Percecao da cultura organizacional em instituicoes publicas de saude com
diferentes modelos de gestao
Introdução
Nos anos oitenta o estudo da cultura organizacional passou a ser visto como uma
espécie de panaceia para garantir o sucesso das organizações (Cunha et al.,
2006). Um dos aspetos que sobressaiu desde logo, foi a associação da cultura
organizacional à performance, constituindo o impulso para o seu estudo e para o
reconhecimento da sua importância. Contudo, surgiram posições críticas a esta
visão instrumental do conceito, dando origem a diferentes formas de
conceptualização e a diferentes formas de abordagem da cultura organizacional
(Rebelo, 2006).
Atualmente, ainda que existam, entre a comunidade científica, aspetos
consensuais sobre o conceito de cultura organizacional, continuam patentes na
literatura diferentes perspetivas sobre a forma de a operacionalizar e
consequentemente de a investigar.
Para Gomes (1994a), no seio da literatura da especialidade estão em confronto
basicamente duas perspetivas sobre cultura organizacional: a que concebe que a
organização é uma cultura e/ou a que concebe que a organização tem uma cultura.
A primeira concebe a cultura como metáfora fundadora e a segunda como uma
variável organizacional.
Na perspetiva da cultura como metáfora fundadora (a organização é uma cultura)
é salientada a natureza simbólica da vida organizacional. A organização é
concebida como uma realidade socialmente construída, um sistema de
conhecimentos a que os atores organizacionais recorrem para interpretarem a
realidade em que vivem (Gomes, 1994, 2000). Ao dizer-se que a organização é uma
cultura, a tónica recai sobre a forma como a organização se vai construindo,
sobre o modo como se expressa e representa, como se organiza (op. cit.). Não se
trata de negar ou subestimar a importância das variáveis tradicionalmente
consideradas, mas de considerar o modo como as mesmas são concebidas e vividas
pelos membros da organização. A cultura é considerada, segundo esta perspetiva,
como algo intrínseco à própria organização e, como tal, difícil de gerir e
mudar, o que no fundo, inviabiliza qualquer intervenção ao nível da mesma
(Rebelo, 2006).
Por sua vez, na perspetiva da cultura como variável (a organização tem uma
cultura) a ênfase é colocada na sua natureza concreta, sendo salientada a
possibilidade da cultura poder e dever ser gerida, tendo em vista o
empenhamento e motivação dos colaboradores da organização, e consequentemente a
melhoria da eficácia organizacional (Gomes, 1994a). Este aspeto é, no entanto,
muitas vezes, negligenciado ou esquecido aquando da implementação de processos
de mudança organizacional. Os pragmáticos, defensores desta conceção, e por
oposição aos puristas, encaram a cultura como a chave da produtividade e
empenhamento, arguindo que a cultura não só pode ser gerida, como o tem sido e
deve sê-lo (Gomes, 2000). Ou seja, ainda que a cultura possa ser mais ou menos
difícil de mudar, ela é transformável e gerível (op. cit.).
Segundo esta perspetiva a cultura é vista como uma das variáveis
intervenientes no funcionamento da organização (Gomes, 1994, p. 288), um
subsistema no sistema global que é a organização. Os estudos que perspetivam a
cultura como variável têm subjacente uma visão mais instrumental da
organização, sendo a investigação centrada essencialmente no estabelecimento de
relações entre diferentes variáveis ou aspetos organizacionais e contextuais
(Smircich, 1983). A sua gestão torna-se, portanto, necessária, de modo que em
consonância com outras variáveis - financeiras, tecnológicas - facilite o
alcance dos objetivos organizacionais (op. cit.).
Foi de facto, o reconhecimento, por parte de teóricos e práticos, da
importância dos fatores culturais nas práticas de gestão, que esteve na génese
do amplo desenvolvimento dos estudos sobre cultura organizacional a partir da
década de oitenta. Assumiu-se a crença no facto da cultura constituir um fator
de diferenciação das empresas bem-sucedidas das menos bem-sucedidas, e de a
boa cultura de empresa (entenda-se boa no sentido de adequada) ser o
elemento subjacente ao sucesso económico (Ferreira, Neves e Caetano, 1996).
Estas duas perspetivas são duas maneiras diferentes de aliar cultura e
organização, no entanto, apesar de distintas, não são contraditórias nem
incompatíveis, pois as organizações são uma cultura e simultaneamente têm uma
cultura (Gomes, 1994a, 2000). Como defende Gomes (2000, p. 19) se cada
organização tem uma cultura, isto é, um percurso histórico que a diferencia e
identifica, a um nível mais profundo, toda e qualquer organização é uma
cultura. Ser uma cultura alerta para a dificuldade em gerir a cultura no
sentido da sua mudança, e ter uma cultura salienta que sendo a cultura uma
dimensão importante da vida organizacional, merece a atenção de quem gere a
organização (Rebelo, 2006).
Não obstante concordarmos com a perspetiva de Gomes, segundo a qual cada
organização tem e é uma cultura, atendendo ao objetivo que norteia este estudo,
basear-nos-emos apenas na conceção de que a organização tem uma cultura.
Apesar da cultura organizacional constituir uma das variáveis mais subjetivas
da organização, os esforços para a sua medição são justificáveis (Periotto e
Busanelo, 2008), por um lado, face à suscetibilidade em ser relacionada com
outras variáveis, tais como a performance, a satisfação ou a eficácia (Gomes,
2000), e por outro, perante a necessidade de mudança e simultaneamente
manutenção da estabilidade, face a um ambiente de constante turbulência,
característico do atual mundo de negócios (Cameron e Quinn, 2006). Daqui
decorre que a crescente importância dada à cultura organizacional é também
resultado da crescente turbulência, complexidade e imprevisibilidade do
ambiente externo em que as organizações operam.
No âmbito desta linha de pensamento, que reconhece a importância da medição da
cultura organizacional, Cameron e Quinn (2006) propõem-nos o modelo dos valores
contrastantes, considerado atualmente um dos modelos mais consensuais no estudo
da cultura organizacional (Ferreira, 2006; Ferreira e Hill, 2007). Este modelo
integra quatro quadrantes, em que cada quadrante representa um tipo de cultura:
cultura de clã, cultura hierárquica, cultura de adocracia e cultura de mercado.
A cultura de clã é característica de organizações que constituem locais muito
familiares para trabalhar, onde as pessoas partilham muito de si próprias. Os
líderes são considerados mentores ou mesmo figuras parentais, sendo exemplos de
apoio, aconselhamento e treino. O compromisso para com a organização é elevado,
em que esta se mantém unida fruto da tradição ou da lealdade e confiança mútua.
É dada grande ênfase ao desenvolvimento dos recursos humanos, bem como à coesão
e à moral. O sucesso é definido em termos de sensibilidade e preocupação para
com as pessoas. A organização premeia o trabalho de equipa, a participação e o
consenso.
A cultura hierárquica é própria de organizações muito controladas e
estruturadas, onde as pessoas são orientadas por procedimentos. Os líderes são
considerados bons organizadores e coordenadores, potenciadores da eficiência. A
permanência e estabilidade constituem aspetos importantes, sendo a coesão
organizacional mantida graças às políticas e regras formais. O sucesso da
organização é definido com base na eficiência. Como aspetos cruciais salienta-
se o planeamento e o controlo de custos. O estilo de gestão caracteriza-se por
zelar pela segurança de emprego, conformidade, previsibilidade e estabilidade
das relações.
A cultura de adocracia caracteriza um local de trabalho dinâmico, empreendedor
e criativo, onde as pessoas se expõem e arriscam. Os líderes são vistos como
pessoas inovadoras, dispostas a correr riscos. Para a organização o mais
importante é estar na vanguarda dos acontecimentos, sendo fundamental a
liderança de um produto ou serviço. A organização mantém-se unida fruto do
compromisso para com a experimentação e inovação. É encorajada a iniciativa e
defendida a liberdade, e o sucesso organizacional é definido com base na
novidade e singularidade dos seus produtos e serviços.
A cultura de mercado é característica de organizações orientadas para os
resultados, em que a principal preocupação consiste na concretização do
trabalho. As pessoas são competitivas e os seus líderes, além de competitivos,
são dirigentes firmes e produtivos. A reputação e o sucesso são preocupações
comuns. A coesão organizacional é mantida face à ênfase nos ganhos. O sucesso
define-se em termos de quota e penetração de mercado, em que preços
competitivos e liderança de mercado são fatores importantes. O estilo de gestão
é marcado por uma orientação forte no sentido da competitividade, com enfoque
na superação de objetivos ambiciosos, em ações competitivas e no alcance de
objetivos e metas mensuráveis.
As características inerentes a cada um destes perfis culturais vão repercutir-
se na maior ou menor flexibilidade e permeabilidade da organização à mudança.
Para se tornarem competitivas, nas condições que a globalização impõe, as
organizações têm que se reestruturar, no sentido de uma maior flexibilização e
de uma menor hierarquização. Na atual sociedade - sociedade do conhecimento - o
modelo tradicional da estrutura hierárquica não é capaz de responder
devidamente às novas necessidades organizacionais, que pressupõem um maior
envolvimento e compromisso dos colaboradores, maior poder de decisão, mais
criatividade e maior autonomia e responsabilidade dos colaboradores (Serrano e
Fialho, 2005).
As organizações de um modo geral, e as organizações de saúde de um modo
particular, necessitam de fazer face às exigências de uma sociedade em
constante mudança, o que implica adaptações quase que permanentes para manterem
a competitividade. Exemplo disso, são as profundas reformas que os sistemas de
saúde de diferentes países europeus, de que não é exceção Portugal, têm sido
alvo ao longo das últimas duas - três décadas. Estas reformas têm vindo a ser
conduzidas por pressão do controlo das despesas dos serviços de saúde, face ao
rápido aumento dos custos, e pela necessidade de uma maior responsabilização
perante os utilizadores.
Na sequência das reformas no sector da saúde, diferentes modelos de gestão têm
vindo a ser adotados, constituindo uma realidade em vários países, incluindo
Portugal (Frederico, 2005). A necessidade de adoção de novos modelos de gestão
ao nível da organização do sistema de saúde e das instituições prestadoras de
cuidados de saúde parece ser consensual e impõe-se como essencial atendendo a
um aparente esgotamento do sistema vigente, que põe em causa alguns princípios
fundamentais, nomeadamente a equidade no acesso aos cuidados de saúde e a
universalidade da cobertura (Rego, 2008). Segundo Frederico (2005) esta
necessidade decorre, no fundo, da tomada de consciência, que é um imperativo
controlar a forma como os recursos, que são escassos, são utilizados, na
produção e distribuição de cuidados de saúde.
Até 2002 os hospitais assumiam o estatuto de instituto público, todavia, o
modelo clássico de gestão hospitalar na forma de instituto público parece
manifestar-se incapaz de consubstanciar os objetivos a que se propõe
relativamente à eficiência na gestão, à eficácia administrativa e até mesmo ao
nível da qualidade na prestação (Rego, 2008). Face ao descontentamento
relativamente a este modelo, em 2002, a Lei nº 27/02, de 8 de novembro, aprovou
o novo regime jurídico de gestão hospitalar, e procedeu à primeira alteração à
Lei de Bases da Saúde. A nova lei de gestão hospitalar refere-se à
empresarialização dos hospitais, uma velha aspiração do sistema (Portugal,
2004).
É na sequência da nova lei de gestão hospitalar, que se inicia um movimento
mais amplo de implementação de novos modelos de gestão das unidades prestadoras
de cuidados de saúde, ao nível hospitalar. Em 2002 assiste-se à transformação
de alguns hospitais em sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos
(Hospitais SA), sendo posteriormente, em 2005, transformados em entidades
públicas empresariais (Hospitais EPE).
Dos vários modelos e das várias experiências entretanto adotadas foi a
empresarialização hospitalar que se generalizou, sendo percetível o peso das
entidades empresariais no sistema de saúde português, englobando cerca de 60%
dos prestadores, em 2008 (Stoleroff e Correia, 2008).
A empresarialização dos hospitais consiste na criação de um modelo
organizativo, económico-financeiro e cultural centrado no utente e assente na
eficiência da gestão. O modelo empresarial é um modelo de gestão por objetivos,
em que os hospitais passam de uma cultura de orçamento anual baseado em custos
históricos para uma cultura de performance baseada na otimização da gestão
(Portugal, 2009). Através deste novo modelo pretende-se que a gestão seja
inovadora e orientada para a obtenção de melhores resultados, encontrando-se
sujeita a regras rígidas. Por exemplo, a contabilidade tem de pautar-se por
critérios de maior transparência.
Os hospitais entidades públicas empresariais constituem assim, empresas
públicas, geridas em nome do interesse público, em que o seu financiamento,
sendo público, passa a ser realizado em função dos resultados obtidos.
Esta evolução, de sector público administrativo para o sector empresarial do
estado, traduziu-se numa aproximação à gestão privada em duas áreas essenciais:
compra de bens e serviços e recursos humanos. Na primeira, a grande vantagem
foi a introdução de regras mais flexíveis e expeditas, e a possibilidade de
negociação de preços e condições de fornecimento. Em relação aos recursos
humanos, os benefícios assentam na introdução do contrato individual de
trabalho e, consequentemente, na possibilidade de se individualizarem
remunerações e condições de trabalho.
Na opinião de Rego (2008) estas novas medidas, no âmbito da gestão hospitalar,
devem ser perspetivadas como resultado da necessidade premente de uma nova
cultura organizacional. Trata-se, portanto, da implementação de uma cultura de
gestão empresarial assente na responsabilização dos diferentes agentes
envolvidos (op. cit., p. 45), com o intuito de otimizar os recursos,
combatendo o desperdício.
Apesar do peso considerável dos hospitais entidades públicas empresariais
enquanto prestadores de cuidados hospitalares, há que ter também em
consideração, os hospitais do sector público administrativo, a partir dos quais
evoluíram e que ainda constituem uma realidade a nível da rede hospitalar.
Os hospitais do sector público administrativo não obstante serem dotados de
alguma independência funcional, têm a sua autonomia condicionada face à sua
forte dependência do Ministério da Saúde (através da Administração Regional de
Saúde) nomeadamente em termos de financiamento, gestão e recrutamento de
recursos humanos (Rego, 2008).
Nestes hospitais vigoram as tradicionais regras do funcionalismo público,
onde o estado exerce uma intervenção mais direta no seu funcionamento. Contudo,
como referem Stoleroff e Correia (2008) isto não significa que o sector público
administrativo mantenha as dinâmicas que fizeram dele um sistema excessivamente
dispendioso, rígido e burocratizado. Aliás, na opinião dos autores acima
mencionados, as medidas reformistas aplicadas no sector público administrativo
levam-nos a equacionar um processo de esbatimento das distâncias de gestão
organizacional e financeira relativamente ao sector empresarial do estado, em
que os hospitais públicos passam invariavelmente por reconfigurações na
conceção organizacional, através da incorporação de objetivos de agilização da
prestação pública de cuidados, ao mesmo tempo que incorporam medidas de gestão
de recursos humanos, no sentido da flexibilidade e do controlo dos
profissionais.
As medidas de reforma não se têm limitado ao sector hospitalar, estendendo-se
também aos cuidados de saúde primários, salientando-se entre elas a criação de
Unidades de Saúde Familiar. As Unidades de Saúde Familiar constituem unidades
funcionais multiprofissionais (constituídas por médicos, enfermeiros e
administrativos), com autonomia organizativa, funcional e técnica, num quadro
de contratualização interna, envolvendo objetivos de acessibilidade, adequação,
efetividade, eficiência e qualidade. Representam um novo modelo organizacional,
flexível, que se opõe às tradicionais estruturas hierárquicas e burocráticas de
poder e de decisão vertical. As funções de gestão e execução/realização tendem
a fundir-se ao nível operacional (Portaria nº 1368/2007 de 18 de outubro).
Estes novos modelos de gestão, implementados ou em vias de implementação em
algumas instituições, pressupõem flexibilidade organizativa e de gestão,
desburocratização, trabalho em equipa, autonomia e responsabilização, e
melhoria contínua da qualidade, aspetos que se distanciam do tradicional modelo
burocrático.
Assim, dado o contexto de reforma dos cuidados de saúde em Portugal, e na
presença ou eminência de mudanças organizacionais decorrentes da implementação
de novos modelos de gestão das instituições de saúde, considera-se pertinente
conhecer o tipo de cultura que prevalece nas mesmas. Não obstante as
dificuldades inerentes à mudança da cultura organizacional, mas dado que esta
constitui um fator crítico de sucesso à implementação de mudanças
organizacionais (Periotto e Busanelo, 2008), os esforços para a sua medição são
justificáveis, na medida em que poderão contribuir para o sucesso da
implementação dos novos modelos de gestão. Como refere Cameron e Quinn (2006)
conhecer os valores centrais da cultura organizacional pode ser uma ferramenta
especialmente útil para a gestão eficaz da mudança organizacional.
Metodologia
Objetivo: identificar o tipo de cultura organizacional que prevalece em
instituições públicas de saúde com diferentes modelos de gestão
Tipo de estudo: quantitativo e transversal
Amostra: a amostra é constituída por diferentes colaboradores (enfermeiros,
médicos, assistentes operacionais, administrativos, técnicos de diagnóstico e
terapêutica) de dez instituições de saúde, enquadradas em três modelos de
gestão: modelo SPA, modelo EPE e modelo USF. Os questionários foram entregues a
todos os colaboradores desde que tivessem pelo menos seis meses de exercício
profissional na instituição. A colheita de dados decorreu, nas diferentes
instituições de saúde, entre a segunda quinzena de setembro e meados de
dezembro de 2009, e entre meados de janeiro e finais de março de 2010.
Instrumento de colheita de dados: questionário constituído por dois conjuntos
de questões: o primeiro, inclui o instrumento OCAI (Organizational Culture
Assessment Instrument), que foi por nós objeto de tradução, adaptação e
validação para o sector da saúde, e utiliza como critério de resposta uma
escala de concordância, tipo Likert, em que as opções de resposta variam entre
1 (discordo em absoluto) e 5 (concordo em absoluto). O segundo conjunto de
questões refere-se à caracterização sociodemográfica e profissional dos
inquiridos.
O questionário de diagnóstico da cultura organizacional OCAI, desenvolvido por
Cameron e Quinn (Cameron e Quinn, 2006), e baseado no Modelo dos Valores
Contrastantes, tem sido utilizado em vários estudos internacionais e nacionais
(Ferreira, 2006; Ferreira e Hill, 2007; Periotto e Busanelo, 2008). Apesar do
questionário OCAI já ter sido utilizado em estudos nacionais, aquando do início
do estudo, que está integrado numa investigação mais ampla, apenas se encontrou
referências à sua utilização em contexto nacional, ou então adaptações do
mesmo, pelo que se optou por recorrer diretamente à sua génese.
Independentemente do tipo de organização ou organizações em causa nos estudos
que recorreram a este instrumento, a sua eleição teve como intenção o
diagnóstico da cultura organizacional patente nessas organizações: cultura de
clã, cultura hierárquica, cultura de adocracia e cultura de mercado.
Na sua versão original, o OCAI apresenta boas qualidades psicométricas, quer em
termos de fiabilidade quer em termos de validade (Cameron e Quinn, 2006), o
mesmo se verificando no presente estudo. Para cada um dos perfis culturais, os
coeficientes de alfa de Cronbach assumem valores entre 0,83 e 0,85, comprovando
a presença de uma boa consistência interna. Relativamente à validade,
constatou-se que nenhuma das organizações se caracterizou por uma única
cultura, evidenciando-se as culturas dominantes.
Considerações ético-legais: na realização do estudo foram respeitados os
procedimentos ético-legais, que constaram de pedidos de autorização formais
para recolha de dados, dirigidos aos presidentes dos conselhos de administração
dos hospitais, diretores executivos dos agrupamentos de centros de saúde ou
coordenadores das unidades de saúde familiar onde decorreu o estudo. Foi também
respeitada a colaboração voluntária e o anonimato dos inquiridos.
Procedimentos: a distribuição dos questionários foi feita pela investigadora
mediante a entrega de envelopes com o instrumento de recolha de dados aos
elementos responsáveis pelas equipas ou a determinado elemento-chave em cada
unidade ou departamento da instituição, os quais se revelaram uma ajuda
preciosa não só na distribuição dos questionários pelos restantes elementos da
equipa, como também na centralização da recolha dos questionários.
O período de tempo que se acordou entre a distribuição e a recolha dos
questionários pela investigadora foi, de um modo geral, de duas a três semanas.
No entanto, em todas as instituições de saúde houve necessidade de se proceder
a um aumento do período de tempo de preenchimento, o que implicou, regra geral,
a realização de um segundo momento de recolha, duas a três semanas após a
primeira recolha, face ao reduzido número de questionários preenchidos na data
definida para a sua recolha.
Resultados e discussão
Caracterização dos inquiridos
A amostra é constituída por 671 colaboradores de dez instituições de saúde, em
que 374 (55,74%) exercem funções em instituições de saúde modelo SPA, 260
(38,75%) exercem funções em instituições de saúde modelo EPE e 37 (5,51%)
exercem funções em instituições de saúde modelo USF. No que diz respeito ao
grupo profissional, a maioria dos inquiridos são enfermeiros (62,30%), 12,70%
são assistentes operacionais, 10,30% administrativos, 8,60% técnicos de
diagnóstico e terapêutica e 2,20% médicos.
Quanto ao género observa-se que maioritariamente são do género feminino
(73,00%). Relativamente à idade, a média é de 37,70 anos (dp=9,52), em que o
indivíduo mais novo tem 22 anos e o mais velho 62 anos. Em termos de anos de
profissão, a amostra apresenta um valor médio de 14,12 anos de experiência
profissional (dp=9,53). O colaborador mais novo desempenha as suas funções
apenas há 1 ano e o mais velho há 41 anos. No que respeita à antiguidade na
instituição, a média é de 11,99 anos (dp=9,22), em que o indivíduo mais novo
trabalha na instituição há 1 ano e o mais velho há 41 anos. Em relação ao tipo
de vínculo, observa-se um predomínio dos indivíduos (50,50%) com contrato de
trabalho em funções públicas (CTFP) por tempo indeterminado (vínculo sucedâneo
ao outrora quadro da administração pública), relativamente aos indivíduos em
que o vínculo assenta num outro tipo de contrato (contrato de trabalho a termo
resolutivo, contrato individual de trabalho) (33,10%).
Pormenorizando a caracterização dos inquiridos por modelos de gestão, no modelo
SPA, e no que concerne ao grupo profissional, 63,10% são enfermeiros, 12,30%
assistentes operacionais, 12,00% administrativos, 7,50% técnicos de diagnóstico
e terapêutica e 0,50% médicos. Relativamente ao género a maioria dos indivíduos
é do género feminino (76,20%). Quanto à idade, o valor médio é de 38,10 anos
(dp= 9,59), com um mínimo de 22 e um máximo 60 anos. No que respeita aos anos
de experiência profissional e antiguidade na instituição a média é de 14,33
anos (dp= 9,46) e 12,55 anos (dp= 9,36), respetivamente. Em termos de vínculo,
57,00% dos indivíduos têm um CTFP por tempo indeterminado e 29,90% outro tipo
de contrato de trabalho.
No modelo EPE, também prevalece o género feminino (67,30%). No que diz respeito
ao grupo profissional, predominam os enfermeiros (62,70%), seguindo-se os
assistentes operacionais (15,00%), os técnicos de diagnóstico e terapêutica
(11,50%), os administrativos (7,30%) e por fim os médicos (0,40%). Quanto à
idade dos inquiridos, varia entre 23 e 62 anos, em que o valor médio é de 37,15
anos (dp= 9,41). Relativamente à experiência profissional, a média é 13,86 anos
(dp= 9,77), sendo que a antiguidade na instituição assume o valor médio de
11,68 anos (dp= 9,01). No que concerne ao tipo de vínculo, observam-se valores
de percentagem próximos entre os indivíduos com CTFP por tempo indeterminado e
os indivíduos com outra modalidade de contrato, respetivamente 40,80% e 38,10%.
No modelo USF, e à semelhança dos modelos anteriores verifica-se um predomínio
do género feminino (81,10%). Quanto ao grupo profissional a que pertencem,
51,40% dos indivíduos são enfermeiros, 32,40% médicos e 13,50% administrativos.
A idade média dos indivíduos é de 37,15 anos (dp= 9,41), em que o indivíduo
mais novo tem 23 anos e o mais velho 62 anos. Em relação às variáveis
experiência profissional e antiguidade na instituição, a média é de 13,64 anos
(dp= 8,73) para a primeira e de 11,68 anos (dp= 9,01) para a segunda. No que
diz respeito ao tipo de vínculo, para 54,10% dos inquiridos o vínculo assenta
num CTFP por tempo indeterminado e para 29,70% numa outra modalidade de
contrato.
Cultura organizacional em instituições públicas de saúde
Os resultados apontam para uma predominância da cultura hierárquica nas
instituições de saúde públicas (média=3,39, dp=0,80; num score de 1 a 5
pontos). À cultura hierárquica segue-se a cultura de clã (média=3,28, dp=0,89)
e a cultura de mercado (média=3,16, dp=0,88). A cultura de adocracia é a que
apresenta menor valor médio (média=3,14, dp=0,85), demonstrando ser, portanto,
a menos predominante (Quadro 1).
Quadro 1 ' Estatísticas resumo dos diferentes tipos de cultura presentes em
instituições públicas de saúde (n= 671)
Os resultados do presente estudo são idênticos aos obtidos por Domenico,
Latorre e Teixeira (2006) num estudo desenvolvido em empresas brasileiras, em
que a cultura hierárquica foi reconhecida como predominante, seguida da cultura
do tipo clã, da cultura de mercado e por último da cultura de adocracia. No
entanto, Periotto e Busanelo (2008), num estudo desenvolvido numa empresa
industrial brasileira, encontraram resultados diferentes, em que prevalecia a
cultura de mercado, seguida de muito próximo pela cultura de clã e hierárquica.
Reportando-nos à realidade portuguesa, um estudo desenvolvido por Ferreira e
Hill (2007) no âmbito das instituições de ensino superior demonstrou um
predomínio da cultura hierárquica, independentemente da instituição ser pública
ou privada. Daqui decorre que muito embora estejamos perante duas realidades
diferentes (instituições de saúde e instituições de educação) os resultados
parecem transparecer que a cultura hierárquica está fortemente enraizada nas
organizações portuguesas.
A cultura hierárquica retrata organizações muito controladas e estruturadas,
onde as pessoas são orientadas por políticas e regras formais, sendo dada
grande ênfase à permanência e à estabilidade. De facto, até recentemente as
instituições de saúde públicas eram regidas pelas tradicionais regras do
funcionalismo público, caracterizado pela rigidez e burocracia, exercendo o
estado uma intervenção mais direta no seu funcionamento, o que poderá
justificar os resultados obtidos.
No entanto, nos últimos anos tem-se assistido a reconfigurações na conceção
organizacional, através da incorporação de objetivos de agilização da prestação
pública, que reclamam organizações dinâmicas, empreendedoras, criativas e
inovadoras. Assim, desde 2002 várias experiências e vários modelos de gestão
têm vindo a ser implementados nas instituições de saúde, e que pressupõem
flexibilidade organizativa e de gestão, desburocratização, trabalho em equipa,
autonomia e responsabilização, aspetos que não se coadunam com uma cultura
organizacional predominantemente hierárquica, mas que requerem cada vez mais
uma cultura orientada para o mercado e tendencialmente adocrática.
Analisando o tipo de cultura organizacional predominante nas instituições de
saúde atendendo ao modelo de gestão, verifica-se que tanto nas instituições de
saúde modelo SPA como nas instituições de saúde modelo EPE predomina a cultura
do tipo hierárquica, seguida da cultura de clã (Quadro 2). Ou seja, o tipo de
modalidade de gestão não parece alterar os valores culturais dominantes nas
instituições de saúde da área hospitalar.
Quadro_2 ' Resultados da aplicação da ANOVA aos diferentes tipos de cultura em
função do modelo de gestão
Tendo presente que os dois modelos de gestão (SPA e EPE) são regidos por
princípios diferentes, seria de supor que encontrássemos diferenças
relativamente à cultura dominante nestes dois modelos, no entanto, tal não se
verificou. Além da cultura hierárquica ser a predominante nos dois modelos,
observa-se ainda que em ambos os modelos, a cultura de clã apresenta-se como o
tipo de cultura com o segundo valor médio mais elevado. Esta semelhança de
resultados pode dever-se ao facto do modelo EPE ter evoluído a partir do modelo
SPA, e esta evolução ser ainda relativamente recente em algumas instituições. A
este facto, acresce que a cultura organizacional é difícil de mudar e as
mudanças são lentas, o que poderá explicar o predomínio do mesmo tipo de
cultura nos dois modelos. Contudo, é de salientar que nas instituições do
modelo EPE, as culturas de adocracia e de mercado assumem valores médios mais
elevados quando comparadas com as instituições do modelo SPA, o que nos leva a
deduzir que nestas instituições parece esboçar-se um movimento de maior
orientação para o mercado e para a criatividade/inovação.
Relativamente às instituições de saúde modelo USF, é a cultura clã que se
destaca (média=4,37, dp=0,45), embora os resultados reflitam uma orientação
para a cultura de adocracia (média=4,32, dp=0,50). A cultura hierárquica é a
que apresenta menor valor médio (média=4,20, dp=0,58) (Quadro_2).
A cultura de clã é característica de organizações que constituem locais muito
familiares para trabalhar, onde as pessoas partilham muito de si próprias, o
que poderá justificar a predominância deste tipo de cultura nas unidades de
saúde familiar, uma vez que estas constituem pequenas unidades funcionais,
multiprofissionais, com autonomia organizativa, funcional e técnica, em que as
funções de gestão e execução tendem a fundir-se ao nível operacional. Por sua
vez, o facto da cultura de adocracia ter sido o segundo perfil cultural com
maior média pode dever-se à filosofia inovadora subjacente à criação destas
unidades, em que a inovação parece trazer impactos a vários níveis,
nomeadamente nos custos, na qualidade, na satisfação e no acesso.
Em relação à cultura hierárquica, ter sido o tipo de cultura com menor média
reforça a literatura, segundo a qual as unidades de saúde familiar representam
um novo modelo organizacional que se opõe à tradicional hierarquia e burocracia
de poder e decisão vertical.
Quando aplicada a ANOVA às médias dos diferentes tipos de cultura, em função da
variável modelo de gestão, observa-se (Quadro_2) que todos os tipos de cultura
mostram diferenças estatisticamente significativas nas médias: cultura de clã
[F 2,667=35,32, p< 0,001], cultura de adocracia [F 2,663=52,70, p< 0,001],
cultura de mercado [F 2,664=39,56, p< 0,001] e cultura hierárquica [F
2,666=28,94, p< 0,001]. Comparando os resultados obtidos no modelo EPE (regido
por princípios/regras da gestão privada) com os do modelo SPA, as instituições
de saúde modelo EPE possuem uma cultura mais hierárquica e orientada para o clã
do que as instituições de saúde modelo SPA. No estudo desenvolvido por Ferreira
e Hill (2007) foi na instituição de ensino superior privado que se verificou
uma cultura mais hierárquica, quando comparada com a instituição de ensino
superior público.
Pode observar-se ainda que, os valores médios dos diferentes tipos de cultura
tendem a aproximar-se nos modelos de gestão EPE e SPA, distinguindo-se nas USF,
ou seja, o modelo USF tende a distanciar-se dos outros modelos de gestão em
qualquer tipo de cultura. Ao lerem-se estes resultados deve ter-se presente que
os modelos EPE e SPA são hospitalares, enquanto o modelo USF diz respeito aos
cuidados de saúde primários.
Conclusão
Ao longo dos últimos anos tem-se assistido a mudanças nos modelos de gestão que
regem as instituições de saúde, no entanto, e principalmente a nível hospitalar
parece transparecer que estas mudanças não foram acompanhadas de mudanças
culturais.
Os novos modelos de gestão reclamam organizações criativas, inovadoras,
dinâmicas, contudo o tipo de cultura organizacional que se apresenta como
predominante nas instituições de saúde não parece ser aquele que melhor se
adequa à filosofia preconizada por estes novos modelos de gestão. Ainda assim,
entre os vários modelos de gestão estudados (modelo SPA, EPE e USF), são as USF
que deixam transparecer uma maior orientação para a competitividade e para a
inovação e criatividade. Ou seja, é nas instituições de saúde modelo USF que
parece evidenciar-se uma tentativa de rutura com a cultura tradicionalmente
dominante nas instituições de saúde.
Salientam-se algumas limitações neste estudo, nomeadamente a pouca recetividade
por parte de alguns grupos profissionais para colaborarem no estudo e o facto
do número de inquiridos não ser idêntico nos três modelos de gestão estudados.
Apesar das limitações consideramos poder dar, às instituições de saúde e mais
propriamente aos seus gestores, um contributo para uma gestão mais eficaz da
mudança, fruto do conhecimento da cultura organizacional presente nas mesmas.
Este estudo tem potenciais implicações para a prática, não só a nível da gestão
estratégica das instituições de saúde, mas também, e de um modo particular a
nível da gestão em enfermagem, atendendo que os resultados obtidos resultam de
uma amostra constituída maioritariamente por enfermeiros. No caso concreto da
enfermagem, este estudo poderá vir a suportar algumas medidas relacionadas com
a rutura com uma cultura organizacional maioritariamente hierárquica, e que não
se coaduna com a filosofia de inovação e melhoria contínua da qualidade dos
cuidados de enfermagem cada vez mais preconizada e exigida, face a um novo
modelo de sociedade, onde o conhecimento passou a ser o principal recurso
económico. Também num contexto de reformas na saúde parece fundamental que se
focalizem variáveis de eficiência microeconómica, de modo a gerar ao menor
custo melhores cuidados.
Dos resultados depreendemos a necessidade de desenvolver outros estudos que
validem os nossos resultados e que identifiquem não só a cultura atual mas
também a cultura desejada, e que dentro das instituições de saúde de cada
modelo de gestão relacionem a cultura organizacional com outras variáveis de
contexto.