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EuPTCVHe2182-51732012000100006

EuPTCVHe2182-51732012000100006

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN2182-5173
Year2012
Issue0001
Article number00006

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Iatrogenia grave desconhecida, notificações e notificadores: resultados da actividade da Unidade de Farmacovigilância do Centro

INTRODUÇÃO A farmacovigilância tem como objectivo a detecção, avaliação e prevenção de reacções adversas a medicamentos (RAM) após a sua comercialização,1,2 constituindo uma RAM «qualquer reacção nociva e involuntária a um medicamento que ocorra com doses geralmente utilizadas no ser humano para profilaxia, diagnóstico ou tratamento de doenças ou recuperação, correcção ou modificação de funções fisiológicas».3 A notificação espontânea (NE) é um método da farmacovigilância que permite identificar, documentar e avaliar suspeitas de RAM tendo as vantagens de abranger todos os medicamentos comercializados e todos os doentes, particularmente os que integram populações sub representadas nos ensaios clínicos, para além de poderem detectar RAM raras e/ou de longo tempo de latência.4-6 As RAM reportadas são um contributo insubstituível para o melhor conhecimento da iatrogenia medicamentosa, do perfil de segurança dos medicamentos e para a monitorização contínua das suas relações benefício/risco.6 Em Portugal, a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde I.P.

(INFARMED) é responsável pelo Sistema Nacional de Farmacovigilância (SNF).7 O SNF foi criado em 1992 e posteriormente descentralizado em 2000 com a criação das unidades regionais de farmacovigilância (URF).7 As suspeitas de RAM são notificadas por profissionais de saúde a uma das quatro unidades de farmacovigilância ou à Direcção de Gestão do Risco de Medicamentos (DGRM) do INFARMED, através do envio de boletins de notificação por correio postal ou electrónico, telefone ou através dos sítios da internet das URF. Os profissionais de saúde podem solicitar por telefone ou e-mail à DGRM o envio dos boletins de notificação ou podem imprimir o boletim de notificação disponível no site do INFARMED e enviá-lo à DGRM devidamente preenchido por correio postal.8,9 Em alternativa, os profissionais de saúde podem solicitar também às URF o envio de boletins de notificação ou recorrer aos seus sítios da internet para inserir online os dados relativos às RAM sem necessidade de preencher os boletins em papel.10 Os boletins de notificação são ainda distribuídos como documento incluso do Prontuário Terapêutico.

A Unidade de Farmacovigilância do Centro (UFC), sediada na AIBILI (Associação para Investigação Biomédica e Inovação em Luz e Imagem), recebe todas as NE provenientes da área geográfica correspondente à Administração Regional de Saúde do Centro (ARS-C).

Constituíram objectivos deste estudo: caracterizar as RAM notificadas à Unidade de Farmacovigilância do Centro (UFC) entre Janeiro de 2001 e Agosto de 2011 quanto à causalidade imputada, gravidade e conhecimento prévio; documentar o contributo dos profissionais de saúde notificadores de RAM para a farmacovigilância em Portugal; identificar os grupos farmacoterapêuticos com maior prevalência de notificação; e identificar novo conhecimento produzido decorrente da actividade da UFC.

Métodos Foi realizado um estudo observacional, transversal, descritivo incluindo as NE provenientes da área geográfica correspondente à ARS-C.

Foram incluídas as NE recebidas na UFC entre Janeiro de 2001 e Agosto de 2011 que verificaram critérios de inclusão primários (identificação de doente, medicamento suspeito, acontecimento adverso e notificador) e secundários (informação completa sobre nível de causalidade imputada, conhecimento prévio avaliado e gravidade documentada).

A codificação das RAM foi feita de acordo com a terminologia MedDRA (Medical Dictionary for Regulatory Activities). A codificação MedDRA é uma terminologia médica específica e padronizada, desenvolvida pela Conferência Internacional de Harmonização (ICH), para facilitar a partilha de informação entre as autoridades reguladoras e a indústria farmacêutica sobre regulamentação de produtos médicos (medicamentos, dispositivos médicos) utilizados por seres humanos. É utilizada para registo, documentação e monitorização da segurança de produtos médicos nas fases de investigação e desenvolvimento e pós- comercialização.11,12 Os medicamentos foram classificados de acordo com o Prontuário Terapêutico, porque é um documento de referência extensivamente utilizado pelos profissionais de saúde (médicos, farmacêuticos e enfermeiros) no decorrer das suas actividades profissionais e que segue a Classificação Farmacoterapêutica Portuguesa.13 O nível de imputação de causalidade entre a RAM e a exposição ao medicamento suspeito foi classificado segundo os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS), pelo método de introspecção global (IG).14-17 O método da IG é um processo pelo qual um conjunto de peritos avalia a relação causal entre a exposição a um medicamento e a ocorrência de um evento adverso, considerando todos os dados disponíveis relevantes para o caso (dados clínicos do doente, por exemplo).16-18 O grau de probabilidade estabelecido entre a exposição a um medicamento e a ocorrência de determinado evento adverso pode ser definitivo, provável, possível, improvável, condicional/não classificado ou não acessível/ não classificável.14-16,19 Para se estabe-lecer uma relação causal deve-se ter em conta os critérios de Bradford Hill: força, consistência, especificidade, temporalidade, gradiente biológico, plausibilidade, coerência, evidência experimental e analogia.16,20 O método da IG é um método simples, de fácil aplicação, que se assemelha ao processo de diagnóstico clínico e que depende dos conhe-cimentos e da experiência dos peritos.18 O grupo de peritos da UFC é composto por 9 elementos, entre os quais médicos e farmacêuticos com especializações em farmacologia, farmacologia clínica, farmacovigilância, farmacoepidemiologia, medicina clínica, farmácia clínica e regulamentação farmacêutica e do medicamento.16 A gravidade foi atribuída segundo os critérios da OMS.19 Foram consideradas graves as RAM que «provocaram morte», «colocaram a vida em risco», «motivaram ou prolongaram a hospitalização», «motivaram incapacidade temporária e/ou definitiva», e que «originaram anomalias médicas».

Foram consideradas conhecidas as RAM descritas nos Resumos das Características dos Medicamentos (RCM) suspeitos.

Os notificadores foram agrupados de acordo com a profissão e local de exercício.

Para o tratamento dos dados foi utilizado o software estatístico SPSS® (Statistical Package for Social Sciences), versão 17.0.

Resultados Foram recebidas na UFC 1846 NE de RAM entre 2001 e Agosto de 2011, 999 das quais verificaram os critérios de inclusão.

O fluxograma do estudo é apresentado na Figura_1. No Quadro_I apresenta-se a frequência das RAM distribuída por nível de causalidade imputada, gravidade e conhecimento prévio. Identificaram-se 149 (14,9%) RAM desconhecidas e 428 (42,8%) graves. Destas, 70 (7,0%) RAM eram simultaneamente graves e desconhecidas e 41 (4,1%) simultaneamente graves, desconhecidas, definitivas ou prováveis.

A distribuição do número de notificadores e do número de RAM de acordo com o local de notificação apresenta-se no Quadro_II. A consulta em ambulatório foi origem da maior frequência de notificação de RAM (427; 42,7%). Identificaram-se 423 profissionais de saúde notificadores.

Entre os profissionais de saúde, os médicos (224; 53,0%) notificaram o maior número de RAM (577; 57,8%). Os médicos especialistas em medicina geral e familiar (MGF) notificadores (98; 23,2%) notificaram 340 (34,0%) RAM.

Os farmacêuticos notificadores (143; 33,8%) notificaram 354 RAM (35,4%). A partir de farmácias comunitárias foram notificadas 237 (23,7%) RAM por 118 (27,8%) farmacêuticos comunitários. Os farmacêuticos hospitalares (20; 4,7%) notificaram 112 (11,2%) RAM.

Os enfermeiros (54; 12,8%) notificaram 66 (6,6%) RAM. Os enfermeiros notificaram mais frequentemente a partir da consulta em ambulatório (43 RAM; 4,3%).

A distribuição por grupos terapêuticos dos medicamentos suspeitos descreve-se no Quadro_III. Os medicamentos que actuam no «aparelho locomotor» (157; 15,7%), no «aparelho cardiovascular» (146; 14,6%), os «anti-infecciosos» (143; 14,3%) e os que actuam no «sistema nervoso central» (141; 14,1%) foram os mais frequentemente notificados. O medicamento que isoladamente foi objecto de maior número de notificações (49; 4,9%) inclui-se no grupo terapêutico «vacinas e imunoglobulinas».

No Quadro_IV apresentam-se as 41 RAM graves, desconhecidas, definitivas ou prováveis distribuídas por grupos terapêuticos. Identificaram-se 14 no grupo terapêutico «vacinas e imunoglobulinas».

Discussão Os profissionais de saúde devem ter em conta os benefícios e os riscos dos medicamentos, bem como a natureza e a severidade das RAM.21-23 É reconhecido que o processo da NE contribui para um aumento do conhecimento da relação benefício/risco dos medicamentos.24 A UFC encontra-se em actividade aproximadamente 10 anos. Ao longo desta década recebeu 1846 NE de RAM. Todas estas notificações foram validadas, tratadas e avaliadas na UFC. Desde que iniciou a actividade até à actualidade, a UFC mantém uma base de dados que inclui informações relativas a todas as notificações recebidas. No entanto, verificaram-se 847 notificações que não contêm informação suficiente, nem reparável, para cumprir os requisitos de validação secundária estabelecidos para este trabalho, e foram por isso excluídas. Este achado será objecto de estudo detalhado para identificar possíveis razões para a sua existência, que tem significativa ponderação relativa no total das notificações recebidas (45,9%).

Entre vários objectivos, este estudo investigou qual a importância da UFC na produção de novo conhecimento sobre a segurança dos medicamentos devido à identificação de RAM desconhecidas.

Para identificar o novo conhecimento produzido pela UFC foi necessário caracterizar as RAM quanto a conhecimento prévio, gravidade e causalidade imputada.

Em primeiro lugar, classificaram-se as RAM quanto ao conhecimento prévio. Foram identificadas 149 RAM desconhecidas, o que revela a importância da farmacovigilância e da NE como fonte de conhecimento de eventos adversos previamente não identificados. Das RAM desconhecidas foram classificadas como graves 70, cuja documentação é de importância acrescida por representarem eventos adversos que tiveram efeitos clínicos graves. Das RAM desconhecidas graves identificaram-se aquelas cuja causalidade foi imputada como definitiva ou provável. Seleccionaram-se estes dois níveis de causalidade por traduzirem uma maior força de associação entre a exposição ao medicamento e a ocorrência dos eventos adversos. Encontraram-se 41 RAM simultaneamente desconhecidas, graves, definitivas ou prováveis que devem merecer especial atenção por parte do Sistema Nacional de Farmacovigilância.

Neste estudo verificou-se que o grupo profissional que mais frequentemente notificou à UFC foi o dos médicos, seguido de farmacêuticos e enfermeiros. A consulta em ambulatório foi o local mais frequente de origem de notificação, seguido por hospital e farmácia comunitária.

No Anuário Estatístico da Região Centro de 2009 contam-se 5861 médicos, dos quais 1361 médicos especialistas em MGF, e 9875 enfermeiros.25 De acordo com os dados fornecidos pela secção regional de Coimbra da Ordem dos Farmacêuticos (OF), até final do ano de 2009 existiam 2049 farmacêuticos (1379 comunitários e 170 hospitalares) registados nesta secção regional. À UFC notificaram, desde 2001 até Agosto de 2011, 224 médicos, dos quais 98 médicos especialistas em MGF, 54 enfermeiros e 143 farmacêuticos (118 comunitários e 20 hospitalares).

Com base nestes dados, é possível constatar que os profissionais de saúde notificadores de RAM constituem uma percentagem muito reduzida. Além disso, de acordo com a OMS, um centro de farmacovigilância deverá receber mais de 200 NE de RAM por milhão de habitantes por ano.26 Considerando que a UFC recebeu entre Janeiro de 2001 e Agosto de 2011 um total de 1846 NE de RAM e que a zona centro contava com 2.381.068 habitantes em 2009,25 concluímos que o número de NE de RAM enviadas à UFC é baixo, ilustrando que a sub-notificação continua a ser uma limitação da farmacovigilância. Apesar das limitações descritas, foi possível identificar 41 RAM simultaneamente desconhecidas, graves, definitivas ou prováveis. Se o número de NE aumentar, nomeadamente através de uma maior adesão dos profissionais de saúde a este método de monitorização da segurança dos medicamentos na prática clínica, será possível produzir mais e melhor conhecimento cuja consequência será a melhor avaliação das relações benefício/ risco dos medicamentos e a maior segurança dos doentes.

A NE constitui um processo simples e não dispendioso que permite aos profissionais de saúde contribuírem para melhorar o conhecimento do perfil de segurança dos medicamentos. No entanto, a falta de informação sobre o SNF, em particular sobre o processo de NE de RAM, bem como a dificuldade em reconhecer um evento adverso como consequência da exposição a um medicamento, são factores que podem ajudar a explicar a muito reduzida percentagem de notificadores encontrada. A promoção de acções formativas e de divulgação sobre o SNF junto dos profissionais de saúde e a integração deste tema na formação académica poderá contribuir para a melhoria do sistema de farmacovigilância. Por outro lado, os profissionais de saúde, enquanto notificadores, devem estar conscientes de que notificar suspeitas de RAM é um dever profissional.

Este estudo permitiu também identificar os grupos terapêuticos com maior prevalência de notificação. Os medicamentos que actuam no «aparelho locomotor», no «aparelho cardiovascular», os «anti-infecciosos» e os que actuam no «sistema nervoso central» representaram 60% dos medicamentos notificados como suspeitos.

No entanto, a ausência de dados de exposição populacional a estes medicamentos não permite tirar conclusões definitivas nem generalizar os resultados obtidos.

Em conclusão, apesar das limitações referidas, é demonstrado que a NE é um método valioso na detecção de RAM raras e graves.5,6 Nota: a UFC exerceu a sua actividade entre 2001 e 2004 e de 2009 até ao presente.


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