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EuPTCVHe2182-51732013000300005

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National varietyEu
Year2013
SourceScielo

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Eficácia dos cerumenolíticos: uma revisão baseada na evidência para Cuidados Primários

INTRODUÇÃO O cerúmen faz parte dos mecanismos externos de defesa do ouvido. Em algumas pessoas, existe produção excessiva, podendo endurecer e secar no canal auditivo externo (CAE), ficando deste modo impactado. Quando tal acontece pode ter importantes implicações clínicas no bem-estar geral do paciente, causando motivos frequentes de procura dos Cuidados de Saúde Primários (CSP), como diminuição da audição, prurido, dor, zumbido, vertigem, otite externa ou até mesmo tosse crónica, visto que o CAE é inervado pelo ramo auricular do nervo vago e o cerúmen impactado pode estimulá-lo.1,2 O cerúmen impactado afeta aproximadamente 1 em cada 20 adultos e 1 em cada 3 idosos3 e cerca de 4% dos doentes vai consultar o Médico de Família (MF) por este motivo.2 Muitas vezes, a perda auditiva não é reconhecida como um problema nos cuidados de saúde. A hipoacúsia em adultos mais velhos é maioritariamente neurossensorial e devido à presbiacusia. Nos idosos, a impactação de cerúmen pode ser causa de perda auditiva e está presente em cerca de 30% dos pacientes, podendo ser tratada pelo médico de Cuidados Primários.4 Assim, realça-se a importância nesta faixa etária, atendendo ao facto de que, pela diminuição da acuidade auditiva, poderá haver consequentemente uma maior dificuldade comunicacional e isolamento social1 e poderá ainda exacerbar ou contribuir para o aparecimento de problemas de saúde mental, como depressão ou psicoses.5 Além da sintomatologia, outro problema do cerúmen impactado é o de dificultar a otoscopia e a observação da membrana timpânica. No entanto, é através da otoscopia que é feito o seu diagnóstico, com a observação direta de cerúmen no CAE.

A remoção do cerúmen pode ser realizada de forma manual, mediante irrigação ou com uso de cerumenolíticos. O uso dos cotonetes deve ser desaconselhado, uma vez que pode levar à deslocação do cerúmen para o fundo do CAE, levando à sua impactação. A via manual é realizada com um gancho ou por aspiração, pode ser dolorosa e não dispondo do material e experiência necessária torna-se difícil a sua realização ao nível dos CSP. O mesmo acontece com a irrigação que também não é prática habitual. Estas manobras associam-se ainda ao risco de perfuração da membrana timpânica entre outras complicações, tais como vertigem, zumbido e risco de infeção com a irrigação e hemorragia e laceração do CAE com a remoção manual. Os efeitos laterais possíveis com os cerumenolíticos são reação alérgica, otite externa, otalgia, perda transitória de audição e tonturas.3 Assim, os cerumenolíticos serão uma opção segura e o método mais acessível aos Médicos de Família, atendendo a que os restantes métodos necessitam de treino e equipamento adequado e por isso realizados maioritariamente por Otorrinolaringologia. Alguns autores dividem-nos em 3 classes: à base de água (atividade cerumenolítica); à base de óleo (com efeito de amolecimento) e não à base de óleo nem à base água (Quadro_I).3,6 Os cerumenolíticos podem ainda ser usados como adjuvante quando usada a irrigação, com o objetivo de a facilitar.

Atendendo a estes factos, o objetivo deste trabalho consistiu em rever a evidência disponível sobre a eficácia do uso de cerumenolíticos na remoção do cerúmen.

MÉTODOS Foi realizada uma pesquisa sistemática em setembro de 2011 de Ensaios Clínicos Controlados e Aleatorizados (ECA), Meta-Análises, Revisões Sistemáticas (RS) e Normas de Orientação Clínica (NOC), publicados entre janeiro de 2000 e agosto de 2011, em português e inglês, nas bases de dados Medline, Cochrane, National Guideline Clearinghouse, NHS Evidence e Database of Abstracts of Reviews of Effectiveness (DARE), utilizando as palavras-chave (termos MeSH) cerumen e cerumenolytic agents.

Incluíram-se os estudos que avaliavam a eficácia do uso de cerumenolíticos na remoção do cerúmen, quando comparados com outros cerumenolíticos ou nenhum tratamento, em indivíduos adultos com cerúmen impactado. A eficácia do cerumenolítico foi definida quer pela remoção do cerúmen (total ou parcial), por redução do grau de oclusão ou visualização completa da membrana timpânica, quer pela prevenção da irrigação.

Foram excluídos os artigos repetidos e aqueles que discordavam dos critérios de inclusão definidos, nomeadamente aqueles que avaliavam exclusivamente o efeito dos cerumenolíticos como precursores da irrigação.

A Strenght Of Recommendation Taxonomy da American Family Physician foi utilizada para classificar a qualidade dos estudos e atribuir as forças da recomendação.

RESULTADOS De 132 artigos encontrados foram selecionadas 3 RS, 2 ECA e 3 NOC.

Revisões sistemáticas (RS) (Quadro_II) Clegg et al7 incluíram 26 estudos na sua RS de 2010, fazendo comparações entre 16 cerumenolíticos e nenhum tratamento. Destes estudos, 22 eram ensaios controlados e aleatorizados (ECA) e 4 eram ensaios clínicos controlados (ECC).

Os resultados avaliados foram: acuidade auditiva, limpeza adequada do cerúmen, qualidade de vida, recorrência e necessidade de novo tratamento, efeitos adversos e custo-efetividade. Foi demonstrado que os cerumenolíticos, quando usados como tratamento único, são eficazes na remoção do cerúmen. Não foram encontradas diferenças entre os vários métodos avaliados em termos de remoção do cerúmen. O clorobutanol associado ao para-diclorobenzeno, o bicarbonato de sódio, o azeite de oliva e a água mostraram-se mais eficazes que nenhum tratamento, mas mantém-se incerto qual o agente específico mais eficaz. Pela heterogeneidade dos estudos incluídos nesta RS quanto à população, intervenção e resultados, foi-lhe atribuído um nível de evidência (NE) 2.

Os resultados da RS da Cochrane8 de 2009 foram globalmente inconclusivos. Dos 9 estudos incluídos, apenas 1 ECA, considerado de qualidade moderada por incluir 97 participantes (155 ouvidos) e apresentar dupla ocultação, fez a comparação entre cerumenolíticos e nenhum tratamento, sugerindo que o uso de clorobutanol, bicarbonato sódio ou água estéril é melhor que nenhum tratamento. Coloca-se ainda a hipótese de que a solução salina poderá ter propriedades cerumenolíticas. Os resultados foram estatisticamente significativos quando avaliada a visualização completa da membrana timpânica. Quanto à prevenção do recurso à irrigação, os resultados apenas foram estatisticamente significativos a favor do clorobutanol associado ao para-diclorobenzeno quando comparado com nenhum tratamento. Este mesmo ECA comparou cerumenolíticos com água estéril como placebo, mas nenhum se mostrou mais eficaz na prevenção da necessidade de irrigação ou na proporção de CAE completamente desobstruídos. Deste modo, considerou-se a água um agente tão eficaz como os cerumenolíticos, com a vantagem de ser barata e de fácil acesso. Os 9 ECA compararam vários cerumenolíticos entre si e a maioria das comparações não mostrou diferenças. Os estudos incluídos nesta RS são heterogéneos e na generalidade de baixa a moderada qualidade, pelo que se atribuiu um NE 2.

Uma RS de Hand and Harvey (2004),6 incluiu 18 ECA e os resultados apresentados estabeleceram a comparação entre as diferentes classes de cerumenolíticos (Quadro_I). Demonstrou-se que preparações à base de água e à base de óleo têm eficácia semelhante e são provavelmente mais eficazes do que nenhum tratamento.

Mas não se demonstraram vantagens de uma em detrimento da outra. Uma preparação não à base de água ou de óleo pareceu ser superior a uma preparação à base de óleo na remoção de cerúmen, mas esta foi confinada a um pequeno estudo e de evidência fraca. Nesta RS foi ainda encontrada um associação estatisticamente significativa entre o número de dias de tratamento e a eficácia na remoção de cerúmen, sendo que 4 dias de tratamento foram mais eficazes (35%) que 3 dias (19%) e que 1 dia (14%). Os estudos incluídos nesta RS apresentam uma qualidade variável e com amostras pequenas, pelo que se atribuiu um NE 2.

Ensaios Controlados e Aleatorizados (ECA) (Quadro_III) Um dos ECA incluídos, de 2010,1 apresenta uma amostra de 38 indivíduos (76 ouvidos) com idades compreendidas entre os 67 e 92 anos (média de idade de 78 anos). Neste estudo israelita foram avaliados três cerumenolíticos quanto aos seus efeitos na redução da obstrução causada pelo cerúmen, através de uma escala de 0 a 3, em que o zero equivale à ausência de oclusão, o 1 a uma oclusão inferior a 50%, o 2 se a oclusão for superior a 50% e o 3 na oclusão completa. Foi também utilizado um teste para avaliar a função cognitiva pós- tratamento, como reflexo de melhoria na qualidade de vida (sensação de bem- estar). A resolução da oclusão foi verificada em 38-54% dos ouvidos tratados, mas apenas com óleo oliva associado a óleo menta e a óleo mineral foi observada a resolução completa nos dois ouvidos. Não foram encontradas diferenças entre os três cerumenolíticos na diminuição do grau de oclusão, mas foi demonstrado que a remoção de cerúmen melhorou de forma estatisticamente significativa o bem-estar do paciente. Este estudo verificou ainda que foi necessário tratamento adicional em 46,2% dos indivíduos tratados com óleo oliva associado a óleo menta e óleo mineral, 61,5% quando usado clorobutanol em associação com diclorobenzeno e em 58,4% dos que receberam peróxido carbamida associado a glicerina (sem diferenças estatisticamente significativas). Estes resultados foram melhores do que os demonstrados noutros estudos, que reportavam esta necessidade em 70-80% dos ouvidos tratados.1 Este ensaio clínico apresenta uma amostra pequena pelo que foi classificado com um NE 2.

No outro estudo, de Caballero et al9 (2009), foram incluídos 89 pacientes, com 57,8 anos de média de idade, e foram comparados os efeitos de diferentes cerumenolíticos entre si e com solução salina na visualização da membrana timpânica. Foi conseguida uma visualização completa em 65,6% dos casos com clorobutanol, em 55,2% com carbonato de potássio e em 42,9% com solução salina, mas sem diferenças estatisticamente significativas quando comparados os cerumenolíticos com a solução salina. Por se considerar que o resultado avaliado não é orientado para o paciente, este ECA foi classificado com NE 3.

Normas de Orientação Clínica (NOC) (Quadro_IV) Segundo as recomendações baseadas em evidência clínica de 2008 da American Academy of Otolaryngology Head and Neck Surgery Foundation,10 os clínicos devem tratar o cerúmen impactado quando existe sintomatologia expressa pelo paciente ou quando impede o exame clínico, atribuindo uma força de recomendação B (após conversão para a SORT). Consideram os agentes cerumenolíticos uma opção terapêutica, uma vez que se mostrou que o uso de gotas auriculares para remover o cerúmen do ouvido afetado é melhor do que nenhum tratamento, mas com uma força de recomendação C (após conversão para a SORT) por consistir numa opinião baseada em estudos limitados. O mesmo se recomenda na guideline elaborada pela University of Texas pelo Family Nurse Practitioner Program.11 Esta guideline acrescenta que preparações à base de água e à base de óleo são igualmente eficazes na limpeza de cerúmen e, quando comparadas, não é demonstrada qualquer vantagem de uma preparação em detrimento da outra. Assim, nenhum tipo específico de cerumenolítico pode ser recomendado em relação a outro, com uma força de recomendação C, segundo a U.S. Preventive Services Task Force Ratings.

Por ser uma recomendação orientada para o paciente baseada em evidência inconsistente e de qualidade limitada, após conversão para a SORT atribui-se uma força de recomendação B. Na norma de orientação clínica elaborada pelo Serviço Nacional de Saúde da Escócia12 sobre cuidados auriculares é recomendado o uso de cerumenolíticos como tratamento de primeira linha, pois pode reduzir a necessidade de outras intervenções. Considerando tratar-se de uma recomendação baseada num consenso, atribui-se uma SOR C. Aconselham ainda um esquema terapêutico adaptado às necessidades individuais de cada paciente.

CONCLUSÕES A maioria dos artigos aponta para a eficácia dos cerumenolíticos na remoção do cerúmen impactado quando comparados com nenhum tratamento, mas os dados são inconclusivos quanto ao agente mais eficaz. Não foram encontradas diferenças significativas entre cerumenolíticos nem quando comparados com solução salina ou com água.

Assim, os cerumenolíticos são eficazes na remoção do cerúmen quando comparados com nenhum tratamento (SOR B). Apesar de não haver evidência suficiente para recomendar a utilização de um cerumenolítico em particular (SOR B), a remoção do cerúmen pode melhorar o bem-estar do paciente, pelo que o Médico de Família deve tratar o cerúmen impactado causador de sintomas. Não dispondo de equipamento ou técnica a nível dos CSP que permita o uso de outros métodos, os cerumenolíticos serão a opção mais viável, pelo que é importante a realização de mais estudos, de qualidade metodológica elevada, com amostras maiores e, principalmente, que sejam orientados para o paciente, avaliando-se a melhoria sintomática. Será ainda necessário avaliar qual o agente mais eficaz na remoção do cerúmen e determinar o efeito cerumenolítico da solução salina (ou água do mar) com mais estudos que a comparem com nenhum tratamento.

Recomenda-se que o tratamento com cerumenolíticos não tenha uma duração superior a 5 dias, uma vez que, não sendo conseguida a remoção completa do cerúmen, a acumulação do agente em contacto com a membrana timpânica pode causar irritação e predispor a infeção. Neste sentido, devem ser pesquisadas infeções otológicas ativas antes de se prescrever este tipo de tratamento, pois será uma contra-indicação para o seu uso. Neste sentido, é então importante determinar qual o esquema terapêutico mais efetivo.

Em Portugal a reduzida oferta de cerumenolíticos disponíveis é outra dificuldade, estando as opções limitadas a uma preparação de Clorobutanol associado a Para-diclorobenzeno e a Benzocaína e à solução salina em spray.

Ainda assim, o uso de cerumenolíticos pelo Médico de Família, na sua prática clínica diária, poderá evitar a referenciação aos cuidados secundários. Ao minorizar-se a preocupação com tempos de espera e catalisando a rapidez no tratamento, haverá um óbvio benefício de custo-efetividade e melhor satisfação do paciente pela rápida resolução do seu problema.


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