Tumor de células gigantes de fémur distal com metástases pulmonares
Introdução
O tumor ósseo de células gigantes (GCT) representa aproximadamente 10% dos
tumores ósseos primários
1
. Usualmente, é uma lesão esquelética de comportamento benigno, geralmente
epifisária com tendência a expansão para metáfise em ossos longos
2
, ocorrendo principalmente no fémur distal e tíbia proximal, podendo acometer
também vértebras, pelve e sacro. A sua prevalência é maior após a maturidade
esquelética, com pequena predilecção pelo género feminino, e com o seu pico de
incidência na terceira e quarta décadas de vida
3
.
O seu comportamento pode variar desde indolente e estático até alta
agressividade local, com extensa destruição óssea, avanço cortical e extensão
para tecidos moles adjacentes
3
.
O objectivo do tratamento é a excisão completa do tumor e preenchimento do
defeito ósseo. É realizado por curetagem, seguida de aplicação local de
fármacos ou crioterapia e preenchimento do defeito com enxerto ósseo ou
polimetilmetacrilato
1
,
4-6
.
Nos casos em que há recorrência, esta geralmente desenvolve-se nos dois
primeiros anos após ressecção do tumor primário, embora tenham sido descritos
casos até 18 anos após tratamento inicial
3
.
A frequência de metástases varia de 1 a 10% dos casos e a maioria destas é
pulmonar
1,3
.
Descrevemos os achados clínicos e de imagem de um caso de tumor de células
gigantes com metástase pulmonar confrontando os achados com a literatura
prévia.
Relato do caso
Doente masculino, 35 anos, procurou atendimento médico em Junho de 2008 com
queixa de dispneia aos pequenos esforços durante os últimos três meses. O exame
físico do doente nessa ocasião era normal.
Em 2006 (21 meses antes) foi submetido a cirurgia para ressecção de um tumor em
fémur distal esquerdo, com diagnóstico histológico de tumor de células
gigantes. Nessa ocasião foi aplicado polimetilmetacrilato para correção do
defeito ósseo. Doente previamente hígido, sem história de tabagismo ativo ou
passivo (Fig. 1).
Fig. 1 ' Radiografia de joelho realizada em 2007, para controlo após ressecção
do tumor no fémur distal, evidencia cavidade preenchida por cimento ósseo, sem
outras alterações
A radiografia de tórax evidenciou infiltrado intersticial difuso e massas
pulmonares com melhor definição no terço médio do pulmão esquerdo e base
pulmonar direita (Fig. 2). A tomografia computadorizada demonstrou parênquima
pulmonar com incontáveis lesões micronodulares e nodulares, extensamente
disseminadas no parênquima pulmonar, bilateralmente, de forma relativamente
simétrica, acometendo predominantemente as extremidades distais vasculares
associadas a espessamento do interstício linfático (Fig. 3).
Fig. 2 ' Radiografia de tórax. A: incidência posteroanterior. B: incidência
lateral esquerda. Visualiza-se infiltrado intersticial difuso e assimétrico e
massas bilaterais, massa medindo aproximadamente 6 centímetros no terço médio
do pulmão esquerdo e 3,5 centímetros na base do pulmão direito
Fig. 3 ' TC tórax de alta resolução com contraste endovenoso. Linfangite,
múltiplos nódulos e micronódulos extensamente disseminados no parênquima
pulmonar, bilateralmente, de forma realtivamente simétrica, acometendo
predominantemente as extremidades distais vasculares; massa no pulmão esquerdo
Com base no quadro clínico e achados de imagem, aventou-se a hipótese
diagnóstica de lesão neoplásica metastática. Foi realizada biopsia de nódulo
pulmonar percutânea guiada por tomografia computadorizada com o seguinte laudo
anatomopatológico: fragmento tecidual infiltrado por tecido neoplásico
constituído por células atípicas que apresentam citoplasma claro, vacuolizado e
mais raramente vacúolos esféricos, citoplasma que rechaça o núcleo para a
periferia. Ocasionalmente, observam-se células de aspecto fibroblástico e há
também células gigantes multinucleadas de aspecto inflamatório (Fig. 4).
Aspectos morfológicos compatíveis com tumor de células gigantes.
Fig. 4 – Ressonância magnética nuclear do joelho esquerdo. A: T2 axial. B: T1
axial. Presença de cavidade cirúrgica tamponada com cimento ósseo no côndilo
medial do fémur. Junto da borda superoposterior da cavidade cirúrgica
observamos área com alteração de sinal, com baixo sinal em T1 (B)
A radiografia ao joelho esquerdo evidenciou côndilo femoral medial com
preenchimento por cimento, sem outras alterações. Ressonância magnética nuclear
demonstrou cavidade cirúrgica tamponada com cimento ósseo no côndilo medial do
fémur, junto à borda superoposterior da cavidade cirúrgica, observando-se áreas
de alteração do sinal, caracterizada por baixo sinal em T1, alto sinal em DP,
com discreta impregnação pelo contraste endovenoso, sugerindo recidiva tumoral
(Figs. 5, 6 e 7).
Fig. 5 – RNM, cortes sagitais. Presença de cavidade cirúrgica tamponada com
cimento ósseo no côndilo medial do fémur. Junto à borda superoposterior da
cavidade cirúrgica observamos área com alteração de sinal, com baixo sinal em
T1 (B)
Fig. 6 – RMN, cortes axiais antes e após a aplicação endovenosa de gadolíneo,
com discreta impregnação da lesão
Fig. 7 – HE 200×. Grupamento de células tumorais, tendo de permeio células
gigantes multinucleadas (setas)
O doente está em acompanhamento clínico, apenas com tratamento sintomático.
Discussão
Após procedimentos intralesionais, a taxa de recorrência local do tumor de
células gigantes varia de 10 a 40%
7,8
, e é mais elevada no rádio distal, fémur proximal e tíbia distal
7
.
Ressecção cirúrgica incompleta e recorrência local é acompanhada de elevação do
risco de metástase pulmonar
3,9
.
Num estudo que avaliou 67 casos de recorrência, 69,7% ocorreram nos dois anos
seguintes ao tratamento do tumor primário e 97% nos primeiros 5 anos. Sete
destes doentes (10,5%) desenvolveram metástases pulmonares. Cinco deles
associados à primeira recidiva local, um após a segunda e um após a terceira
reincidência. Portanto, todos os doentes com recorrência local de GCTB devem
ser submetidos a uma tomografia computadorizada de tórax
7
.
No caso relatado neste artigo, o diagnóstico de recidiva tumoral e metástase
pulmonar foi realizado 21 meses após tratamento local do tumor primário, o que
condiz com os dados da literatura, que já evidenciou que a maioria das
recidivas ocorre nos dois primeiros anos após o diagnóstico inicial, e o sítio
de metástase mais comum é pulmonar.
O mecanismo de desenvolvimento das metástases é desconhecido. Alguns autores
sugerem a hipótese de a infiltração do tumor de células gigantes em vasos no
local da lesão primária poder gerar alguns êmbolos para o parênquima pulmonar
que permanecem viáveis. Outros autores não encontraram qualquer correlação
entre invasão vascular e metastização do tumor ósseo de células gigantes1.
Disseminação para linfonodos e depósitos subcutâneos são raros, mas também têm
sido relatados
10
.
Estes casos de GCT benigno com doença metastática são, por vezes, erroneamente
descritos como malignos. No entanto, estas metástases são histologicamente
idênticas ao tumor benigno primário e têm bom prognóstico, por isso o termo
GCT maligno deve ser reservado para casos de sarcoma resultantes de um GCT
anteriormente documentado ou adjacente a um típico GCT
10
.
A transformação maligna do tumor de células gigantes (GCT) é um fenómeno raro.
O diagnóstico, na maioria dos casos, é inesperado e, geralmente, descoberto
acidentalmente mediante análise patológica do espécime ressecado do sítio de
metástase. A identificação de ossificação dentro de um GCT em exames de imagem,
que, na sua forma benigna, é puramente lítico, deve ser interpretado como um
possível indicador de malignidade
10
.
A análise por imunofluorescência de alguns GCT evidenciou componentes de
osteossarcomas; por conseguinte, é possível que uma transformação maligna
osteossarcomatosa possa ocorrer. Uma segunda hipótese é o aumento da
remodelação óssea induzida por GCT levou à formação de mutações genéticas que
podem, eventualmente, conduzir ao desenvolvimento de osteosarcoma adjacente ao
GCT10.
GCT malignos são divididos em primários e secundários. Os primários são aqueles
com componente sacomatoso maligno, e são muito raros. Os secundários apresentam
sarcoma de alto grau e ocorrem em sítios de GCT previamente tratados,
principalmente após radioterapia. O tipo secundário é o mais comum
10
.
Infelizmente, não é possível diferenciar confiavelmente o GCT malignos
primários do seu homólogo benigno baseado apenas no aspecto radiológico das
lesões. Os sintomas clínicos e sinais, como rápido aumento da dor ou tamanho da
lesão, aumentam a suspeita de malignização. Características radiológicas que
sugerem agressividade, como um grande componente de tecidos moles ou invasão
cortical, podem ser vistas na malignização primária e secundária, bem como no
GCT benigno com metastização, e são, portanto, inúteis nessa diferenciação. O
grau de sobreposição dos achados radiológicos faz com que a análise histológica
do osso seja crucial para o diagnóstico; devendo haver o cuidado de investigar
a presença de pequenas áreas focais de sarcoma
10
.
A análise histológica do caso apresentado evidenciava características
morfológicas de tumor de células gigantes sem componente sarcomatoso, o que
levou ao diagnóstico de GCT benigno com metástase pulmonar.
O tumor de células gigantes consiste principalmente em três tipos de células:
gigantes multinucleadas semelhantes a osteoclastos (que originou a antiga
nomenclatura de osteoclastoma), células mononucleares e células do estroma onde
o tumor prolifera
3,11
.
Outros diagnósticos diferenciais incluem: osteossarcoma, fibrossarcoma,
histiocitoma fibroso maligno, plasmocitoma, tumores marronsno
hiperparatireoidismo, granulomas de células gigantes reparativos e metástases
de carcinomas
1
.
As metástases pulmonares ocorrem em aproximadamente 2% dos casos
1
. Num estudo que avaliou 214 casos de tumores de células gigantes, entre 1980 e
2007, com seguimento médio de 59,8 meses, teve incidência de metástases
pulmonares de 3,3%. O tratamento das metástases pulmonares nesta série foi a
remoção cirúrgica em quatro casos, quimioterapia neoadjuvante (combinação de
isofosfamida, cisplatina e adriamicina), seguida de ressecção cirúrgica em um
caso,aplicação do interferon á e bifosfonados em três casos, e interferon á
associado a bifosfonados e quimioterapia em um doente. Dois doentes não tinham
condições cirúrgicas e foram tratados com quimioterapia associada a
radioterapia e o outro com interferon á associado a bifosfonados. Na última
consulta de acompanhamento (média de 54,9 meses), um doente foi considerado
curado da doença, uma tinha doença estável e uma morreu em decorrência da
doença, apesar das elevadas doses de quimioterapia. Esta última doente tinha
metástases no pulmão, tecidos moles do braço, tórax, língua, cérebro e
intestino delgado e teve como causa do óbito uma perfuração intestinal
3
.
A história natural das lesões metastáticas é imprevisível e há evidências de
que a melhor resposta ao tratamento das metástases pulmonares ocorre nos três
primeiros anos
1
.
O prognóstico após a remoção cirúrgica das metástases geralmente é bom
3,9
. Se a remoção das lesões não é possível, alguns especialistas recomendam
quimioterapia; porém, ainda não há consenso na literatura sobre a efectividade
da quimioterapia nestes casos
3
.
Os bifosfonados apresentam actividade citotóxica sobre os osteoclastos e
células gigantes tumorais, o que justifica a sua eficácia no tratamento deste
tumor
3
.
Devido ao doente ter apresentado grande melhoria da dispneia apenas com
cuidados clínicos, estamos realizando manejo conservador com revisões
periódicas mensais.