Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe0874-02832012000100010

EuPTCVHe0874-02832012000100010

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0874-0283
Year2012
Issue0001
Article number00010

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

Percecao da cultura organizacional em instituicoes publicas de saude com diferentes modelos de gestao

Introdução Nos anos oitenta o estudo da cultura organizacional passou a ser visto como uma espécie de panaceia para garantir o sucesso das organizações (Cunha et al., 2006). Um dos aspetos que sobressaiu desde logo, foi a associação da cultura organizacional à performance, constituindo o impulso para o seu estudo e para o reconhecimento da sua importância. Contudo, surgiram posições críticas a esta visão instrumental do conceito, dando origem a diferentes formas de conceptualização e a diferentes formas de abordagem da cultura organizacional (Rebelo, 2006).

Atualmente, ainda que existam, entre a comunidade científica, aspetos consensuais sobre o conceito de cultura organizacional, continuam patentes na literatura diferentes perspetivas sobre a forma de a operacionalizar e consequentemente de a investigar.

Para Gomes (1994a), no seio da literatura da especialidade estão em confronto basicamente duas perspetivas sobre cultura organizacional: a que concebe que a organização é uma cultura e/ou a que concebe que a organização tem uma cultura.

A primeira concebe a cultura como metáfora fundadora e a segunda como uma variável organizacional.

Na perspetiva da cultura como metáfora fundadora (a organização é uma cultura) é salientada a natureza simbólica da vida organizacional. A organização é concebida como uma realidade socialmente construída, um sistema de conhecimentos a que os atores organizacionais recorrem para interpretarem a realidade em que vivem (Gomes, 1994, 2000). Ao dizer-se que a organização é uma cultura, a tónica recai sobre a forma como a organização se vai construindo, sobre o modo como se expressa e representa, como se organiza (op. cit.). Não se trata de negar ou subestimar a importância das variáveis tradicionalmente consideradas, mas de considerar o modo como as mesmas são concebidas e vividas pelos membros da organização. A cultura é considerada, segundo esta perspetiva, como algo intrínseco à própria organização e, como tal, difícil de gerir e mudar, o que no fundo, inviabiliza qualquer intervenção ao nível da mesma (Rebelo, 2006).

Por sua vez, na perspetiva da cultura como variável (a organização tem uma cultura) a ênfase é colocada na sua natureza concreta, sendo salientada a possibilidade da cultura poder e dever ser gerida, tendo em vista o empenhamento e motivação dos colaboradores da organização, e consequentemente a melhoria da eficácia organizacional (Gomes, 1994a). Este aspeto é, no entanto, muitas vezes, negligenciado ou esquecido aquando da implementação de processos de mudança organizacional. Os pragmáticos, defensores desta conceção, e por oposição aos puristas, encaram a cultura como a chave da produtividade e empenhamento, arguindo que a cultura não pode ser gerida, como o tem sido e deve sê-lo (Gomes, 2000). Ou seja, ainda que a cultura possa ser mais ou menos difícil de mudar, ela é transformável e gerível (op. cit.).

Segundo esta perspetiva a cultura é vista como uma das variáveis intervenientes no funcionamento da organização (Gomes, 1994, p. 288), um subsistema no sistema global que é a organização. Os estudos que perspetivam a cultura como variável têm subjacente uma visão mais instrumental da organização, sendo a investigação centrada essencialmente no estabelecimento de relações entre diferentes variáveis ou aspetos organizacionais e contextuais (Smircich, 1983). A sua gestão torna-se, portanto, necessária, de modo que em consonância com outras variáveis - financeiras, tecnológicas - facilite o alcance dos objetivos organizacionais (op. cit.).

Foi de facto, o reconhecimento, por parte de teóricos e práticos, da importância dos fatores culturais nas práticas de gestão, que esteve na génese do amplo desenvolvimento dos estudos sobre cultura organizacional a partir da década de oitenta. Assumiu-se a crença no facto da cultura constituir um fator de diferenciação das empresas bem-sucedidas das menos bem-sucedidas, e de a boa cultura de empresa (entenda-se boa no sentido de adequada) ser o elemento subjacente ao sucesso económico (Ferreira, Neves e Caetano, 1996).

Estas duas perspetivas são duas maneiras diferentes de aliar cultura e organização, no entanto, apesar de distintas, não são contraditórias nem incompatíveis, pois as organizações são uma cultura e simultaneamente têm uma cultura (Gomes, 1994a, 2000). Como defende Gomes (2000, p. 19) se cada organização tem uma cultura, isto é, um percurso histórico que a diferencia e identifica, a um nível mais profundo, toda e qualquer organização é uma cultura. Ser uma cultura alerta para a dificuldade em gerir a cultura no sentido da sua mudança, e ter uma cultura salienta que sendo a cultura uma dimensão importante da vida organizacional, merece a atenção de quem gere a organização (Rebelo, 2006).

Não obstante concordarmos com a perspetiva de Gomes, segundo a qual cada organização tem e é uma cultura, atendendo ao objetivo que norteia este estudo, basear-nos-emos apenas na conceção de que a organização tem uma cultura.

Apesar da cultura organizacional constituir uma das variáveis mais subjetivas da organização, os esforços para a sua medição são justificáveis (Periotto e Busanelo, 2008), por um lado, face à suscetibilidade em ser relacionada com outras variáveis, tais como a performance, a satisfação ou a eficácia (Gomes, 2000), e por outro, perante a necessidade de mudança e simultaneamente manutenção da estabilidade, face a um ambiente de constante turbulência, característico do atual mundo de negócios (Cameron e Quinn, 2006). Daqui decorre que a crescente importância dada à cultura organizacional é também resultado da crescente turbulência, complexidade e imprevisibilidade do ambiente externo em que as organizações operam.

No âmbito desta linha de pensamento, que reconhece a importância da medição da cultura organizacional, Cameron e Quinn (2006) propõem-nos o modelo dos valores contrastantes, considerado atualmente um dos modelos mais consensuais no estudo da cultura organizacional (Ferreira, 2006; Ferreira e Hill, 2007). Este modelo integra quatro quadrantes, em que cada quadrante representa um tipo de cultura: cultura de clã, cultura hierárquica, cultura de adocracia e cultura de mercado.

A cultura de clã é característica de organizações que constituem locais muito familiares para trabalhar, onde as pessoas partilham muito de si próprias. Os líderes são considerados mentores ou mesmo figuras parentais, sendo exemplos de apoio, aconselhamento e treino. O compromisso para com a organização é elevado, em que esta se mantém unida fruto da tradição ou da lealdade e confiança mútua.

É dada grande ênfase ao desenvolvimento dos recursos humanos, bem como à coesão e à moral. O sucesso é definido em termos de sensibilidade e preocupação para com as pessoas. A organização premeia o trabalho de equipa, a participação e o consenso.

A cultura hierárquica é própria de organizações muito controladas e estruturadas, onde as pessoas são orientadas por procedimentos. Os líderes são considerados bons organizadores e coordenadores, potenciadores da eficiência. A permanência e estabilidade constituem aspetos importantes, sendo a coesão organizacional mantida graças às políticas e regras formais. O sucesso da organização é definido com base na eficiência. Como aspetos cruciais salienta- se o planeamento e o controlo de custos. O estilo de gestão caracteriza-se por zelar pela segurança de emprego, conformidade, previsibilidade e estabilidade das relações.

A cultura de adocracia caracteriza um local de trabalho dinâmico, empreendedor e criativo, onde as pessoas se expõem e arriscam. Os líderes são vistos como pessoas inovadoras, dispostas a correr riscos. Para a organização o mais importante é estar na vanguarda dos acontecimentos, sendo fundamental a liderança de um produto ou serviço. A organização mantém-se unida fruto do compromisso para com a experimentação e inovação. É encorajada a iniciativa e defendida a liberdade, e o sucesso organizacional é definido com base na novidade e singularidade dos seus produtos e serviços.

A cultura de mercado é característica de organizações orientadas para os resultados, em que a principal preocupação consiste na concretização do trabalho. As pessoas são competitivas e os seus líderes, além de competitivos, são dirigentes firmes e produtivos. A reputação e o sucesso são preocupações comuns. A coesão organizacional é mantida face à ênfase nos ganhos. O sucesso define-se em termos de quota e penetração de mercado, em que preços competitivos e liderança de mercado são fatores importantes. O estilo de gestão é marcado por uma orientação forte no sentido da competitividade, com enfoque na superação de objetivos ambiciosos, em ações competitivas e no alcance de objetivos e metas mensuráveis.

As características inerentes a cada um destes perfis culturais vão repercutir- se na maior ou menor flexibilidade e permeabilidade da organização à mudança.

Para se tornarem competitivas, nas condições que a globalização impõe, as organizações têm que se reestruturar, no sentido de uma maior flexibilização e de uma menor hierarquização. Na atual sociedade - sociedade do conhecimento - o modelo tradicional da estrutura hierárquica não é capaz de responder devidamente às novas necessidades organizacionais, que pressupõem um maior envolvimento e compromisso dos colaboradores, maior poder de decisão, mais criatividade e maior autonomia e responsabilidade dos colaboradores (Serrano e Fialho, 2005).

As organizações de um modo geral, e as organizações de saúde de um modo particular, necessitam de fazer face às exigências de uma sociedade em constante mudança, o que implica adaptações quase que permanentes para manterem a competitividade. Exemplo disso, são as profundas reformas que os sistemas de saúde de diferentes países europeus, de que não é exceção Portugal, têm sido alvo ao longo das últimas duas - três décadas. Estas reformas têm vindo a ser conduzidas por pressão do controlo das despesas dos serviços de saúde, face ao rápido aumento dos custos, e pela necessidade de uma maior responsabilização perante os utilizadores.

Na sequência das reformas no sector da saúde, diferentes modelos de gestão têm vindo a ser adotados, constituindo uma realidade em vários países, incluindo Portugal (Frederico, 2005). A necessidade de adoção de novos modelos de gestão ao nível da organização do sistema de saúde e das instituições prestadoras de cuidados de saúde parece ser consensual e impõe-se como essencial atendendo a um aparente esgotamento do sistema vigente, que põe em causa alguns princípios fundamentais, nomeadamente a equidade no acesso aos cuidados de saúde e a universalidade da cobertura (Rego, 2008). Segundo Frederico (2005) esta necessidade decorre, no fundo, da tomada de consciência, que é um imperativo controlar a forma como os recursos, que são escassos, são utilizados, na produção e distribuição de cuidados de saúde.

Até 2002 os hospitais assumiam o estatuto de instituto público, todavia, o modelo clássico de gestão hospitalar na forma de instituto público parece manifestar-se incapaz de consubstanciar os objetivos a que se propõe relativamente à eficiência na gestão, à eficácia administrativa e até mesmo ao nível da qualidade na prestação (Rego, 2008). Face ao descontentamento relativamente a este modelo, em 2002, a Lei 27/02, de 8 de novembro, aprovou o novo regime jurídico de gestão hospitalar, e procedeu à primeira alteração à Lei de Bases da Saúde. A nova lei de gestão hospitalar refere-se à empresarialização dos hospitais, uma velha aspiração do sistema (Portugal, 2004).

É na sequência da nova lei de gestão hospitalar, que se inicia um movimento mais amplo de implementação de novos modelos de gestão das unidades prestadoras de cuidados de saúde, ao nível hospitalar. Em 2002 assiste-se à transformação de alguns hospitais em sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos (Hospitais SA), sendo posteriormente, em 2005, transformados em entidades públicas empresariais (Hospitais EPE).

Dos vários modelos e das várias experiências entretanto adotadas foi a empresarialização hospitalar que se generalizou, sendo percetível o peso das entidades empresariais no sistema de saúde português, englobando cerca de 60% dos prestadores, em 2008 (Stoleroff e Correia, 2008).

A empresarialização dos hospitais consiste na criação de um modelo organizativo, económico-financeiro e cultural centrado no utente e assente na eficiência da gestão. O modelo empresarial é um modelo de gestão por objetivos, em que os hospitais passam de uma cultura de orçamento anual baseado em custos históricos para uma cultura de performance baseada na otimização da gestão (Portugal, 2009). Através deste novo modelo pretende-se que a gestão seja inovadora e orientada para a obtenção de melhores resultados, encontrando-se sujeita a regras rígidas. Por exemplo, a contabilidade tem de pautar-se por critérios de maior transparência.

Os hospitais entidades públicas empresariais constituem assim, empresas públicas, geridas em nome do interesse público, em que o seu financiamento, sendo público, passa a ser realizado em função dos resultados obtidos.

Esta evolução, de sector público administrativo para o sector empresarial do estado, traduziu-se numa aproximação à gestão privada em duas áreas essenciais: compra de bens e serviços e recursos humanos. Na primeira, a grande vantagem foi a introdução de regras mais flexíveis e expeditas, e a possibilidade de negociação de preços e condições de fornecimento. Em relação aos recursos humanos, os benefícios assentam na introdução do contrato individual de trabalho e, consequentemente, na possibilidade de se individualizarem remunerações e condições de trabalho.

Na opinião de Rego (2008) estas novas medidas, no âmbito da gestão hospitalar, devem ser perspetivadas como resultado da necessidade premente de uma nova cultura organizacional. Trata-se, portanto, da implementação de uma cultura de gestão empresarial assente na responsabilização dos diferentes agentes envolvidos (op. cit., p. 45), com o intuito de otimizar os recursos, combatendo o desperdício.

Apesar do peso considerável dos hospitais entidades públicas empresariais enquanto prestadores de cuidados hospitalares, que ter também em consideração, os hospitais do sector público administrativo, a partir dos quais evoluíram e que ainda constituem uma realidade a nível da rede hospitalar.

Os hospitais do sector público administrativo não obstante serem dotados de alguma independência funcional, têm a sua autonomia condicionada face à sua forte dependência do Ministério da Saúde (através da Administração Regional de Saúde) nomeadamente em termos de financiamento, gestão e recrutamento de recursos humanos (Rego, 2008).

Nestes hospitais vigoram as tradicionais regras do funcionalismo público, onde o estado exerce uma intervenção mais direta no seu funcionamento. Contudo, como referem Stoleroff e Correia (2008) isto não significa que o sector público administrativo mantenha as dinâmicas que fizeram dele um sistema excessivamente dispendioso, rígido e burocratizado. Aliás, na opinião dos autores acima mencionados, as medidas reformistas aplicadas no sector público administrativo levam-nos a equacionar um processo de esbatimento das distâncias de gestão organizacional e financeira relativamente ao sector empresarial do estado, em que os hospitais públicos passam invariavelmente por reconfigurações na conceção organizacional, através da incorporação de objetivos de agilização da prestação pública de cuidados, ao mesmo tempo que incorporam medidas de gestão de recursos humanos, no sentido da flexibilidade e do controlo dos profissionais.

As medidas de reforma não se têm limitado ao sector hospitalar, estendendo-se também aos cuidados de saúde primários, salientando-se entre elas a criação de Unidades de Saúde Familiar. As Unidades de Saúde Familiar constituem unidades funcionais multiprofissionais (constituídas por médicos, enfermeiros e administrativos), com autonomia organizativa, funcional e técnica, num quadro de contratualização interna, envolvendo objetivos de acessibilidade, adequação, efetividade, eficiência e qualidade. Representam um novo modelo organizacional, flexível, que se opõe às tradicionais estruturas hierárquicas e burocráticas de poder e de decisão vertical. As funções de gestão e execução/realização tendem a fundir-se ao nível operacional (Portaria 1368/2007 de 18 de outubro).

Estes novos modelos de gestão, implementados ou em vias de implementação em algumas instituições, pressupõem flexibilidade organizativa e de gestão, desburocratização, trabalho em equipa, autonomia e responsabilização, e melhoria contínua da qualidade, aspetos que se distanciam do tradicional modelo burocrático.

Assim, dado o contexto de reforma dos cuidados de saúde em Portugal, e na presença ou eminência de mudanças organizacionais decorrentes da implementação de novos modelos de gestão das instituições de saúde, considera-se pertinente conhecer o tipo de cultura que prevalece nas mesmas. Não obstante as dificuldades inerentes à mudança da cultura organizacional, mas dado que esta constitui um fator crítico de sucesso à implementação de mudanças organizacionais (Periotto e Busanelo, 2008), os esforços para a sua medição são justificáveis, na medida em que poderão contribuir para o sucesso da implementação dos novos modelos de gestão. Como refere Cameron e Quinn (2006) conhecer os valores centrais da cultura organizacional pode ser uma ferramenta especialmente útil para a gestão eficaz da mudança organizacional.

Metodologia Objetivo: identificar o tipo de cultura organizacional que prevalece em instituições públicas de saúde com diferentes modelos de gestão Tipo de estudo: quantitativo e transversal Amostra: a amostra é constituída por diferentes colaboradores (enfermeiros, médicos, assistentes operacionais, administrativos, técnicos de diagnóstico e terapêutica) de dez instituições de saúde, enquadradas em três modelos de gestão: modelo SPA, modelo EPE e modelo USF. Os questionários foram entregues a todos os colaboradores desde que tivessem pelo menos seis meses de exercício profissional na instituição. A colheita de dados decorreu, nas diferentes instituições de saúde, entre a segunda quinzena de setembro e meados de dezembro de 2009, e entre meados de janeiro e finais de março de 2010.

Instrumento de colheita de dados: questionário constituído por dois conjuntos de questões: o primeiro, inclui o instrumento OCAI (Organizational Culture Assessment Instrument), que foi por nós objeto de tradução, adaptação e validação para o sector da saúde, e utiliza como critério de resposta uma escala de concordância, tipo Likert, em que as opções de resposta variam entre 1 (discordo em absoluto) e 5 (concordo em absoluto). O segundo conjunto de questões refere-se à caracterização sociodemográfica e profissional dos inquiridos.

O questionário de diagnóstico da cultura organizacional OCAI, desenvolvido por Cameron e Quinn (Cameron e Quinn, 2006), e baseado no Modelo dos Valores Contrastantes, tem sido utilizado em vários estudos internacionais e nacionais (Ferreira, 2006; Ferreira e Hill, 2007; Periotto e Busanelo, 2008). Apesar do questionário OCAI ter sido utilizado em estudos nacionais, aquando do início do estudo, que está integrado numa investigação mais ampla, apenas se encontrou referências à sua utilização em contexto nacional, ou então adaptações do mesmo, pelo que se optou por recorrer diretamente à sua génese.

Independentemente do tipo de organização ou organizações em causa nos estudos que recorreram a este instrumento, a sua eleição teve como intenção o diagnóstico da cultura organizacional patente nessas organizações: cultura de clã, cultura hierárquica, cultura de adocracia e cultura de mercado.

Na sua versão original, o OCAI apresenta boas qualidades psicométricas, quer em termos de fiabilidade quer em termos de validade (Cameron e Quinn, 2006), o mesmo se verificando no presente estudo. Para cada um dos perfis culturais, os coeficientes de alfa de Cronbach assumem valores entre 0,83 e 0,85, comprovando a presença de uma boa consistência interna. Relativamente à validade, constatou-se que nenhuma das organizações se caracterizou por uma única cultura, evidenciando-se as culturas dominantes.

Considerações ético-legais: na realização do estudo foram respeitados os procedimentos ético-legais, que constaram de pedidos de autorização formais para recolha de dados, dirigidos aos presidentes dos conselhos de administração dos hospitais, diretores executivos dos agrupamentos de centros de saúde ou coordenadores das unidades de saúde familiar onde decorreu o estudo. Foi também respeitada a colaboração voluntária e o anonimato dos inquiridos.

Procedimentos: a distribuição dos questionários foi feita pela investigadora mediante a entrega de envelopes com o instrumento de recolha de dados aos elementos responsáveis pelas equipas ou a determinado elemento-chave em cada unidade ou departamento da instituição, os quais se revelaram uma ajuda preciosa não na distribuição dos questionários pelos restantes elementos da equipa, como também na centralização da recolha dos questionários.

O período de tempo que se acordou entre a distribuição e a recolha dos questionários pela investigadora foi, de um modo geral, de duas a três semanas.

No entanto, em todas as instituições de saúde houve necessidade de se proceder a um aumento do período de tempo de preenchimento, o que implicou, regra geral, a realização de um segundo momento de recolha, duas a três semanas após a primeira recolha, face ao reduzido número de questionários preenchidos na data definida para a sua recolha.

Resultados e discussão Caracterização dos inquiridos A amostra é constituída por 671 colaboradores de dez instituições de saúde, em que 374 (55,74%) exercem funções em instituições de saúde modelo SPA, 260 (38,75%) exercem funções em instituições de saúde modelo EPE e 37 (5,51%) exercem funções em instituições de saúde modelo USF. No que diz respeito ao grupo profissional, a maioria dos inquiridos são enfermeiros (62,30%), 12,70% são assistentes operacionais, 10,30% administrativos, 8,60% técnicos de diagnóstico e terapêutica e 2,20% médicos.

Quanto ao género observa-se que maioritariamente são do género feminino (73,00%). Relativamente à idade, a média é de 37,70 anos (dp=9,52), em que o indivíduo mais novo tem 22 anos e o mais velho 62 anos. Em termos de anos de profissão, a amostra apresenta um valor médio de 14,12 anos de experiência profissional (dp=9,53). O colaborador mais novo desempenha as suas funções apenas 1 ano e o mais velho 41 anos. No que respeita à antiguidade na instituição, a média é de 11,99 anos (dp=9,22), em que o indivíduo mais novo trabalha na instituição 1 ano e o mais velho 41 anos. Em relação ao tipo de vínculo, observa-se um predomínio dos indivíduos (50,50%) com contrato de trabalho em funções públicas (CTFP) por tempo indeterminado (vínculo sucedâneo ao outrora quadro da administração pública), relativamente aos indivíduos em que o vínculo assenta num outro tipo de contrato (contrato de trabalho a termo resolutivo, contrato individual de trabalho) (33,10%).

Pormenorizando a caracterização dos inquiridos por modelos de gestão, no modelo SPA, e no que concerne ao grupo profissional, 63,10% são enfermeiros, 12,30% assistentes operacionais, 12,00% administrativos, 7,50% técnicos de diagnóstico e terapêutica e 0,50% médicos. Relativamente ao género a maioria dos indivíduos é do género feminino (76,20%). Quanto à idade, o valor médio é de 38,10 anos (dp= 9,59), com um mínimo de 22 e um máximo 60 anos. No que respeita aos anos de experiência profissional e antiguidade na instituição a média é de 14,33 anos (dp= 9,46) e 12,55 anos (dp= 9,36), respetivamente. Em termos de vínculo, 57,00% dos indivíduos têm um CTFP por tempo indeterminado e 29,90% outro tipo de contrato de trabalho.

No modelo EPE, também prevalece o género feminino (67,30%). No que diz respeito ao grupo profissional, predominam os enfermeiros (62,70%), seguindo-se os assistentes operacionais (15,00%), os técnicos de diagnóstico e terapêutica (11,50%), os administrativos (7,30%) e por fim os médicos (0,40%). Quanto à idade dos inquiridos, varia entre 23 e 62 anos, em que o valor médio é de 37,15 anos (dp= 9,41). Relativamente à experiência profissional, a média é 13,86 anos (dp= 9,77), sendo que a antiguidade na instituição assume o valor médio de 11,68 anos (dp= 9,01). No que concerne ao tipo de vínculo, observam-se valores de percentagem próximos entre os indivíduos com CTFP por tempo indeterminado e os indivíduos com outra modalidade de contrato, respetivamente 40,80% e 38,10%.

No modelo USF, e à semelhança dos modelos anteriores verifica-se um predomínio do género feminino (81,10%). Quanto ao grupo profissional a que pertencem, 51,40% dos indivíduos são enfermeiros, 32,40% médicos e 13,50% administrativos.

A idade média dos indivíduos é de 37,15 anos (dp= 9,41), em que o indivíduo mais novo tem 23 anos e o mais velho 62 anos. Em relação às variáveis experiência profissional e antiguidade na instituição, a média é de 13,64 anos (dp= 8,73) para a primeira e de 11,68 anos (dp= 9,01) para a segunda. No que diz respeito ao tipo de vínculo, para 54,10% dos inquiridos o vínculo assenta num CTFP por tempo indeterminado e para 29,70% numa outra modalidade de contrato.

Cultura organizacional em instituições públicas de saúde Os resultados apontam para uma predominância da cultura hierárquica nas instituições de saúde públicas (média=3,39, dp=0,80; num score de 1 a 5 pontos). À cultura hierárquica segue-se a cultura de clã (média=3,28, dp=0,89) e a cultura de mercado (média=3,16, dp=0,88). A cultura de adocracia é a que apresenta menor valor médio (média=3,14, dp=0,85), demonstrando ser, portanto, a menos predominante (Quadro 1).

Quadro 1 ' Estatísticas resumo dos diferentes tipos de cultura presentes em instituições públicas de saúde (n= 671)

Os resultados do presente estudo são idênticos aos obtidos por Domenico, Latorre e Teixeira (2006) num estudo desenvolvido em empresas brasileiras, em que a cultura hierárquica foi reconhecida como predominante, seguida da cultura do tipo clã, da cultura de mercado e por último da cultura de adocracia. No entanto, Periotto e Busanelo (2008), num estudo desenvolvido numa empresa industrial brasileira, encontraram resultados diferentes, em que prevalecia a cultura de mercado, seguida de muito próximo pela cultura de clã e hierárquica.

Reportando-nos à realidade portuguesa, um estudo desenvolvido por Ferreira e Hill (2007) no âmbito das instituições de ensino superior demonstrou um predomínio da cultura hierárquica, independentemente da instituição ser pública ou privada. Daqui decorre que muito embora estejamos perante duas realidades diferentes (instituições de saúde e instituições de educação) os resultados parecem transparecer que a cultura hierárquica está fortemente enraizada nas organizações portuguesas.

A cultura hierárquica retrata organizações muito controladas e estruturadas, onde as pessoas são orientadas por políticas e regras formais, sendo dada grande ênfase à permanência e à estabilidade. De facto, até recentemente as instituições de saúde públicas eram regidas pelas tradicionais regras do funcionalismo público, caracterizado pela rigidez e burocracia, exercendo o estado uma intervenção mais direta no seu funcionamento, o que poderá justificar os resultados obtidos.

No entanto, nos últimos anos tem-se assistido a reconfigurações na conceção organizacional, através da incorporação de objetivos de agilização da prestação pública, que reclamam organizações dinâmicas, empreendedoras, criativas e inovadoras. Assim, desde 2002 várias experiências e vários modelos de gestão têm vindo a ser implementados nas instituições de saúde, e que pressupõem flexibilidade organizativa e de gestão, desburocratização, trabalho em equipa, autonomia e responsabilização, aspetos que não se coadunam com uma cultura organizacional predominantemente hierárquica, mas que requerem cada vez mais uma cultura orientada para o mercado e tendencialmente adocrática.

Analisando o tipo de cultura organizacional predominante nas instituições de saúde atendendo ao modelo de gestão, verifica-se que tanto nas instituições de saúde modelo SPA como nas instituições de saúde modelo EPE predomina a cultura do tipo hierárquica, seguida da cultura de clã (Quadro 2). Ou seja, o tipo de modalidade de gestão não parece alterar os valores culturais dominantes nas instituições de saúde da área hospitalar.

Quadro_2 ' Resultados da aplicação da ANOVA aos diferentes tipos de cultura em função do modelo de gestão

Tendo presente que os dois modelos de gestão (SPA e EPE) são regidos por princípios diferentes, seria de supor que encontrássemos diferenças relativamente à cultura dominante nestes dois modelos, no entanto, tal não se verificou. Além da cultura hierárquica ser a predominante nos dois modelos, observa-se ainda que em ambos os modelos, a cultura de clã apresenta-se como o tipo de cultura com o segundo valor médio mais elevado. Esta semelhança de resultados pode dever-se ao facto do modelo EPE ter evoluído a partir do modelo SPA, e esta evolução ser ainda relativamente recente em algumas instituições. A este facto, acresce que a cultura organizacional é difícil de mudar e as mudanças são lentas, o que poderá explicar o predomínio do mesmo tipo de cultura nos dois modelos. Contudo, é de salientar que nas instituições do modelo EPE, as culturas de adocracia e de mercado assumem valores médios mais elevados quando comparadas com as instituições do modelo SPA, o que nos leva a deduzir que nestas instituições parece esboçar-se um movimento de maior orientação para o mercado e para a criatividade/inovação.

Relativamente às instituições de saúde modelo USF, é a cultura clã que se destaca (média=4,37, dp=0,45), embora os resultados reflitam uma orientação para a cultura de adocracia (média=4,32, dp=0,50). A cultura hierárquica é a que apresenta menor valor médio (média=4,20, dp=0,58) (Quadro_2).

A cultura de clã é característica de organizações que constituem locais muito familiares para trabalhar, onde as pessoas partilham muito de si próprias, o que poderá justificar a predominância deste tipo de cultura nas unidades de saúde familiar, uma vez que estas constituem pequenas unidades funcionais, multiprofissionais, com autonomia organizativa, funcional e técnica, em que as funções de gestão e execução tendem a fundir-se ao nível operacional. Por sua vez, o facto da cultura de adocracia ter sido o segundo perfil cultural com maior média pode dever-se à filosofia inovadora subjacente à criação destas unidades, em que a inovação parece trazer impactos a vários níveis, nomeadamente nos custos, na qualidade, na satisfação e no acesso.

Em relação à cultura hierárquica, ter sido o tipo de cultura com menor média reforça a literatura, segundo a qual as unidades de saúde familiar representam um novo modelo organizacional que se opõe à tradicional hierarquia e burocracia de poder e decisão vertical.

Quando aplicada a ANOVA às médias dos diferentes tipos de cultura, em função da variável modelo de gestão, observa-se (Quadro_2) que todos os tipos de cultura mostram diferenças estatisticamente significativas nas médias: cultura de clã [F 2,667=35,32, p< 0,001], cultura de adocracia [F 2,663=52,70, p< 0,001], cultura de mercado [F 2,664=39,56, p< 0,001] e cultura hierárquica [F 2,666=28,94, p< 0,001]. Comparando os resultados obtidos no modelo EPE (regido por princípios/regras da gestão privada) com os do modelo SPA, as instituições de saúde modelo EPE possuem uma cultura mais hierárquica e orientada para o clã do que as instituições de saúde modelo SPA. No estudo desenvolvido por Ferreira e Hill (2007) foi na instituição de ensino superior privado que se verificou uma cultura mais hierárquica, quando comparada com a instituição de ensino superior público.

Pode observar-se ainda que, os valores médios dos diferentes tipos de cultura tendem a aproximar-se nos modelos de gestão EPE e SPA, distinguindo-se nas USF, ou seja, o modelo USF tende a distanciar-se dos outros modelos de gestão em qualquer tipo de cultura. Ao lerem-se estes resultados deve ter-se presente que os modelos EPE e SPA são hospitalares, enquanto o modelo USF diz respeito aos cuidados de saúde primários.

Conclusão Ao longo dos últimos anos tem-se assistido a mudanças nos modelos de gestão que regem as instituições de saúde, no entanto, e principalmente a nível hospitalar parece transparecer que estas mudanças não foram acompanhadas de mudanças culturais.

Os novos modelos de gestão reclamam organizações criativas, inovadoras, dinâmicas, contudo o tipo de cultura organizacional que se apresenta como predominante nas instituições de saúde não parece ser aquele que melhor se adequa à filosofia preconizada por estes novos modelos de gestão. Ainda assim, entre os vários modelos de gestão estudados (modelo SPA, EPE e USF), são as USF que deixam transparecer uma maior orientação para a competitividade e para a inovação e criatividade. Ou seja, é nas instituições de saúde modelo USF que parece evidenciar-se uma tentativa de rutura com a cultura tradicionalmente dominante nas instituições de saúde.

Salientam-se algumas limitações neste estudo, nomeadamente a pouca recetividade por parte de alguns grupos profissionais para colaborarem no estudo e o facto do número de inquiridos não ser idêntico nos três modelos de gestão estudados.

Apesar das limitações consideramos poder dar, às instituições de saúde e mais propriamente aos seus gestores, um contributo para uma gestão mais eficaz da mudança, fruto do conhecimento da cultura organizacional presente nas mesmas.

Este estudo tem potenciais implicações para a prática, não a nível da gestão estratégica das instituições de saúde, mas também, e de um modo particular a nível da gestão em enfermagem, atendendo que os resultados obtidos resultam de uma amostra constituída maioritariamente por enfermeiros. No caso concreto da enfermagem, este estudo poderá vir a suportar algumas medidas relacionadas com a rutura com uma cultura organizacional maioritariamente hierárquica, e que não se coaduna com a filosofia de inovação e melhoria contínua da qualidade dos cuidados de enfermagem cada vez mais preconizada e exigida, face a um novo modelo de sociedade, onde o conhecimento passou a ser o principal recurso económico. Também num contexto de reformas na saúde parece fundamental que se focalizem variáveis de eficiência microeconómica, de modo a gerar ao menor custo melhores cuidados.

Dos resultados depreendemos a necessidade de desenvolver outros estudos que validem os nossos resultados e que identifiquem não a cultura atual mas também a cultura desejada, e que dentro das instituições de saúde de cada modelo de gestão relacionem a cultura organizacional com outras variáveis de contexto.


Download text