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EuPTCVHe1647-21602013000200007

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National varietyEu
Year2013
SourceScielo

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O impacto do delirium na família/cuidadores

Introdução Com o aumento da população idosa em todo o mundo, as perturbações neuropsiquiátricas como o delirium (ou estado confusional agudo) adquirem inevitavelmente maior importância, afectando mais de 30% dos idosos hospitalizados (Saxena & Lawley, 2009).

O delirium caracteriza-se por alterações do nível da consciência, da cognição ou da percepção (não atribuídas a demência preexistente ou estabelecida), que se desenvolve ao longo de um curto período de tempo (horas/dias), com curso flutuante. Acresce ainda, pela história clínica e exames físicos/laboratoriais, o facto de ser uma perturbação causada por doença médica, intoxicação/ abstinência de substância ou por múltiplas etiologias (American Psychiatric Association[APA], 2000).

Esta síndrome neuropsiquiátrica surge como um problema grave, potencialmente evitável e, muitas vezes, não reconhecido, estando por isso relacionado com o aumento da morbilidade e da mortalidade nestes doentes (Siddiqi, House, & Holmes, 2006).

De modo consistente com estes dados, torna-se fundamental uma identificação precoce e uma intervenção adequada que contribuam para a diminuição das consequências associadas a esta perturbação (National Institute for Health and Care Excellence[NICE], 2010).

Neste contexto, o envolvimento das famílias e/ou dos cuidadores no reconhecimento do delirium, bem como na prestação de cuidados ao doente, desempenham um papel crucial (O'Malley, Leonard, Meagher, & O'Keeffe, 2008). As informações dos familiares e/ou cuidadores sobre o estado cognitivo prévio do doente, bem como sobre alterações do estado mental observadas durante o internamento hospitalar, quando partilhadas com os profissionais de saúde, podem ser úteis para a avaliação de algumas das características do delirium, nomeadamente o seu início agudo e o curso flutuante e, poderão igualmente auxiliar no diagnóstico diferencial com demência (Martins e Fernandes, 2012).

A inclusão da família na abordagem do delirium assenta ainda na importância da sua presença junto do doente e na ajuda prestada no processo de comunicação e na sua reorientação. O delirium tem sido descrito como uma experiência bastante desagradável pelos doentes, sobretudo pelas emoções vivenciadas durante este episódio, nomeadamente medo, ansiedade e sensação de ameaça. Em muitos casos, estas surgem associadas à presença de perturbação da percepção e de delírios (O'Malley et al., 2008), podendo a presença da família ajudar o doente a lidar de forma mais ajustada. Neste âmbito, alguns estudos (ex. Stenwall, Sandberg, Eriksdotter Jonhagen, & Fagerberg, 2008) referem que os doentes consideraram ter sido benéfico e reconfortante a presença dos seus familiares durante o episódio de delirium, valorizando a sua intervenção de suporte.

Por outro lado, a família poderá ainda ajudar os profissionais de saúde na comunicação eficaz com o doente, bem como na sua reorientação, através do uso de diversas estratégias (ex. repetição da data, hora, local, motivo pelo qual está internado, ou identificação das pessoas presentes). A disponibilização de objectos familiares (ex. fotografias, calendário e relógio), bem como de ajudas instrumentais (ex. óculos, aparelho auditivo) facilita também este processo de reorientação (Caraceni & Grassi, 2011).

Contudo, e apesar da integração da família na abordagem do delirium ter sobretudo consequências benéficas, que ter em consideração que poderá tornar-se numa experiência traumática, para além dos doentes, também para os seus familiares, que revelam níveis elevados de stress perante estas situações (ex. Breitbart, Gibson, & Tremblay, 2002; Bruera et al., 2009).

O presente artigo pretende analisar e sintetizar os estudos existentes sobre o nível de stress provocado pelo delirium nos familiares e/ou cuidadores.

Metodologia Este estudo consiste numa revisão não sistemática da literatura, de artigos publicados na PubMed, no período de 2000 a 2012, cruzando o termo "delirium" com "distress", "impact" e "family", "caregiver", "relatives". Foram considerados os seguintes critérios de inclusão: (1) diagnóstico de delirium com critérios padronizados (ex. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders/DSM-IV-TR) (APA, 2000) e/ou instrumento de avaliação e (2) avaliação do nível de stress de uma forma sistemática em familiares de doentes adultos/ idosos com delirium. Os estudos em língua não inglesa, bem como os casos clínicos, foram excluídos desta revisão.

Na pesquisa inicial, os resumos identificados foram avaliados por dois autores desta revisão, de forma independente e cega, obedecendo rigorosamente aos critérios de inclusão e exclusão previamente definidos. Caso não fossem suficientemente esclarecedores, procedeu-se à análise do artigo na íntegra.

Posteriormente, possíveis discordâncias foram resolvidas por consenso entre autores.

Os estudos que cumpriram os critérios de inclusão foram avaliados e comparados quanto às seguintes características: objectivo, desenho de estudo, amostra, contexto, critérios de inclusão e exclusão, instrumentos de avaliação do nível de stress e principais resultados.

Foi igualmente efectuada uma análise da bibliografia dos artigos seleccionados.

Resultados Num primeiro momento, foram identificados trinta e oito artigos, dos quais onze foram recrutados para análise. Destes, foram excluídos três. Da análise à bibliografia dos artigos seleccionados, foram ainda adicionados mais três artigos, perfazendo um total de onze estudos (cinco transversais, um prospectivo, três qualitativos e duas revisões da literatura). Os principais dados/resultados relativos aos níveis de stress na família/cuidadores extraídos dos estudos analisados estão sumarizados na Tabela_1.

A maioria dos estudos integrou amostras de familiares (na sua maioria adultos, do sexo feminino e cônjuges) de doentes idosos, internados em cuidados paliativos, com recurso a metodologias quantitativas e escalas de tipo Likert, para a avaliação do nível de stress provocado por delirium. Alguns estudos avaliaram estes níveis face ao delirium na sua globalidade (ex. Breitbart et al., 2002) enquanto que outros avaliaram face a cada um dos sintomas percepcionados pelos familiares (ex. Bruera et al., 2009).

De um modo geral, as famílias e/ou cuidadores revelaram níveis de stress bastante elevados e mesmo superiores aos registados para os profissionais de saúde e para os doentes (Breitbart et al., 2002; Bruera et al, 2009), sendo sobretudo associados ao agravamento do estado de saúde do doente, presença de agitação psicomotora, sintomas psicóticos, labilidade emocional e discurso incoerente (Breitbart et al., 2002; Morita, Hirai, Sakaguchi, Tsuneto, & Shima, 2004; Morita et al., 2007).

Importa igualmente referir que, não é elevado o número de familiares que consideram o delirium como uma experiência extremamente stressante, mas também o grau deste nível de stress é considerado como grave e/ou substancial (Breitbart et al., 2002; Bruera et al., 2009).

Além disso, a família interpretava esta experiência como um sinal de aproximação da morte, resultado de dor/desconforto ou dos efeitos de medicação (Cohen, Pace, Kaur, & Bruera, 2009; Morita et al., 2007; Namba et al., 2007), o que contribuiu, igualmente, para os elevados níveis de stress apresentados.

Morita et al (2007) verificaram ainda que estes níveis mais elevados de stress foram sobretudo reportados pelos familiares mais jovens e do sexo masculino.

Finalmente, Buss et al (2007) constataram a presença de uma associação significativa entre delirium e ansiedade generalizada, que se manteve após controlo de variáveis como a sobrecarga do cuidador e outras experiências stressantes relacionadas com o doente.

Discussão Apesar da elevada morbilidade e mortalidade associadas ao delirium estar bem documentada, existem poucos estudos sobre as suas repercussões nos familiares e/ou cuidadores destes doentes (O'Malley et al., 2008; Partridge, Martin, Harari, & Dhesi, 2012).

À escassez dos trabalhos que estudam estas consequências na família, associa-se a difícil comparação dos respectivos resultados pela utilização de diferentes métodos de avaliação dos níveis de stress (avaliação global do delirium vs.

avaliação face a cada sintoma), inclusão de diferentes grupos/amostras de estudo (delirium terminal vs. delirium reversível) e diversificação de contextos (cuidados paliativos vs. enfermarias).

Para além desta heterogeneidade dos estudos, deve ser salientado que a maioria dos estudos selecionados integrou familiares de doentes com cancro em fase terminal, pelo que é necessário esclarecer se os elevados níveis de stress identificados correspondem ao delirium propriamente dito, ou são explicados por outras variáveis como a percepção da aproximação da morte (Bruera et al., 2009, Partridge et al., 2012).

Por outro lado, deve igualmente destacar-se a variabilidade das interpretações dadas pelos familiares aos sintomas de delirium (Morita et al., 2004). Ainda assim, e apesar dos limites assinalados, é possível constatar que a ocorrência de um episódio de delirium causa um impacto significativo e negativo nestes familiares, traduzido em níveis aumentados de stress.

Um outro dado relevante prende-se com o facto dos familiares identificarem um maior número de sintomas no doente durante o episódio, em comparação com os profissionais de saúde, sugerindo que os familiares podem constituir uma fonte fidedigna de informação e/ou observação do comportamento do doente durante o seu internamento, bem como da sua resposta ao tratamento em curso. No entanto, esta identificação de sintomas pelos familiares poderá ser sobrevalorizada pela ansiedade associada à situação vivenciada (Bruera et al., 2009) e que deve ser igualmente salvaguardada.

Por outro lado, a discrepância na identificação de sintomas por familiares e profissionais, poderá contribuir para que o delirium constitua, frequentemente, um factor de conflito, na medida em que surgem diferentes perspectivas quanto ao sofrimento do doente e à necessidade de intervenção (Bruera et al., 2009).

Salvaguardando o eventual efeito subjectivo associado à carga emocional da situação vivenciada pelos familiares, tem sido recomendado que as observações quanto aos sintomas/comportamentos do doente devem ser consideradas, com recurso a escalas de observação ou a instrumentos de avaliação estandardizados (Bruera et al., 2009), reduzindo o risco de viés. Neste plano, destaca-se o Family Confusion Assessment Method/FAM-CAM (Steis et al., 2012) desenvolvido recentemente como um método de detecção do delirium, de fácil aplicação e cotação, sendo preenchido com base nas informações/observações de familiares e/ ou cuidadores.

Finalmente, as repercussões negativas associadas ao delirium e descritas nos estudos analisados, apontam para a necessidade de intervenções psicoterapêuticas e/ou psicoeducativas de suporte ao familiar, com o objectivo de o ajudar ao longo de todo este processo (Caraceni & Grassi, 2011; NICE, 2010). A necessidade de mais estudos sobre a experiência do delirium, bem como sobre o impacto destas intervenções, nomeadamente na redução da ocorrência, gravidade e duração desta perturbação, foi destacada pelas mais recentes guidelines (NICE, 2010).

De um modo geral, estas intervenções devem considerar os seguintes princípios: a) identificar e responder às preocupações e necessidades dos familiares; b) identificar as reacções emocionais, que possam ter como consequência comportamentos desadequados (ex. redução do número de visitas ao doente); c) promover a comunicação entre a família e os profissionais de saúde responsáveis pelo doente; d) envolver a família no plano de cuidados/assistência; e) disponibilizar informação/educação sobre o delirium (Caraceni & Grassi, 2011).

No que concerne a este último ponto, a componente educativa deve focalizar-se na abordagem dos seguintes aspectos do delirium: sintomas (em particular desinibição, agitação, alucinação e delírios); curso flutuante (as fases transitórias em que o doente parece estar bem não significam, necessariamente recuperação); possíveis causas (ex. alterações metabólicas, medicação, relação com demência) e opções de tratamento (incluindo efeitos secundários dos tratamentos farmacológicos) (Caraceni & Grassi, 2011; NICE, 2010).

Neste âmbito, os familiares que participaram nos estudos de Gagnon et al (2002) e de Keyser, Buchanan, e Edge (2012), com intervenções psicoeducativas, consideraram fundamental a disponibilização de informação sobre o delirium (ex.

factores de risco, sinais de delirium) a todos os familiares e/ou cuidadores.

A presente revisão surge como um contributo para uma melhor compreensão do estado da arte sobre a experiência do delirium vivenciada pelos familiares e/ou cuidadores.

O processo de revisão baseou-se numa análise qualitativa, sintetizando os principais resultados dos artigos incluídos, não recorrendo a qualquer técnica ou critério estandardizado. Além disso, salienta-se que os resultados apresentados devem ser analisados, tendo em consideração as limitações referidas, dos estudos incluídos no presente trabalho.

Conclusões É actualmente reconhecida a importância do papel que as famílias e/ou cuidadores desempenham no reconhecimento e na prestação de cuidados ao doente com delirium. Esta consciencialização é paralela à identificação dos elevados níveis de stress e dificuldades emocionais envolvidas, que podem comprometer a assistência prestada ao doente e, nessa medida, devem também ser identificados e alvo de intervenção.

Neste sentido, torna-se indispensável o desenvolvimento de intervenções de suporte, com a avaliação da sua eficácia, nomeadamente na redução destes níveis de stress vivenciados por estes familiares e/ou cuidadores.


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