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EuPTCVHe0870-71032011000500007

EuPTCVHe0870-71032011000500007

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0870-7103
Year2011
Issue0005
Article number00007

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Arando na profilaxia das infecções urinárias recorrentes: revisão baseada na evidência

INTRODUÇÃO As infecções do tracto urinário (ITU) recorrentes na mulher têm um grande impacto em termos de morbilidade e custos em saúde, pelo que é fundamental a sua prevenção.1 As cistites agudas não complicadas são frequentes em mulheres adultas e aproximadamente um terço destas apresenta ITU recorrentes, definidas como a existência de, pelo menos, duas infecções durante seis meses ou três episódios durante um ano.2 Diferentes abordagens têm sido propostas para a prevenção das ITU recorrentes, incluindo antibioterapia profiláctica e terapêuticas não farmacológicas (Lactobacillus, probióticos, vacinas e estrogénios intravaginais).2 A emergente resistência aos antibióticos acentua a necessidade de terapêuticas profilácticas alternativas, contextualizando o interesse crescente pelo arando (cranberry, vaccinium macrocarpon). Trata-se de um fruto vermelho abundante na costa leste dos Estados Unidos da América, usado com fins medicinais desde o século XVII e objecto de estudo, desde várias décadas, na prevenção da recorrência das ITU.1 Em Portugal, estão disponíveis vários produtos que incluem o arando na sua composição.

O arando é composto por água, ácidos orgânicos, glicose, vitamina C, frutose e um tipo específico de flavonóides, as proantocianidinas, um subtipo de taninos.

Actualmente, considera-se que o seu mecanismo de acção na profilaxia das ITU se deve à capacidade das proantocianidinas e da frutose inibirem a adesão das fímbrias dos uropatogénios (principalmente da Escherichia coli) às células uroepiteliais e, assim, impedirem a colonização e o crescimento bacteriano.3-4 O objectivo deste estudo é rever a evidência disponível sobre a eficácia do arando na profilaxia da recorrência das ITU em mulheres adultas saudáveis.

MÉTODOS Realizou-se uma pesquisa nas bases de dados MEDLINE, UpToDate, Clinical Evidence, Bandolier, EBM Online, ACP Journal Club, TRIP Database, InfoPOEMs, The Cochrane Library, DARE, Guidelines Finder, National Guideline Clearinghouse, Canadian Medical Association Infobase, USPSTF, NICE e Canadian Task Force on Preventive Health Care, de sistemas, meta-análises, revisões sistemáticas, normas de orientação clínica e ensaios clínicos aleatorizados e controlados, publicados entre Janeiro de 2000 e Dezembro de 2010, nas línguas inglesa, portuguesa e espanhola. Foram utilizados os termos MeSH, Vaccinium macrocarpon e Urinary tract infections, e a palavra Cranberry.

Foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: População: mulheres saudáveis, com idade igual ou superior a 18 anos, com ITU recorrentes; Intervenção: arando (nas diferentes formulações disponíveis); Comparação: placebo ou outros métodos profilácticos de ITU; Outcome: diminuição do número de episódios de ITU.

Foram excluídas mulheres com factores de risco para infecções urinárias recorrentes mais frequentes ou complicadas, como gravidez, Diabetes Mellitus, imunossupressão, anomalia anatómica ou funcional do tracto urinário, algaliação, infecção urinária activa e hospitalização, manipulação do tracto urinário ou antibioterapia recentes.

Para avaliação da qualidade dos estudos e atribuição de força de recomendação (FR) foi utilizada a escala Strength of Recommendation Taxonomy da American Family Physician (Quadro_I).5

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RESULTADOS Com a pesquisa inicial foram identificados 127 artigos, dos quais nove cumpriam os critérios de inclusão: um sistema,6 três revisões sistemáticas,7-9 um ensaio clínico10 e quatro normas de orientação clínica.11-14 Na revisão do Uptodate, de 2009, sobre infecções recorrentes do tracto urinário,6 o sumo de arando é referido como sendo uma estratégia profiláctica eficaz, embora a sua recomendação seja limitada pela inconsistência quanto à duração da terapêutica e às diferentes formulações e doses de arando utilizadas nos vários estudos, pelo que lhe foi atribuída uma Força de Recomendação B (Quadro_II).

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As três revisões sistemáticas foram classificadas com um Nível de Evidência 2 por levantarem questões relativamente às disparidades metodológicas dos vários estudos analisados. No entanto, todas afirmaram que existe evidência a favor da redução da taxa de recorrências/ano com a utilização de compostos de arando na prevenção de ITU recorrentes em comparação com placebo ou Lactobacillus (Quadro III).7-9

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Segundo a revisão da Bandolier, de 2007, que incluiu quatro estudos com um total de 779 participantes (85% mulheres, com média de idades de 58 anos), o arando (sumo ou comprimidos) mostrou efeito na prevenção da recorrência de ITU (RR=0,5 IC 95%; 0,40-0,80; NNT=14). A duração dos ensaios analisados variava entre seis e doze meses e as doses de arando entre 50 e 350 ml de sumo ou comprimidos com 1:30 partes de sumo concentrado. Porém, nenhum dos estudos justificou o motivo pelo qual foram definidas as dosagens utilizadas. A posologia variou entre toma diária única ou múltiplas tomas (Quadro_III).7 A revisão da Cochrane, de 2008, incluiu 10 estudos e um total de 1049 participantes (mulheres entre os 21 e os 72 anos), utilizando doses e duração de tratamento semelhantes às analisadas pela Bandolier, e avaliou a eficácia do sumo ou comprimidos de arando. Destes ensaios, apenas dois apresentavam características populacionais que correspondiam às elegíveis para a presente revisão. A meta-análise destes estudos permitiu encontrar um RR de 0,61 (IC 95%; 0,40-0,91) associado ao uso de arando em comparação com placebo ou bebidas contendo Lactobacillus (NNT=31). Não se verificou diferença entre as formulações constituídas por sumo ou comprimidos. Concluiu-se haver uma redução significativa da incidência de ITU após 12 meses de tratamento com arando (Quadro_III).8 A revisão sistemática de quatro ensaios, elaborada por Guay em 2009, engloba uma amostra de 330 mulheres com idades entre os 21 e os 75 anos. Para além das formulações referidas nas outras revisões sistemáticas, incluiu um estudo com a posologia de duas tomas diárias de comprimidos com 200 mg durante três meses.

Esta revisão concluiu que o arando está associado a uma redução de 35% na taxa de recorrências ao ano (NNT=3). Contudo, não é recomendada a utilização do arando por falta de consenso relativamente à dosagem e formulação preconizadas e algumas limitações metodológicas dos estudos (Quadro_III).9 O ensaio clínico de Mc Murdo et al., de 2009, foi o único estudo dos analisados que comparou a utilização do arando com a antibioterapia profiláctica. Este estudo incluiu 137 mulheres, com idade igual ou superior a 45 anos (média de 63 anos) e história de duas ou mais ITU recorrentes nos últimos 12 meses. A população do estudo foi dividida em dois grupos, um submetido a tratamento com 500 mg de arando e outro submetido a trimetoprim 100 mg, um vez por dia, durante 6 meses ou até ao primeiro episódio de ITU. Verificou-se recorrência da ITU em 36,2% das doentes submetidas ao tratamento com arando, em comparação com 20,6% de recorrência no grupo do trimetoprim, sendo esta diferença não estatisticamente significativa (p=0,084). Não se registou igualmente diferença significativa no tempo para a primeira recorrência. Este estudo concluiu que o arando poderá ser menos eficaz do que o trimetoprim na redução da incidência de ITU sintomáticas. Tratou-se de um ensaio clínico com algumas limitações metodológicas, nomeadamente sem dupla ocultação descrita, pelo que foi classificado com Nível de Evidência 2 (Quadro_IV).10

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As forças de recomendação atribuídas pelas quatro normas de orientação clínica analisadas foram convertidas para a taxonomia SOR.5 As normas mais antigas, da Society of Obstetricians and Gynaecologists of Canada, de 2004,11 e da Scottish Intercollegiate Guidelines Network, de 2006,12 foram classificadas com Força de Recomendação A. A conversão da classificação das normas mais recentes, da EBM Guidelines, em 2009,13 e da European Association of Urology, em 2010, correspondeu a Força de Recomendação B (Quadro_V).14

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A Society of Obstetricians and Gynaecologists of Canada refere que as mulheres com ITU recorrentes devem ser informadas de que o consumo de sumo de arando puro diminui o risco de ITU, em oposição às bebidas contendo arando na sua composição (Quadro_V).11 A norma baseada na evidência publicada pela Scottish Intercollegiate Guidelines Network recomenda que mulheres adultas com infecções recorrentes do tracto urinário sejam aconselhadas a ingerir suplementos de arando, de modo a diminuir a frequência das recorrências. Os autores referem ainda que mulheres hipocoaguladas com varfarina deverão evitar ingerir arando, a não ser que os benefícios sejam superiores aos riscos, com uma Força de Recomendação B (Quadro V).12 A EBM Guidelines, de 2009, afirma que o sumo de arando pode reduzir o número de ITU sintomáticas ao longo de um período de 12 meses, justificando esta recomendação essencialmente com base nas conclusões da Cochrane de 2008 (Quadro V).13 A European Association of Urologyactualizou, em 2010, a sua norma de orientação clínica baseada na evidência, onde reforça a possibilidade de utilizar métodos alternativos aos antibióticos, como imunoterapia com lisados bacterianos, probióticos, acidificação urinária e suplementação com arando. Os autores consideram, pela análise dos artigos em que se baseiam, que o número de infecções do tracto urinário pode ser diminuído com o consumo de sumo de arando (Força de Recomendação B) na dose mínima de 36 mg/dia de proantocianidinas.

Ainda assim, esta alternativa parece não ser tão eficaz quanto os antibióticos profiláticos, embora não tenham sido analisado estudos que comparassem directamente estas duas abordagens (Quadro_V).14 CONCLUSÕES O arando mostrou-se eficaz na redução da recorrência das ITU em mulheres adultas sem patologias associadas (Força de Recomendação B). Contudo, a evidência científica que suporta a eficácia do arando não é suficientemente robusta. Para isso contribuem algumas limitações da qualidade dos estudos, pois apresentam amostras reduzidas com elevadas taxas de desistência. Paralelamente, existe alguma heterogeneidade no desenho dos estudos, com utilização de dosagens díspares e diferentes vias de administração ou formulações.

O potencial impacto desta recomendação na prática clínica torna premente a realização de novos estudos, desenhados com metodologias mais correctas e incluindo um maior número amostral, que comparem directamente as diferentes dosagens de arando e as várias formulações e que avaliem segurança, tolerabilidade e duração adequadas para o tratamento profiláctico.

Ainda assim, existe um benefício potencial dos produtos de arando na profilaxia das ITU recorrentes, especialmente como alternativa para as mulheres saudáveis que preferem evitar ou que não respondem à antibioterapia profiláctica.


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