A variação ou ̃ oi em Portugal continental: delimitação das áreas geográficas
com maior incidência do ditongo oi
1. Introdução
Num texto de Lindley Cintra, o qual tomo como motivação teórica para este
trabalho "Os ditongos decrescentes oue ei: esquema de um estudo sincrónico e
diacrónico" (Cintra, 1983: 35-54), o autor faz várias observações sobre a
situação atual dos ditongos oue eie suas variantes no ocidente peninsular,
levantando algumas questões interessantes sobre a distribuição e maior
incidência do ditongo oiem algumas áreas geográficas. Na sua opinião, nessas
áreas a variação dos ditongos é menor, ocorrendo maioritariamente oi.
A variação dos ditongos oue oié comum no português atual e ocorre em
determinadas palavras. O ditongo oué proveniente do ditongo auprimário ou
secundário e alterna frequentes vezes com oiquando este é procedente da
vocalização de cno grupo ctou formado a partir da atração do iode primário da
sílaba seguinte: au> ou: tauru> touro (~ toiro), raupa> roupa (~ roipa); al>
ou: calce> couce (~ coice), altariu> outeiro (~ oiteiro); nocte> noite (~
noute), octo> oito (~ outo); coriu> coiro (~ couro); tonsoria> tesoira (~
tesoura); -toriu> -dorio > -doiro (~ -douro). A alternância estendeu-se a
outras palavras cujos ditongos tinham outras origens, p.e: tucca> toucinho(~
toicinho), *caçoou caçoulo > caçoula (~ caçoila)(Houaiss, 2001).
Com base nos resultados dos inquéritos realizados para o Atlas Linguístico da
Península Ibérica(ALPI) no território português continental, Cintra (1983: 119-
159) toma como um dos traços fonéticos diferenciadores a pronúncia do ditongo
ou, realizado no norte como [ow] ou [?w], enquanto no sul se dá a monotongação
em [o]. Assim, Cintra traça uma isófona de divisão entre a área geográfica
portuguesa setentrional conservadora do ditongo [ow], região que corresponde ao
Minho, Trás-os-Montes, Douro Litoral e parte da Beira Alta e Interior, e a área
de monotongação em [o], área designada como centro-meridional, região que
corresponde a uma parte da Beira Alta e a maior parte da Beira Litoral, Beira
Interior, Ribatejo, Estremadura, Alentejo e Algarve. No mesmo trabalho, Cintra
nota que o maior uso de oiparece registar-se na região de entre Douro e Tejo,
especificamente em alguns falares regionais em zonas ameaçadas pela
monotongação.
No artigo de Cintra estão expostas as opiniões de alguns autores como Leite de
Vasconcelos, o qual crê que o uso de ouou oiem determinadas palavras se dê por
razões dialetais e estilísticas. Para este autor a variante oi"‘(…) existe mais
ou menos em todo o país, pois alterna com ouem certas palavras: doisou dous,
oiroou ouro’ […] ‘há algumas palavras em que oié dialectal, e não geral, como
oivir, toica(em Moncorvo)’" (apud idem, ibid.: 43).
Em os Estudos de Philologia Mirandesa, Vasconcelos diz: "Póde escrever-se em
português Cicouroe Cicoiro, como Douroe Doiro, ouroe oiro, noutee noite. Em
geral na nossa língoa, o ditongo oireflecte a pronúncia popular, o ditongo oua
pronúncia literária" (p. 75).
Paiva Boléo dá a sua opinião sobre este assunto em a Introdução ao Estudo da
Filologia Portuguesa:
De uma maneira geral, o ditongo oié mais popular e mais usado que ou,
aparecendo em palavras que na linguagem corrente têm ou: oirives,
oitono, oitubro(Vej. "Rev. Lus.", XXVIII, 1930), coibe
(couve), etc. No entanto, há regiões, p.ex. no Norte, onde o ditongo
ouaparece em palavras que correntemente se ouvem com oi: loura,
biscouto, doudeira,etc. (p. 91)
Para Gonçalves Viana (apudCintra, 1983: 45) a alternância parece estar
relacionada com questões de contexto fónico: " (…) este ditongo alterna
indiferentemente com oumormente antes de -re -te-". Cintra pensa que embora a
alternância ocorra nas cidades, na linguagem das aldeias é inexistente; ou
seja, as palavras são pronunciadas sempre da mesma maneira, fenómeno idêntico
ao Caipira, um falar da antiga província de São Paulo. Amadeu Amaral (1955) ao
descrever este falar nota a falta de sincretismo que ocorre no português
europeu e na gente culta do Brasil. Em contínua apreciação das opiniões dadas,
Cintra crê que o ditongo oiexiste em todos os falares portugueses nas palavras
em que o ié etimológico, seja nos casos de metátese como coiro, ou proveniente
da vocalização da consoante cno grupo ctcomo em noite, embora possa, por vezes,
alternar com ouou ô. Nessas zonas de predominância de oi, o ditongo manteve-se
nos casos etimológicos, mas também aparece em palavras em que é esperado ouou
ô. Cintra conclui que, independentemente da etimologia, existem zonas em que as
palavras são pronunciadas na maior parte dos casos com o ditongo ou, outras com
o monotongo ô, e outras com o ditongo oi. A distinção dessas zonas e falares é
o seu objetivo principal:
A distinção que me parece necessária é a distinção entre falares e
zonas linguísticas em que predomina [?], seja qual for a etimologia,
e falares e zonas em que predomina [?i̯] ou [?]; entre falares e
zonas, portanto, em que se ouve oiro, toiro, foice, oitro, roipa,
oiteiro,ainda que num ou noutro caso apareça [?u̯] ou [?], e outros
em que se ouve ouro, touro, fouce, outro, roupa, outeiro,ou ôro,
tôro, fôce, ôtro, ôteiro, rôpa, embora algumas palavras apresentem
[?i̯]. Ora, esta distinção não só é possível como necessária. (1983:
44)
No mesmo trabalho, Cintra sugere que a região em que parece existir maior
predominância de oié a zona de transição entre [ow] e [o].
Neste artigo, pretendo verificar as hipóteses de Cintra: (i) o ditongo
oipredomina em áreas ameaçadas pela monotongação; (ii) a substituição de oupor
oiresulta de um esforço de conservação do ditongo.
A alternância que se verifica entre os ditongos decrescentes não é um fenómeno
do português atual. Existem registos em textos antigos que podem situar o
início da alternância no séc. XIII, no período linguístico do galego-português,
tal como atestam os trabalhos de Maia (1986: 555-556)[1]e Cintra (1984: 174,
nota 47).[2] A alternância tornou-se mais frequente nos séculos seguintes (cf.
Mattos e Silva 1989: 87; Abraham 1938: § 28).[3]
Quanto ao início da monotongação do ditongo ouromânico, Cintra supõe que esta
tenha surgido no sul, a partir dos séculos XII-XIII, em território que viria a
ser português, e que se tenha expandido em direção ao norte nos séculos XIII-
XIV.
O tema da alternância dos ditongos oue oifoi já debatido frequentes vezes por
diversos autores e assumindo diferentes perspetivas. As teorias e explicações
mais comuns para a origem da alternância são: 1) a semivocalização da consoante
cno grupo latino ctque evoluiu para [w] ou [j] (cf. Williams 1994: § 92 7. C.);
2) a "confusão" da terminação sufixal –toriucom a terminação –auru(cf.
bebedoiro ~ moiro ( mouro < mauru) (cf. Lucius Gaston Moffat)[4]; 3) o ditongo
oué resultado de uma evolução de caráter culto ou semiculto, e o ditongo oié
popular ou dialetal (cf. Maia, 1986: 556; Vasconcelos, 1970: 91; Boléo, 1946:
91). Para Cintra, após a revisão das explicações de diversos autores sobre a
origem da alternância (algumas aqui citadas), o autor concorda parcialmente com
Gaston Moffat:
(...) parece-me preferível admitir que o ponto de partida da passagem
de oua oiesteja em alguns casos particulares a que aludiram autores
anteriormente citados, mais provavelmente nos casos em que a
terminação -ouro (<AURU) se confundiu e começou a alternar com -
(d)oiro (<-TORIU), segundo a hipótese de L.G. Moffat, e em certos
outros em que, na vocalização de uma consoante, se registou uma
oscilação que tanto podia conduzir à fixação do estreitamento
caracterizador na região palatal como velar […] Mas o factor decisivo
na expansão de oi teria sido a tendência a evitar a fusão dos
elementos do ditongo, exercendo-se principalmente no falar popular de
zonas ameaçadas pela aproximação de uma corrente monotongadora. Só
essa tendência me parece susceptível de explicar a extraordinária
frequência de oipor ouem certas linguagens regionais, que está
certamente na origem da abundante penetração do fenómeno da linguagem
literária. (1983: 51-52)
Uma outra estratégia usada pelos falantes para evitar a monotongação é o uso de
uma variante do ditongo [ow], a variante [?w], muito ouvida em Trás-os-Montes,
em parte de Entre Douro e Minho e numa parte da Beira. Neste aspeto o ditongo
[oj], e o seu uso em zonas ameaçadas pela monotongação, é comparável ao uso
dessa variante:
Creio que, quando consideramos […] a localização geográfica actual
das zonas onde nos falares regionais existe e predomina oipor
ou,zonas de fronteira entre a conservação do ditongo e a sua
monotongação, e, muito principalmente, a localização da zona
austuriana […], não podemos deixar de nos sentir preferentemente
atraídos pela última destas explicações: [oi] aparece-nos
efectivamente como mais um resultado – comparável neste aspecto a
[?u?] – da tendência a fugir à monotongação pelo afastamento dos dois
elementos do ditongo. (Ibidem: 50)
Um dos aspetos contemplados na literatura teórica sobre a passagem de oua
oiestá exatamente relacionado com a constituição do ditongo. Visto o ditongo
[oj] ser composto por dois elementos de séries diferentes, a vogal é posterior
e a semivogal é anterior, existem menores probabilidades de ocorrer a
monotongação. No ditongo [ow] a proximidade articulatória entre [o] e [w] é
muito estreita. No caso do ditongo [ej], a distância articulatória é maior
entre [e] e [j], ainda que a abertura do maxilar seja a mesma para ambos os
ditongos, reduzindo, assim, as possibilidades de ocorrer a monotongação (cf.
Martinet, 1970: 99). Podemos, desta forma, assumir que, nos casos em que ocorre
o ditongo velar dissimilado ou o ditongo palatal, existem menores
probabilidades de ocorrer a monotongação.
2. Metodologia
Face aos objetivos deste trabalho, identificar no território português as áreas
de maior predominância de [oj] e verificar se esse uso está relacionado com uma
tentativa de evitar a monotongação recorri a 3 atlas linguísticos: o Atlas
Linguístico da Península Ibérica(ALPI) o Atlas Linguarum Europae(ALE) e o Atlas
Linguístico-Etnográfico de Portugal e da Galiza(ALEPG).[5] A partir destes fiz
o levantamento das palavras que ocorressem com maior frequência resultando num
corpusde 26 palavras em que ocorrem os ditongos oue oiem posição inicial e
medial de palavra: outono, outro/outra, ouvir, oito, roupa, touro, choupo,
tesoura, couve, rouxinol, toupeira, pouco, toucinho, coice, coiro, noite,
foice, dezoito, coisa, caçoila, suadouro, calcadouro, bebedouro, manjedoura,
cantadoura e roçadoura.[6] Os dados foram levantados de um total de 503
informantes do sexo masculino e feminino em 228 pontos de inquérito em18
distritos portugueses. Estabeleci uma rede de localidades com os pontos
selecionados, a qual apresento em apêndice juntamente com o Mapa_1 – Rede de
Localidades (v. no Apêndice_2 a Lista de Localidades). Após o levantamento das
respostas procedi (i) à organização e contagem dos dados por tipo de ocorrência
atestada em cada localidade e distrito (v. no Apêndice_2 a tabela de
ocorrências); (ii) cartografagem dos dados, i.e., o registo dos dados
linguísticos apurados neste trabalho em mapas do tipo interpretativo onde é
possível visualizar a distribuição geográfica dos ditongos [ow] e [oj] e do
monotongo [o] no território português continental; (iii) delimitação das áreas
com maior incidência do ditongo [oj]; (iv) análise da distribuição geográfica
dos sufixos douro/-doiroe -doura/-doira; (v) aplicação de um teste estatístico
(Correlação) por forma a determinar qual o nível de associação/correlação entre
as 3 realizações em estudo, especialmente, entre [oj] e [o].
3. Resultados
Das respostas de 503 informantes obtive um total de 3272 ocorrências das
realizações em estudo, sendo que 806 ocorrências são do ditongo [ow], 948 do
ditongo [oj] e 1518 do monotongo [o]. A Tabela_1 apresenta o nº de ocorrrências
de [ow], [oj] e [o] e as suas percentagens em cada distrito português.
Tabela 1 – Nº de ocorrências de [ow], [oj] e [o] e percentagens por distrito
____________________________________________________
|________________|N.º_de_ocorrênci|Percentagens____|
|Distrito________|[ow]|[oj]|[o]_____|%[ow]|%[oj]|%[o]|
|Viana_do_Castelo|120_|33__|12______|72,7_|20___|7,3_|
|Braga___________|107_|57__|11______|61,1_|32,6_|6,3_|
|Vila_Real_______|114_|51__|19______|61,9_|27,7_|10,3|
|Bragança_______|168_|53__|18______|70,2_|22,1_|7,5_|
|Porto___________|90__|42__|8_______|64,3_|30___|5,7_|
|Aveiro__________|67__|31__|31______|51,9_|24___|24__|
|Coimbra_________|20__|54__|79______|13,1_|35,3_|51,6|
|Viseu___________|43__|50__|46______|30,9_|35,9_|33__|
|Guarda__________|34__|66__|67______|20,3_|39,5_|40,1|
|Castelo_Branco__|11__|44__|144_____|5,5__|22,1_|72,4|
|Leiria__________|14__|55__|100_____|8,3__|32,5_|59,2|
|Lisboa__________|4___|68__|93______|2,4__|42,2_|56,4|
|Setúbal________|1___|48__|121_____|0,6__|28,2_|71,2|
|Santarém_______|1___|52__|117_____|0,6__|30,6_|68,8|
|Portalegre______|4___|56__|171_____|1,7__|24,2_|74__|
|Évora__________|1___|62__|159_____|0,4__|27,9_|71,6|
|Beja____________|4___|39__|139_____|2,1__|21,4_|76,3|
|Faro____________|3___|87__|183_____|1,1__|31,8_|67__|
|Total___________|806_|948_|1518____|25___|28___|46__|
A Tabela_1 revela 3 grupos distintos: em alguns distritos do norte (Viana do
Castelo, Braga, Vila Real, Bragança e Porto), das 3 realizações em estudo, o
ditongo [ow] é a variante mais usada em cada distrito; nos distritos da área
meridional (Castelo Branco, Leiria, Lisboa, Setúbal, Santarém, Portalegre,
Évora, Beja e Faro), o monotongo [o] é a variante mais usada. Em cada um dos
distritos destes dois grupos podemos verificar que existem grandes diferenças
entre as percentagens de uso da variante mais usada e as percentagens das
restantes variantes. Um terceiro grupo é composto pelos distritos de Aveiro,
Coimbra, Guarda e Viseu, onde se registam diferentes resultados: no distrito de
Aveiro, o ditongo [ow] é a variante mais usada; nos distritos de Coimbra e
Guarda o monotongo [o] é a variante mais usada, e no distrito de Viseu o
ditongo [oj] é a variante mais usada. No entanto, nestes distritos a
distribuição das frequências das 3 realizações faz-se de forma mais semelhante
ou homogénea que em qualquer outro distrito português. Tal resultado sugere que
nestes distritos existe uma instabilidade quanto à pronúncia dos ditongos.
Vejamos de seguida como se distribuem as 3 variantes em todo o território
continental (v. Mapa_2).
Para esta análise tomei em conta a realização com maior atestação em cada
localidade.[7]
Na contabilização total dos dados e na triagem da realização com maior
atestação em cada localidade (uma média de 10 a 15 ocorrências por localidade),
obtive o seguinte resultado: (i) o ditongo [ow] é a realização com maior
atestação em 79 localidades (79/228 localidades); em 6 localidades [ow] co-
ocorre em igual nº de ocorrências com outras variantes[8]; (ii) o monotongo [o]
é a realização com maior atestação em 114 localidades (114/228 localidades); em
7 localidades [o] co-ocorre em igual nº de ocorrências com outras variantes;
(iii) o ditongo [oj] é a realização com maior atestação em 44 localidades (44/
228 localidades); em 10 localidades [oj] co-ocorre em igual nº de ocorrências
com outras variantes.
3.1. Distribuição geográ?ca do ditongo [ow] e do monotongo [o]
O ditongo [ow] tem a sua maior incidência na área mais setentrional portuguesa,
a norte do rio Douro, na região do Minho, Beira-Alta e Trás-os-Montes. A sul do
Douro, em algumas localidades do distrito de Aveiro e também com algum
ressurgimento em escassas localidades dos distritos de Coimbra, Leiria e
Castelo Branco.
O monotongo [o] apresenta maior ênfase a sul da linha do rio Douro, e com
notória expressão a partir do Mondego até ao Algarve, abrangendo a leste parte
da Beira-Alta e toda a Beira-Interior.
3.2. Distribuição geográ?ca das áreas de maior incidência do ditongo [oj]
As áreas geográficas de maior incidência do ditongo [oj] correspondem, em
alguns casos, a localidades isoladas, noutros casos são localidades mais
próximas umas das outras; podemos considerar que sejam "ilhotas" de maior uso
do ditongo [oj].
A começar de norte para sul o ditongo [oj] aparece como a variante predominante
em 34 localidades (sem co-ocorrentes): Balugães (25), Apúlia (39), Fafe (43),
distrito de Braga; Nevogilde (65), Gondar (66), distrito do Porto; Carrazedo de
Montenegro (33), Vilarinho de Samardã (54), Sedielos (67), distrito de Vila
Real; Vimioso (35), Lagoaça (64), distrito de Bragança; Sobrado de Paiva (74),
Famalicão (107), distrito de Aveiro; São João da Pesqueira (76), Ester de Cima
(83), Vale de Matos (84), Moimenta da Beira (86), distrito de Viseu; Vale da
Mula (97), Casas do Soeiro (98), Vilar Formoso (99), Figueiró da Serra (103),
distrito da Guarda; Mira (106), Vila Pouca do Campo (119), Lavos (124),
distrito de Coimbra; Chainça (139), Leiria; Almeirim (160), Coruche (172),
distrito de Santarém; Sobreiro (170), Povos (171), Aldeia Galega (179),
Almargem do Bispo (180), Alcabideche (184), distrito de Lisboa; Moita (189),
Santana (195), distrito de Setúbal. A leste, em Campo Maior (174), Portalegre,
o ditongo [oj] aparece com especial incidência nas palavras que compõem o
corpusdeste trabalho (somente em posição inicial e medial de palavra). Trata-se
de um único caso na área meridional; talvez este uso se deva ao fato de a
localidade se encontrar junto à fronteira e sob a influência do Castelhano (cf.
o falar de Olivença e o estudo de José Luis Valiña Reguera Os Falares
Fronteiriços de Olivença e Campo Maior: falar alentejano e diversa
castelhanização).
Em suma, temos diversas localidades a norte do rio Douro, numa área que se
estende do litoral até terras transmontanas (área onde também ocorrem muitas
variantes fonéticas dos ditongos [ow] e [oj], as quais mostrarei mais adiante,
incluindo a variante do ditongo [ow] já referida por Cintra, a variante [?w].
Nesta região, o ditongo [oj], como variante predominante, surge um pouco abaixo
das regiões mais setentrionais de Portugal. No norte dos distritos de Bragança,
Vila Real e em todo o distrito de Viana do Castelo existe uma sólida
conservação de ou. A variação com oiocorre sobretudo quando oié etimológico
(oito, noite, coiro, dezoito). As áreas de maior incidência de [oj] abrangem
também algumas localidades a norte da isófona da passagem de [ow] > [o] nos
distritos de Aveiro, Viseu e Guarda, e a sul da isófona, em localidades
próximas da fronteira dialetal, também no distritos de Aveiro, Viseu e a leste
no distrito da Guarda. Podemos considerar serem estas as zonas ameaçadas pela
monotongação.
Por forma a corroborar a distribuição de [oj] tendo em conta somente a sua
predominância, pois como Vasconcelos mencionou na Esquisse d’une dialectologie
portugaise(1901: 91), este ditongo existe em todo o país, recorri à análise da
distribuição dos sufixos –douro/ae –doiro/aa partir do levantamento das
respostas a 6 palavras que contêm estes sufixos (cf. Mapa_4). Interessa
sobretudo verificar se nas áreas em que ocorrem os sufixos com a variante
palatal, existem semelhanças com a distribuição geográfica das localidades com
maior incidência de [oj]. A partir do Mapa_4, e confrontando-o com o Mapa_3,
posso constatar que essas semelhanças existem especialmente no noroeste
português; a leste numa faixa muito estreita de Trás-os-Montes; em localidades
de Vila Real; nas Beiras (Alta e Litoral), na Estremadura (incluindo o norte do
distrito de Setúbal) e no Ribatejo. Excetua-se somente o sul de Portugal, onde,
embora ocorra o ditongo [oj] nestes sufixos e nas restantes palavras do corpus,
não encontrei áreas de maior predominância de [oj] (com exceção de Campo Maior,
embora este seja um caso especial).
Entre outros resultados apurados neste trabalho posso verificar que a norte do
rio Douro, nas áreas em que há maior uso do ditongo [oj] (cf. Mapa_5) ocorrem
diversas realizações fonéticas dos ditongos [ow] e [oj] ([æw], [?w], [?w],
[aw], [?w] /[ej], [?j],[aj]). As variantes de [ow][9] ocorrem em diversas
palavras do corpus, enquanto as variantes de [oj] ocorrem sempre na palavra
"rouxinol": "reixinol" [rej?in'??]; "raixinol" [r?j?in'??]; "ráixinol"
[raj?in'??]. Para além da área referida, uma variante de [oj] volta a surgir em
Monsanto (123), Castelo Branco, e.x: "raixinol" [r?j?in'??], o que reforça a
ideia de esforço para prevenir a monotongação levando em conta o contato desta
localidade com a língua vizinha, (cf. o caso de Campo Maior). Mais a sul, nos
distritos de Aveiro e Viseu, posso constatar que em localidades próximas da
fronteira de transição de [ow] para [o], voltam a ocorrer diversas realizações
fonéticas de [ow] e [oj], respetivamente, em Pardilhó (90), Aveiro, e em
Malhada (85), Viseu (cf. Mapa_5). Estes resultados parecem estar de acordo com
a observação de Cintra:
A grande expansão da variante [?i?] parece-me característica dos
falares populares regionais de uma zona de fronteira entre a região
em que se produz a monotongação e aquela em que se conserva o ditongo
(nas suas variantes [?u?] ou [?u?]) (1983: 45)
Sobre os distritos de Aveiro e Viseu, Leite de Vasconcelos fez algumas
observações interessantes nos Opúsculosacerca do comportamento do ditongo ouno
distrito de Aveiro: "O ditongo ouaparece monotongado nuns casos, noutros
aparece transformado no ditongo ôi: ôro, cumprô, e rôibar, rôibam, môico"
(1985: 297). Nos meus resultados para o distrito de Aveiro, observo que os
informantes ou monotongam ou utilizam outras estratégias para evitar a
monotongação total: outono, ôtono; ouvir, ôvir, roupa, rôpa; pouco, pôco, peuco
([p'æwku]); touro, tôro, tauro([t'aw?u]); touro, toiro; couro, cauro([k'?w?u]);
couro, coiro; couce, cauce([k'?ws?]); couce, coice; noute, nôte; noute, noite;
outro/outra, ôtro/ôtra; outro/outra, oitro/oitra; fouce, foice. Quanto ao
distrito de Viseu, distrito português cuja realização predominante é o ditongo
[oj], os meus resultados vão ao encontro das observações de Vasconcelos; o
autor aos descrever os falares de Tabuaço (localidade do distrito de Viseu) nos
Opúsculosdiz: "O ditongo ousofre na linguagem de Tabuaço diversas
transformações, como tenho observado várias vezes […] b)Muda-se em ôi(como em
grande parte do distrito de Viseu); exs: ôiteiro, dôido, côiro, ôitro, sôito,
môita, côito, biscôito, lôiça(…)" (Ibidem: 252, § 8, b). A partir do Mapa_2
podemos ver que a norte do rio Douro as variantes com maior atestação são os
ditongos [ow] e [oj]; a sul do rio, no distrito de Viseu, mas também nos
distritos de Aveiro e Guarda, em algumas localidades, já começam a existir
localidades com maior uso de [o]. Pode-se admitir que em algumas localidades
exista a substituição de oupor oie que noutros se mantenha o ditongo
etimológico oi.
Os resultados apurados para o nordeste português, distrito de Bragança, e
leste, distrito da Guarda podem-se confrontar com a situação asturiana, i.e.,
os falares asturianos (cf. Rodriguez-Castellano, 1954) e os falares
fronteiriços do concelho de Sabugal (cf. Maia, 1977). Nestes falares oisurge
como forma para evitar a monotongação.
Por fim, através da aplicação de um teste estatístico (Coeficiente de
Correlação de Pearson) pude verificar qual o nível de correlação (ou grau de
associação) entre as variantes em estudo, procurando especialmente saber se
existe uma correlação entre o ditongo [oj] e o monotongo [o] que comprove que o
primeiro é usado como forma para evitar o segundo. A Tabela_2 mostra os
resultados apurados:
Tabela 2 - Valores de Correlação
_____________________
|Valores_de_Correlaç?o
|[ow]_[oj]|r_=_-0,27__|
|[ow]_[o]_|r_=_-0,98__|
|[oj]_[o]_|r_=_0,05___|
O valor de correlação (ou grau de associação) entre [ow] – [oj] e [ow] – [o] é
abaixo de 0: 0,27% e -0,98%, o que quer dizer que o grau de associação é
negativo, ou seja, quando uma realização aumenta, a outra diminui. Para ambos
os pares os resultados mostram que as realizações são independentes. Por outro
lado, o valor de correlação entre [oj] [o] apresenta um valor baixo mas
positivo 0,05%; quer dizer que existe algum grau de associação entre o ditongo
[oj] e o monotongo [o] (cf. com os resultados das ocorrências de [oj] e [o] na
Tabela_1 para os distritos de Aveiro, Viseu, Guarda e Coimbra, ou seja, as
áreas ameaçadas pela monotongação). Quando uma destas realizações aumenta, a
outra aumenta de forma igual. Por outras palavras: se existir uma tendência
para a monotongação, os valores parecem sugerir que o falante poderá contrariar
essa tendência com o uso do ditongo palatal.
4. Conclusão
Este estudo, partindo de uma hipótese levantada por Cintra, verifica-a mediante
um estudo sistemático, que inclui a cartografia dos dados. Após a análise de
diversos aspetos pude concluir que as observações de Cintra se encontram
corretas quanto ao maior uso de [oj] em áreas ameaçadas pela monotongação,
especificamente em áreas próximas ou que se encontram na zona de transição
dialetal entre a conservação de [ow] e a monotongação em [o]. Nestas áreas a
maior incidência do ditongo [oj] deve-se a um esforço para prevenir a
monotongação; complementarmente, ocorrem também outras estratégias por parte
dos falantes, tais como, realizações variáveis dos ditongos [ow] e [oj], formas
que previnem a monotongação. O teste estatístico demonstrou que existe algum
grau de correlação entre as variantes [oj] e [o]. Tal fato vem corroborar o uso
do ditongo [oj] como esforço de diferenciação vocálica.
Por fim, a título de sugestão para uma futura investigação, se atentarmos de
novo para as áreas demarcadas com maior incidência de [oj], destacam-se
diversas áreas a sul do rio Mondego e até à península de Setúbal em que [oj] é
também predominante. Sem ter tido tempo para uma averiguação mais aprofundada,
é interessante comparar a distribuição geográfica destas áreas/localidades com
algumas fronteiras lexicais e fonéticas traçadas por Cintra e expostas no
artigo "Une Frontière Lexicale et Phonétique dans le Domaine Linguistique
Portugais" (1983: 95-105). Nesse artigo, Cintra chama a atenção para o
contraste cultural e linguístico que separa o Norte do Sul, acentuado ao longo
dos séculos e originado pela ação da "Reconquista".