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EuPTHUHu0807-89672014000100003

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National varietyEu
Year2014
SourceScielo

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A variação ou ̃ oi em Portugal continental: delimitação das áreas geográficas com maior incidência do ditongo oi

1. Introdução Num texto de Lindley Cintra, o qual tomo como motivação teórica para este trabalho "Os ditongos decrescentes oue ei: esquema de um estudo sincrónico e diacrónico" (Cintra, 1983: 35-54), o autor faz várias observações sobre a situação atual dos ditongos oue eie suas variantes no ocidente peninsular, levantando algumas questões interessantes sobre a distribuição e maior incidência do ditongo oiem algumas áreas geográficas. Na sua opinião, nessas áreas a variação dos ditongos é menor, ocorrendo maioritariamente oi.

A variação dos ditongos oue oié comum no português atual e ocorre em determinadas palavras. O ditongo oué proveniente do ditongo auprimário ou secundário e alterna frequentes vezes com oiquando este é procedente da vocalização de cno grupo ctou formado a partir da atração do iode primário da sílaba seguinte: au> ou: tauru> touro (~ toiro), raupa> roupa (~ roipa); al> ou: calce> couce (~ coice), altariu> outeiro (~ oiteiro); nocte> noite (~ noute), octo> oito (~ outo); coriu> coiro (~ couro); tonsoria> tesoira (~ tesoura); -toriu> -dorio > -doiro (~ -douro). A alternância estendeu-se a outras palavras cujos ditongos tinham outras origens, p.e: tucca> toucinho(~ toicinho), *caçoou caçoulo > caçoula (~ caçoila)(Houaiss, 2001).

Com base nos resultados dos inquéritos realizados para o Atlas Linguístico da Península Ibérica(ALPI) no território português continental, Cintra (1983: 119- 159) toma como um dos traços fonéticos diferenciadores a pronúncia do ditongo ou, realizado no norte como [ow] ou [?w], enquanto no sul se a monotongação em [o]. Assim, Cintra traça uma isófona de divisão entre a área geográfica portuguesa setentrional conservadora do ditongo [ow], região que corresponde ao Minho, Trás-os-Montes, Douro Litoral e parte da Beira Alta e Interior, e a área de monotongação em [o], área designada como centro-meridional, região que corresponde a uma parte da Beira Alta e a maior parte da Beira Litoral, Beira Interior, Ribatejo, Estremadura, Alentejo e Algarve. No mesmo trabalho, Cintra nota que o maior uso de oiparece registar-se na região de entre Douro e Tejo, especificamente em alguns falares regionais em zonas ameaçadas pela monotongação.

No artigo de Cintra estão expostas as opiniões de alguns autores como Leite de Vasconcelos, o qual crê que o uso de ouou oiem determinadas palavras se por razões dialetais e estilísticas. Para este autor a variante oi"() existe mais ou menos em todo o país, pois alterna com ouem certas palavras: doisou dous, oiroou ouro [] algumas palavras em que oié dialectal, e não geral, como oivir, toica(em Moncorvo)" (apud idem, ibid.: 43).

Em os Estudos de Philologia Mirandesa, Vasconcelos diz: "Póde escrever-se em português Cicouroe Cicoiro, como Douroe Doiro, ouroe oiro, noutee noite. Em geral na nossa língoa, o ditongo oireflecte a pronúncia popular, o ditongo oua pronúncia literária" (p. 75).

Paiva Boléo a sua opinião sobre este assunto em a Introdução ao Estudo da Filologia Portuguesa:

De uma maneira geral, o ditongo oié mais popular e mais usado que ou, aparecendo em palavras que na linguagem corrente têm ou: oirives, oitono, oitubro(Vej. "Rev. Lus.", XXVIII, 1930), coibe (couve), etc. No entanto, regiões, p.ex. no Norte, onde o ditongo ouaparece em palavras que correntemente se ouvem com oi: loura, biscouto, doudeira,etc. (p. 91)

Para Gonçalves Viana (apudCintra, 1983: 45) a alternância parece estar relacionada com questões de contexto fónico: " () este ditongo alterna indiferentemente com oumormente antes de -re -te-". Cintra pensa que embora a alternância ocorra nas cidades, na linguagem das aldeias é inexistente; ou seja, as palavras são pronunciadas sempre da mesma maneira, fenómeno idêntico ao Caipira, um falar da antiga província de São Paulo. Amadeu Amaral (1955) ao descrever este falar nota a falta de sincretismo que ocorre no português europeu e na gente culta do Brasil. Em contínua apreciação das opiniões dadas, Cintra crê que o ditongo oiexiste em todos os falares portugueses nas palavras em que o etimológico, seja nos casos de metátese como coiro, ou proveniente da vocalização da consoante cno grupo ctcomo em noite, embora possa, por vezes, alternar com ouou ô. Nessas zonas de predominância de oi, o ditongo manteve-se nos casos etimológicos, mas também aparece em palavras em que é esperado ouou ô. Cintra conclui que, independentemente da etimologia, existem zonas em que as palavras são pronunciadas na maior parte dos casos com o ditongo ou, outras com o monotongo ô, e outras com o ditongo oi. A distinção dessas zonas e falares é o seu objetivo principal:

A distinção que me parece necessária é a distinção entre falares e zonas linguísticas em que predomina [?], seja qual for a etimologia, e falares e zonas em que predomina [?] ou [?]; entre falares e zonas, portanto, em que se ouve oiro, toiro, foice, oitro, roipa, oiteiro,ainda que num ou noutro caso apareça [?] ou [?], e outros em que se ouve ouro, touro, fouce, outro, roupa, outeiro,ou ôro, tôro, fôce, ôtro, ôteiro, rôpa, embora algumas palavras apresentem [?]. Ora, esta distinção não é possível como necessária. (1983: 44)

No mesmo trabalho, Cintra sugere que a região em que parece existir maior predominância de oié a zona de transição entre [ow] e [o].

Neste artigo, pretendo verificar as hipóteses de Cintra: (i) o ditongo oipredomina em áreas ameaçadas pela monotongação; (ii) a substituição de oupor oiresulta de um esforço de conservação do ditongo.

A alternância que se verifica entre os ditongos decrescentes não é um fenómeno do português atual. Existem registos em textos antigos que podem situar o início da alternância no séc. XIII, no período linguístico do galego-português, tal como atestam os trabalhos de Maia (1986: 555-556)[1]e Cintra (1984: 174, nota 47).[2] A alternância tornou-se mais frequente nos séculos seguintes (cf.

Mattos e Silva 1989: 87; Abraham 1938: § 28).[3] Quanto ao início da monotongação do ditongo ouromânico, Cintra supõe que esta tenha surgido no sul, a partir dos séculos XII-XIII, em território que viria a ser português, e que se tenha expandido em direção ao norte nos séculos XIII- XIV.

O tema da alternância dos ditongos oue oifoi debatido frequentes vezes por diversos autores e assumindo diferentes perspetivas. As teorias e explicações mais comuns para a origem da alternância são: 1) a semivocalização da consoante cno grupo latino ctque evoluiu para [w] ou [j] (cf. Williams 1994: § 92 7. C.); 2) a "confusão" da terminação sufixal toriucom a terminação auru(cf.

bebedoiro ~ moiro ( mouro < mauru) (cf. Lucius Gaston Moffat)[4]; 3) o ditongo oué resultado de uma evolução de caráter culto ou semiculto, e o ditongo oié popular ou dialetal (cf. Maia, 1986: 556; Vasconcelos, 1970: 91; Boléo, 1946: 91). Para Cintra, após a revisão das explicações de diversos autores sobre a origem da alternância (algumas aqui citadas), o autor concorda parcialmente com Gaston Moffat:

(...) parece-me preferível admitir que o ponto de partida da passagem de oua oiesteja em alguns casos particulares a que aludiram autores anteriormente citados, mais provavelmente nos casos em que a terminação -ouro (<AURU) se confundiu e começou a alternar com - (d)oiro (<-TORIU), segundo a hipótese de L.G. Moffat, e em certos outros em que, na vocalização de uma consoante, se registou uma oscilação que tanto podia conduzir à fixação do estreitamento caracterizador na região palatal como velar [] Mas o factor decisivo na expansão de oi teria sido a tendência a evitar a fusão dos elementos do ditongo, exercendo-se principalmente no falar popular de zonas ameaçadas pela aproximação de uma corrente monotongadora. essa tendência me parece susceptível de explicar a extraordinária frequência de oipor ouem certas linguagens regionais, que está certamente na origem da abundante penetração do fenómeno da linguagem literária. (1983: 51-52)

Uma outra estratégia usada pelos falantes para evitar a monotongação é o uso de uma variante do ditongo [ow], a variante [?w], muito ouvida em Trás-os-Montes, em parte de Entre Douro e Minho e numa parte da Beira. Neste aspeto o ditongo [oj], e o seu uso em zonas ameaçadas pela monotongação, é comparável ao uso dessa variante:

Creio que, quando consideramos [] a localização geográfica actual das zonas onde nos falares regionais existe e predomina oipor ou,zonas de fronteira entre a conservação do ditongo e a sua monotongação, e, muito principalmente, a localização da zona austuriana [], não podemos deixar de nos sentir preferentemente atraídos pela última destas explicações: [oi] aparece-nos efectivamente como mais um resultado comparável neste aspecto a [?u?] da tendência a fugir à monotongação pelo afastamento dos dois elementos do ditongo. (Ibidem: 50)

Um dos aspetos contemplados na literatura teórica sobre a passagem de oua oiestá exatamente relacionado com a constituição do ditongo. Visto o ditongo [oj] ser composto por dois elementos de séries diferentes, a vogal é posterior e a semivogal é anterior, existem menores probabilidades de ocorrer a monotongação. No ditongo [ow] a proximidade articulatória entre [o] e [w] é muito estreita. No caso do ditongo [ej], a distância articulatória é maior entre [e] e [j], ainda que a abertura do maxilar seja a mesma para ambos os ditongos, reduzindo, assim, as possibilidades de ocorrer a monotongação (cf.

Martinet, 1970: 99). Podemos, desta forma, assumir que, nos casos em que ocorre o ditongo velar dissimilado ou o ditongo palatal, existem menores probabilidades de ocorrer a monotongação.

2. Metodologia Face aos objetivos deste trabalho, identificar no território português as áreas de maior predominância de [oj] e verificar se esse uso está relacionado com uma tentativa de evitar a monotongação recorri a 3 atlas linguísticos: o Atlas Linguístico da Península Ibérica(ALPI) o Atlas Linguarum Europae(ALE) e o Atlas Linguístico-Etnográfico de Portugal e da Galiza(ALEPG).[5] A partir destes fiz o levantamento das palavras que ocorressem com maior frequência resultando num corpusde 26 palavras em que ocorrem os ditongos oue oiem posição inicial e medial de palavra: outono, outro/outra, ouvir, oito, roupa, touro, choupo, tesoura, couve, rouxinol, toupeira, pouco, toucinho, coice, coiro, noite, foice, dezoito, coisa, caçoila, suadouro, calcadouro, bebedouro, manjedoura, cantadoura e roçadoura.[6] Os dados foram levantados de um total de 503 informantes do sexo masculino e feminino em 228 pontos de inquérito em18 distritos portugueses. Estabeleci uma rede de localidades com os pontos selecionados, a qual apresento em apêndice juntamente com o Mapa_1 Rede de Localidades (v. no Apêndice_2 a Lista de Localidades). Após o levantamento das respostas procedi (i) à organização e contagem dos dados por tipo de ocorrência atestada em cada localidade e distrito (v. no Apêndice_2 a tabela de ocorrências); (ii) cartografagem dos dados, i.e., o registo dos dados linguísticos apurados neste trabalho em mapas do tipo interpretativo onde é possível visualizar a distribuição geográfica dos ditongos [ow] e [oj] e do monotongo [o] no território português continental; (iii) delimitação das áreas com maior incidência do ditongo [oj]; (iv) análise da distribuição geográfica dos sufixos douro/-doiroe -doura/-doira; (v) aplicação de um teste estatístico (Correlação) por forma a determinar qual o nível de associação/correlação entre as 3 realizações em estudo, especialmente, entre [oj] e [o].

3. Resultados Das respostas de 503 informantes obtive um total de 3272 ocorrências das realizações em estudo, sendo que 806 ocorrências são do ditongo [ow], 948 do ditongo [oj] e 1518 do monotongo [o]. A Tabela_1 apresenta o de ocorrrências de [ow], [oj] e [o] e as suas percentagens em cada distrito português.

Tabela 1 de ocorrências de [ow], [oj] e [o] e percentagens por distrito ____________________________________________________ |________________|N.º_de_ocorrênci|Percentagens____| |Distrito________|[ow]|[oj]|[o]_____|%[ow]|%[oj]|%[o]| |Viana_do_Castelo|120_|33__|12______|72,7_|20___|7,3_| |Braga___________|107_|57__|11______|61,1_|32,6_|6,3_| |Vila_Real_______|114_|51__|19______|61,9_|27,7_|10,3| |Bragança_______|168_|53__|18______|70,2_|22,1_|7,5_| |Porto___________|90__|42__|8_______|64,3_|30___|5,7_| |Aveiro__________|67__|31__|31______|51,9_|24___|24__| |Coimbra_________|20__|54__|79______|13,1_|35,3_|51,6| |Viseu___________|43__|50__|46______|30,9_|35,9_|33__| |Guarda__________|34__|66__|67______|20,3_|39,5_|40,1| |Castelo_Branco__|11__|44__|144_____|5,5__|22,1_|72,4| |Leiria__________|14__|55__|100_____|8,3__|32,5_|59,2| |Lisboa__________|4___|68__|93______|2,4__|42,2_|56,4| |Setúbal________|1___|48__|121_____|0,6__|28,2_|71,2| |Santarém_______|1___|52__|117_____|0,6__|30,6_|68,8| |Portalegre______|4___|56__|171_____|1,7__|24,2_|74__| |Évora__________|1___|62__|159_____|0,4__|27,9_|71,6| |Beja____________|4___|39__|139_____|2,1__|21,4_|76,3| |Faro____________|3___|87__|183_____|1,1__|31,8_|67__| |Total___________|806_|948_|1518____|25___|28___|46__|

A Tabela_1 revela 3 grupos distintos: em alguns distritos do norte (Viana do Castelo, Braga, Vila Real, Bragança e Porto), das 3 realizações em estudo, o ditongo [ow] é a variante mais usada em cada distrito; nos distritos da área meridional (Castelo Branco, Leiria, Lisboa, Setúbal, Santarém, Portalegre, Évora, Beja e Faro), o monotongo [o] é a variante mais usada. Em cada um dos distritos destes dois grupos podemos verificar que existem grandes diferenças entre as percentagens de uso da variante mais usada e as percentagens das restantes variantes. Um terceiro grupo é composto pelos distritos de Aveiro, Coimbra, Guarda e Viseu, onde se registam diferentes resultados: no distrito de Aveiro, o ditongo [ow] é a variante mais usada; nos distritos de Coimbra e Guarda o monotongo [o] é a variante mais usada, e no distrito de Viseu o ditongo [oj] é a variante mais usada. No entanto, nestes distritos a distribuição das frequências das 3 realizações faz-se de forma mais semelhante ou homogénea que em qualquer outro distrito português. Tal resultado sugere que nestes distritos existe uma instabilidade quanto à pronúncia dos ditongos.

Vejamos de seguida como se distribuem as 3 variantes em todo o território continental (v. Mapa_2).

Para esta análise tomei em conta a realização com maior atestação em cada localidade.[7] Na contabilização total dos dados e na triagem da realização com maior atestação em cada localidade (uma média de 10 a 15 ocorrências por localidade), obtive o seguinte resultado: (i) o ditongo [ow] é a realização com maior atestação em 79 localidades (79/228 localidades); em 6 localidades [ow] co- ocorre em igual de ocorrências com outras variantes[8]; (ii) o monotongo [o] é a realização com maior atestação em 114 localidades (114/228 localidades); em 7 localidades [o] co-ocorre em igual de ocorrências com outras variantes; (iii) o ditongo [oj] é a realização com maior atestação em 44 localidades (44/ 228 localidades); em 10 localidades [oj] co-ocorre em igual de ocorrências com outras variantes.

3.1. Distribuição geográ?ca do ditongo [ow] e do monotongo [o] O ditongo [ow] tem a sua maior incidência na área mais setentrional portuguesa, a norte do rio Douro, na região do Minho, Beira-Alta e Trás-os-Montes. A sul do Douro, em algumas localidades do distrito de Aveiro e também com algum ressurgimento em escassas localidades dos distritos de Coimbra, Leiria e Castelo Branco.

O monotongo [o] apresenta maior ênfase a sul da linha do rio Douro, e com notória expressão a partir do Mondego até ao Algarve, abrangendo a leste parte da Beira-Alta e toda a Beira-Interior.

3.2. Distribuição geográ?ca das áreas de maior incidência do ditongo [oj] As áreas geográficas de maior incidência do ditongo [oj] correspondem, em alguns casos, a localidades isoladas, noutros casos são localidades mais próximas umas das outras; podemos considerar que sejam "ilhotas" de maior uso do ditongo [oj].

A começar de norte para sul o ditongo [oj] aparece como a variante predominante em 34 localidades (sem co-ocorrentes): Balugães (25), Apúlia (39), Fafe (43), distrito de Braga; Nevogilde (65), Gondar (66), distrito do Porto; Carrazedo de Montenegro (33), Vilarinho de Samardã (54), Sedielos (67), distrito de Vila Real; Vimioso (35), Lagoaça (64), distrito de Bragança; Sobrado de Paiva (74), Famalicão (107), distrito de Aveiro; São João da Pesqueira (76), Ester de Cima (83), Vale de Matos (84), Moimenta da Beira (86), distrito de Viseu; Vale da Mula (97), Casas do Soeiro (98), Vilar Formoso (99), Figueiró da Serra (103), distrito da Guarda; Mira (106), Vila Pouca do Campo (119), Lavos (124), distrito de Coimbra; Chainça (139), Leiria; Almeirim (160), Coruche (172), distrito de Santarém; Sobreiro (170), Povos (171), Aldeia Galega (179), Almargem do Bispo (180), Alcabideche (184), distrito de Lisboa; Moita (189), Santana (195), distrito de Setúbal. A leste, em Campo Maior (174), Portalegre, o ditongo [oj] aparece com especial incidência nas palavras que compõem o corpusdeste trabalho (somente em posição inicial e medial de palavra). Trata-se de um único caso na área meridional; talvez este uso se deva ao fato de a localidade se encontrar junto à fronteira e sob a influência do Castelhano (cf.

o falar de Olivença e o estudo de José Luis Valiña Reguera Os Falares Fronteiriços de Olivença e Campo Maior: falar alentejano e diversa castelhanização).

Em suma, temos diversas localidades a norte do rio Douro, numa área que se estende do litoral até terras transmontanas (área onde também ocorrem muitas variantes fonéticas dos ditongos [ow] e [oj], as quais mostrarei mais adiante, incluindo a variante do ditongo [ow] referida por Cintra, a variante [?w].

Nesta região, o ditongo [oj], como variante predominante, surge um pouco abaixo das regiões mais setentrionais de Portugal. No norte dos distritos de Bragança, Vila Real e em todo o distrito de Viana do Castelo existe uma sólida conservação de ou. A variação com oiocorre sobretudo quando oié etimológico (oito, noite, coiro, dezoito). As áreas de maior incidência de [oj] abrangem também algumas localidades a norte da isófona da passagem de [ow] > [o] nos distritos de Aveiro, Viseu e Guarda, e a sul da isófona, em localidades próximas da fronteira dialetal, também no distritos de Aveiro, Viseu e a leste no distrito da Guarda. Podemos considerar serem estas as zonas ameaçadas pela monotongação.

Por forma a corroborar a distribuição de [oj] tendo em conta somente a sua predominância, pois como Vasconcelos mencionou na Esquisse d’une dialectologie portugaise(1901: 91), este ditongo existe em todo o país, recorri à análise da distribuição dos sufixos douro/ae doiro/aa partir do levantamento das respostas a 6 palavras que contêm estes sufixos (cf. Mapa_4). Interessa sobretudo verificar se nas áreas em que ocorrem os sufixos com a variante palatal, existem semelhanças com a distribuição geográfica das localidades com maior incidência de [oj]. A partir do Mapa_4, e confrontando-o com o Mapa_3, posso constatar que essas semelhanças existem especialmente no noroeste português; a leste numa faixa muito estreita de Trás-os-Montes; em localidades de Vila Real; nas Beiras (Alta e Litoral), na Estremadura (incluindo o norte do distrito de Setúbal) e no Ribatejo. Excetua-se somente o sul de Portugal, onde, embora ocorra o ditongo [oj] nestes sufixos e nas restantes palavras do corpus, não encontrei áreas de maior predominância de [oj] (com exceção de Campo Maior, embora este seja um caso especial).

Entre outros resultados apurados neste trabalho posso verificar que a norte do rio Douro, nas áreas em que maior uso do ditongo [oj] (cf. Mapa_5) ocorrem diversas realizações fonéticas dos ditongos [ow] e [oj] ([æw], [?w], [?w], [aw], [?w] /[ej], [?j],[aj]). As variantes de [ow][9] ocorrem em diversas palavras do corpus, enquanto as variantes de [oj] ocorrem sempre na palavra "rouxinol": "reixinol" [rej?in'??]; "raixinol" [r?j?in'??]; "ráixinol" [raj?in'??]. Para além da área referida, uma variante de [oj] volta a surgir em Monsanto (123), Castelo Branco, e.x: "raixinol" [r?j?in'??], o que reforça a ideia de esforço para prevenir a monotongação levando em conta o contato desta localidade com a língua vizinha, (cf. o caso de Campo Maior). Mais a sul, nos distritos de Aveiro e Viseu, posso constatar que em localidades próximas da fronteira de transição de [ow] para [o], voltam a ocorrer diversas realizações fonéticas de [ow] e [oj], respetivamente, em Pardilhó (90), Aveiro, e em Malhada (85), Viseu (cf. Mapa_5). Estes resultados parecem estar de acordo com a observação de Cintra:

A grande expansão da variante [?i?] parece-me característica dos falares populares regionais de uma zona de fronteira entre a região em que se produz a monotongação e aquela em que se conserva o ditongo (nas suas variantes [?u?] ou [?u?]) (1983: 45)

Sobre os distritos de Aveiro e Viseu, Leite de Vasconcelos fez algumas observações interessantes nos Opúsculosacerca do comportamento do ditongo ouno distrito de Aveiro: "O ditongo ouaparece monotongado nuns casos, noutros aparece transformado no ditongo ôi: ôro, cumprô, e rôibar, rôibam, môico" (1985: 297). Nos meus resultados para o distrito de Aveiro, observo que os informantes ou monotongam ou utilizam outras estratégias para evitar a monotongação total: outono, ôtono; ouvir, ôvir, roupa, rôpa; pouco, pôco, peuco ([p'æwku]); touro, tôro, tauro([t'aw?u]); touro, toiro; couro, cauro([k'?w?u]); couro, coiro; couce, cauce([k'?ws?]); couce, coice; noute, nôte; noute, noite; outro/outra, ôtro/ôtra; outro/outra, oitro/oitra; fouce, foice. Quanto ao distrito de Viseu, distrito português cuja realização predominante é o ditongo [oj], os meus resultados vão ao encontro das observações de Vasconcelos; o autor aos descrever os falares de Tabuaço (localidade do distrito de Viseu) nos Opúsculosdiz: "O ditongo ousofre na linguagem de Tabuaço diversas transformações, como tenho observado várias vezes [] b)Muda-se em ôi(como em grande parte do distrito de Viseu); exs: ôiteiro, dôido, côiro, ôitro, sôito, môita, côito, biscôito, lôiça()" (Ibidem: 252, § 8, b). A partir do Mapa_2 podemos ver que a norte do rio Douro as variantes com maior atestação são os ditongos [ow] e [oj]; a sul do rio, no distrito de Viseu, mas também nos distritos de Aveiro e Guarda, em algumas localidades, começam a existir localidades com maior uso de [o]. Pode-se admitir que em algumas localidades exista a substituição de oupor oie que noutros se mantenha o ditongo etimológico oi.

Os resultados apurados para o nordeste português, distrito de Bragança, e leste, distrito da Guarda podem-se confrontar com a situação asturiana, i.e., os falares asturianos (cf. Rodriguez-Castellano, 1954) e os falares fronteiriços do concelho de Sabugal (cf. Maia, 1977). Nestes falares oisurge como forma para evitar a monotongação.

Por fim, através da aplicação de um teste estatístico (Coeficiente de Correlação de Pearson) pude verificar qual o nível de correlação (ou grau de associação) entre as variantes em estudo, procurando especialmente saber se existe uma correlação entre o ditongo [oj] e o monotongo [o] que comprove que o primeiro é usado como forma para evitar o segundo. A Tabela_2 mostra os resultados apurados:

Tabela 2 - Valores de Correlação _____________________ |Valores_de_Correlaç?o |[ow]_[oj]|r_=_-0,27__| |[ow]_[o]_|r_=_-0,98__| |[oj]_[o]_|r_=_0,05___|

O valor de correlação (ou grau de associação) entre [ow] [oj] e [ow] [o] é abaixo de 0: 0,27% e -0,98%, o que quer dizer que o grau de associação é negativo, ou seja, quando uma realização aumenta, a outra diminui. Para ambos os pares os resultados mostram que as realizações são independentes. Por outro lado, o valor de correlação entre [oj] [o] apresenta um valor baixo mas positivo 0,05%; quer dizer que existe algum grau de associação entre o ditongo [oj] e o monotongo [o] (cf. com os resultados das ocorrências de [oj] e [o] na Tabela_1 para os distritos de Aveiro, Viseu, Guarda e Coimbra, ou seja, as áreas ameaçadas pela monotongação). Quando uma destas realizações aumenta, a outra aumenta de forma igual. Por outras palavras: se existir uma tendência para a monotongação, os valores parecem sugerir que o falante poderá contrariar essa tendência com o uso do ditongo palatal.

4. Conclusão Este estudo, partindo de uma hipótese levantada por Cintra, verifica-a mediante um estudo sistemático, que inclui a cartografia dos dados. Após a análise de diversos aspetos pude concluir que as observações de Cintra se encontram corretas quanto ao maior uso de [oj] em áreas ameaçadas pela monotongação, especificamente em áreas próximas ou que se encontram na zona de transição dialetal entre a conservação de [ow] e a monotongação em [o]. Nestas áreas a maior incidência do ditongo [oj] deve-se a um esforço para prevenir a monotongação; complementarmente, ocorrem também outras estratégias por parte dos falantes, tais como, realizações variáveis dos ditongos [ow] e [oj], formas que previnem a monotongação. O teste estatístico demonstrou que existe algum grau de correlação entre as variantes [oj] e [o]. Tal fato vem corroborar o uso do ditongo [oj] como esforço de diferenciação vocálica.

Por fim, a título de sugestão para uma futura investigação, se atentarmos de novo para as áreas demarcadas com maior incidência de [oj], destacam-se diversas áreas a sul do rio Mondego e até à península de Setúbal em que [oj] é também predominante. Sem ter tido tempo para uma averiguação mais aprofundada, é interessante comparar a distribuição geográfica destas áreas/localidades com algumas fronteiras lexicais e fonéticas traçadas por Cintra e expostas no artigo "Une Frontière Lexicale et Phonétique dans le Domaine Linguistique Portugais" (1983: 95-105). Nesse artigo, Cintra chama a atenção para o contraste cultural e linguístico que separa o Norte do Sul, acentuado ao longo dos séculos e originado pela ação da "Reconquista".


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