Bresser-Pereira (1996) e Cano (2000). Textos importantes e no
calor da hora são de Bier et alii (1988), Singer (1988) e Appy (1993).
10. Para chegar a esse valor, basta multiplicar os índices da Tabela_2 pelo PIB
da Tabela_1. Análise ampla das mudanças estruturais dos anos 1990 que levaram a
esse resultado pode ser encontrada em Cardoso (2003). Ver também Kupfer, Ferraz
e Iootty (2003). Sobre a desconcentração industrial entre 1970 e fins dos anos
1990, ver Pacheco (1999).
11. A primeira análise completa desse processo pode ser encontrada em Faria
(1983). Ver também Faria (1991).
12. De fato, em 1960, os 10% mais ricos se apropriavam de 39,6% da renda; os
40% mais pobres, de 11,3%. Em 1980, esses valores eram 51% e 8,8%,
respectivamente. Ver IBGE (1990).
13. Essas idéias foram defendidas pela primeira vez em Furtado (1966) e
retomadas e aprofundadas, entre outros textos, em Furtado (1974). Oliveira
(1972) é uma crítica contundente.
14. Não se trata, como apontou Faria (1991:104), de um processo de
overurbanization, mas de um duplo movimento: concentração de população e
emprego industrial nas grandes metrópoles, de um lado, e descentralização da
urbanização, de outro, com aumento expressivo da proporção da população vivendo
em cidades de 20 mil habitantes ou mais. É o que o autor denominou assimetria
do processo de urbanização.
15. Fonte: Ipeadata (www.ipeadata.gov.br/ipeaweb.dll/ipeadata?6175015).
16. Nos anos 1990, entram em cena no Brasil programas de transferência de renda
a famílias pobres, como o Bolsa Escola, do governo de Fernando Henrique
Cardoso, e o Bolsa Família, do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, esse
último atingindo 40 milhões de pessoas em 2006.
17. Dados em Singer (1981:66).
18. O curioso é que, no campo, essa última agregação englobava 75,8% dos
empregados (é verdade que 50% ganhavam até um salário mínimo, contra um quarto
dos trabalhadores urbanos).
19. Trinta e seis por cento ganhavam menos de R$360, reflexo da estagnação do
processo de melhoria dos indicadores de renda no país.
20. Dados de 1980 extraídos do Anuário Estatístico do Brasil, vol. 44 (IBGE,
1984). Fonte dos dados de 2000: IBGE (ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/
Censo_Demografico__2000/trabalho_rendimento/Brasil/Brasil.zip).
21. A mobilidade geral, medida em termos de classe social, foi muito alta, como
mostraram Pastore e Silva (2000) e Scalon (1999). Refiro-me à mobilidade de
renda, esta, sim, muito baixa no período.
22. Para essa definição de baixa renda, ver McKnight (2008).
23. Para se chegar a esse resultado, as ocupações dos chefes de família foram
ordenadas segundo a renda média, e aquelas com remuneração igual ou inferior a
60% da média total dos ocupados foram definidas como "de baixa renda". Essa
definição foi aplicada também às ocupações dos pais.
24. Informação computada a partir das bases de dados originais.
25. Dados do censo de 1970, publicados no Anuário Estatístico do Brasil, vol.
32 (IBGE, 1971).
26. Dados referentes ao Censo Demográfico de 1980, publicados no Anuário
Estatístico do Brasil, vol. 44 (IBGE, 1984).
27. Tabulado a partir dos microdados da PNAD (2001).
28. Reconstituição recente da inércia social brasileira, que ganha estatuto de
conceito em um coerente argumento sobre a persistente desigualdade no Brasil,
foi feita por Santos (2006). Explicações para o moroso processo de transição
escolar podem ser encontradas em Hasenbalg e Silva (2000), que atribuem a
melhoria nos anos 1990 sobretudo à transição demográfica, portanto, e nos
termos deste capítulo, à história lenta dos movimentos populacionais. Ver ainda
Soares, Carvalho e Kipnis (2003).
29. Sobre isso, ver Dubar (2005). Além da trajetória via sistema escolar, na
França e na Alemanha, foi importante também a cultura comunitarista dos
ofícios, cujo saber era passado de pai para filho ou de mestre para aprendiz em
mercados fechados e previsíveis. Ver Reynaud (1989). A seqüência de eventos
mencionada, do nascimento ao casamento, expressa uma parte do curso de vida das
pessoas, objeto de vasta literatura especializada, cujas linhas gerais podem
ser encontradas, entre muitos outros, em Elder Jr. (1985).
30. Granovetter (1974; 1988) discute os problemas e os limites dessa concepção.
31. Ver Crouch (1999), que se refere a esse processo como parte do "compromisso
de meados do século" que sustentou os Estados de Bem-Estar europeus.
32. A referência aqui é a Escola Francesa da Regulação, em especial o clássico
de Aglietta (1997).
33. O relatório da OECD (2000) classifica o programa de aprendizagem como um
terceiro tipo de sistema educacional, em que o jovem pode escolher entre a
educação generalista ou um período de experiência relativamente longo dentro
das empresas. O programa também é chamado de sistema dual (dual system
vocational training), em que pouco ou nenhum tempo é despendido na escola,
diferentemente do ensino vocacional, no qual o treinamento é organizado pela
escola (school-based vocational training). Ver também Wolbers (2003).
34. Os regimes menos competitivos são, em geral, caracterizados por alta
proporção de educação vocacional específica (ensino técnico e
profissionalizante), enquanto nos regimes abertos a educação tende a ser
predominantemente acadêmica, ou geral, de modo que as habilidades ocupacionais
são adquiridas no trabalho ou em cursos profissionalizantes pós-escolarização
formal (Müller e Shavit, 1998). O Brasil contemporâneo está mais próximo desse
segundo modelo (Hasenbalg, 2003:149).
35. Na França, no auge da "sociedade salarial", perto de 90% da população se
inseria como assalariada no mercado de trabalho (Castel, 1998). Alemanha,
Inglaterra, Estados Unidos e Japão são casos semelhantes.
36. Esse cálculo exclui os que não estudavam nem trabalhavam. Conto apenas os
que, tendo deixado a escola, estavam empregados ou procurando emprego.
37. O ápice da ocupação industrial ocorreu em 1983, com 25% da população
empregada. Dado em Sabóia (1995:1130).
38. Informação gerada a partir dos microdados da PNAD (1976).
39. Em 1980, esses valores eram 88% e 68%, respectivamente. Para uma análise
convergente sobre as mudanças nos anos 1990, ver Camarano et alii (2001).
40. Sobre a depreciação das credenciais educacionais nos anos 1990 e 2000, ver
Silva (2003), Hasenbalg (2003), Camarano et alii (2004) e Torche e Costa
Ribeiro (2007).
41. Exceções importantes foram a Alemanha e a Áustria. No primeiro país, a taxa
de participação das mulheres na força de trabalho foi de 44% em 1960; no
segundo, de 57%. Ver Crouch (1999:428-429). A idade média do primeiro casamento
para as mulheres, em dezoito países avançados, era de 23,8 anos em 1960, com
mínima de 20,3 anos nos Estados Unidos e máxima de 27,1 na Irlanda (ibidem:
460).
42. Dados em Costa Ribeiro (2007:311). Essa proporção era equivalente à
encontrada em Portugal e na Espanha, os países mais pobres da Europa no mesmo
ano. Ver Crouch (1999:430-431).
43. A taxa dos homens volta a ultrapassar a das mulheres aos 18 anos de idade.
44. Tomando-se as jovens de 16 anos, por exemplo, 40% delas estudavam em 1970
(somando-se as que também trabalhavam). Em 1980, a proporção era de 46%; em
1991, 58%; em 2000, de 67,4%. Entre os homens, as taxas foram, respectivamente,
44%, 49%, 52,5% e 66,2%.
45. Segundo a PNAD de 1976, 17,4% das mulheres de 18 anos já haviam
experimentado um primeiro casamento. Entre as de 22 anos, a taxa era de 49,8%
(23% entre os homens).
46. Como era comum dizer, na sociologia brasileira nos anos 1960, o processo de
urbanização foi muito mais intenso do que o processo de industrialização
(sinônimo, na época, de modernidade), o que obrigou uma proporção sempre
crescente da força de trabalho a empregar-se nos setores informais da economia.
Ver Lopes (1971a; 1971b) e Kowarick (1974). Faria (1991) é uma crítica.
47. Como mostra Costa Ribeiro (2007:75), em 1996, ainda tínhamos 60% da PEA
composta de filhos e filhas de pessoas com origem rural.
48. Dados tabulados diretamente da PNAD (1982).
49. Para a construção da tabela, a informação sobre posição na ocupação foi
ajustada, já que, nos anos 1990, a PNAD incluiu as categorias "trabalhador na
produção para o próprio consumo" e "trabalhador na construção para o próprio
uso". Foi considerada também apenas a informação sobre ocupados na semana de
referência.
50. O índice de dissimilaridade é o mesmo utilizado mais adiante, ou seja, D=
(|P2005 - P1976|) / P1976*100.
51. Tal como definida por Boyer (1990), isto é, sustentada por alta divisão do
trabalho e fragmentação de tarefas de produção, demandando trabalho pouco ou
nada qualificado, remunerado segundo parâmetros mínimos definidos no âmbito de
políticas do Estado de Bem-Estar, garantidor do pleno emprego e da renda no
desemprego.
52. No Brasil, o seguro-desemprego pode durar de três a seis meses, dependendo
do tempo em que o demandante tenha estado empregado nos últimos 36 meses, mas o
tempo médio de procura de trabalho em 2002, segundo a Pesquisa Mensal de
Emprego - PME, era de 23 semanas, ou quase seis meses. Dados gerados em www.
sidra.ibge.gov.br.
53. Em 1976, a PNAD coletou informação sobre tempo no emprego, mas apenas para
uma parcela da amostra, o que não permite comparações no tempo. Em 1992, a
pergunta sobre há quanto tempo está no emprego atual passou a figurar no
questionário padrão da PNAD.
54. Defini o recorte para pessoas de 25 anos ou mais porque, como será visto,
nessa idade, as probabilidades de percurso ocupacional das pessoas já estão
praticamente definidas.
55. Ver também Guimarães (2007).
56. Analiso apenas as trajetórias de homens, por questões de espaço, mas ciente
de que a dinâmica geral é diferente segundo o sexo.
57. A rigor, os gráficos para os jovens com oito anos ou menos de escolaridade
poderiam começar aos dez anos de idade. Contudo, isso os tornaria não-
comparáveis aos gráficos daqueles que tinham onze anos de estudo ou mais, já
que a primeira idade em que os dados para esse estrato se tornam
estatisticamente significativos (isto é, com número suficiente de casos para
separar por sexo, anos de estudo e classe social) é 18 anos.
58. Ver Costa Ribeiro (2007).
59. Optei por apresentar os dados para o total dos jovens com onze anos ou mais
de escolaridade para assegurar uma descrição de trajetória a partir dos 18
anos. Se apresentasse os percursos dos graduados, estatísticas significativas
segundo a classe social só têm início aos 22 anos, e os gráficos cobririam
apenas quatro anos de suas vidas, impedindo análises mais aprofundadas.
60. Pessoas com quinze anos de estudo ou mais eram 4,7% do total em 2005,
contra 3,9% em 1995, segundo a PNAD.
61. Trata-se de um índice de dissimilaridade composto pela média das diferenças
entre as probabilidades de classe aos 30 e aos 20 anos de idade: D=Média (|P30
- P20| / P20)*100.
62. Os aposentados tornam incomparáveis as taxas de jovens e da população
total, porque os jovens, por definição, não chegaram à idade de se aposentar.
Por isso, na comparação, é preciso excluir os inativos. O índice de
dissimilaridade é o mesmo de antes: D=Média (|P25 - PPEA| / PPEA)*100, em que
PPEA é a probabilidade de cada posição de classe na PEA, e P25 é a
probabilidade de cada posição aos 25 anos.
63. É preciso evitar equívoco comum, nesse tipo de análise, de atribuir, por
exemplo, aos jovens de 25 anos, hoje, a mesma probabilidade de destino dos
jovens que têm 30 anos, como se a probabilidade destes, atual, fosse a mesma
daqueles daqui a cinco anos. É claro que a estrutura social apresenta grande
inércia estrutural, porque é construída com base nas ocupações e o mercado de
trabalho muda muito lentamente. No entanto, em dois anos, muita coisa pode
acontecer, como uma crise econômica que aumente o desemprego ou, ao contrário,
que gere novas posições em setores emergentes da economia, mudando as
probabilidades tanto dos mais quanto dos menos escolarizados. Por isso, o que
se disse deve ser tomado como a probabilidade de destino no futuro se o mercado
de trabalho permanecer, em 2010, como estava em 2005.
64. O fato de ainda necessitarmos de políticas públicas de incentivo para que
as famílias pobres mantenham suas crianças na escola é um indicador de que as
barreiras econômicas à escolarização ainda permanecem ativas.
65. O tema não foi analisado aqui, mas é amplamente caracterizado em Hasenbalg
e Silva (2003).
66. De fato, a média de anos de estudo dos jovens de 25 anos nascidos em 1956
(portanto, captada pela PNAD de 1981) e que estavam nas classes superiores era
de 11,3. Nas classes médias urbanas, era de 9,7 anos. Para os jovens na mesma
idade nascidos em 1980, os valores tinham saltado para 13,2 e 11,5,
respectivamente. O mais importante, porém, é que também nas classes baixas
urbanas o aumento na média de anos de estudo foi expressivo, de 5,4 anos para a
coorte de 1956 para 9,2 anos no caso da coorte de 1980. A fonte é a mesma PNAD,
nos anos de 1981 e 2005.