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EuPTCVHe0872-07542011000200004

EuPTCVHe0872-07542011000200004

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0872-0754
Year2011
Issue0002
Article number00004

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Hematoma subdural em Pediatria Diagnosticar e tratar precocemente Hematoma subdural em Pediatria Diagnosticar e tratar precocemente INTRODUÇÃO O hematoma subdural resulta da acumulação de san-gue entre a membrana dural e o espaço subaracnoideu. Pode estender-se a vários lobos cerebrais, no entanto, encontra-se limitado pela foice do cérebro e pela tenda do cerebelo.

Caracte-risticamente, toma a forma de um crescente bicôncavo, ao con-trário do hematoma epidural que tem uma forma biconvexa.

A hemorragia resulta da lesão de pequenos vasos, artérias ou veias (mais frequentemente estas últimas), com consequen-te sangramento para o espaço subdural e posterior aumento da pressão intracraniana, podendo resultar em morte por herniação cerebral. Pode ter uma evolução aguda, subaguda ou crónica (com instalação de um a três meses).

A etiologia varia com a idade da criança. Nos recém--nascidos pode ocorrer em 8% dos partos de termo e não é si-nónimo de parto traumático. É frequentemente assintomático e desaparece em quatro semanas.(1) Em crianças com menos de dois anos, o traumatismo não acidental é a principal causa, pelo que a hipótese de maus tratos deve ser equacionada.(2) Em crian-ças mais velhas e adolescentes, o hematoma subdural resulta de acidentes que provocam traumatismos graves. Também pode ocorrer após pequenos traumatismos, sobretudo em crianças com factores de risco(3): alterações hematológicas (trombocito-penia, hemofilia, anticoagulação);retracção cerebral (drenagem ventricular no tratamento da hidrocefalia); atrofia cerebral, higro-ma subdural ou hematoma crónico (após hematoma agudo ou meningite), quisto aracnóideo, acidúriaglutárica tipo 1, osteogé-nese imperfeita, entre outras.

Por vezes, a história clínica não fornece informação que su-gira uma hemorragia cerebral, o que pode atrasar o diagnóstico. Frequentemente, não menção a traumatismo.

Na criança as manifestações clínicas principais são: febre, irritabilidade, letargia, convulsões, coma, défices neurológicos, abaulamento da fontanela, aumento do perímetro craniano, he-matoma do couro cabeludo, anemia com palidez cutânea ou choque hemorrágico. Em crianças com menos de dois anos de idade deve ter-se um elevado índice de suspeição de maus tra-tos, aquando da realização do exame objectivo. A bradicardia, hipertensão e as alterações pupilares são sinais tardios pelo que não devemos esperar pelo seu aparecimento para suspeitar de hematoma subdural. A hemorragia retiniana pode estar presente em crianças vítimas de maus tratos, nomeadamente na criança abanada ("shaken baby").(4) A punção lombar está contra-indicada e a tomografia axial computorizada cranioencefálica (TC-CE) confirma o diagnóstico revelando a típica imagem bicôncava, que pode estar associada a herniação, dependendo do tamanho do hematoma. O trata-mento depende do estado clínico e dos achados radiológicos; a vigilância clínica, as medidas antiedema (restrição hídrica, normo/hiperventilação, manitol, cloreto de sódio hipertónico) ou craniotomia descompressiva podem ser as atitudes.(5) Quando a cirurgia está indicada, esta deve ocorrer com a máxima urgên-cia. Se a atitude a tomar privilegiar o tratamento médico, e, se a criança tem um "score" inferior a oito na Escala de Coma de Glasgow - ECG, é obrigatória a monitorização da pressão intra-craniana (PIC), além da vigilância clínica e monitorização dos sinais vitais. TC-CE seriadas podem ser necessárias para monitorizar a evolução ou decidir da necessidade de tratamento mais agressivo. O seguimento posterior destas crianças justifica-se pela possibilidade de poder surgir hematoma subdural crónico e/ou higroma subdural.

CASO CLÍNICO Criança do sexo masculino, sete anos de idade, com defeito completo do septo auriculo-ventricular, sujeito a correcção cirúr-gica três anos antes, tendo ficado com insuficiência mitral mode-rada. Cerca de dois meses antes do internamento, foi colocada prótese mitralmecânica. Medicada habitualmente com enalapril (5 mg, duas vezes/dia) e varfarina (5 mg/dia - três dias,alternando com 3,75 mg/dia - três dias) após colocação da prótese referida.

Recorreu a um serviço de urgência hospitalar, 48 horas an-tes do internamento, com febre (38ºC), otalgia, cefaleias inten-sas e episódio autolimitado de epistáxis. No exame objectivo, não apresentava alteração dos parâmetros vitais, estava quei-xosa, sem sinais de irritação meníngea, e com infecção das vias aéreas superiores.

Analiticamente revelava: hemoglobina (Hb) 9,8 g/dl; he-matócrito (Hct) 30%; volume globular médio 73 fl; plaquetas 523000/µl; leucócitos 14730/µl com 84,5% de neutrófilos; prote-ína C reactiva (PCR) 7 mg/dl; tempo de protrombina (TP) 49,4s; INR 4,2; tempo de tromboplastina parcial activado (APTT) 76,4s. A telerradiografia do tórax era normal. Foi programada a redução da dose de varfarina para 2,5 mg/dia (três dias), alternando com 3,75 mg/dia (três dias), terapêutica antibiótica com amoxicilina 90 mg/kg/dia e reavaliação três dias depois ou antes se se verifi-casse agravamento clínico.

Cerca de 24h depois, é novamente observada por agrava-mento da intensidade da cefaleia e da prostração. Ao exame ob-jectivo, encontrava-se febril, pouco reactiva, com rigidez da nuca e sem sinais focais. Analiticamente, observava-se: Hb 10,8 g/dl; Hct 29,7%, leucócitos 11770/µl com 84,5% de neutrófilos; plaquetas 495000/µl; PCR10 mg/dl, TP 94,7s; INR 8,25; APTT 73,6s.

Iniciou terapêutica antibiótica com gentamicina (5 mg/kg/dia), cefotaxima(200 mg/kg/dia) e vancomicina (60 mg/kg/dia), assim como plas-ma fresco congelado, vitamina K e concentrado eritrocitário.

Foi transferida para UCIP do Hospital Dona Estefânia (HDE), no período pós- ictal de convulsão tonico-clónica gene-ralizada, controlada com diazepam e fenobarbital, e, ainda, sem recuperação do estado de consciência ("score" de 5 na ECG), pupilas midriáticas, assimétricas, pouco reactivas, com posterior evolução para anisocória marcada (midríaseà esquerda). A fun-doscopia era normal; os reflexos osteotendinosos eram difíceis de despertar. Não era visível hematoma no couro cabeludo. A restante observação não apresentava alterações.

Por suspeita de hipertensão intracraniana devida a hemorragia secundária a alteração da coagulação, iniciou de imediato ventilação mecâni-ca, medidas anti-edema cerebral e concentrado protrombínico(Octaplex® em dose adequada ao valor de INR) com vista a rápi-da normalização da coagulação para eventual cirurgia.

Na TC-CE, realizada duas horas após admissão na UCIP, apresentava hematoma subdural agudo à esquerda com desvio da linha média e sinais de encravamento do uncus (Figura 1).

FIGURA 1 - Hematoma subdural agudo, hemisfério esquerdo, com desvio da linha médica, em TC-CE, corte axial

A craniotomia descompressiva ocorreu cerca de 45 minutos após a realização de TC-CE e da reversão da anticoagulação (56 horas após o início da sintomatologia). Realizada drenagem de todo o hematoma, sem visualização do ponto sangrante, com consequente expansão cerebral, constatando-se edema cerebral generalizado. No pós-operatório manteve as medidas anti-edema cerebral e ventilação mecânica durante quatro dias. Clinicamente, houve regressão da anisocoria e melhoria progres-siva, apesar de às 48h de pós-operatório ter havido diminuição do nível de consciência. Fez TC-CE (Figura 2) que não apresen-tava alterações. Às 32h de pós-operatório, reiniciou anticoagula-ção com enoxaparina subcutânea (1 mg/kg/dose).

FIGURA 2 - Secção de TC-CE sobreponível à anterior, realizada 24 horas após a cirurgia, mostrando sequelas da intervenção e resolução do hematoma

A monitorização do nível de consciência foi também feita com Bispectral Index™ apresentando valores médios de 40, posteriormente mais elevados à medida que se tornava mais acordada.

Foi transferida, ao sétimo dia pós-operatório, para uma en-fermaria de Pediatria, clinicamente bem, apenas com ptose pal-pebral esquerda da qual veio a recuperar, estando actualmente sem sequelas.

DISCUSSÃO O caso ilustra: 1) A importância da suspeição clínica em doentes antico-agulados; a mais temível complicação do uso de anticoagulan-tes é a hemorragia intracraniana, sendo a intensidade da anti--coagulação o maior predictor de hemorragia cerebral. Valores de INR superiores a 3,5 aumentam a sua probabilidade de ocorrência(6), especialmente se associados a outros factores de risco (quedas, hipertensão arterial, mal formação vascular, entre outras). O elevado grau de suspeição, pela clínica altamente su-gestiva de hipertensão intracraniana, justificam o início de medi-das anti-edema cerebral antes da realização da TC CE.

2) A relevância da rápida optimização das condições cirúrgi-cas, para não protelar este procedimento quando está indicado; a descontinuação da terapêutica anticoagulante uns dias antes de uma cirurgia electiva é suficiente para normalizar a coagula-ção, no entanto, uma reversão rápida pode ser necessária em situações de emergência. É frequente o uso de plasma fresco congelado, vitamina K ou factor VII activado, mas a normaliza-ção do INR obtém-se mais rapidamente com o uso do complexo protrombínico. O tempo médio para reverter o INR é 30 minutos a uma hora. O complexo protrombínico é constituído por factor II, VII, IX e X.(7) Énecessário ter em conta o potencial risco trombó-tico que advém da administração destes fármacos.

3) A utilização de técnicas não invasivas de monitorização do nível de consciência; o BispectralIndex™, largamente usado em bloco operatório, avalia os efeitos dos anestésicos sobre a actividade do cérebro mediante análise da frequência de onda do electroencefalograma, ajudando a adequar a dose de anes-tésico. O seu valor varia de zero a 100, correspondendo zero a ausência de actividade cerebral e 100 a totalmente acordado. Recentemente, tem- se assistido ao seu uso em unidades de cui-dados intensivos pediátricos sendo um complemento muito útil, quando disponível.(8,9) 4) A imprevisibilidade da evolução das patologias pediátricas; o hematoma subdural agudo tem uma taxa de mortalidadede 10 a 20%, sendo as sequelas muito frequentes. São factores de mauprognóstico a existência de coma, alterações pupilares, hiperten-são intracraniana, alterações significativas na TC e o período até à cirurgia descompressiva. No caso clínico aqui apresentado, o tempo decorrido entre a apresentação dos sintomas e a cirurgia foi demasiado longo o que, ab initio, faria prever um desfecho des-favorável, ou até mesmo fatal, e que não aconteceu.


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