Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe0872-07542012000100006

EuPTCVHe0872-07542012000100006

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0872-0754
Year2012
Issue0001
Article number00006

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Miosite orbitária numa criança

INTRODUÇÃO O pseudotumor inflamatório da órbita, actualmente designado por doença inflamatória orbitária (DIO), é um processo inflamatório dos tecidos orbitários. Apesar de a etiologia ainda não estar esclarecida, alguns autores sugerem uma origem de carácter auto-imune, secundária a infecção respiratória ou outro processo imunomediado(1-5).

A primeira descrição é de 1905, quando Birch-Hirchsfield descreve uma patologia orbitária caracterizada por aumento do volume palpebral, na qual a exploração cirúrgica identificou um processo inflamatório dos tecidos envolventes. No entanto, em 1954, Umiker et al(6). o designa desta forma, pela sua capacidade para mimetizar clínica e radiologicamente um processo maligno.

Na literatura, estão descritas algumas classificações para esta entidade. A mais utilizada é a classificação de Rootman(7), que se baseia na identificação de subtipos, de acordo com a estrutura orbitária na qual o processo inflamatório é predominante: lacrimal; miosítica; anterior; difusa e apical. O Quadro I compara as características dos diferentes subtipos.

Quadro I 'Comparação entre os subtipos (formas) de DIO(7)

A DIO acomete principalmente adultos, sendo a sua prevalência em idade pediátrica rara(8). É responsável por cerca de 6% de todas as lesões orbitais.

Destas, apenas 6% dos casos acontecem em crianças(9).

Clinicamente, os doentes apresentam-se com edema e hiperémia palpebrais, proptose, alteração da motilidade ocular, diplopia e dor. É geralmente unilateral. Uma apresentação bilateral sugere a existência de doença sistémica de base. Em crianças, podem observar-se sinais e sintomas de compromisso sistémico, como febre, cefaleias, vómitos e mal-estar geral(1,8).

O diagnóstico é feito pela história clínica, exames físico e oftalmológico cuidados, estudo analítico, tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) da órbita/seios da face com contraste, e, em casos duvidosos, biópsia com estudo anátomo-patológico(1,10).

O diagnóstico diferencial envolve qualquer patologia susceptível de induzir um quadro orbitário agudo, no entanto, em crianças, é com a celulite orbitária e com a oftalmopatia tiroideia que mais vezes esta entidade se confunde(1,10).

O tratamento consiste na administração de corticóide via oral, habitualmente com resposta dramática em 48 a 72 horas. Outras possibilidades terapêuticas com imunossupressores e radioterapia parecem ter alguma eficácia(1,8-10).

O principal objectivo do presente trabalho é descrever um caso de miosite orbitária(11,12), um dos subtipos de DIO, em idade pediátrica e ilustrar as dificuldades no diagnóstico diferencial com celulite orbitária, fazendo referência a aspectos imagiológicos e terapêuticos.

CASO CLÍNICO Criança do sexo masculino, de nove anos de idade, raça caucasiana, natural e residente em Vila Real, sem antecedentes pessoais relevantes, que iniciou cinco dias antes da admissão dor ocular direita, acompanhada de edema palpebral homolateral. É negado qualquer outro sinal ou sintoma acompanhante, incluindo mal-estar geral, anorexia, emagrecimento, febre, vómitos ou cefaleias. São negadas infecção respiratória ou gastrointestinal previamente à sintomatologia actual.

Ao exame objectivo apresentava bom estado geral e de nutrição. Estava apirético e hemodinamicamente estável. A tiróide era palpável, não aumentada de volume, de consistência preservada e sem massas. Ao exame oftalmológico tinha proptose, edema palpebral moderado com rubor local, limitação da elevação e abdução do olho direito; referia também diplopia vertical no olhar para a direita e para cima. A acuidade visual, campos visuais, fundoscopia e reflexos pupilares eram normais. O restante exame objectivo e neurológico não mostrava alterações.

O estudo analítico inicial com hemograma, bioquímica, PCR e VS, não mostrou alterações relevantes.

A TC da órbita realizada à admissão (Figuras 1 a 3) mostrou ao nível da órbita à direita, marcado empastamento do recto medial, assim como ocupação significativa do espaço intra-cónico, com definição do recto superior e aumento dos tecidos peri-orbitários, podendo corresponder a lesão de natureza inflamatória ou lesão de outra natureza.

Figura 1' TC órbita direita (corte sagital) mostra espessamento do recto superior.

Figura 2' TC órbita esquerda (corte sagital) sem alterações.

Figura 3' TC órbitas (corte frontal) mostra espessamento do recto superior e recto medial.

Este aspecto é compatível com um processo ocular inflamatório, não se podendo excluir etiologia infecciosa. Perante estes resultados iniciou terapêutica com metilprednisolona (2mg/kg/dia endovenosa, durante cinco dias) e antibioterapia (ceftriaxone + clindamicina) endovenosas, com recuperação quase completa, persistindo apenas com ligeira limitação na elevação do olho direito (Figura 4).

Figura 4' Limitação da elevação do olho direito.

Perante este diagnóstico iniciou prednisolona 1mg/Kg/dia, durante 10 dias, com desmame progressivo em quatro semanas, e resolução completa do quadro clínico.

A restante investigação não revelou alterações sugestivas da existência de outra patologia de base (Tabela 1).

Tabela 1 'Investigação etiológica complementar

O exame neurológico e oftalmológico aos três e seis meses após o início da doença foi normal, assim como a RM aos seis meses.

Ao nono dia de doença verifica-se recidiva súbita da sintomatologia, pelo que é realizada RM orbitária (Figuras 5 e 6) que apresentava espessamento do oblíquo superior, rectos superior e medial à direita e um espessamento dos tecidos peri-orbitários, traduzindo pseudotumor orbitário (forma miosítica).

Figura 5' RM orbitária (corte frontal ' T2): espessamento do recto superior e medial.

Figura 6' RM orbitária (corte coronal ' T2): espessamento do recto superior

DISCUSSÃO O caso clínico presente ilustra as dificuldades para se estabelecer o diagnóstico de DIO na criança. Por um lado, porque é uma entidade rara nesta faixa etária e por outro lado, pelo facto de a história clínica e exame físico simularem um quadro de celulite orbitária.

A criança apresentava alguns sinais e sintomas de celulite orbitária. Apesar de analiticamente não ser compatível com um quadro infeccioso, a TC orbitária sugeria um processo inflamatório envolvendo os músculos extra-oculares, não excluindo etiologia infecciosa, pelo que iniciou antibioterapia e corticoterapia sistémicas. A evolução clínica inicial foi satisfatória, no entanto após ter interrompido corticóide verificou-se recidiva das queixas, pelo que é realizada RM que afirma o diagnóstico de pseudotumor inflamatório (forma miosítica). Foi reiniciada corticoterapia com resolução completa do quadro.

Neste caso é curioso observar uma limitação da abdução do olho direito. Este facto poderá dever-se à inflamação concomitante do oblíquo superior que está em relação próxima com o recto superior, e cuja sensibilidade da RM não seja suficiente para permitir esta distinção. Por outro lado a inflamação do recto medial poderá condicionar uma hiperactividade do próprio músculo limitando a abdução ocular.

A miosite orbitária é um desafio diagnóstico, como se pode observar no Quadro II onde se enumeram e caracterizam os diagnósticos diferenciais e suas diferenças(11-14).

Quadro II 'Diagnóstico diferencial da miosite orbitária (adapt. 12)

Tendo em conta a raridade desta patologia, a realização de biópsia poderia ter algum interesse(7). No entanto os dados imagiológicos sugestivos, o risco inerente à realização da técnica e a resposta favorável à corticoterapia permitiram o diagnóstico.

O valor da ecografia, de fácil acesso e baixo custo, poderá ser importante na exclusão de massa tumoral e na avaliação dos tendões de inserção dos músculos permitindo o diagnóstico diferencial entre miosite orbitária e oftalmopatia tiroideia, havendo atingimento da inserção na miosite(15).

A frequência com que esta patologia se tem associado a infecção respiratória prévia ou a doenças imuno-mediadas tem levantado a hipótese de este processo ser mediado por mecanismos de auto-imunidade(1,4-7), facto que não se confirmou no presente caso clínico.

O tratamento da miosite orbitária é semelhante à DIO. A primeira escolha é a corticoterapia com prednisolona, na dose de 1 a 1,5 mg/kg/dia, durante uma a duas semanas com desmame gradual em 4 a 12 semanas(1,8,10-14). Outras possibilidades terapêuticas com eficácia comprovada em adultos, apesar dos possíveis efeitos adversos importantes, incluem anti-inflamatórios não esteróides, fármacos imunossupressores (azatioprina, metotrexato, micofenelato mofetil, ciclosporina, tacrolimus, anti-TNF α), imunoglobulina G hiperimune, anticorpo monoclonal anti-CD20 e radioterapia. A cirurgia reconstrutiva tem um papel fundamental sobretudo nas sequelas resultantes do atingimento muscular (16-18).

O prognóstico a longo prazo da DIO, e da miosite orbitária em particular, é muito variável, dependendo, entre outras, do grau inicial de envolvimento das estruturas orbitárias, do número de recidivas e da resposta terapêutica. Se não diagnosticado e tratado precocemente a possibilidade de alteração irreversível da mobilidade ocular e do nervo óptico é uma realidade. Esta criança teve uma evolução bastante favorável, permanecendo assintomática e com controlo imagiológico sem alterações, seis meses após o quadro.

CONCLUSÃO A miosite orbitária é uma doença rara em idade pediátrica cujo diagnóstico e tratamento atempado são fundamentais. A RM da órbita é o exame de imagem mais sensível. O seu diagnóstico é feito após exclusão de causas secundárias. A primeira linha de tratamento é a corticoterapia, mas nos casos refractários a utilização de fármacos imunossupressores poderá estar indicada.


Download text