Sustentabilidade corporativa: avaliação híbrida do Triple Bottom Line
Tendo como base as diferentes correntes de pensamento sobre a teoria das
empresas Lozano et al. (2014, p. 11) apresentam uma proposta sobre a teoria das
empresas orientada para a sustentabilidade, em que: «The firm is a profit
generating entity in a state of constant evolution. This entity is a system
comprised of resources and networks of relationships with stakeholders. The
firm's employees are responsible to represent the firm, manage its resources,
and empower its stakeholders so that the firm complies with laws, maintains its
‘license to operate’, increases its competitive advantage, and better
contributes to foster the evolution of more sustainable societies by
holistically addressing the economic, environmental, social, and time
dimensions.»
Não sendo uma proposta completamente inovadora, permite-nos, porém, ter uma
ideia da contextualização das diferentes dinâmicas que estão presentes no
desenvolvimento das atividades das empresas, as quais geram uma multiplicidade
de impactos. A intensidade dos mesmos está diretamente relacionada com o sector
de atividade a que pertencem (UN, 2008), dependendo do ciclo de vida dos seus
produtos e serviços (Finnveden et al., 2009; Jeswani e Azapagic, 2012), da sua
cadeia de abastecimento (Govindan et al., 2014), da relação que estabelecem com
os diferentes stakeholders (Rossouw, 2005; Loorbach e Huffenreuter, 2013) e da
sua Responsabilidade Social Corporativa (RSC) (McWilliams e Siegel, 2001;
McWilliams et al., 2006; Castelló e Lozano, 2011).
Nos últimos anos, tem-se assistido a uma mudança de paradigma empresarial,
sendo necessário estar consciente dos principais desafios económicos, sociais e
ambientais que terão de ser enfrentados (Steurer et al., 2005; Linnenluecke e
Griffiths, 2010). Cada vez mais os stakeholders exigirão às organizações a
responsabilidade dos seus atos e ações. O principal desafio das empresas será
decidir quais as ações e iniciativas pelas quais deverão optar para fazer face
aos desafios da sustentabilidade, e, por outro lado, depois de implementadas, a
forma de medir e avaliar o seu impacto. Berman et al. (1999) propõem duas
perspetivas concorrentes sobre a motivação para abordar estas questões: a
instrumental e a normativa.
A abordagem instrumental sugere que a RSC e a sua preocupação com os
stakeholders são motivadas pela perceção de que o desempenho económico da
empresa é melhorado se fomentar estrategicamente os princípios da RSC. Os
estudos realizados por Margolis e Walsh (2003), Branco e Rodrigues, 2008; Makni
et al., (2009) corroboram a existência de uma relação positiva entre o
desempenho económico e as práticas de RSC.
A perspetiva normativa sugere que as empresas têm a obrigação moral de cuidar
dos interesses dos stakeholders. Os estudos realizados por Gray (2006), Branco
e Rodrigues (2008), Carroll e Shabana (2010) demonstram que se observam
vantagens no que concerne à redução de custos e riscos, reforço da reputação e
legitimidade, vantagens competitivas, entre outros aspetos.
O debate tem-se centrado na forma de implementar, manter e melhorar as práticas
de RSC e, por outro lado, como avaliar os seus impactos e resultados (Smith,
2003; Mahoney et al., 2013). Isto é, como integrar no planeamento estratégico
das empresas os princípios de RSC (Gray 2006), o que medir e como medir para
monitorizar e avaliar os seus resultados e que canais de comunicação utilizar
para divulgar suas intenções, propostas e resultados (Fernandez-Feijoo et al.,
2014).
No seu estudo, Carroll (2000) responde à questão se o desempenho da RSC deve
ser medido e a sua resposta é afirmativa porque é importante para as empresas e
a sociedade. Mas a questão é outra: «The real question is whether valid and
reliable measures can be developed…» (p. 473).
Tem-se observado, de facto, uma multiplicidade considerável de propostas,
modelos, métricas e indicadores que têm contribuído para que as organizações
compreendam e avaliem o desempenho das suas estratégias e atividades no âmbito
da RSC. As abordagens realizadas são diversas e procuraram explicar as diversas
dimensões da sustentabilidade nos mais variados contextos.
O desempenho de uma empresa está diretamente relacionado com a sua eficiência
ou ineficiência, efetividade, capacidade tecnológica, disponibilidade de
capitais, hábitos, cultura organizacional, habilidade para a mudança,
capacidade de criar valor para os stakeholders e a forma como comunica os seus
resultados.
O relato é a forma privilegiada que, por norma, as organizações em geral
utilizam para comunicar e dar a conhecer o desempenho das suas atividades, para
legitimarem a sua conduta e forma de atuar perante uma diversidade de
stakeholders internos e externos à empresa.
O Global Report Initiative (GRI) é atualmente considerado a estrutura mais
consensual de relato voluntário (Branco e Rodrigues, 2006) para comunicar a
sustentabilidade das organizações. Trata-se de uma abordagem padronizada que
estimula a consulta de informação sobre sustentabilidade pelas partes
interessadas (Brown et al., 2009). De referir que a estrutura do GRI (GRI,
2006; 2011) tem vindo a caracterizar-se, desde a sua criação em 1999, por uma
constante adaptação às exigências e necessidades de divulgação, tendo como
objetivo proporcionar a melhor informação possível sobre a sustentabilidade das
organizações.
Este normativo cobre, através dos seus indicadores de progresso e avaliação, as
três dimensões da sustentabilidade «Economia, Ambiente, Sociedade» ? o
denominado Triple Bottom Line (TBL), designação dada a conhecer por Elkington
(1999).
É nosso objetivo, utilizando a informação relatada pelas empresas, estudar as
interações que se venham a estabelecer entre o binómio dimensional Economia-
Ambiente e Economia-Sociedade, já que acreditamos que na interdependência das
dimensões se potenciam efeitos de complementaridade, de sinergia e de trade-
off. Estas relações são designadas de relações híbridas (Jerónimo Silvestre et
al., 2014).
Dados e metodologia
O trabalho empírico realizado teve como base os relatórios de sustentabilidade
das empresas.
. Seleção da amostra
As empresas que fazem parte da amostra foram selecionadas do total de empresas
que registaram os seus relatórios de sustentabilidade na base de dados do GRI
(GRI, 2011). A seleção foi feita seguindo os seguintes critérios: a versão de
relato é a G3 e G3.1; ano de relato considerado 2011; foram consideradas
pequenas e médias empresas (PME), grandes empresas e multinacionais (MN); por
setor de atividade, uma por país; o idioma dos relatórios poderá ser em inglês,
espanhol e/ou português; o relatório está disponível em formato eletrónico; e a
empresa preferencialmente utiliza um sistema de gestão formal (por ex. normas
da ISO, OHSAS, AA1000, SA8000).
. Análise da informação relatada
Para cada um dos relatórios selecionados, foi realizada uma análise e avaliação
das respostas dadas a cada indicador, observando-se qual a frequência de
utilização para as dimensões do TBL, tendo sido realizada uma análise de
conteúdo da informação disponibilizada tanto qualitativa, como quantitativa.
Foi, assim, possível fazer a seriação dos indicadores e determinar os
indicadores prevalecentes para a análise de integração, assim como determinar
qual o índice de responsabilidade do relato das empresas.
. Metodologia de âmbito estatístico
Com o objetivo de avaliar a possibilidade de relações ou associações entre
indicadores, dois a dois, efetuaram-se Análises de Contingência e de Variância.
As hipóteses de base em análise (traduzidas pela hipótese nula) assumem a
inexistência de associação entre os indicadores:
- Análise de Contingência: os dois indicadores (qualitativos) são
independentes;
- Análise de Variância: os valores médios do indicador quantitativo são iguais
para todas as categorias possíveis do indicador qualitativo.
Com estas análises, pretendeu-se detetar indícios da existência de associações
entre dois indicadores de dimensões diferentes, pelo que a verificação dos
pressupostos destas duas análises não foi uma preocupação. Como critério de
decisão consideraram-se as análises com p-value claramente inferior a um nível
de significância de 0,05 (correspondente a um grau de confiança de 95%).
O resultado conduziu a um subconjunto de indicadores submetidos, de seguida, a
uma Análise de Correspondências para, em conjunto e para cada um dos binómios
Economia-Ambiente e Economia-Sociedade, detetar associações de interesse (para
albergar indicadores quantitativos efetuou-se a sua classificação).
O tratamento estatístico dos dados foi realizado através da utilização do
programa STATISTICA (2013).
Resultados e discussão
. Caracterização da amostra
A amostra é constituída por um total de 85 empresas com uma distribuição
equilibrada entre as dimensões empresariais (PME, grandes empresas e MN) e por
36 setores de atividades económicas. Em apenas 7 destes setores concentram-se
43% das empresas (de maior a menor): Serviços Financeiros, Energia,
Distribuição de Energia, Produtos Alimentares e Bebidas, Mineração,
Telecomunicações e Indústria Química.
As empresas estão distribuídas por 36 países, destacando-se 6 pelo número de
empresas representadas, correspondendo a 51% da amostra (Austrália, Itália,
Portugal, EUA, Brasil e Espanha) e 68% dos países são pertencentes à OCDE. O
continente mais representado é a Europa (46%), seguido da América (29%) e Ásia
(18%).
A adoção de sistemas de gestão é considerada como parte de um esforço ampliado
pelas organizações para monitorizar, controlar e reduzir os impactos causados,
constituindo-se como elemento importante da sustentabilidade corporativa. Das
85 empresas, 78 indicam a sua utilização com a seguinte distribuição: ISO 14001
com 67%, ISO 9001 com 66%, OHSAS 18001 com 45% e AA1000 com 25%. Em média, 38%
das empresas utilizam três destes sistemas. Porém, o uso destas ferramentas e
sistemas de gestão pode não corresponder a melhorias de desempenho ou esforço
legítimo nesse sentido (Wiengarten et al., 2012). Não obstante, a sua
implementação permitirá, num processo que se pretende continuado, sensibilizar
e ajudar as empresas a transformarem-se em unidades mais responsáveis.
. Análise da informação relatada
O GRI apresenta-se com um total de 84 indicadores (9 económicos, 30 ambientais
e 45 de âmbito social – 15 práticas laborais, 11 direitos humanos, 10 sociedade
e 9 responsabilidade do produto).
Relativamente às 85 empresas da nossa amostra:
- Apenas 33% das empresas utilizam no seu relato mais de 62 e um máximo de 84
indicadores, representando um valor médio de 89% de cobertura de relato;
- 28% das empresas utilizam no seu relato mais de 40 e menos de 63 indicadores,
representando um valor médio de 63% de cobertura de relato;
- 32% das empresas utilizam no seu relato mais de 20 e menos de 41 indicadores,
representando um valor médio de 31% de cobertura de relato; e
- 7% das empesas utilizam no seu relato mais de 9 e menos de 21 indicadores,
representando um valor médio de 19% de cobertura de relato.
Observa-se que 44 empresas (52% do total) encontram-se acima do valor médio de
relato entre muito bom e bom.
Estes resultados foram fundamentais para identificar o conjunto de indicadores
prevalecentes para a análise de integração: dos 84 indicadores selecionaram-se
apenas 36 em função da frequência e variabilidade de resposta das 85 empresas
(mais de 40% das empresas responderam relativamente a 4 indicadores económicos,
10 ambientais e 11 sociais) (ver Quadros_1_a_3).
. Relato entre indicadores
Os resultados obtidos através da análise de contingência e de variância
permitiram a identificação de indícios de relações entre indicadores de tipos
diferentes (ver Quadros_4 e 5). Estas associações/relações híbridas estão
relacionadas com a porção de uma unidade coerente (sistema – dimensões do TBL)
que, por efeito de indução de alguns dos seus elementos (subsistema –
indicadores) por outra unidade coerente diferente, pode potenciar resultados
positivos, negativos, nulos ou neutros de desempenho e que afetarão ambas as
porções dos dois sistemas em grau e intensidade (Jerónimo Silvestre et al.,
2014).
Quanto à análise de correspondências efetuada com os indicadores do sistema, os
resultados são os seguintes:
- Economia-Ambiente revela que valores elevados para as Vendas líquidas (EC1-1)
estão associados a grandes quantidades de materiais utilizados (EN-1), energia
consumida (EN-3 e EN-4) e sanções ambientais (EN28) (ver Figura_1).
- Economia-Sociedade revela que valores elevados para as Remunerações (EC1-7)
estão associados a maior proporção de trabalhadores com contratos de trabalho
(LA4), mais acidentes laborais (LA7), mais incidentes resultantes de não
conformidade (PR4), coimas (PR9) e multas (SO8) (ver Figura_2).
A análise exploratória efetuada revelou-se muito útil tendo, naturalmente,
algumas limitações, nomeadamente na representatividade das categorias
utilizadas para os indicadores, o que justifica por ex.: a associação aparente
entre o indicador EN4-q3-Baixo com o universo positivo do sistema Economia-
Ambiente (ver Figura_2).
Conclusões e limitações
A ausência de referências na literatura que ajudem a validar o trabalho
efetuado, a grande variabilidade dos indicadores, a sua menos equilibrada
qualificação e a incorporação de inúmeros setores de atividade de apenas 85
empresas são alguns dos fatores que dificultaram a análise efetuada. Por esta
razão, consideramos estes resultados como preliminares.
Identificaram-se como indicadores económicos de referência as Vendas e as
Remunerações, com trade-offs com indicadores Ambientais (Vendas) e Sociais
(Remunerações).
A abordagem híbrida só terá lugar se não se verificar uma compartimentação de
interesses quase estanque entre as dimensões do TBL que impeça a possibilidade
da integração dos seus elementos constituintes. Assim, ao abordar-se a
sustentabilidade, está a apelar-se ao imperativo da conciliação do equilíbrio
necessário entre os aspetos económicos, sociais e ambientais, pelo que o dilema
ético não está entre a escolha de uma ou outra destas dimensões, mas na
ponderação das combinações possíveis que possam viabilizar o bem-estar entre as
mesmas.
Como refere Azapagic (2004, p. 656): «While it is necessary to present to
stakeholders the information on economic, environmental and social performance
in a disaggregated form, integrating two or more indicators into one measure of
performance to inter-relate different aspects of sustainability can also be
helpful, for several reasons. Firstly, integration reduces the number of
indicators to a smaller, more manageable number of performance measures, thus
better facilitating decision-making process. Secondly, sustainable development
is a holistic concept and ideally we should strive to consider all three
pillars of sustainability simultaneously. Although in practice this may be
difficult to achieve, integrated indicators could bring us a step closer to
achieving this aim.»
Assim, o desenvolvimento de novas abordagens ou a consolidação de abordagens
existentes, tendo como ponto de partida pontos de vista alternativos, seja para
propostas integradoras, totais ou parciais das dimensões do TBL, são
contributos acrescidos para a compreensão da RSC.